sábado, 29 de novembro de 2008

Idosos: Classe média e média baixa com pouca oferta de serviços de qualidade e a preços acessíveis

Idosos: Classe média e média baixa com pouca oferta de serviços de qualidade e a preços acessíveis
29 de Novembro de 2008, 10:20

Lisboa, 29 Nov (Lusa) - As famílias portuguesas de classe média e média baixa têm pouca oferta de serviços de apoio aos seus idosos com qualidade e a preços acessíveis, segundo um estudo de avaliação das necessidades dos seniores em Portugal a que a Lusa teve acesso.

O estudo, financiado pela Fundação Aga Khan e realizado pelo Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano e pela Boston Consulting Group, foi feito com base em entrevistas a 1300 pessoas e análise da oferta existente no mercado.

Em Portugal, segundo o estudo, os serviços são prestados pelo sector público para os idosos com baixo rendimento, e pelo sector privado para os de rendimento médio-alto e alto.

Para as famílias das classes média e média baixa a oferta é reduzida.

"O actual panorama resulta numa resposta incipiente à satisfação das necessidades de grande parte da população", refere o estudo, adiantando que, "de facto, as organizações públicas e sem fins lucrativos não têm capacidade para abranger na totalidade o segmento de rendimentos médio-baixos".

Esta situação, adianta o estudo, leva a que operadores formais prestem serviços a preços que não são acessíveis à maior parte destas pessoas, pelo que acabam por ser servidos por operadores informais, de forma insuficiente e com graves rupturas.

O custo médio por utente por mês varia. No caso das Misericórdias (terceiro sector), por exemplo, o custo é de 722 euros nos lares para grandes dependentes, 614 euros nas residências assistidas e 482 nos lares.

Já no que respeita aos serviços formais prestados pelo sector privado, os valores rondam os 650 e os 1.250 euros por mês para os cuidados residenciais e os dois mil euros para cuidados domiciliários (24 horas por dia) ou até mesmo os três mil euros se for de cariz médico.

Tendo em conta que os serviços informais de cuidados permitem aos idosos permanecerem em casa mais tempo e são mais baratos do que a maioria dos serviços formais, estes tendem a ser o primeiro recurso das famílias.

Estes serviços, explica o estudo, têm geralmente um cariz social e são prestados por mulheres que acumulam tarefas domésticas (limpeza da casa, tratar da roupa, cozinhar), mas são também caracterizados por várias situações irregulares.

"A maior parte dos prestadores de cuidados não tem contratos formais nem declara os rendimentos das suas actividades. Além disso, alguns prestadores de cuidados que são imigrantes não têm documentos", refere o estudo, citando um relatório da Eurofamcare.

Ocasionalmente, os serviços informais têm um cariz médico. São prestados por enfermeiros que estão reformados ou trabalham em paralelo em unidades médicas, mas apenas as famílias de rendimento médio-alto conseguem recorrer a estes serviços devido aos elevados custos associados.

O estudo considera que os serviços disponíveis para cuidados a idosos continuam a ser insuficientes, apesar do investimento feito pelo governo, em particular ao nível dos serviços domiciliários e centros de convívio e também do papel das organizações da sociedade civil, tais como associações, mutualidades, cooperativas, fundações e misericórdias.

Nas misericórdias por exemplo, são dadas respostas sociais a idosos através de famílias e acolhimento, apoio domiciliário, centros de dia e lares de grande dependência.

A capacidade total destas respostas é de 30.720 vagas, mas ainda assim existem 17.567 utentes em lista de espera, dos quais 14.679 para as casas de repouso.

O estudo, agora divulgado, tem como objectivo central promover o conhecimento das tendências e necessidades da população portuguesa com 55 ou mais anos de idade, sendo um dos contributos da Fundação Aga Khan para o conhecimento da situação portuguesa, plasmado num protocolo assinado com o Estado português.

A Fundação Aga Khan foi criada em 1967 e está vocacionada para o apoio às comunidades mais vulneráveis, independentemente da sua origem étnica, género, religião ou convicção política.

Sedeada em Genebra, na Suíça, a fundação opera em Portugal desde 1983, tendo apoiado iniciativas na dinamização e autonomização de grupos comunitários constituídos por crianças e jovens em risco, visando a sua integração social.

GC.

Lusa/fim

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ENTRE O ESTADO E O MERCADO - As fragilidades das instituições de protecção social em Portugal

Pedro Hespanha, Alcina Monteiro, A. Cardoso Ferreira, Fernanda Rodrigues, M. Helena Nunes, M. José Hespanha, Rosa Madeira, Rudolph van den Hoven, Sílvia Portugal




ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO
2. OS CIDADÃOS E O RISCO SOCIAL
2.1. As trajectórias no interior do sistema
2.1.1. Caracterização da amostra
2.1.2. Os problemas e os pedidos
2.1.3. O primeiro recurso
2.1.4. Os processos
2.1.5. A avaliação do sistema
2.1.6. O conhecimento dos direitos
2.2. Pobreza, exclusão e risco social: análise das entrevistas a famílias
2.2.1. Problemas sociais e eventos produtores de risco
2.2.2. Estratégias de enfrentamento
2.2.3. A relação com as instituições
3. A PROTECÇÃO SOCIAL PELA SOCIEDADE CIVIL
3.1. A história recente das formas assistenciais
3.1.1. Antecedentes históricos: as formas corporativista e assistencialista
de protecção social
3.1.2. Integração e diversidade das iniciativas particulares pós-74
3.2. A diversidade das formas de protecção social
3.2.1. As instituições particulares de protecção social
3.2.2. As instituições particulares na perspectiva dos CRSS
3.2.3. As formas não institucionalizadas
3.3. A relação das instituições com o Estado
3.3.1. Os discursos e as práticas da autonomia tutelada
3.3.2. Uma forma de gestão concertada
3.3.3. O modelo organizativo interno
3.3.4. O modelo de gestão de recursos
3.4. A relação das instituições particulares com os cidadãos
4. A PROTECÇÃO SOCIAL PELO ESTADO
4.1. Evolução recente dos serviços de Segurança Social e Acção Social
4.2. A Orgânica Actual dos Centros Regionais de Segurança Social
4.3. As práticas de actuação da Segurança Social
4.3.1. Domínios de intervenção exclusiva dos Centros
4.3.2. Conhecimento da realidade e planeamento da intervenção
4.3.3. Colaboração com serviços dependentes de outros Ministérios
4.3.4. Recursos humanos e técnicos
4.3.5. Margem de autonomia dos técnicos de Acção Social
4.4. A relação dos serviços de Acção Social com os cidadãos
4.4.1. As trajectórias dos cidadãos no interior dos serviços
4.4.2. A informação aos cidadãos
5. CONCLUSÕES
5.1. Os cidadãos e o risco social
5.1.1. As respostas institucionais e as trajectórias dos utentes
5.1.2. O risco social e as estratégias de enfrentamento
5.2. A protecção social pela sociedade civil
5.3. Os serviços de segurança social
5.4. A relação Estado-sociedade civil e os novos padrões de regulação social
6. ANEXOS
Anexo 1
Famílias Entrevistadas. Principais Problemas e Apoios
Anexo 2
Lista da Legislação Referenciada
7. BIBLIOGRAFIA





NOTA PRÉVIA
O livro que agora se edita condensa e resume um extenso relatório de pesquisa concluído em Setembro de 1998 e intitulado “O Papel da Sociedade na Protecção Social. Dinâmicas Locais e Instituições Particulares num Sistema Renovado de Segurança Social”.
Duas instituições a quem aqui cabe fazer referência e cumprimentar — a (então designada) JNICT e o (então designado) Ministério da Solidariedade e da Segurança Social —haviam financiado o projecto e permitido, assim, que um grupo de pessoas com diferentes trajectos e experiências profissionais pudessem juntar-se, finalmente, e levar a cabo um estudo que estava há muito nas suas mentes.
Algum tempo passou sobre a pesquisa e alguma informação então recolhida sofreu já a corrosão das mudanças entretanto operadas no plano das políticas de protecção social. Infelizmente, no plano dos problemas e das situações críticas analisadas não poderemos afirmar o mesmo: a mais recente reinquirição do painel de famílias, já posterior à conclusão deste estudo, veio mostrar que os problemas persistem. Nalguns casos estes agravaram–se e, mesmo naqueles casos em que as famílias puderam beneficiar do Rendimento Mínimo Garantido, as pessoas referem que a nova medida apenas veio aliviar um pouco a pressão quotidiana das dificuldades sobre as suas vidas, sem que a tivesse conseguido eliminar.
Muitas pessoas contribuiram, por diversas formas, para a realização deste estudo e, por isso, lhes estamos gratos. Desde logo todos aqueles que se dispuseram a ser entrevistados ou inquiridos, aceitando responder a questões incómodas ou demasiado intrusivas da sua privacidade. Depois, as instituições públicas e privadas que puseram à nossa disposição toda a informação que foi solicitada, prestando uma colaboração activa e empenhada. Finalmente, os nossos colaboradores mais directos no decurso da pesquisa, sem cujo trabalho, zêlo e inteligência os resultados teriam sido bem mais modestos: as assistentes de investigação Margarida Gomes, Ana Damas e Elsa Marques.
Uma última palavra para evocar a memória, sempre presente, da Alcina Monteiro cujo envolvimento neste estudo foi mais uma prova da energia e tenacidade com que enfrentava os problemas. Para nosso mal, a sua última luta foi fatal e a Alcina não poderá mais estar connosco no lançamento deste livro para que tanto contribuiu.





1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento do sistema português de Segurança Social seguiu de perto o modelo das sociedades industrializadas em que o Estado ocupa um papel central na protecção social dos cidadãos. Ainda que a sua realização se tenha verificado com maior atraso e menor consistência do que em outros lados, o certo é que a tendência para a responsabilização crescente do Estado se tornou visível entre nós quer através do alargamento do espectro de direitos sociais quer através do incremento de políticas de bem-estar.
As mudanças políticas — mas também as económicas e as sociais — ocorridas após Abril de 1974 vieram trazer um reforço significativo a esta tendência, dando-lhe consagração juridico-constitucional e forçando a sua concretização prática através de um aumento da pressão social sobre o Estado para que este cumpra a sua parte nas responsabilidades sociais.
As condições desfavoráveis em que o Estado teve de operar para fazer face a esta pressão são conhecidas: a nível interno, uma crise social e económica agravada pela instabilidade política; a nível externo, uma profunda recessão da economia mundial seguida de um processo generalizado de reestruturação do sistema industrial, de ajustamento das economias nacionais e de reconversão dos regimes laborais. As consequências são várias e igualmente conhecidas: agravamento da despesa pública, apesar dos níveis de protecção serem relativamente baixos; défice das contas da segurança social; expressão elevada da evasão fiscal e das dívidas à segurança social; restrições nas políticas sociais de bem-estar e, em geral; descomprometimento do Estado (Mendes, 1995; Carreira, 1996; Guibentiff, 1996; Pereirinha, 1996; Mozzicafreddo, 1997; e também Gough, 1996; Rhodes, 1996; e Ferrera, 1996).
Não sendo um problema especificamente nacional, a crise do sistema de Segurança Social generalizou-se às sociedades mais desenvolvidas e ameaça mesmo os sistemas melhor organizados. De uma forma geral, ela tem dado lugar a um debate aceso acerca do papel do Estado e da sociedade na garantia de protecção social e tem suscitado o aparecimento de medidas de reforma dos sistemas nacionais de segurança social. A tendência é para instaurar um sistema de pluralismo assistencial no qual a sociedade civil e o Estado partilhem mais responsabilidades no domínio da protecção social, reassumindo a primeira algumas responsabilidades de que o Estado-Providência a tinha aliviado.
Em face disto, a questão que se coloca é a de saber se as instituições privadas são capazes de enfrentar a magnitude dos problemas sociais num Estado-Providência em recuo e se podem dotar-se de recursos equivalentes àqueles que até agora têm sido garantidos aos serviços públicos. Muitos autores, noutras sociedades e com base em outras experiências, têm sustentado a incapacidade de o sector privado não lucrativo assumir aquelas responsabilidades e, em resultado disso, antecipado o desenvolvimento rápido de um sector empresarial de mercado capaz de suprir os cortes da despesa pública ou de tomar a seu cargo os serviços privatizados (Leat, 1986; Johnson, 1989).
A verdade é que este sector simultaneamente não governamental e não lucrativo — também designado de terceiro sector — se apresenta sob uma grande diversidade de formas, relativamente às quais se torna inadequado concluir genericamente pela sua incapacidade de desempenhar, de uma forma sustentada, um papel alternativo ao do Estado-Providência.
O principal trunfo de algumas dessas formas consiste precisamente na sua versatilidade de actuação, a qual lhes permite um ajustamento fácil e rápido à natureza dos problemas e à condição dos destinatários. Esta versatilidade parece estar directamente relacionada com o grau de informalidade e de espontaneidade que assumem as iniciativas particulares mas, por isso mesmo, torna-se difícil compatibilizá-la com os níveis de certeza e de organização a que nos habituou a protecção social institucionalizada.
Ora, numa discussão sobre as formas e as agências de protecção mais adequadas às condições que teremos de enfrentar no futuro, faz todo o sentido analisar os trunfos e as debilidades de cada uma das formas de protecção que existem na nossa sociedade, nomeadamente daquelas que têm desempenhado um papel mais saliente, como é o caso das Instituições Particulares de Solidariedade Social.
Foi no contexto desta discussão que surgiu o estudo cujos principais resultados se pretende dar a conhecer. O seu objectivo mais geral decorre precisamente da necessidade de reavaliar os papéis do Estado e da sociedade civil no enfrentamento do risco social.
Num contexto económico e político em que o primado da protecção social através das instituições públicas se tornou problemático, o estudo procura contribuir para uma reflexão sobre a capacidade de resposta da sociedade civil.
Mesmo no sistema actual, é sabido que nem toda a oferta de protecção social provém do Estado e que da oferta de protecção social que cabe à sociedade civil, apenas uma pequena parte provém do mercado. A extensão e diversidade da protecção social assegurada fora do mercado através de instituições não lucrativas de iniciativa dos cidadãos e através de formas menos organizadas geradas no seio dos grupos primários, redes de entreajuda e colectividades locais tem vindo a justificar o interesse renovado que actualmente se manifesta pelo estudo desta realidade.
Com vista à reforma do actual sistema de segurança social, torna-se particularmente importante avaliar o papel que essas modalidades de protecção social de natureza societal podem desempenhar no futuro. Não podendo ser consideradas meros equivalentes funcionais do Estado-Providência, como tem sido salientado por vários autores (Mishra, 1990; Santos, 1993), as instituições da sociedade civil podem, no entanto, desempenhar um papel importante como uma ordem moral distinta do Estado e do mercado (Wolfe, 1989) capaz de melhorar a resposta às necessidades de segurança social e de combater os excessos de centralização e de burocratização que caracterizam o sistema actual (Taylor-Gooby, 1991; Mishra, 1990).
A identificação e caracterização das diferentes formas institucionalizadas de protecção social existentes na sociedade civil permitem, por um lado, uma análise crítica da sua contribuição potencial para um sistema de segurança social menos dependente do Estado, das respectivas potencialidades e debilidades e, por outro lado, discutir algumas medidas de ajustamento capazes de potenciar os aspectos positivos e de reduzir os aspectos negativos por forma a tornar essas instituições em instrumentos úteis da economia social.

A procura de protecção social e os padrões de resposta das instituições

A avaliação da eficácia do sistema de segurança social português passa, antes de mais, pelo recenseamento dos modos como a população satisfaz as necessidades de protecção social, pelo levantamento das instituições, públicas ou privadas, a quem dirige a sua procura de protecção e pela análise dos padrões de satisfação efectivamente conseguidos.
Assim, o objectivo de identificar os padrões de resposta das instituições e das respectivas debilidades e estrangulamentos levou à análise das trajectórias de cidadãos em situação de risco social na procura de respostas para os seus problemas e ao estudo do impacto de alguns eventos produtores ou redutores de risco social generalizado.
Nessa análise conferiu-se particular importância à questão das relações administraçãoutente, seguindo a sugestão de, entre outros, Chauvière e Godbout ( 1992), através do relato das experiências de contacto dos cidadãos com os serviços da segurança social, do reconhecimento dos contextos relacionais em que elas se desenrolam e da diferenciação dos modos de intervenção dos serviços de acordo com a condição social dos utentes.
Neste âmbito, sujeitaram-se a escrutínio ambas as áreas da segurança social — a dos regimes e a da acção social, ainda que a segunda de uma forma mais aprofundada —, incluiram-se os diferentes tipos de prestações — financeiras, em espécie e em serviços — e explorou-se, ainda a partir do ponto de vista dos utentes, a questão da segmentação e desarticulação das políticas.
A estratégia metodológica seguida permitiu aprofundar, com recurso ao método da história oral, o conhecimento das experiências de contacto dos cidadãos com as instituições de segurança social motivadas pela ocorrência de acontecimentos produtores de risco. A relação entre as situações de dependência institucional e a vulnerabilidade às crises constituiram dois temas salientes da investigação. Por sua vez, a concentração dos casos a estudar em um número limitado de comunidades territoriais pré-definidas, de acordo com a sua condição rural ou urbana, e com o sector de actividade económica nelas predominante permitiu uma análise contextualizada das experiências dos utentes.

A oferta de protecção social por instituições da sociedade civil

Um segundo objectivo consistiu na avaliação da componente societal do sistema de protecção social português. Para tal, procurou-se identificar e caracterizar as diferentes formas institucionalizadas de protecção social existentes na sociedade civil e proceder a uma análise crítica da sua contribuição potencial para um sistema de segurança social menos dependente do Estado.
A análise centrou-se, principalmente, nas instituições sem fins lucrativos que exercem actividade no domínio da protecção social e que, de um ponto de vista legal, aparecem revestidas de diferentes formas — associações de solidariedade social, associações de voluntários de acção social, associações de socorros mútuos, fundações de solidariedade social, irmandades da misericórdia e cooperativas — e agrupadas em diferentes níveis — uniões, federações e confederações.
Para além das questões que têm a ver com a natureza, consistência e adequação das provisões asseguradas por estas instituições, dois problemas particulares foram considerados.
Um deles respeita ao grau de autonomia das instituições face ao Estado e o outro, relacionado com este, à maior ou menor capacidade de representação dos interesses dos cidadãos utentes.
Acerca das relação entre as instituições e o Estado, saliente-se, para começar, que o historial de um grande número de instituições particulares de solidariedade social denuncia uma origem muito dependente da acção estatal ou, quando assim não é, uma progressiva subordinação da actividade da instituição às directivas racionalizadoras e planificadoras da tutela, orientadas para a “optimização das respostas sociais” e para a “rentabilização dos recursos financeiros disponíveis, segundo a própria terminologia oficial” (Dec.-Normativo 75/92).
Alguns autores têm identificado esta dependência com a relativa incapacidade da sociedade civil de criar organizações próprias dotadas de autonomia e estabilidade e designam precisamente de sociedade civil secundária estas formas juridicamente independentes do Estado, mas que, do ponto de vista financeiro e mesmo técnico-organizativo, só podem subsistir se a ele vinculadas (Santos, 1987:40). No caso das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), o Estado, através dos acordos de cooperação que com elas estabelece, financia em regra uma parte substancial das despesas, tendo os recursos próprios ou provenientes de outras instituições públicas ou privadas um papel insignificante no financiamento. Daí que a cobertura dos défices tenha de ser feita sobretudo através das comparticipações pagas pelos utentes.
Numa altura em que o Estado procura ver nas organizações da sociedade civil um parceiro para as suas políticas sociais e um suporte institucional para onde possa transferir algumas das suas atribuições em matéria de protecção social, a probabilidade de estas se tornarem numa extensão da burocracia do Estado é muito elevada. E, por outro lado, a probabilidade de o efeito do descomprometimento do Estado se repercutir directamente na bolsa dos cidadãos utilizadores é igualmente elevada.
A análise a que se procedeu das relações entre o Estado e as instituições visou captar não só os aspectos juridico-institucionais como sobretudo os aspectos informais dessas relações através dos quais se expressam diferentes capacidades e recursos estratégicos para a negociação dos papéis que cada um pretende desempenhar no sistema de segurança social. O confronto entre o regime legal, o discurso oficial e as práticas efectivas de tutela sobre as IPSS (e os prestadores de serviços que com elas cooperem) possibilita detectar o eventual accionamento de recursos e de competências que logram contrariar ou compensar a dominação tutelar do Estado e, por isso, constituiu um dos objectos de estudo privilegiados no programa de investigação.
O segundo problema considerado diz respeito aos efeitos da institucionalização das formas de protecção social. À medida que as exigências de uma organização funcional e de uma orientação profissional impostas pela concorrência no mercado de bens sociais vão fazer generalizar uma lógica de gestão quasi-empresarial, à semelhança do que aconteceu há muito com as cooperativas, o princípio associativo — mutualístico ou assistencial — que está na origem da criação de uma boa parte das instituições de solidariedade social tende a esbater-se.
Neste processo de descaracterização das formas mais autónomas da acção colectiva, as instituições tendem a afastar-se progressivamente dos objectivos fundadores visados pelos cidadãos e as contradições entre os interesses destes e os das instituições tornam-se mais frequentes. No caso das actividades mais espontâneas e informais — associadas ao âmbito do que tem sido designado de Sociedade-Providência1 — a sua institucionalização, desejável do ponto de vista da estabilidade, eficiência e democraticidade das formas de protecção, não deixa de representar um risco elevado de rigidificação das respostas e de desvinculação dos actores sociais envolvidos pela quebra das proximidades relacionais, como tem sido mostrado por muitos autores (cfr., por todos, Laville, 1994:21).
A hipótese que se pretende testar é a de que a institucionalização da sociedade-providência, através da conversão ou integração de certas formas de acção em instituições privadas de fins não lucrativos, sob a tutela do Estado, conduz a uma inevitável perda de flexibilidade e de autonomia.
Estudos realizados em algumas instituições mostraram já que, seja pela excessiva profissionalização dos seus agentes, seja pela rigidez da sua gestão administrativa, a relação próxima e espontânea com os utentes tende a perder-se ao mesmo tempo que aumentam a proximidade e a dependência relativamente à administração pública. Ao produzirem a estrutura de serviço público, as instituições tendem a incorporar uma visão positivista da sociedade segundo a qual “são os profissionais que estão em melhores condições para definir as necessidades (dos cidadãos) e os modos de tratamento apropriados para lhes dar resposta” (Jobert, 1992).

1 Vd, em particular, os trabalhos publicados em número especial da Revista Crítica de Ciências Sociais (42) sobre o tema da Sociedade-Providência.

Metodologia e campo de investigação empírica

A duplicidade de objectivos do estudo — por um lado, avaliar a eficácia do sistema de segurança social português, recenseando modos de satisfação de necessidades sociais e, por outro lado, identificar e caracterizar as diferentes formas institucionalizadas de protecção social existentes na sociedade civil — implicou uma pluralidade metodológica, que combinou elementos de análise extensiva e intensiva.
Na recolha de informação utilizaram-se diversos tipos de técnicas de investigação, com vista a obter simultaneamente dados quantitativos que permitissem caracterizar de uma forma extensiva perfis de procura e de resposta do sistema e dados qualitativos que permitissem obter informação aprofundada.
Tendo em vista realizar um diagnóstico dos modos como as populações satisfazem as suas necessidades de bem-estar, dos padrões de resposta do sistema de protecção social, e dos níveis de satisfação atingidos, a análise incidiu sobre as trajectórias dos cidadãos em situação de risco social na procura de resposta para os seus problemas. Foram usadas duas técnicas principais de pesquisa: um inquérito extensivo aplicado à população que, no passado recente, teve contacto com o sistema de segurança social e um conjunto de entrevistas realizadas junto de um painel de cidadãos em situação de risco social.
Foram realizados 500 inquéritos por questionário e 103 entrevistas centradas. Os dados recolhidos através do inquérito aos utilizadores permitiram analisar de uma forma extensiva a relação dos cidadãos com o sistema formal de segurança social e os perfis de resposta que este oferece às populações. Com a realização de entrevistas aprofundadas pretendeu-se, através da recolha de informação sobre as histórias de vida dos cidadãos, avaliar o impacto de acontecimentos produtores de risco e de problemas sociais amplos nas biografias pessoais dos indivíduos. Procurou-se inventariar os principais problemas sentidos pelos entrevistados e as suas famílias e as estratégias de enfrentamento desenvolvidas, assim como analisar as suas relações com as diferentes esferas de protecção social.
De modo a caracterizar as diferentes formas institucionalizadas de protecção social existentes e as relações entre a procura e a oferta de protecção social realizaram- se 36 entrevistas aprofundadas junto de informadores privilegiados: autarcas (Presidentes de Câmara e de Juntas de Freguesia); técnicos de acção social das autarquias; dirigentes e técnicos dos CRSS's das diferentes áreas; dirigentes e técnicos das IPSS’s locais; indivíduos cuja acção local no domínio da protecção social foi considerada relevante para dar resposta aos objectivos deste estudo. Para além destas entrevistas, foram ainda elaboradas cinco monografias de IPSS, através das quais se pretendeu recolher informação mais detalhada e aprofundada sobre o funcionamento e a organização das instituições e a sua acção local e também sobre as suas relações com o Estado e o sistema de segurança social.
A informação recolhida através das monografias e das entrevistas aos responsáveis pelas instituições e aos actores sociais com responsabilidades neste domínio permitiu caracterizar as diferentes formas institucionalizadas de protecção social existentes na sociedade civil e avaliar o papel do sistema de segurança social estatal no conjunto da oferta de protecção social. Pretendeu-se responder a dois objectivos: por um lado, fazer um levantamento da percepção das instituições e dos diferentes agentes no terreno dos problemas e necessidades sociais locais e, por outro lado, avaliar a sua intervenção junto das populações e as relações existentes entre as diferentes instituições locais e entre estas e os organismos centrais do sistema de segurança social.
Para que existisse uma análise contextual das experiências dos cidadãos e da acção das instituições, e fosse possível obter uma conjugação analítica de elementos extensivos e intensivos, a pesquisa concentrou os esforços de investigação em cinco terrenos de pesquisa sobre os quais a equipa de investigadores do projecto possuía um importante conhecimento prévio, adquirido através de anteriores trabalhos (Reis, 1992; Hespanha, 1993). Deste modo, seleccionaram-se 5 freguesias do Continente identificadas com realidades no território nacional2.
Uma freguesia urbana densa, situada na Região Norte do país (Tormes), que se caracteriza por um forte crescimento desregulado, marcado por transformações recentes e rápidas nos espaços e modos de vida e onde se assiste actualmente a uma reconversão do tecido produtivo local: desaparecem as empresas ligadas à indústria tradicional (têxtil, cerâmica, metalurgia e cerveja), ao mesmo tempo que surgem novas actividades terciárias que não recrutam o trabalho desqualificado tornado excedentário.

2 De modo a garantir a confidencialidade e a proteger o anonimato das pessoas inquiridas no trabalho de campo, os nomes destas cinco freguesias são fictícios. Pela mesma razão, os nomes das instituições existentes nos diferentes terrenos foram, também, alterados ou substituídos por siglas e um número de ordem no total de instituições inquiridas no estudo. O mesmo procedimento foi seguido relativamente aos técnicos e responsáveis das instituições.

Uma freguesia urbana de pequena dimensão, situada no litoral da Região Centro (Flor de Malva) ligada tradicionalmente às actividades agrícolas e piscatórias e que sofre hoje fortemente os efeitos do desemprego nessas actividades tradicionais. Situa-se nas proximidades de uma cidade de média dimensão e tem desenvolvido recentemente alguns sectores de emprego como o comércio e os serviços à colectividade. O retorno de emigrantes tem também favorecido o desenvolvimento de actividades ligadas ao sector terciário.
Uma freguesia peri-urbana, situada na Região Centro (Casal da Giesta), fortemente marcada pelas migrações pendulares para um centro urbano próximo. Tem um passado muito ligado à agricultura e à pobreza agrícola, uma região de agricultores pobres, sobretudo rendeiros com histórias de vida marcadas pela privação material. É uma zona onde encontramos população com habitação própria, mas com condições muito precárias.
Uma freguesia rural industrializada, situada na Região Centro (Sandofim), caracterizada pela existência de uma indústria que se alimenta da mão-de-obra pouco qualificada da zona, cujos níveis de formação escolar são muito baixos. É uma zona que oferece oportunidades de emprego para ex-rurais, marcada pela complementaridade entre a agricultura de subsistência e o trabalho assalariado na indústria. Existem graves problemas na área da habitação, devido às fortes migrações (tradicionalmente internas, de migrantes rurais e, actualmente, externas, de emigrantes africanos) e à existência de bairros fabris, cujas condições de habitabilidade são extremamente precárias.
Finalmente, uma freguesia rural agrícola, situada no interior da Região Centro (Guiães), marcada pelo forte peso da actividade agrícola tradicional, pelo declínio do artesanato local e pela crise da indústria têxtil. O tecido empresarial da zona é caracterizado pela existência de empresas familiares que geram poucos postos de trabalho. É uma área em crescente declínio demográfico e bastante envelhecida.
Sobre todos estes terrenos em estudo foi recolhido um vasto manancial de informação através de fontes primárias e secundárias que permitiu a caracterização socio-económica das freguesias e o enquadramento de toda a informação recolhida através das técnicas de pesquisa elaboradas no âmbito do estudo, destinadas a caracterizar a oferta e a procura de protecção social nestas áreas.
Cada um destes terrenos constituiu um estudo de caso sobre os problemas sociais e os factores de risco que atingem os cidadãos, das suas estratégias de enfrentamento, das respostas ao seu dispôr por parte das instituições locais e do sistema de segurança social3.
A informação recolhida por terreno de observação foi depois tratada transversalmente, e é aqui analisada de uma forma temática.

3 Para além do Relatório de Investigação que o presente livro sintetiza, o estudo produziu um Volume de Anexos onde se pode encontrar uma análise detalhada de cada um dos terrenos empíricos a partir das questões levantadas (demografia, actividades económicas, emprego e desemprego, equipamentos sociais, problemas sociais e estratégias de enfrentamento, resposta das instituições locais e contacto dos cidadãos com os serviços) e ainda um conjunto de dossiers que contem as transcrições integrais de todas as entrevistas realizadas. Toda esta documentação está disponível para consulta no Centro de Estudos Sociais.





2. OS CIDADÃOS E O RISCO SOCIAL
Como foi referido, a avaliação da eficácia do sistema de segurança social passa pelo recenseamento das formas como as populações satisfazem as suas necessidades de protecção social, pelo levantamento das instituições, públicas ou privadas, a quem dirigem a sua procura de protecção.
Conferindo uma particular importância à questão das relações administração-utente, o estudo baseou-se no relato de experiências de contacto dos cidadãos com os serviços de segurança social, no reconhecimento dos contextos relacionais em que elas se desenrolam e na análise da diferenciação dos modos de intervenção dos serviços de acordo com a condição social dos utentes.
A estratégia metodológica adoptada permitiu, por um lado, reconstituir trajectórias dos utentes no interior do sistema e identificar potencialidades e debilidades dos serviços na resposta às necessidades dos cidadãos através do inquérito e, por outro lado, recorrendo a entrevistas centradas e à história oral conhecer os problemas que constituem riscos sociais acrescidos para as famílias e as formas como estas procuram respostas para os seus problemas. A análise contextual das experiências destes cidadãos é facilitada pela concentração dos casos em um número limitado de comunidades territoriais cuja caracterização foi elaborada numa primeira fase do estudo.

2.1. As trajectórias no interior do sistema
Começaremos pela análise da informação obtida através da aplicação de um inquérito aos utilizadores do sistema de Segurança Social4.
A realização do inquérito teve como principais objectivos apreender a experiência de

4 Utilizou-se o método de administração indirecta, tendo sido realizados 500 inquéritos; 100 inquéritos por terreno em estudo. Foi utilizada uma amostra por local, procurando a população utilizadora do sistema em locais indicados por informadores privilegiados em cada um dos terrenos: Centros de Saúde, IPSS, serviços de atendimento dos CRSS, escolas primárias, espaços de convívio das populações no interior das freguesias. Foram apenas entrevistados indivíduos com 18 ou mais anos, considerando-se a maioridade como o limite mínimo para ser elegível como inquirido. Deste modo, as situações de procura do sistema devido a problemas que se prendem com menores dependentes são respondidos pelos elementos do agregado familiar responsáveis pela sua representação junto do sistema.

contacto com os serviços, partindo de um problema concreto ocorrido há menos de cinco anos, e avaliar o conhecimento e utilização dos instrumentos de política social, inquirindo os indivíduos sobre diferentes acontecimentos que tivessem atingido o agregado familiar nos últimos dois anos.
O inquérito foi estruturado em 3 partes distintas: Na Primeira Parte pretende-se obter respostas que permitam responder ao primeiro objectivo do inquérito: conhecer a experiência de contacto com os serviços. deste modo, foram abordadas as seguintes questões: problema que levou à procura do sistema, primeira instância de recurso para resolução do problema, levantamento das instituições envolvidas na resposta ao problema, conhecimento prévio da instituição, tipo de pedido realizado junto da instituição, duração e trâmites do processo, resultados do processo, diligências adicionais e avaliação da qualidade dos serviços.
Na Segunda Parte recolheu-se informação sociográfica acerca dos inquiridos e das suas famílias. Pretende-se, deste modo, caracterizar o perfil socioeconómico dos utilizadores do sistema que foram inquiridos.
Finalmente, na Terceira Parte elegeram-se alguns acontecimentos produtores de risco social (maternidade/nascimento, casamento, morte, desemprego, doença (ou outro motivo de incapacidade para o trabalho), reforma e invalidez), de modo a recolher informação sobre o conhecimento e utilização de diferentes formas de apoio existentes no sistema de segurança social.
Neste capítulo, a apresentação dos resultados do inquérito segue, basicamente, a estrutura do guião do questionário. No ponto 1 faz-se uma breve análise das características da amostra de população inquirida; no ponto 2 discute-se a relação entre os problemas que levam os indivíduos a procurar o sistema e os pedidos que são realizados junto dos serviços; no ponto 3 analisam-se as instituições que os indivíduos procuram em primeiro lugar e as razões para o fazerem; no ponto 4 faz-se uma análise do decurso dos processos no interior dos serviços: funcionamento das diferentes instituições, tempos e resultados na relação com as necessidades e os pedidos dos utilizadores; no ponto 5 analisam-se os dados relativos à avaliação do sistema e, finalmente, no ponto 6 discute-se o conhecimento e utilização dos instrumentos de política da segurança social.

2.1.1. Caracterização da amostra
Foram inquiridos 318 indivíduos do sexo feminino (63,6% da amostra) e 182 indivíduos do sexo masculino (36,4%). A idade média da amostra é de 47,5 anos e 50% dos inquiridos tem até 45 anos. A maior parte situa-se no escalão dos 30-39 anos (22%), seguindo-se os escalões dos 60-69 (20%) e 18-29 anos (19%). Como se verá existe uma relação entre a idade dos utilizadores e o tipo de problemas que os leva a procurar o sistema.
A maioria da amostra é constituída por indivíduos casados (68,6%), seguindo-se os viúvos (16,2%), grupo mais representado entre a população feminina. Tal como acontece com a idade dos inquiridos, a preponderância dos casados na amostra prende-se também com o tipo de problemas que leva os indivíduos a procurar o sistema.
As famílias que foram abrangidas pela amostra, através da inquirição de um dos elementos, são compostas por agregados que compreendem entre uma só pessoa (o que corresponde a 12,4% da amostra), até ao máximo de 12 pessoas (o que corresponde apenas a um caso no total dos 500 inquéritos). A média da dimensão das famílias na amostra é 3,4 pessoas por agregado. Mais de 1/4 das famílias é composto apenas por 3 pessoas e 90% não compreendem mais que 5 pessoas.
Relativamente à situação perante o trabalho dos indivíduos inquiridos, apenas 236 (47,5% da amostra) exercem uma actividade económica. Por um lado, uma parte significativa (13,2%) encontra-se desempregadae , por outro lado, o peso na amostra dos reformados (21%) e das domésticas (18%) é também bastante importante. Daqueles que exercem uma profissão, a maioria (80,5%) é trabalhador por conta de outrem. O trabalho por conta própria é desenvolvido por 12,7% dos inquiridos. Existem ainda 5,1% de trabalhadores familiares não remunerados e 1,7% de patrões.
Numa primeira leitura constata-se que o leque de profissões encontrado na amostra é extremamente reduzido, concentrando-se a população inquirida em sectores específicos da actividade económica. Predominam as profissões ligadas à produção industrial (44,5% do total) e à agricultura (15,1%).
O trabalho desqualificado congrega uma parte significativa dos inquiridos: os trabalhadores não qualificados dos três sectores de actividade constituem 19,1% da amostra. Para além destas profissões, apenas o grupo dos “Empregados serviços pessoais e domésticos” tem alguma expressão (8,4% da amostra inclui-se neste grupo de profissões).
A análise da distribuição da população inquirida por grau de instrução vem sublinhar os baixos níveis de qualificação, já detectados na análise do perfil de inserção profissional. A maioria dos inquiridos (59,3%) possui apenas o ensino primário e 15% nem sequer frequentou qualquer instituição escolar. Apenas 20,2% possui a actual escolaridade obrigatória. Somente 4,2% dos inquiridos concluiu ou frequentou o ensino secundário e 1% o ensino superior.

2.1.2. Os problemas e os pedidos
Segundo os resultados do inquérito os problemas que suscitam uma maior procura do sistema de Segurança Social são, como se pode observar no Quadro 1, e por ordem decrescente de importância: a doença (19% dos inquiridos procura o apoio do sistema por esse motivo), a invalidez (que suscita a procura de 16% dos inquiridos), a ocorrência de um nascimento, e os problemas derivados da maternidade (que atinge 15% dos inquiridos), o desemprego (9% dos inquiridos), a morte de familiares (9%) e a reforma (8,6% dos inquiridos).

Quadro 1
PROBLEMAS DOS UTILIZADORES DO SISTEMA
Problema Nº %
Maternidade/nascimento 76 15,2
Casamento 9 1,8
Morte 45 9,0
Desemprego 60 12,0
Doença 95 19,0
reforma 43 8,6
Invalidez 81 16,2
Habitação 18 3,6
Educação 25 5,0
Relações familiares 9 1,8
Relações com o meio 9 1,8
Outro 30 6,0
Total 500 100,0

Têm ainda alguma expressividade, como geradores da procura do sistema os problemas relacionados com a educação e a habitação. Problemas relacionados com a família e o meio social geram também alguma procura, mas, como se pode observar no Quadro 1, com menos significado nesta amostra.
Pelos diferentes papéis sociais inerentes a cada grupo etário, o tipo de problemas que atinge os cidadãos em cada etapa da sua vida é também diferenciado. Tal como foi referido anteriormente, e se pode observar no Quadro 2, o inquérito revela uma relação entre a idade dos utilizadores e o tipo de problemas que os leva a procurar o sistema.

Quadro 2
PROBLEMAS POR GRUPO ETÁRIO DOS UTILIZADORES (%)
Grupo etário
Problemas 18-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70 e +
Maternidade /nascimento 36,2 28,4 6,8 5,7 2,0 -
Casamento 8,5 0,9 - - - -
Morte 3,2 3,7 8,1 4,3 18,0 21,2
Desemprego 14,9 19,3 18,9 8,6 3,0 1,9
Doença 13,8 11,9 27,0 28,6 19,0 19,2
Reforma - 1,8 2,7 7,1 27,0 13,5
Invalidez 4,3 6,4 14,9 31,4 24,0 25,0
Habitação 4,3 8,3 2,7 4,3 - -
Educação 9,6 9,2 5,4 1,4 1,0 -
Relações familiares 1,1 2,8 4,1 1,4 - 1,9
Relações com o meio - - - - 1,0 15,4
Outro 4,3 7,3 9,5 7,1 5,0 1,9
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Nas idades mais jovens existe, por um lado, uma maior diversidade de problemas que levam à procura do sistema e, por outro lado, nos escalões dos 18-29 e 30-39, uma maior incidência dos problemas que se prendem com a constituição da família. Nestes grupos de idade o principal motivo de procura do serviços prende-se com a ocorrência de situações de maternidade e nascimento. São também estes grupos aqueles onde se faz sentir a procura do sistema para receber benefícios relativos à realização do casamento.
De referir ainda que até aos 49 anos, o desemprego é um dos problemas com maior incidência e que mais leva a procurar o apoio do sistema.
À medida que aumenta a idade dos utilizadores observa-se uma deslocação dos problemas relacionados com a constituição da família, a educação e o trabalho para os problemas que se prendem com a doença, a invalidez, a reforma e a morte.
No escalão dos 60-69 anos mais de metade da procura do sistema deve-se a problemas relacionados com situações de invalidez e reforma (neste caso, a situação não é de estranhar dada a idade legal para a reforma ser 65 anos). Acima dos 70 anos de idade a importância destes dois tipos de problemas mantém-se (embora desça a percentagem de indivíduos que procuram os serviços por motivos de reforma) e acresce a importância dos casos de morte, que se prendem sobretudo com a população feminina e a situação de viuvez.
O contacto com o sistema de Segurança Social implica transformar o problema do indivíduo ou do seu agregado num pedido efectivo de apoio junto dos serviços. O inquérito revela que os indivíduos utilizam o sistema sobretudo para obter ajuda finaceira.
Como se pode observar no Quadro 3, o principal pedido feito junto dos serviços é de um subsídio (cerca de 61% dos inquiridos procura o sistema com este objectivo), seguindo-se a procura de “ajuda financeira” (cerca de 17%). A procura de “serviços” motiva 11% dos indivíduos e a procura de “bens materiais” apenas 4,4% do total. Os pedidos mais vagos de “ajuda” levam apenas 3,8% dos inquiridos a procurar o apoio do sistema.

Quadro 3
PEDIDOS REALIZADOS JUNTO DOS SERVIÇOS
Pedidos N.º %
Ajuda 19 3,8
Ajuda financeira 83 16,7
Apoio domiciliário 7 1,4
Bens materiais 22 4,4
Serviços 56 11,2
Subsídios 304 61,0
Outro 7 1,4
Total 498 100,0

O inquérito revela que a tendência para traduzir os problemas em pedidos de subsídios é extensiva à maioria das situações que levam os indivíduos a procurar apoio. Como se pode observar no Quadro 4, apenas os indivíduos com problemas relativos à habitação e à educação se comportam de forma diferente. Os problemas relativos à habitação geram uma maior procura de bens materiais e os relativos à educação uma maior procura de serviços.

Quadro 4
DISTRIBUIÇÃO DOS PROBLEMAS DOS UTILIZADORES POR PEDIDOS AOS SERVIÇOS (%)
Pedido
Problema Ajuda Ajuda Financ. Apoio Domicil. Bens Materiais Serviços Subs. Outro Total
Maternidade - 3,9 - 1,3 3,9 90,8 - 100,0
Casamento* - - - - - 100,0 - 100,0
Morte - 8,9 - - 8,9 82,2 - 100,0
Desemprego 3,4 23,7 - 1,7 1,7 67,8 1,7 100,0
Doença 7,4 34,7 6,3 3,2 3,2 45,3 - 100,0
Reforma* - - - - 2,3 97,7 - 100,0
Invalidez 1,2 8,6 1,2 2,5 16,0 69,1 1,2 100,0
Habitação* 16,7 11,1 - 72,2 - - - 100,0
Educação* 8,3 16,7 - - 66,7 2 - 100,0
Rel. Famil.* - 44,4 - 11,1 22,2 22,2 - 100,0
Rel. c/ meio* - - - - 100,0 - - 100,0
Outro* 13,3 40,0 - 3,3 13,3 13,3 16,7 100,0
* n < 50; cf. no Quadro 1 os valores absolutos

Como se pode ver no Quadro 5, a doença, a invalidez e o desemprego são os problemas que se traduzem numa maior diversidade de pedidos, embora a procura de ajuda financeira seja sempre predominante.
O tipo de problemas que as pessoas apresentam como motivo para procurar o apoio do sistema de Segurança Social e o tipo de pedidos que fazem junto dos serviços são reveladores de um sistema que existe sobretudo para dar resposta aos que conhecem o seu funcionamento.
O confronto da informação obtida, nos mesmos terrenos de inquirição, através do inquérito aos utilizadores do sistema e através de entrevistas a cidadãos em risco (ver ponto 2.2.) faz sobressair nitidamente o contraste entre os problemas sociais que afectam as populações e aqueles que as levam a procurar o sistema. Perante a complexidade dos problemas que afectam a vida dos cidadãos, os serviços apenas conseguem dar respostas parcelares, concretizadas em pedidos de “subsídios” ou “serviços” específicos, não tendo capacidade para apoiar as famílias de uma forma global, permitindo-lhes ultrapassar situações de pobreza e exclusão social.
Algumas pistas para esta reflexão surgem da análise da incidência dos problemas e do tipo de pedidos aos serviços, por zonas de inquirição que podemos observar nos Quadros 5 e 6.

Quadro 5
PROBLEMAS DOS UTILIZADORES POR ZONAS DE INQUIRIÇÃO (%)
Zona Geográfica
Problemas Sandofim Guiães Flor de Malva Tormes C. da Giesta
Matern. /Nascim. 13,0 31,0 20,0 3,0 9,0
Casamento - 3,0 6,0 - -
Morte 7,0 15,0 11,0 4,0 8,0
Desemprego 4,0 27,0 10,0 16,0 3,0
Doença 15,0 8,0 7,0 23,0 42,0
Reforma 12,0 7,0 15,0 1,0 8,0
Invalidez 17,0 9,0 15,0 16,0 24,0
Habitação 2,0 - - 16,0 -
Educação 16,0 - 6,0 - 3,0
Relações familiares 3,0 - 2,0 4,0 -
Relações c/ o meio 2,0 - - 7,0 -
Outro 9,0 - 8,0 10,0 3,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Quadro 6
PEDIDOS DOS UTILIZADORES POR ZONAS DE INQUIRIÇÃO (%)
Zona Geográfica
Pedidos Sandofim Guiães Flor de Malva Tormes C.da Giesta
Ajuda 4,0 1,0 3,0 7,0 4,0
Ajuda Financeira 7,0 - 5,0 42,0 29,0
Apoio Domiciliário - - 2,0 4,0 1,0
Bens Materiais 5,0 - 2,0 15,0 -
Serviços 21,0 - 10,0 25,0 -
Subsídios 59,0 99,0 75,0 7,0 64,0
Outro 4,0 - 3,0 - 2,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

O primeiro comentário suscitado pela análise por zonas não difere do comentário geral sobre o contraste entre a diversidade de problemas que afecta as populações das diferentes zonas e a sua tradução generalizada em pedidos de ajuda financeira e subsídios. No entanto, o confronto destes dados por região com a informação qualitativa recolhida sobre cada uma delas permite-nos perceber como os problemas mais complexos da vida dos cidadãos não encontram resposta no funcionamento do sistema.
Tomemos o exemplo dos indivíduos inquiridos nas zonas de Sandofim e de Guiães. A informação recolhida em Sandofim revela-nos como esta é uma zona onde existem situações dramáticas de exclusão social, com uma população jovem, com graves problemas relativamente à precaridade do emprego, ao desemprego e à habitação. No entanto, os dados do inquérito que constam dos Quadros 4 e 5 mostram que estes problemas não suscitam uma procura do sistema de segurança social por parte da população. A percentagem de indivíduos que se dirige aos serviços em busca de apoio para a resolução deste tipo de problemas é bastante reduzida.
O mesmo se passa na região de Guiães. Tal como em Sandofim, e nas restantes áreas, os utilizadores do sistema de Segurança Social de Guiães são aqueles que conhecem os seus benefícios e se dirigem à Segurança Social sempre que sabem que têm direito a uma prestação pecuniária, não procurando os serviços para resolver situações mais complexas.
Só deste modo é possível explicar que numa zona com reduzidos níveis de desenvolvimento, graves problemas de pobreza e exclusão e uma população fortemente envelhecida, o principal motivo de procura do sistema sejam problemas relativos à maternidade e a reclamação de subsídios.
Apenas com um sistema que funciona numa lógica de valências e de reclamação directa de benefícios se pode compreender que, em populações com situações complexas de exclusão social, a procura dos serviços por parte dos cidadãos resulte da ocorrência de acontecimentos como o casamento, a maternidade ou a morte de um familiar e consista sobretudo na procura de prestações pecuniárias.

2.1.3. O primeiro recurso
Os organismos que apresentam maior atracção na procura do sistema de Segurança Social são os CRSS. Como se pode observar no Quadro 7, quase 70% dos inquiridos procurou um CRSS em primeiro lugar para resolver o seu problema. Seguem-se por ordem de importância as IPSS (11,2%) e “outras instituições” (6,8%).

Quadro 7
PRIMEIRA INSTÂNCIA DE RECURSO PARA RESOLVER O PROBLEMA
Recurso Nº %
CRSS 347 69,4
IPSS 56 11,2
Pessoa conhecida 32 6,4
Autarquia 17 3,4
Outra pessoa 14 2,8
- Família 2 -
- Amigos e vizinhos 2 -
- Médico 12 -
Outra instituição 34 6,8
- Hospital 15 -
- Centro de Saúde 10 -
- Centro de Emprego 7 -
- Local de trabalho 2 -
Total 500 100,0

Destas “outras instituições” que têm um papel importante na resolução dos problemas e no posterior encaminhamento para o sistema de Segurança Social, destacam-se as ligadas ao sistema de saúde. Como se pode ver no Quadro 7, os hospitais e os centros de saúde são os locais mais procurados fora do sistema de Segurança Social para procurar apoio. A importância do sistema de saúde no apoio à população pode ainda ser avaliada através da procura do médico como pessoa que pode ajudar a resolver o problema.
De destacar ainda o recurso às relações de interconhecimento como forma de procurar a resolução para os problemas: 6,8% dos inquiridos diz dirigir-se em primeiro lugar a “uma pessoa conhecida” para procurar resolver o seu problema.
Relativamente às razões da escolha do local onde se dirigem em primeiro lugar, como se pode observar no Quadro 8, 40,3% dos inquiridos diz que “sabia que só ali podiam resolver o problema” e 34,8% é orientada por “pessoas conhecidas”, o que mais uma vez sublinha a importância das relações interpessoais como forma de acesso à informação.
21,8% dos inquiridos declara terem sido “contactos anteriores” com a instituição que os levou a aí se dirigirem novamente.
Estes resultados revelam uma tendência para a procura dos serviços, e do conhecimento das suas funções, se fundar sobretudo em processos informais de acesso à informação, e não através da intervenção dos próprios serviços junto da população.

Quadro 8
RAZÃO DA ESCOLHA DA INSTITUIÇÃO
Razão Nº %
Já tinha tido contactos anteriores 91 21,7
Foram pessoas conhecidas que indicaram 145 34,5
Sabia que só ali podiam resolver o problema 168 40,0
Outra razão 13 3,1
NR/NS 3 0,7
Total 420 100,0

2.1.4. Os processos
A atracção dos CRSS
Independentemente do local e da pessoa a quem se dirigem em primeiro lugar, os utilizadores acabam por ser encaminhados para os serviços dos CRSS. Segundo os resultados do inquérito, dentro do universo do sistema de segurança social são os CRSS que centralizam a maior parte da procura dos utilizadores. Na amostra aqui em estudo, para 82,4% dos inquiridos foi o CRSS que tratou do caso.

Quadro 9
INSTITUIÇÃO QUE TRATOU DO CASO
Instituição Nº %
CRSS 412 82,4
IPSS 60 12,0
Outro organismo 28 5,6
Total 500 100,0

Estes resultado não são de estranhar se considerarmos o tipo de apoio que gera a procura do sistema. Os CRSS centralizam a resposta aos pedidos de subsídios e ajuda financeira que constituem a maioria dos apoios que levam esta população a procurar os serviços de assistência. Pelo contrário, junto das IPSS encontramos a procura de resposta para apoios mais complexos (“ajuda”, “serviços”) e para problemas como a educação.

Os tempos
Como se pode observar no Quadro 10, a maioria dos pedidos (52,5%) foi atendido no primeiro contacto, 35% dos pedidos ficou a aguardar resolução na instituição, a percentagem de pedidos encaminhados para outra instituição não chega a 1%, o que certamente se prende com o conhecimento prévio dos serviços e das funções que estes desempenham. No entanto, este quadro revela também que uma percentagem significativa de pedidos (11,2%) não foi atendida.

Quadro 10
RESULTADO DO PRIMEIRO CONTACTO COM OS SERVIÇOS
Resultado Nº %
Foi atendido 258 52,5
Ficou a aguardar 172 35,0
Foi encaminhado 3 0,6
Não foi atendido 55 11,2
Outra situação 3 0,6
Total 491 100,0

A eficácia da resposta dos serviços depende do tipo de pedido que os indivíduos fazem.
Como se pode observar no Quadro 11, os pedidos que são atendidos no primeiro contacto são sobretudo os pedidos de subsídios, que, em geral, correspondem à reivindicação de um direito. De referir, no entanto, que apesar deste facto, de entre os pedidos que não são atendidos, os pedidos de subsídios também se encontram em primeiro lugar. Pedidos mais vagos como “bens materiais”, ou, simplesmente, “ajuda”, são aqueles que menos têm uma resposta imediata dos serviços.

Quadro 11
RESULTADOS DO PRIMEIRO CONTACTO COM OS SERVIÇOS POR TIPO DE PEDIDO (%)
Resultado Primeiro Contacto
Pedido Foi atendido Ficou a
aguardar
Foi encaminhado
Não foi
atendido
Outra situação
Ajuda 3,1 4,1 - 3,6 -
Ajuda Financeira 17,5 7,6 - 43,6 33,3
Apoio Domiciliário 1,9 1,2 - - -
Bens materiais 3,1 5,8 - 7,3 -
Serviços 17,5 5,8 - 1,8 -
Subsídios 54,9 75,6 100,0 41,8 33,3
Outro 1,9 - - 1,8 33,3
Total 100 100 100 100 100

Esta característica de funcionamento do sistema revela a sua tendência para responder, principalmente, aos utilizadores que conhecem os seus direitos e sabem exactamente o que pedir quando se dirigem aos serviços, em detrimento de uma capacidade para dar resposta a situações de necessidade de apoio social que não se concretizem em benefícios standardizados e imediatamente reconhecíveis pelo sistema.
Os utilizadores que não tiveram resposta imediata aguardaram entre 1 mês (15,2%) e 3 anos (apenas um inquirido) para verem atendido o seu pedido. Como se pode observar no Quadro 12, a maioria dos inquiridos recebeu uma resposta no decorrer de 3 meses após o primeiro contacto com os serviços.

Quadro 12
DEMORA NO ATENDIMENTO DO PEDIDO
Tempo Nº %
Menos de 1 mês 11 10,0
1 mês 15 13,6
2 meses 27 24,5
3 meses 23 20,9
4 meses 9 8,2
5 meses 2 1,8
6 meses 9 8,2
7 meses 2 1,8
8 meses 1 0,9
10 meses 1 0,9
1 ano 7 6,4
2 anos 2 1,8
3 anos 1 0,9
Total 110 100,0

Dos utilizadores que não viram o seu pedido atendido no primeiro contacto, apenas 12 (13,3%) não voltaram a ter que contactar directamente os serviços. A maioria teve que voltar uma vez ou mais à instituição para que os seu processo se desenrolasse. Como se pode observar através do Quadro 13, a maioria dos inquiridos voltou entre uma e 3 vezes aos serviços, embora existam alguns casos em que o pedido exigiu bastante mais deslocações dos utilizadores.

Quadro 13
NÚMERO DE VEZES QUE O UTILIZADOR
TEVE QUE VOLTAR AO SERVIÇO
Número de vezes Nº %
Nenhuma 12 13,3
1 32 35,5
2 20 22,2
3 17 18,8
4 4 4,4
5 3 3,3
10 1 1,1
11 1 1,1
Total 90 100,0

No Quadro 14, podemos ver as principais razões apontadas para ter que voltar a contactar os serviços no decorrer do processo. Com excepção dos inquiridos que tiveram que comparecer perante uma junta médica (e que constituem a maioria), os inquiridos tiveram sobretudo que se deslocar por questões burocráticas: 23,8% teve que voltar para “entregar documentação que faltava”, 10,7% porque os serviços não deram informações correctas no primeiro contacto. De sublinhar que 17,9% dos utilizadores inquiridos se deslocaram aos serviços para renovar o pedido anteriormente realizado. Como se pode observar no Quadro 13 o número de inquiridos que se desloca para reclamar é relativamente reduzido.

Quadro 14
MOTIVOS PARA VOLTAR AOS SERVIÇOS DURANTE O PROCESSO
Motivos Nº %
Entregar documentação 20 23,8
Informações incorrectas dos serviços 9 10,7
Junta médica 26 30,9
Pedido de informações 3 3,6
Pedido do serviço 4 4,8
Reclamações 7 8,3
Renovação do pedido 15 17,9
Total 84 100,0

Os resultados
Relativamente aos resultados do contacto com os serviços a maioria dos inquiridos “conseguiu o que pretendia”. Como se pode observar no Quadro 15, cerca de 1/4 dos entrevistados tinha ainda o processo a decorrer no momento do inquérito. Quanto aos que tinham o processo encerrado a maioria revela ter atingido os seus objectivos.

Quadro 15
RESPOSTA AOS OBJECTIVOS PRETENDIDOS
“Conseguiu o que pretendia?” Nº %
Sim 105 57,4
Não 22 12,0
Apenas parcialmente 11 6,0
O processo ainda está em curso 45 24,6
Total 183 100,0

Como se pode observar no Quadro 16, a satisfação dos objectivos está relacionada com o tipo de pedido realizado junto dos serviços. São os pedidos de subsídios que obtem uma resposta mais satisfatória. Embora também seja neste tipo de pedido que se encontra a maioria do insucesso (o que se explica, parcialmente pela forte representatividade deste tipo de pedidos no conjunto), é possível constatar que das respostas que não serviram os interesses do utilizador, ou que os serviram “apenas parcialmente” encontram-se mais representadas aquelas que são dadas aos pedidos “mais vagos” como “ajuda” ou “ajuda financeira”.

Quadro 16
RESPOSTA AOS OBJECTIVOS PRETENDIDOS POR TIPO DE PEDIDO (%)
Satisfação dos objectivos
Pedido Sim Não Apenas
Parcialmente
Em curso
Ajuda 2,9 - 18,2 11,1
Ajuda Financeira 5,7 13,6 9,1 8,9
Apoio Domiciliário 1,9 - - -
Bens materiais - 4,5 - 20,0
Serviços 2,9 13,6 9,1 6,7
Subsídios 86,7 68,2 63,6 51,1
Outro - - - 2,2
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Como se pode observar no Quadro 17, os inquiridos que tiveram o seu pedido atendido no primeiro contacto com os serviços consideram que esse facto se deveu ao “seu pedido ser justo” (37,1%) ou a ser “um direito seu” (32,3%). 17,7% considera ainda que o pedido “era de fácil resolução”, daí a rapidez da resposta. Apenas 2,8% (7 inquiridos) declara ter “tido ajuda de alguém lá dentro” para que o processo se resolvesse imediatamente, mas, uma parte significativa (9,7%) diz que a resolução imediata se deveu “à boa vontade dos funcionários”, o que revela que, para uma parte dos utilizadores, o correcto funcionamento do sistema corresponde a uma lógica “de favor” e não “de direito”.

Quadro 17
RAZÃO DO ATENDIMENTO DO PEDIDO NO PRIMEIRO CONTACTO
Razão Nº %
Fácil resolução 44 17,7
Pedido Justo 92 37,1
Boa vontade dos funcionários 24 9,7
Ajuda de alguém lá dentro 7 2,8
Direito 80 32,7
Total 248 100,0

Relativamente aos inquiridos que não resolveram o seu problema no primeiro contacto, mas que viram o seu pedido atendido posteriormente, as razões apresentadas para ver satisfeitos os objectivos são semelhantes. Como se pode observar no Quadro 18, a maioria dos inquiridos considera que “conseguiu o que pretendia” porque estava era “um direito seu” (57,7%) e o seu era “um pedido justo” (36,5%). Neste Quadro podemos verificar uma maior tendência para considerar a resolução favorável do processo como resultado de uma reivindicação de direitos e menos como manifestação de “boa vontade” do sistema.

Quadro 18
RAZÃO DO ATENDIMENTO DO PEDIDO
Razão Nº %
Pedido Justo 38 36,5
Boa vontade dos funcionários 2 1,9
Ajuda de alguém lá dentro 4 3,8
Direito 60 57,7
Total 104 100,0

Relativamente aos inquiridos que não viram o seu pedido atendido pelos serviços, as razões apontadas para o insucesso são relativamente opostas às apontadas para o sucesso. Como se pode observar no Quadro 19, 29,1% dos inquiridos declara que não viu atendido o seu pedido porque “não tinha direito” a reclamar o que pretendia. No entanto, a maioria dos inquiridos atribui a não satisfação dos seus objectivos às características de funcionamento do sistema: 30,4% diz que a resposta negativa que recebeu se deveu ao “mau funcionamento dos serviços” e 22,8% declara que faltou “boa vontade dos funcionários”. De referir ainda que 12,7% considera que o que faltou para um desfecho satisfatório do processo foi “a ajuda de alguém lá dentro”.

Quadro 19
RAZÃO PARA O NÃO ATENDIMENTO DO PEDIDO
Razão Nº %
Mau funcionamento dos serviços 24 30,4
Não houve boa vontade dos funcionários 18 22,8
Não teve ajuda de alguém lá dentro 10 12,7
Não tinha direito 23 29,1
Outra razão 4 5,1
Total 79 100,0

Estes resultados podem ser alvo de uma dupla leitura: por um lado, do ponto de vista das representações dos utilizadores sobre o sistema, eles revelam mais uma vez a prevalência de uma ideia dos serviços onde não prevalecem os direitos de cidadania, mas sim uma lógica de relações interpessoais entre funcionários e indivíduos que “pedem” favores. Por outro lado, do ponto de vista, da eficácia dos serviços na resposta às necessidades dos cidadãos, estes resultados revelam, também, a sua ineficiência face à complexidade dos problemas dos cidadãos e a sua incapacidade para explicar aos utilizadores os modos de funcionamento do sistema.
A última questão que se prende com a eficácia da resposta do sistema, tem a ver com a relação entre o problema que levou os indivíduos a procurar os serviços, o pedido que foi realizado e a sua satisfação. O Quadro 20 revela que, dos inquiridos que viram atendido o seu pedido, 82,3% considera que viu deste modo resolvido o seu problema. Apenas 1,4% diz que não conseguiu resolver assim o problema. Para 16,3% a resposta dos serviços ao pedido “apenas parcialmente” resolveu o problema.

Quadro 20
RESOLUÇÃO DO PROBLEMA INICIAL
Resolução do problema Nº %
Sim 293 82,3
Não 5 1,4
Apenas parcialmente 58 16,3
Total 356 100,0

É necessário sublinhar que a coincidência entre a resolução do problema e a satisfação do pedido realizado junto dos serviços, que é aqui revelada, está também relacionada com as expectativas iniciais dos utilizadores. Como se viu acima, a maioria dos inquiridos quando se dirige aos serviços tem sobretudo como objectivo obter um subsídio ou ajuda financeira, satisfeito este objectivo a maioria considera o seu problema resolvido.
Os resultados do inquérito revelam que a alternativa para a resolução dos problemas através do recurso ao sistema formal de protecção social reside sobretudo nas capacidades individuais e nas redes informais de solidariedade. Através do Quadro 21 é possível constatar que a maioria dos inquiridos que não obteve uma resposta favorável para o seu problema resolveu-o pelos seus próprios meios (37% dos inquiridos), 27,4% contou com a ajuda da família e 10,3% com a ajuda de conhecidos. Apenas 3,4% encontrou resposta numa outra instituição. De sublinhar que 21,9% dos inquiridos na altura do inquérito não tinha ainda resolvido o seu problema.

Quadro 21
FORMAS ALTERNATIVAS AO SISTEMA PARA RESOLVER O PROBLEMA
Como resolveu o problema Nº %
Pelos próprios meios 54 37,0
Com a ajuda da família 40 27,4
Com a ajuda de conhecidos 15 10,3
Recorreu a outra instituição 5 3,4
Ainda não resolveu 32 21,9
Total 146 100,0

2.1.5. A avaliação do sistema
De um modo geral, a avaliação que os inquiridos fazem do sistema é positiva, para qualquer dos itens considerados no inquérito (“atendimento”, “rapidez” e “papelada”) a percentagem de utilizadores que avalia com “bom” ou “regular” a prestação dos serviços é largamente maioritária.
Como se pode observar no Quadro 22, o item mais penalizado relativamente à eficácia do sistema é a “rapidez”: por um lado, a percentagem de inquiridos que considera “boa” a prestação dos serviços nesta matéria é inferior à dos restantes itens e, por outro lado, a percentagem de inquiridos a classificar com “mau” a rapidez com que decorreu o seu processo (18%) é mais do dobro da percentagem daqueles que avaliam negativamente as restantes categorias.
A avaliação do atendimento é a mais positiva, quase metade dos inquiridos (49,4%) considera que este é “bom”. Quanto às questões burocráticas, à “papelada”, a maioria dos inquiridos (60,6%) considera que a exigência dos serviços é regular.

Quadro 22
AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS
Avaliação Nº %
Bom 247 49,4
Atendimento Regular 226 45,2
Mau 23 4,6
NS/NR 4 0,8
Total 500 100,0
Bom 160 32,0
Rapidez Regular 245 49,0
Mau 90 18,0
NS/NR 5 1,0
Total 500 100,0
Bom 142 28,4
“Papelada” Regular 303 60,6
Mau 37 7,4
NS/NR 18 3,6
Total 500 100,0

Estes resultados penalizam os processos de resposta dos serviços, sobretudo do ponto de vista da morosidade, ao mesmo tempo que fazem sobressair uma avaliação positiva do “rosto humano” do sistema.
Como seria de esperar a avaliação dos sistema (para qualquer dos itens considerados) é sobretudo positiva para os utilizadores que viram o seu pedido atendido no primeiro contacto.

2.1.6. O conhecimento dos direitos
Na questão relativa à ocorrência de diversos acontecimentos nos últimos dois anos, no conjunto do agregado familiar, o evento mais comum foi o desemprego. Como se pode observar no Quadro 23, cerca de 1/4 dos agregados entrevistados sofreram uma situação de desemprego nos últimos dois anos. Também com incidência bastante significativa para esta população, revela-se a doença (23% dos inquiridos tiveram um problema de doença no seu agregado). Seguem-se, por ordem de ocorrência nos 500 agregados: o nascimento (em 14,8% da amostra), a reforma (em 14,2%), morte (em 13,8%), a invalidez (em 12,4%) e o casamento (apenas em 7,6% dos agregados, o que certamente se explica, em parte, pela idade média dos indivíduos inquiridos).

Quadro 23
ACONTECIMENTOS PRODUTORES DE RISCO OCORRIDOS
NOS ÚLTIMOS 2 ANOS NOS AGREGADOS DOS INQUIRIDOS
Acontecimento Nº %
Maternidade/nascimento 74 14,8
Casamento 38 7,6
Morte 69 13,8
Desemprego 129 25,8
Doença 115 23,0
Reforma 71 14,2
Invalidez 62 12,4

Se comparados os resultados do Quadro 23 com os do Quadro 24, verifica-se que, para a maioria dos agregados a ocorrência de um acontecimento produtor de risco não corresponde uma necessariamente à procura dos serviços de assistência social e à obtenção de um apoio por parte dos mesmos.
Apenas para alguns acontecimentos se verifica uma cobertura maior dos apoios concedidos pelo sistema. Apenas nas famílias onde ocorreu um nascimento é possível encontrar uma cobertura acima dos 70% relativamente às prestações familiares correspondentes. No entanto, a situação relativamente ao uso de equipamentos é inteiramente diferente: as famílias que recorrem aos serviços públicos são uma percentagem bastante reduzida.
Também nas famílias onde ocorreram situações de morte de um dos elementos, se encontram taxas de cobertura de algumas prestações acima dos 70%, concretamente relativamente ao subsídio de morte (72,9%) e subsídio de funeral (86,2%). Nos contactos informais com as famílias, quando da realização do questionário, várias pessoas referiram a acção das agências funerárias como uma via de acesso e conhecimento destas prestações.
Algumas destas agências encarregam-se mesmo dos processos para os seus clientes, junto das instituições.
Para alguns dos acontecimentos verifica-se que a cobertura oferecida pelos serviços é bastante diminuta. Pouco mais de metade (57,3%) dos agregados onde um elemento ficou impossibilitado de trabalhar por motivo de doença recebeu o respectivo subsídio. No que diz respeito ao desemprego menos de metade dos agregados viram cobertos os seus problemas pela apoio estatal: apenas 47,3% dos indivíduos receberam subsídio de desemprego e 10,8% subsídio social de desemprego5.

Quadro 24
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÕES E APOIOS DO SISTEMA
Prestações/apoios Nº %
Maternidade/Nascimento
Subsídio de Maternidade 53 71,6
Subsídio de nascimento 59 79,7
Subsídio de aleitação 59 79,7
Abono de família 61 82,4
Abono complementar a deficientes 1 1,3
Subsídio assistência a 3ª pessoa - -
Subsídio de educação especial - -

5 De sublinhar, no entanto, que o inquérito não permite distinguir quais os indivíduos que se encontram em condições de beneficiar de cada uma das prestações, nomeadamente no caso dos desempregados, é impossível distinguir quais aqueles que estão à procura do primeiro emprego.

Subsídio mensal vitalício 1 1,3
Ama 1 1,3
Creche familiar 1 1,3
Acolhimento familiar 1 1,3
Equipamentos 13 17,5
Casamento
Subsídio de casamento 25 65,7
Morte
Subsídio de morte 43 72,9
Subsídio de funeral 56 86,2
Subsídio de sobrevivência 11 18,6
Pensão de orfandade 4 7,3
Pensão de viuvez 19 32,8
Desemprego
Subsídio de desemprego 61 47,3
Subsídio social de desemprego 14 10,8
Doença
Subsídio de doença 66 57,3
Subsídio de assistência a menores 2 1,7
Subsídio de doença profissional 1 0,9
Subsídio de tuberculose 1 0,9
Sub. acompanh. pessoa c/ paramiloidose 1 0,9
Reforma
Pensão de velhice 45 68,2
Pensão social de velhice 8 13,6
Complemento de cônjuge a cargo 3 5,2
Reforma antecipada 9 15,5
Apoio domiciliário 15 24,2
Ajudante familiar 2 3,4
Subsídio utilização de lares lucrativos - -
Centros de dia 10 16,1
Centros de convívio 10 16,7
Lares - -
Invalidez
Pensão de invalidez 40 67,8
Subsídio de assistência a 3ª pessoa 7 12,7
Suplemento de grande inválido 1 1,8
Pensão social de invalidez - -
Ajudas técnicas 8 13,8
Apoio domiciliário 4 7,0
Ajudante familiar - -
Lares - -

Relativamente às razões que fazem com que os inquiridos não usufruam dos apoios sociais à sua disposição, elas encontram-se sintetizadas no Quadro 25. Embora as razões sejam diferentes consoante o benefício em causa, nesta análise global podemos constatar, por um lado, que a percentagem de indivíduos que procura o sistema para obter apoio quando ocorre uma situação de risco e acaba por não ser elegível para usufruir das regalias sociais correspondentes é significativa: 16,3% declara que se dirigiu aos serviços em busca de apoio mas “não teve direito” ao benefício pretendido.
Por outro lado, verifica-se, também que a percentagem de inquiridos que desconhece quais
os seus direitos é também significativa: 6,3% desconhece algum dos apoios e/ou
prestações existentes para um dos problemas que atingiu o seu agregado, 10% “pensa que
não tem direito” aos benefícios, embora não tenha procurado informação que lhe permita
confirmar este facto.
Ainda relativamente ao uso de equipamentos é importante sublinhar que grande parte
desta população (33,7%) diz “preferir outra solução”. As razões desta opção não são
exploradas no inquérito, mas se confrontadas com a informação das entrevistas aos
cidadãos em risco (ver ponto 2.2.), é possível perceber que os custos monetários
envolvidos estão muitas vezes por detrás desta recusa do sistema público, nomeadamente
no que se refere aos cuidados dos idosos e das crianças.
Quadro 25
RAZÃO PORQUE NÃO USUFRUIU DE BENEFÍCIOS
Razões Nº %
Não sabe o que é 12 6,3
Pensa que não tem direito 19 10,0
Informou-se e não teve direito 31 16,3
Não compensava o trabalho 5 2,6
Não necessita* 41 21,6
Prefere outra solução** 64 33,7
Outra razão 18 9,5
*possibilidade de resposta quando um determinado acontecimento
não suscita a procura de determinado apoio (exº: apoios para
deficientes)
**possibilidade de resposta para a utilização de diferentes tipos de
equipamentos
2.2. Pobreza, exclusão e risco social: Análise das entrevistas a famílias
Uma análise mais detalhada dos problemas sociais que afectam os agregados e das formas
de enfrentamento dos problemas e estratégias de resposta foi conseguida através de entrevistas
a cidadãos em situação de risco social nas cinco áreas geográficas em estudo6. A
informação recolhida permitiu ainda avaliar o papel das instituições na resposta às
necessidades de bem-estar destas famílias e compreender o tipo de relação que estas
populações estabelecem com o sistema formal de protecção social.
6 A informação que a seguir se analisa resulta de 103 entrevistas a um painel de famílias constituído por
cerca de 20 famílias em cada comunidade e que tem sido objecto de novas reinquirições no âmbito de
estudos subsequentes.
2.2.1. Problemas sociais e eventos produtores de risco
A primeira nota que ressalta da análise das entrevistas é o facto de a maioria dos agregados
viver situações de risco social extremamente complexas que não permitem isolar um
evento ou factor de risco. Pelo contrário, estas famílias apresentam trajectórias de vida que
combinam uma multiplicidade de problemas sociais como a precaridade económica
provocada pelo desemprego e pelos baixos rendimentos monetários, as más condições de
habitação e as deficientes condições de saúde7.
Os principais problemas das famílias prendem-se com os baixos rendimentos dos
agregados (problema comum a todas as famílias entrevistadas) e a incerteza dos
rendimentos (problema que atinge mais de 1/4 dos entrevistados), a precaridade do
emprego e o desemprego (51 das 103 famílias enteevistadas têm pessoas no desemprego,
dessas 51, 15 têm mais do que um desempregado no agregado), as más condições de
habitação, os problemas de saúde dos adultos e das crianças, a toxicodependência e o
alcoolismo, as relações familiares problemáticas, os maus tratos a mulheres e crianças.
Como se constata a partir da leitura do Anexo 1, estas famílias não têm apenas um
problema, mas antes congregam diversos factores de risco, que se alimentam
continuamente, contribuindo para a manutenção de situações de exclusão social.
Procura-se, de seguida, analisar de uma forma mais pormenorizada a incidência de cada um
destes problemas, inventariando problemas sociais e eventos produtores de risco, com a
ressalva, já realizada anteriormente, de que estes fazem parte de um conjunto complexo,
sendo de algum modo artificial tratá-los isoladamente.
Os baixos rendimentos
O problema comum a todas as famílias entrevistadas é o baixo nível de rendimentos. Esta
é uma característica marcante destes agregados e que condiciona, em grande parte, a sua
situação de exclusão. O baixo nível de rendimentos resulta da combinação de uma série de
factores: situações de desemprego e de precaridade do emprego, reduzidos níveis salariais,
dimensão alargada das famílias, baixas prestações pecuniárias da Segurança Social, este
último factor atingindo sobretudo a população idosa.
7 No Anexo 1 sintetizam-se os principais problemas detectados nas famílias entrevistadas, assim como os
apoios recebidos. Esta síntese serve de ponto de partida para uma análise mais detalhada, que se fará de
seguida, acerca das condições de vida destas populações e dos problemas sociais que enfrentam.
Das 96 famílias sobre as quais existe informação sobre os rendimentos, 5 famílias não
possuem qualquer rendimento monetário e 6 não têm um rendimento fixo, 26 auferem
rendimentos inferiores a 50 contos mensais, 38 entre 50 e 99 contos, 16 entre 100 e 149
contos, apenas 4 têm um rendimento superior a 150 contos e apenas uma família tem um
rendimento mensal que atinge os 200 contos mensais.
No entanto, a análise do rendimento mensal só assume alguma pertinência, para
compreender o modo de vidas destas famílias, se relacionado com a dimensão do agregado.
Um rendimento mais elevado pode ser enganador relativamente ao nível de vida da família,
quando olhamos para a sua dimensão. É o caso da família que tem um rendimento de 200
contos mensais e que compreende 9 elementos: o casal e 7 filhos dependentes.
Se nos debruçarmos sobre o rendimento per capita dos agregados, compreendemos mais
claramente as dificuldades que estes enfrentam quotidianamente para assegurar a sua
subsistência. Quatorze famílias dispõem de menos de 10 contos mensais por pessoa, 10
auferem entre 10 e 14 contos por pessoa, 15 entre 15 e 19 contos, 9 entre 20 e 24 contos e
19 entre 25 e 30 contos, apenas 18 famílias possuem um rendimento per capita superior a
30 contos por pessoa8.
Apesar da maioria das famílias auferir rendimentos do trabalho, existem 27 agregados
(mais de 1/4 dos entrevistados) que dependem totalmente das prestações da Segurança
Social para sobreviver. Para estas famílias a escassez de rendimentos monetários coloca-se
ainda de forma mais aguda do que para aquelas que têm salários reduzidos. A maioria
recebe prestações bastante baixas. Se por um lado esta realidade resulta das deficiências
inerentes ao próprio sistema estatal, por outro, deriva, também, do tipo de inserção profissional
destes trabalhadores e da irregularidade do seu passado contributivo.
Dado o nível reduzido de rendimentos desta população, não é de estranhar que a maioria
das famílias gaste a maior parte do rendimento disponível com a aquisição de bens
elementares à sobrevivência, e que, muitas vezes, se façam sentir inúmeras carências ao
nível de consumos essenciais.
“Agora recebo 16 contos e pouco. Não dá nem para a comida” (Sandofim, F19:
mulher, 60 anos, tem como único rendimento o “subsídio de morte do falecido
marido”)
8 Dado que várias famílias não referem os montantes exactos do rendimento, mas sim escalões de
rendimento, é impossível calcular os rendimentos per capita para todos os agregados.
“Vai quase todo (o dinheiro) para a comida. Ficamos sem nada, pois é, está tudo
tão caro. Eu por enquanto ainda dou peito a este porque quando começar a dar leite
depois é que vai ser” (Sandofim, F8: casal com 3 filhos, 125 contos mensais)
É no tipo de privação material, nomeadamente nos consumos alimentares que se fazem
sentir os constrastes mais fortes entre os contextos urbanos e rurais. Embora se possam
adivinhar fortes carências a nível alimentar nas zonas rurais onde foram realizadas as
entrevistas, é na zona urbana que se relatam as situações mais extremas de privação.
Enquanto nos contextos rurais um pedaço de terra próprio ou do vizinho oferece sempre
alguns bens alimentares, mesmo que escassos, no contexto urbano, a única alternativa que
resta a estas famílias é a fome.
“O que vai mais é para o comer (...) temos que tentear mesmo...Temos aqui um
quintalzito e tenho terra lá em baixo onde semeava as batatas e... O ano passado tive
muita batata, mas este ano...é por todo o lado, estragou-se tudo. Mas vamos tendo
hortaliça e vamos... e já isso não compramos. Hortaliça e batatas pronto... vamos
tendo. O dinheiro vai quase todo para a comida.” (Sandofim, F21: casal, 7 filhos,
200 contos mensais)
"E agora, por exemplo, diz que muitas vezes passam fome, muitas vezes significa o
quê? Quantas refeições consegue fazer por dia?
Eu faço uma, olhe hoje tinha massa de ontem que nós de vez em quando vamos ali
às irmãzinhas buscar, não é todos os dias é só quando sobra. Elas vêm aqui avisar se
nós queremos ir lá buscar e assim. E pronto, o que nos tem safado muito é as
irmãzinhas, porque quando sobra elas mandam nos chamar para ir lá buscar, e é o
que nos tem safado. A gente faz massa com massa, ao Domingo quase sempre, ao
meio dia nunca comem, à noite as irmãzinhas lá mandam uma panela de sopa ... (…)
Porque eu tenho uma senhora aqui atrás, e ela trabalha no Hospital (...) e ela muitas
vezes traz aquele pão do hospital e assim e vem-me aqui trazer. Ela já me ajudou
muito porque o meu filho mais velho já esteve muito doente, e foi ela que me
emprestou dinheiro. Ela até me deu e disse para eu me esquecer e tudo e eu tive aqui
3 meses que eu não desejo a ninguém. O que eu …, até chorava. Não fala o mais
velho, ainda não fala bem, e não sabe ainda dizer comida mas começa ... (sons) ...
quando ele faz assim é fome que ele tem, e muitas vezes não tinha, até chorava
quando não tinha para lhe dar, e lá vinha essa senhora, trazia para me dar. Trazia-me
pão, trouxe-me muitas vezes uns bocadinhos de bacalhau e tudo para eu fazer.
Trazia-me batatas, para eu fazer bolinhos de bacalhau, ao menos para eles comerem
um bocadinho, ou uns bolinhos de bacalhau com pão, e assim, para eles remediarem.
(...)
Mas eu passei aqui momentos.... Na gravidez dele passei muita fome ... Em
pequenina passei fome em casa dos meus pais, passei muita fome porque às vezes
eu ia roubar laranjas para encher a barriga de laranjas, e comer pão, aquelas côdeas.
A minha avó a dormir e lá ia eu roubar laranjas, mas acho que nunca passei tanta
fome quando era pequenina em casa do meu pai do que eu já passei aqui nesta casa.
Aqui nesta casa já passei muito, e continuo a passar na mesma." (Tormes, F9:
Mulher, 29 anos desempregada, companheiro, biscateiro, com 2 filhos de 1 e 2 anos
em casa, sem abono de família )
Se há falta de alimentos para o agregado, primeiro as mulheres procuram resolver o
problema para os filhos, seguindo-se os homens (maridos, irmãos), as suas necessidades
ficam em último lugar:
"Consegue fazer as refeições para as crianças todos os dias, ou há dias em que não
tem dinheiro nem géneros ?
Eu vou-lhe responder mas espero que não digam a ninguém: eu tenho dias que eu às
vezes quero uma tijela de sopa e não tenho. Porque não é com 45 contos que eu vou
conseguir dar de comer. Em primeiro, o meu homem tem que levar a marmita todos
os dias, e em segundo ele tem uma colega e a mãe dessa colega trabalha numa padaria
e é ela que me tem dado o pão quase todas as semanas. Eu vou lá duas vezes por
semana a casa dela buscar o pão; o pão não é mole, não é fresco, mas é de um dia
para o outro e como são sacos grandes eu aproveito. Isso já parte de um princípio.
Para comer muitas das vezes eu não tenho, (...) muitas das vezes quero leite para o
menino não tenho, quero arroz ou isto ou aquilo... Tanto estou eu como está a
minha mãe. A gente tem que se equilibrar... A gente foi-nos a vida muito abaixo, a
gente às vezes vai para a cama, tanto eu como a minha mãe, só com uma chávena de
chá e mais nada, nem pão nem nada. Porque eu, em primeiro lugar, tenho que fazer a
marmita para o meu homem levar porque ele come lá com os colegas e não posso
mandar só sopa, tenho que fazer a marmita para ele, tenho de tirar de comer para os
miúdos, e o que sobra é que vai para nós. Eu muitas vezes vou para a cama sem
comer nada.
E mesmo assim para as suas crianças consegue arranjar todos os dias?
Todos os dias às vezes não consigo, ainda não foi há muito tempo, talvez duas
semanas, que eles andaram ali dois dias.... Eu ia para o curso a cair de sono, porque
o problema não é eu andar, o meu problema é que é de cabeça. Eu sou muito nervosa
e depois ponho-me a pensar nas coisas, no que vou fazer… Então eu chego ao fim
do dia estourada, porque no fim do dia eu até me ponho a chorar, porque eu quero
isto, aquilo e aqueloutro, e não tenho. É esse o meu problema; é que a gente quer
fazer o comer e não temos. E eu então ponho-me a pensar o que é que vou dar de
comer aos miúdos, e o que é que eu vou comer? Se eu tenho sopa, como sopa, tudo
bem; mas sabe como é, principalmente os miúdos, custa-me dar só sopa à noite
porque eles comem bastante, comem muito bem, e essa senhora que me dá o pão,
eles comem 2 a 3 pães a cada refeição. Eles estão a criar os ossos, mas eu não... Daí
a gente às vezes vê-se aflita... " (Tormes, F2: Mulher, 27 anos, desempregada)
Outro elemento a pesar bastante sobre o reduzido orçamento familiar são as despesas com
a saúde. Estas pessoas sofrem, em geral, de precárias condições de saúde. Do ponto de
vista do orçamento familiar, esta questão é importante por dois motivos: por um lado,
inibe membros da família de auferirem rendimentos do trabalho, por outro, implica custos
elevados para o agregado. Assim, não aviar medicamentos, evitar ir ao médico, ou comprar
“fiado” na farmácia são práticas correntes para tentar minimizar os efeitos que estas
despesas têm nos precários orçamentos familiares.
“Nós muitas vezes evitamos, eu às vezes ando aí até à última para não ir ao médico.
Só mesmo quando estou mesmo nas últimas é que eu vou.” (Flor de Malva, F2:
desempregado, 46 anos, casado)
“Às vezes não tenho, não tenho, nem compro remédios, agarro nas receitas e atiro
com elas ao ar e digo ‘Ooh! Vamos comer mas é alguma coisa!?’” (Flor de Malva,
F9: empregada doméstica reformada por invalidez, 61 anos, viúva)
"O Igor tem um problema de fígado, não pode comer. Agora com este tratamento e
tal...a gente levou-o até à Estefânia e tal... agora está mais ou menos. E tem também
um problema de nervos.
Gastam muito dinheiro na farmácia com ele?
Com o Igor? Ui... Com o Igor? Foi também a sorte que eu tive. Foi também sorte.
Esse senhor da farmácia, Sr. Armando, de uma família, muito, muito humilde. É
muito compreensivo.
Deixa lá ficar a conta, é?
Claro!
E a sua filha? Também disse que tinha problemas...
Davam-lhe ataques. A ela davam-lhe ataques. A gente... fez o tratamento. Até que
melhorou mais ou menos, mas também tem problemas de ossos e foi operada. E
aquele mais pequeno, o Delfim também tem problemas de respiração, de garganta e
também veio há tempos do hospital. Foi operado. A Andreia também foi duas
vezes.
Recebeu algum tipo de ajuda por causa das operações?
Não. Nunca! Dele pagamos aos poucos, à farmácia... O sr. Armando, a gente chega
lá e leva.” (Sandofim, F23: homem, 41 anos, forneiro, casado, 6 filhos)
Não é de estranhar que, em agregados com níveis de rendimento tão reduzidos, qualquer
necessidade que implique uma despesa excepcional represente uma total desestabilização
da vida familiar.
“A mim o que me dificultou um bocado foi o meu marido...não é que ele beba de
mais, mas uma vez ele ia na estrada... até nem ia na estrada...estava ao lado... ao pé
de um café, e ele tinha assim o carro parado bateram-lhe e ele estava no café, já
estava um bocadinho tocado, soprou no balão e foi para o posto da guarda. Esteve
preso e a gente teve que pagar 100 contos de multa. Isso é que dificultou um bocado
a nossa vida.” (Sandofim, F8: mulher, 30 anos, operária na cerâmica, o marido tem
31 anos e a mesma profissão)
Um acidente, a aquisição de uma casa, o nascimento de um filho com problemas de saúde
são eventos que, muitas vezes, desencadeiam o recurso a empréstimos que as famílias têm
depois extremas dificuldades em saldar e que vêm contribuir para agravar ainda mais a
gestão do precário orçamento familiar.
“O meu falecido homem antes de acontecer aquilo lá na fábrica também se aleijou,
deslocou um pé, deslocou um pé quando vinha do trabalho, ali em baixo à beira da
estrada. esteve no hospital 5, 6 meses, no hospital de Águeda, com o pé deslocado, a
tratar do pé. Depois a gente devia muito dinheiro, claro, devia muito dinheiro, e tiveo
que pagar.” (Sandofim, F5: mulher, 40 anos, viúva, 3 filhos)
Dado o padrão de rendimentos que predomina é fácil compreender que muitos agregados
contraiam dívidas. Vários agregados têm dívidas acumuladas respeitantes às despesas
correntes que atingem valores de centenas de contos. Para alguns, esta realidade já resultou
no corte de água ou da luz. Para outros, é uma ameaça permanente e obriga a gerir com
grande cuidado os seus escassos recursos. O montante das dívidas às vezes torna quase
impossível ver alguma saída:
"Ainda o ano passado tivemos que dar 600 contos pela casa senão íamos para a rua
(...) Telefonei ao sogro para o trabalho e ver se o meu sogro pedia ao patrão. Então
pediu ao patrão e o patrão lá emprestou os 600 contos. O meu sogro veio embora, e
nem o resto dos 600 contos pagou. Temos o aluguer atrasado 5 meses, temos uma
conta de água para pagar porque iam fechar a água e ainda temos a conta da luz para
pagar porque só a conta da luz são quase 200 contos, e estamos assim... O meu
homem ganha 50 contos e o meu cunhado ganha 60, você vê, com as crianças
pequeninas é preciso fraldas, é preciso leite para eles...." (Tormes, F9: Mulher, 29
anos, desempregada, companheiro, biscateiro, com 2 filhos de 1 e 2 anos em casa,
sem abono).
O desemprego
Embora não se apresente como o factor de risco primordial para o conjunto das famílias
entrevistadas, e os seus efeitos mais dramáticos se façam sentir no meio urbano, existem
situações de desemprego em 51 dos agregados entrevistados. É quando o desemprego
afecta os dois membros do casal (o que acontece em 15 famílias) que os problemas são
mais gravosos, dado que implica na maioria das vezes uma ausência total de rendimentos
fixos. Neste caso é comum assistirem-se, quer em meio rural quer urbano, a situações de
cohabitação de jovens casais com os pais ou avós, e é também, bastante frequente a
existência de agregados que dependem de um parente que recebe prestações da Segurança
Social.
São as mulheres os elementos das famílias mais fortemente atingidos pelo desemprego em
todos os contextos. Há ainda que notar que, nas entrevistas realizadas, por vezes, a
situação de “doméstica” corresponde a uma forma de desemprego oculto. Dada a
persistência da situação de desemprego, muitas mulheres desistem de procurar emprego e
passam a auto-classificarem-se como “domésticas”, embora estejam disponíveis para
aceitar um emprego assalariado.
“Qual é a profissão da senhora?
Doméstica.
Mas é doméstica porque quer ou ...
Não, porque não consigo arranjar emprego(...).” (Flor de Malva, F14: Mulher,
“doméstica”, 33 anos)
A dificuldade em arranjar emprego prende-se também com a idade da desempregada e a
sua situação familiar. Por um lado, quanto mais velha é a mulher mais dificil se torna
encontrar um emprego; por outro lado, a maioria das entrevistadas parece concordar que
ter filhos é um limite ao acesso a um emprego.
“Já andei a pedir de um lado para o outro mas toda a gente me diz que para a minha
idade já não há” (Sandofim, F19: mulher, 60 anos, desempregada, ex operária da
cerâmica)
"Com esta idade ninguém me quer dar trabalho. Eu não sou velha, não é, mas vou ver
os jornais ..." (Tormes, F3: Mulher, 45 anos, desempregada)
"Não consigo arranjar emprego, porque agora fazem aquelas fichas, temos que
preencher as fichas, e vêem que eu tenho tantos filhos... ninguém me dá emprego, os
meus filhos são todos pequeninos... se fossem grandes era natural, mas agora
assim...” (Flor de Malva, F14: Doméstica, viúva, 33 anos, 6 filhos)
“Eu tinha dois trabalhos, que era um na I. [nome de empresa] e outro na F. [nome de
empresa], só que eu andando assim (grávida) já não me dão emprego, não me dão
trabalho.” (Flor de Malva, F10: mulher, 26 anos, mãe solteira, 3 filhas, grávida do
quarto filho)
O desemprego feminino é sobretudo problemático em famílias monoparentais em que o
trabalho da mulher é a principal fonte de rendimento. Neste caso, a alternativa é muitas
vezes deslocar para o mercado de trabalho um dos filhos, mesmo que este esteja ainda em
idade escolar ou tenha alguma incapacidade para o trabalho.
“Oh Pedro! eu não sei como é que a gente vai fazer. Eu não posso trabalhar. O Luís
e a Marta na escola. Como é que agora me vou governar?” e ele então foi pedir
emprego aquilo onde ele agora trabalha.” (Sandofim, F5: mulher, 40 anos, viúva,
desempregada, 3 filhos)
Uma constatação em todos os terrenos em estudo foi que o problema do desemprego
assume dimensões bastante superiores ao níveis sugeridos pelos números disponibilizados
pelas entidades locais. Nas entrevistas realizadas junto de pessoas e famílias em situação
de risco social, constatou-se um número elevado de pessoas desempregadas que não estão
inscritas no Centro de Emprego ("não dá nada", "é só papeis"). Para várias pessoas já não
vale a pena inscreverem-se no Centro de Emprego. Procuram diariamente emprego por via
dos anúncios nos jornais, contactam directamente empresas e lojas oferecendo-se para
trabalhar e procuram por via de pessoas conhecidas. Mas, sobretudo para os
desempregados de longa duração, as perspectivas são poucas e parecem vir a reduzir-se. A
competitividade e as exigências são cada vez maiores, tornando-se incompatíveis com as
qualificações que apresentam estas pessoas:
"Estou farta de entrevistas ... porque, eu só tenho o 9º ano. Andam pessoas aí com o
12º, desempregadas, não é, que andam a concorrer aos mesmos empregos que eu.
Têm habilitações para outros, mas os outros também não dão" (Tormes, F19:
Mulher, 23 anos, desempregada, 9º ano)
"A meu respeito, já respondi a alguns anúncios para empregada doméstica, mas
pedem o 12º ano, eu acho que é uma estupidez, para andar a limpar a casa dos
outros não é preciso o 12º ano.
E acontece muito isso?
Não é a 1ª vez, e parece que não, mas as pessoas que não têm a escolaridade, no
mínimo o 9º ano... Aí é que não se faz nada. Já me aconteceu isso." (Tormes, F1:
Mulher, 27 anos, desempregada, 6º ano incompleto).
Os baixos níveis de escolaridade
Os baixos níveis de escolaridade da população entrevistada apresentam-se como um factor
de risco com bastante peso, na medida em que diminui as possibilidades no mercado de
trabalho. É impossível dissociar os problemas de emprego destas pessoas dos seus
reduzidos níveis de instrução. Dada a sua baixa qualificação, elas destinam-se a ocupar os
postos de trabalho mais precários e pior remunerados. A exclusão desta população,
produzida pela ausência de uma formação escolar, assume uma dimensão alarmante pelo
facto de as entrevistas não revelarem uma inversão desta tendência nas gerações mais
novas.
No total de famílias entrevistadas são raros os elementos com um nível de escolaridade
acima da escolaridade obrigatória. A regra é possuirem a 4ª classe e o analfabetismo
predomina nos entrevistados com mais de 60 anos. Vários relatos dão conta da pouca
importância que no passado era dada à instrução e da necessidade de começar a trabalhar
cedo para ajudar a família.
"Mas não chegou a frequentar a escola?
Sabe, naqueles tempos, os meus pais precisavam que eu andasse a servir para ajudar
os meus irmãos mais novos, para ajudar com o dinheiro que eu ganhava, era para os
meus irmãos. De maneira que eu sei assinar o meu nome e ler alguma coisa.” (Flor de
Malva, F9: empregada doméstica reformada por invalidez, 61 anos, não frequentou
a escola, sabe assinar e ler muito pouco)
“Eu nunca andei na escola porque o meu pai nunca me botou, eu era pequenito,
nesse tempo não era obrigatório... Andei a servir por casa de lavradores!...” (Flor de
Malva, F10: servente num comércio, 61 anos, analfabeto).
Apesar de mais comum entre os mais idosos, o analfabetismo continua a existir nas
gerações mais novas. Nas idades mais jovens, a ausência de escolaridade é sempre
atribuída pelos pais a incapacidades do próprio indivíduo.
“O meu filho mais velho tem um grau de paralisia praticamente não aprendeu nada
na escola.” (Sandofim, F3: mulher, 39 anos, 4ª classe).
O insucesso escolar é uma constante nestas famílias, aceita-se como algo de inevitável, se
são procuradas explicações, elas encontram-se sempre em características dos filhos, seja a
doença ou a personalidade. O motivo do insucesso deve-se sempre à incapacidade de o
jovem “aprender o que lhe é ensinado”.
“Têm chumbado. O mais velho tem 16 anos vai passar agora para o 8º, penso eu,
não é?, mas estou com ideias disso. A directora de turma disse-me que sim. Portanto
tenho esta miúda que vai fazer 15 que tem dificuldades, está no 5º. Está no 1º ano,
só que vai muito atrasada, não é? Vai fazer 15 anos! Tenho outro que tem 13, vai
fazer 14. Pois esse teve ataques epilépticos, também teve problemas, não é? E o
outro que só perdeu um ano na 4ª classe.
Porque é que acha que eles não têm tido sucesso?
Isso agora...
Eles estudam?
Sim, eles estudam. Agora é que eu não sei
Eles gostam da escola?
Sim, acho que eles gostam da escola.
E de estudar?
Gostam de estudar, mas gostam também de jogar à bola. São um bocadito
malandrotes.” (Sandofim, F22: mulher, 38 anos, 4ª classe, 7 filhos)
A escolaridade é considerada pela maioria das famílias como uma etapa a cumprir no
percurso dos seus filhos, mas à qual não se atribui qualquer valorização em termos de
estratégias de futuro. A escola não é vista como uma forma de encontrar alternativas em
termos de modos de vida, a hipótese de um nível mais elevado de escolaridade ser uma
forma de encontrar um emprego com melhores condições nem sequer é equacionada.
A escola surge como uma concorrente do mercado de trabalho, se este último pode prover
necessidades básicas de cada um e de todos, o tempo dispendido na escola parece não
favorecer ninguém. Daí que não só os jovens não sejam incentivados a permanecer na
escola, mas muitas vezes, pelo contrário, sejam incentivados a abandonar os estudos e a
dedicar-se a uma actividade produtiva, “assim que tenham idade para trabalhar”.
“Se ela tiver o 9º, se ela quiser sair, pois... deixo-a sair.
E vai fazer o quê?
Ela diz que quer, coitada, quer arranjar trabalho numa fábrica, quer ter as coisitas
dela e é esse o sonho dela. Porque ela, pronto... ela muitas vezes diz “ó mãe, eu
gosto de andar a estudar, mas também já estou um bocadito farta de andar a estudar,
também já sabes que eu quero as minhas coisas. E eu compreendo-te, também não
tens...agora com os miúdos tu não tens muito dinheiro para me dar e eu quero,
também, ter roupas como as outras e isso”. E ela, coitada, praticamente anda vestida
com as roupas que lhe dão. Ela também vê as outras e não se quer ficar atrás. Então
ela diz que, pronto, quer andar a trabalhar e ter o dinheirinho dela.” (Sandofim, F21:
mulher, 35 anos, 4ª classe, 6 filhos)
"... tenho pena de não poder mais para ele, vai ser uma pena pôr este miúdo de lado
por falta de posses, que ele é um bom aluno." (Tormes, F3: Mulher, desempregada,
acerca do sobrinho de 15 anos, a viver com ela)
“E diga-me, vai continuar a trazê-los a estudar ou como é que vai ser?
Agora é que era bonito! um homem com 16 anos, já a caminho dos 17 já é para
trabalhar.” (Sandofim F22: mulher, 38 anos, 4ª classe, 7 filhos)
“O pai não se importa que elas continuem a ir porque elas ainda não têm idade para
trabalhar”
Então e quando elas tiverem idade para trabalhar o que é que a senhora vai fazer?
Quando não aprenderem, de toda a maneira antes do tempo tiro-as” (Sandofim, F25:
mulher, 44 anos, 3ª classe, 1 filho analfabeto, 3 filhas).
A precaridade do emprego
A instabilidade e a precaridade do emprego são muito comuns em todos os contextos onde
se realizaram as entrevistas. Ao factor de risco que constitui o salário baixo, soma-se a
ausência de direitos sociais garantidos por um vínculo laboral legal. O trabalho clandestino
é bastante comum, nas famílias entrevistadas diversos trabalhadores exercem a sua
actividade sem qualquer contrato de trabalho que lhes garanta regalias sociais.
“Eu já estou efectiva e ele é por obras; não tem contrato, não tem nada” (Sandofim,
F1: mulher, 30 anos, operária da cerâmica, marido tem 30 anos e trabalha na
construção civil)
“O meu homem não anda sempre a trabalhar no mesmo sítio. Trabalha de um lado,
trabalha no outro. A fazer serviços, pronto. (...) ele é balancista, é soldador, é tudo.”
(Sandofim, F20: mulher, 34 anos, “trabalha a dias”, o marido tem 33 anos)
“Ele esteve empregado porque ele andava nas obras mas era à hora e não tinha
descontos.” (Sandofim, F15: mulher, 21 anos, doméstica, o marido tem 32 anos e é
metalúrgico)
A ausência de direitos por parte dos trabalhadores é uma constante. As entidades
empregadoras contratam pessoal sem contratos de trabalho ou sem assegurar que as
regalias sociais que advêm da existência de um contrato de trabalho sejam garantidas. Foi
possível constatar, nos diferentes contextos, o recurso frequente a expedientes como o
desvio das contribuições dos trabalhadores ou o não cumprimento das obrigações
patronais em caso de acidentes de trabalho ou baixas.
“Pois ele esteve muito tempo desempregado. Depois ele trabalhou. Antes de
trabalhar nesta cerâmica agora, ele trabalhava ali no Vale (…). O patrão ele trabalhou
lá e o patrão não mandou os descontos.” (Sandofim, F5: mulher, 40 anos, viúva,
refere-se ao filho)
“De vez em quando aparece assim um navio e lá estou eu ou uma semana ou duas
semanas de vigia até ele ir outra vez.
E como é que eles pagam? É à hora?
Aquilo é à hora. Nós pedimos “Vocês podiam fazer os descontos para a Caixa”, “Ai
não podemos, então quinze dias como é que nós vamos fazer isso?” Quinze e uma
semana, duas semanas. Agora, como eles dizem, se fosse uma diária durante meio
ano ou um ano ou três meses que assim que já podia ser.” (Flor de Malva, F2:
desempregados, ambos 46 anos, casados)
São os baixos níveis salariais e as condições de vida extremamente difíceis em que vivem
estas pessoas que as levam a aceitar com alguma naturalidade estas situações precárias.
“E depois quando fechou ficou a receber o subsídio de desemprego?
Não porque eu não atingi o tempo. Eu trabalhei cinco meses lá, era para ser seis,
aquilo fechou. Porque o Sr. Engenheiro, que me conhecia muito bem, tinha pena de
mim e por causa de como eu estava assim com problemas financeiros não me fazia
descontos. Dizia-me ‘(...) depois quando fizeres o meio ano depois a gente começa a
descontar. Agora vais-te aguentando assim com o ordenado certo’ e tal, eram 52 ou
53 contos, era assim. ‘E depois quando fizeres o meio ano a gente começa-te a
descontar’, ‘Está bem Sr. Engenheiro, para mim até é bom’ pronto, depois aquilo
fechou e já não consegui.” (Flor de Malva, F3: 49 anos)
As situações de irregularidade são ainda mais comuns para os trabalhadores mais idosos.
Muitos trabalharam durante toda a vida, contribuindo para a Segurança Social, e quando
atingem a idade da reforma constatam que não têm direitos. Na generalidade as culpas desta
situação são atribuídas aos patrões que consideram terem feito os descontos e ficado com
eles.
“Já trabalhei na seca 20 anos e não tenho descontos nenhuns a receber. (...) Não
fizeram descontos... O patrão é que recebia os descontos e ficava com eles no
bolso.” (Flor de Malva, F15: 68 anos, casada)
Perante as situações de desemprego e os baixos níveis salariais, todas estas pessoas
investem bastante na procura de trabalho. É na impossibilidade de o conseguirem de forma
permanente e estável, que "agarram" todas as oportunidades de se ocuparem e ganharem
algum dinheiro por pouco que seja.
Desenvolvem, assim, um conjunto de actividades mais ou menos marginais. Incluem-se
nesta designação um conjunto de práticas pelas quais se procura obter ou complementar
rendimentos na ausência de emprego, trabalho incerto ou situação de "baixa". Realizam-se
"biscates" ou trabalhos pontuais, aproveita-se tudo o que aparece para ganhar dinheiro.
Nos meios rurais estas actividades prendem-se sobretudo com a actividade agrícola e com
a construção civil, em meio urbano os relatos dos indivíduos, sobretudo os desempregados,
incluem, também actividades de limpeza de vidros, fazer "recados", pequenos
“biscates” em reparações eléctricas, pinturas e reparações de casas, actividades de recolha
de papel e ferramentas pelas ruas da cidade para posterior venda.
A instabilidade familiar
A instabilidade das uniões matrimoniais revela-se como um factor de risco por dois
motivos: por um lado, pela precarização dos laços familiares que suscita. Sendo raras as
uniões infecundas, sucedem-se os filhos de diferentes relações sem que os laços com a
família de origem sejam mantidos. São, em geral, as mulheres que assumem a guarda das
crianças, o que faz com que muitos filhos percam cedo o contacto com os seus pais.
“Só tenho um problema porque a minha filha mais velha não é filha do meu marido”
(Sandofim, F15: mulher, 21 anos, 2 filhas de dois companheiros diferentes)
“Ele também não me dá nada para o sustento delas. Agora vou a tribunal.
Pedir o quê?
Pedir que ele me ajude para o sustento das miúdas.
Os dois, o da Sandra e o das gémeas?
Não, não, só destas, porque a outra mais velha não é filha dele.
E não pode pedir ao pai dela?
O pai neste momento não está, prontos, não está bom da cabeça; ele teve um
acidente e não está bom da cabeça, não trabalha.” (Sandofim, F10: mulher, 26 anos,
3 filhas de dois companheiros diferentes)
É ainda frequente encontrar crianças que vivem com os seus avós e perderam
contacto quer com o pai quer com a mãe.
“A mãe desta nem manda dinheiro nenhum estou aí a mantê-la de graça.
Onde é que está a mãe dela?
A mãe dela está lá, sei lá, anda lá com Deus Nosso Senhor.” (Sandofim, F2: mulher,
55 anos, cuida de 2 netas, filhas de uma filha de quem não sabe o paradeiro e de um
genro alcoólico)
Por outro lado, a inconstância das uniões matrimoniais levanta ainda problemas relativos à
subsistência material das mulheres e das crianças. Entre os mais difíceis de resolver
encontra-se o problema da habitação. Em geral, ele é resolvido pela capacidade de
acolhimento que a maioria das famílias demonstra (ver ponto 2.2.), no entanto, algumas
das mulheres entrevistadas relatam episódios de grande adversidade, após o rompimento
de uma união. Entre uma e outra relação matrimonial, as mulheres circulam frequentemente
entre casas sem condições expondo-se a si próprias e aos seus filhos a situações de
extrema vulnerabilidade.
“Eu era divorciada. Tenho o meu Bruno e a Eduarda do primeiro marido. Vivia lá em
baixo nos Castros e depois... com o primeiro marido. Depois ele era um bocado
alcoólico, batia-me e era...era uma miséria mesmo. Divorciámo-nos e depois fiquei
com o Bruno e a Eduarda sozinha. Depois lá consegui criar o Bruno e a Eduarda,
pronto, com um bocado de dificuldade. Muita dificuldade mesmo, porque depois
não tinha família que me apoiasse. Depois fui para A., estive lá numa casa velha ao
pé do tribunal sem água e sem luz. (...) Informaram-me para eu ir pedir ao senhor
Presidente da Câmara para me deixar lá ir para a casa para onde aquelas senhoras
tinham ido lá para cima, para os outros apartamentos. Então eu fui lá e o senhor, lá o
Presidente da Câmara, disse-me para eu ir para lá e eu fui. Naquela altura não estava
lá ninguém, pois...fui a primeira a ir para lá. Estive lá muito tempo e bem enquanto
lá estive sozinha, mas depois foram para lá uns...uns ciganos, ou uns meios
ciganos...engraxadores; outros de P. [nome de localidade] e depois aquilo tornouse...
já não era uma casa, era mais uma pocilga do que uma casa. Aquilo era só lixo
por todos os lados. Entretanto nesse meio tempo conheci o Carlos, depois viemos
viver (…) ali para casa de um primo meu, à renda.” (Sandofim, F21: mulher, 35
anos, 6 filhos)
É também comum encontrar nesta população mães muito jovens e mães solteiras. Estas
não são situações que apenas dizem respeito às gerações mais novas. Por um lado, quer
olhemos para os mais idosos, quer para os mais jovens, constatamos que todas estas
famílias foram constituídas em idades muito precoces.
“Juntei-me com ele com 15 e casei-me com 16” (Sandofim, F8: mulher, 30 anos, 3
filhos)
“Eu nunca casei, juntei-me com 20 anos.” (Sandofim, F13: mulher, 40 anos, 3 filhos)
Por outro lado, se nos debruçarmos sobre a história de vida dos mais idosos e dos seus
pais, constatamos também que a situação de mãe solteira não existe apenas nas novas
gerações. Muitas das mulheres mais velhas entrevistadas foram mães solteiras e tiveram
filhos de diferentes uniões. Em parte, este facto explica a compreensão da situação das
filhas e noras mais jovens e a sua rápida aceitação pelas famílias.
“Tenho aqui (em casa) um casal de um filho com 22 anos e a nora com 20. Tenho
uma filha com 18 e o genro com 23.” (Sandofim, F3: mulher, 39 anos, 6 filhos)
A fragilidade das uniões revela-se tanto mais um factor de risco, quanto a conjugalidade
parece ser para estas pessoas, sobretudo para as mulheres, uma forma de “economia de
escala”. Estabelecer uma união matrimonial representa, muitas vezes, uma forma de sair de
situações de pobreza absoluta, possibilitando o acesso a um salário adicional, por muito
baixo que este seja, e, sobretudo, o acesso a uma habitação.
“E veio para cá quando?
Quando o meu marido me lá foi buscar. Ele para lá ia sozinho.
Então vieram para cá porquê? Conheceu o seu marido lá?
Nâo. Eu nem sequer o conhecia, foi um senhor que lá foi com ele indicar-lhe.
Indicar-lhe o quê?
Indicar-lhe...ele já era viúvo.
Foi lá buscá-la?
Quer dizer, esse senhor perguntou-lhe...esse senhor era muito amigo dele.
Perguntou-lhe se não sabia de uma rapariga, de uma mulher assim para governar a
vida e ele indicou-me a mim. Eu estava em casa do meu irmão há muitos anos, ele
conhecia-me e indicou-me, mas eu não o conheci.
E a senhora veio e casou?
Eu não o vi logo. Eu casei foi lá na minha terra. Eu quando vim já vinha casada na
Igreja.
Sem saber quem ele era?
Não. Não foi logo no mesmo dia. Não me casei logo no mesmo dia, mas casei lá.
Mas conheceu-o?
Sim. Pouco, mas conheci.
Mas a senhora quis casar ou foi obrigada?
Quer dizer...eu não gostei muito dele, mas como era novita e assim. E umas pessoas
lá diziam, também deram lá um empurrãzito e lá caí. (Sandofim, F25: mulher, 44
anos, casada, 4 filhos, o primeiro como mãe solteira)
Mas as relações familiares não constituem um factor de risco apenas pela precaridade das
uniões conjugais. Em diversas entrevistas foi possível constatar a existência de relações
familiares bastante problemáticas. Embora os motivos que os alimentam sejam bastante
diferentes, os conflitos intrafamiliares são bastante comuns quer entre cônjuges, quer entre
pais e filhos, quer entre irmãos.
A conflitualidade das relações familiares origina dois tipos de problemas: problemas de
carácter material que se prendem com a partilha de bens (salários, alimentação, espaço,
habitação, propriedades rurais, etc), mas também problemas afectivos e psicológicos.
Pelas entrevistas é possível constatar que um ambiente familiar conflituoso pode
contribuir para a degradação do modo de vida destas pessoas de uma forma bastante mais
dramática do que a precaridade das suas condições materiais.
“Eu aqui ultimamente não tenho tido relacionamento assim com o meu marido. Não
sei assim. Eu e o meu marido vamo-nos separar. Temos vários problemas e vamos
mesmo para a separação. O meu filho mais velho está para se casar e assim que ele
casar vou tentar encontrar... tivemos vários problemas e agora não dá para aguentar
mais.” (Sandofim, F12: mulher, casada, 2 filhos)
“Os meus irmãos neste momento não anda aqui nada muito bem, não. Porque
prontos os meus pais ajudam-me naquilo que podem e os meus irmãos vêm e
começam com coisas. É o que eles dizem ele não tem só uma filha tem mais dois.”
(Sandofim, F10: mulher, 26 anos, mãe solteira de 3 filhas, vive com os pais)
"os filhos também sofrem, principalmente a mais nova [6 anos], por ver o pai assim
(...) sofrem e de que maneira. (...) A mais nova não é tanto mas a mais velha [18
anos] é mais amorosa, ela sofre muito e a outra também, só que não dá a demonstrar,
não é, mas também sofre." (Guiães, F6: Empregada fabril, casada com um alcoólico)
O factor de risco mais problemático no interior das relações familiares prende-se com a
violência conjugal e o abuso sexual de menores. Foram detectados nas entrevistas, vários
casos de maus tratos a mulheres e de abuso sexual de crianças.
“Os problemas que eu tive, com o meu falecido foi uma vida desgraçada.
Foi difícil a nível de quê? A nível de saúde, de...
De maus tratos.
O seu marido maltratava-a?
Pois! E prontos...levamos uma vida difícil.” (Sandofim, F6: mulher, 44 anos, viúva,
tem 2 filhos)
“Fui eu que saí dele. Eu saí prontos porque ele era muito vagabundo, só queria
discotecas, bailes e não ganhava para isso.
E depois com o pai das gémeas?
Então piorou, com esse aí então piorou. Se o outro era vagabundo então este aqui
nem se fala. (...) Ele dava muitos maus tratos às filhas, batia-lhes muito, dava-lhes
cada estoiro que elas até andavam de roda. Depois ele batia-me muito também então
eu agarrei e saí.” (Sandofim, F10: mulher, 26 anos, 3 filhas)
“Ele (o pai) está a tentar, dá-me impressão, abusar da miúda.
E a miúda tem mãe?
Tem mãe mas a mãe diz o mesmo do homem que está com ela.” (Sandofim, F3:
mulher, 39 anos, cuida da criança em causa “por caridade”)
“Ele aí revoltou-se contra mim [depois do marido tentar assediar sexualmente a
filha] porque eu recusei-me a dormir com ele e chegava aqui a casa, por exemplo, às
duas da manhã, das duas até às seis da manhã ninguém dormia. Partia tudo, batia-me,
levava-me de rastos pela casa toda, quer dizer, começou a gerar um ambiente tão, tão
desagradável.” (Flor de Malva, F17: cantoneira de limpeza, 34 anos, divorciada).
A habitação
A habitação é das raras questões em que população e dirigentes locais coincidem em
identificar como um problema fundamental nas diferentes zonas. Talvez por ser a face
mais visível das situações de pobreza e exclusão aqui analisadas, a maior parte das
entidades reconhece-a como uma área deficitária, apenas tendo alguma dificuldade em
reconhecer a insuficiência da acção pública neste domínio como uma causa do problema.
As entrevistas revelam que a habitação é um factor de extrema vulnerabilidade para a
maioria dos agregados, quer se situem em meio urbano ou rural. A diferença marcante entre
estes dois contextos prende-se com a propriedade da habitação: nos meios rurais é comum
os indivíduos entrevistados serem proprietários da casa onde residem, enquanto em meio
urbano o arrendamento predomina. Este facto, no entanto, não implica que as condições
de habitação de uns e outros sejam substancialmente diferentes. A quase totalidade das
habitações caracteriza-se pela exiguidade do espaço face à dimensão das famílias e pela
falta de condições sanitárias. Esta é uma característica transversal a todos os meios,
urbanos ou rurais.
Das famílias que possuem habitação própria, a maioria tem habitações clandestinas que
aproveitaram terrenos agrícolas, próprios ou de familiares para a construção. São raras as
casas acabadas. Muitos iniciam a construção sem terem meios para concluirem as obras,
estas eternizam-se, sempre à espera de recursos que permitam melhorar o que foi
simplesmente iniciado e que entretanto se tornou definitivo.
“Já desde que eu me casei, já vai fazer 14 anos que a gente começou e ainda não está
acabada, veja lá. ” (Casal da Giesta, F20: ex-operário, reformado por invalidez,
casado, 2 filhos)
“A casa não tem assim lá muito jeito de...mas vai-se arranjando. Porque isto aqui
não estava rebocado nem nada. Eu fui-lhe dando um arranjozito, fui fazendo a casa
de banho e vai-se melhorando.” (Sandofim, F21: casal com 6 filhos, “arranjaram a
casita” num terreno do pai dele que também vive com eles)
Num dos contextos em estudo — Sandofim — encontramos uma realidade particular
relativamente à habitação: famílias que residem em bairros fabris, propriedade das
empresas de cerâmica onde trabalham. Estes agregados não têm condições muito diferentes
dos restantes, na maioria das vezes são bastante piores. As habitações cedidas pelas
empresas são exíguas, muitas delas também inacabadas e sem condições mínimas de
salubridade.
“Esta casa onde mora é sua?
Não
Então é arrendada?
É da fábrica, é dos patrões.
(...)
Têm casa de banho?
Não.
Não têm casa de banho? Então como é que fazem?
Vamos à fábrica.
Durante a noite e tudo?
Sim.
E têm a porta aberta para lá irem?
Temos chave. Por enquanto, não é? Porque eles andam a arranjar, porque isto não
era nada assim. Aqui nesta divisão havia uma casa de banho para nós e aqui uma
cozinha. Tinha casa de banho mas era só uma sanita e um lavatório e não dava para
nada. Uma pessoa tinha que aquecer a água ao lume para tomar banho e tudo.
Depois um dia disse à R.M. e ela, então apertou com eles e eles estão a arranjar isto.
Fizeram aqui uma salinha, estão-me a arranjar a cozinha para ficar uma cozinha
maior, porque é uma cozinha pequenina. E estão-me a arranjar, então a casa de
banho, mas não tenho cá água, nem tenho cá luz. (Sandofim, F22: casal com 7 filhos,
ambos forneiros na cerâmica)
Quer a habitação seja própria, arrendada, ou pertença da entidade empregadora, um traço
comum a todas elas é a falta de condições. O espaço é quase sempre exíguo para estas
famílias onde o número de filhos é, em geral, elevado e, muitas vezes, coexiste mais do que
um agregado. É bastante comum dormirem várias pessoas num mesmo quarto,
nomeadamente crianças dormirem na mesma cama dos pais ou dos avós. As salas
funcionam, também, como dormitórios onde, em geral, dorme mais do que uma criança ou
adultos.
“Eles dormem todos no mesmo quarto [os filhos] e eu durmo com o meu marido”
(Sandofim, F1: casal com 5 filhos, casa própria, em construção)
“O quarto das miúdas também não é lá muito coiso. O quarto do Bruno era o do
meu pai, mas agora o meu pai veio e o Bruno tem que dormir lá dentro. Temos que
fazer mais um quarto, mas não há possibilidades para a gente andar com isso agora...
Então dormem as raparigas num quarto...
Dormem... O meu pai dorme sozinho. Ele dormia mais o Bruno, mas depois ele
começou a implicar com o Bruno e não o quer lá dentro do quarto. Tive que botar a
cama do Bruno no quarto das irmãs que ainda é um bocadito grande. E agora ando a
ver se lhe fazia um quarto para ele, mas...não pode ser agora. Tenho então o quarto
do meu pai, o quarto das miúdas e o nosso.
E os mais pequeninos onde é dormem?
Os mais pequenitos dormem... nas camitas. Já botei a camita dele ali no quarto das
irmãs, a do Igor.” (Sandofim, F21: casal com 6 filhos, “arranjaram a casita” num
terreno do pai dele que também vive com eles).
Um outro problema, talvez mais grave do que a exiguidade do espaço, dadas as
consequências que acarreta quer em termos de higiene e saúde pública quer em termos de
conforto físico e privacidade das famílias, é a ausência de condições sanitárias. Em muitas
habitações falta electricidade e água, muitos agregados não dispõem de casa de banho.
"E a água têm aqui ?
A água temos aqui em baixo, (…) com bidões.
Vai ali ao tanque ?
É aqui (...), tem água ali.
Tem que descer lá baixo ?
Pois, e quem anda para cima e quem anda para baixo, quem anda por gosto não
cansa, e lá vamos umas lá vamos outras buscar a água.
Vai lá lavar roupa nos tanques ?
Vou lá lavar roupa, também aos tanques.
E a água tem que trazer ..
Quem anda por gosto não cansa, ..., pois que é que eu vou fazer ? Mas tem que ser.
E o quarto de banho que fala é o quarto de banho que é com sanita ?
Com sanita, tem o coiso da água, para lavar a cara, não é, e a gente quando quer ir à
casa de banho, vai à água, para os baldes." (Tormes, F13: mulher, 33 anos,
domestica, marido, pescador e 2 filhos de 1 e 7 anos).
"Para banho, ou vou tomar aos tanques lá em baixo, ..
Mas como é, os tanques têm balneário ?
Não
Então é mesmo só o tanque aberto ?
Sim, a gente toma lá banho no verão, de biquini. De inverno a gente tem que aquecer
água. Mas eu, se tiver que tomar banho, tomo." (Tormes, F2: mulher, 27 anos,
desempregada, com 2 filhos de 3 e 5 anos em casa. Partilha a barraca ainda com mãe
e dois irmãos)
Apesar da precaridade das condições de habitação ser uma característica de todas as áreas
analisadas, é no meio urbano que os relatos são mais perturbadores, pelas situações
extremas de degradação que atingem as barracas onde residem a maioria dos indivíduos
entrevistados. As queixas relativas à infestação dos espaços por ratos, ratazanas e cobras
são inúmeras. Este é um problema que acarreta uma despesa suplementar - a compra de
produtos insecticidas, e, sobretudo, o medo, em particular relativamente ao risco que
constituem para as crianças.
"Olhe para aqui (a humidade), olhe ali para o tecto, olhe ali no canto... isto foi feito
muito à pressa, eu vou tapando aqui e acolá e não sei quê. A senhora não imagina o
que é ratos aqui. Não imagina a minha aflição, quantas vezes entram em casa, a
minha sorte agora, olhe eu tive um que até fogo lhe peguei dentro da pia, uma bacia
nova deixei derreter e o desgraçado não morreu, eu a tentar matá-lo com um ferro ali
naquele cantinho a bater-lhe com o ferro e ele a virar-se a mim. Agora imagine os
ratos que são, tenho muito medo por causa da criança." (Tormes, F10: Homem, 40
anos, desempregado, mulher, empregada doméstica, com 4 filhos entre 4 e 16 anos e
sobrinho de 1 ano)
Em diversas habitações não existe saneamento básico, pelo que as pessoas utilizam o
"balde" e fazem os despejos para os quintais. Elas próprias e os vizinhos queixam-se dos
cheiros e, principalmente, dos insectos que, no tempo do calor, infestam o local, não
deixando abrir janelas e portas e provocando problemas de saúde às crianças. Nestes locais
a degradação do espaço envolvente não se distingue da existente no interior das barracas:
"Ali para os quintais tem lá porcaria que as pessoas deitam para lá. É claro que a
canalha anda lá a brincar e apanham tudo (....) É mesmo o sítio onde eu estendo a
roupa. Há pessoas que lá vão deitar os restos de comida e tudo. Assim, logo na
entrada, quando está sol os mosquitos e aqueles bichos pequeninos na roupa, para
os grandes, eles já se sabem coçar, mas para esta... fica com aqueles borbulhinhos,
parece ferrada. Uma vez já fui ao hospital por causa disso, parecia muito, eu
pensava que era outra coisa e era ferrada desses bichos, ... No verão por causa do
cheiro não se pode ter uma janela aberta. É de mais ..." (Tormes, F5: casal de
desempregados, com três filhos entre 1 e 9 anos;)
"Não tenho quarto de banho, nem sanita tinha. Tinha de ir despejar ao quintal à
sanita. Mas como esta...; isto está aberto, e é ali que eu faço os despejos. Mas vai
cair lá em baixo ao quintal a porcaria toda desfeita. É tudo, é tudo a ...
Atira por aqui de cima para o quintal ?
Atiro daqui de cima. E cheira muito mal." (Tormes, F15: mulher, 71 anos a viver
com marido, inválido e filha deficiente. Vivem num 2º andar).
A saúde
A saúde representa um elemento chave para compreender o modo de vida destas famílias.
O estado físico e psicológico destas pessoas reflecte as condições de vida de extrema
dureza e carência que experienciam no quotidiano.
A maioria dos homens e das mulheres entrevistados tem uma saúde bastante debilitada.
Esta constitui, assim, um importante factor de risco para as famílias. A fragilidade física e
psicológica é um entrave ao desempenho de uma actividade profissional remunerada, única
fonte de subsistência das famílias.
“Eu em trabalhos pesados não posso, eu empregar-me numa fábrica não posso
porque eu tenho a minha barriga toda retalhada das operações, já não tenho vesícula,
já não tenho um ovário” (Sandofim, F3: mulher, 39 anos, 6 filhos)
A incapacidade para o trabalho de muitas destas pessoas revela-se, no entanto, como
consequência das suas trajectórias profissionais. São, em geral, trabalhadores(as) com
experiências de trabalhos duros e exigentes do ponto de vista físico. Assim, encontramos
nesta população homens e mulheres que, apesar da sua idade jovem, têm atrás de si um
longo percurso de actividade que lhes “esgotou” os corpos.
“O tal encarregado obrigava-me a fazer empreitadas, quer dizer, empreitadas são
fora de horas, não é... a gente trabalha aquelas horas do turno e depois... mas
tinhamos que as fazer... E eu dizia-lhe ‘Hélio eu não posso, fiquei muito ferida da
minha coluna e eu não posso’, e ele dizia ‘Ai, tem que poder.’ (...) Eu sofro do
coração, da coluna, eu tenho o corpo desfeito” (Sandofim, F19: mulher, 60 anos, exempregada
da cerâmica, sem reforma)
O reconhecimento, por parte da Segurança Social, da incapacidade para o trabalho por
motivo de doença não é hoje fácil, mesmo para quem tem motivos de sobra para se
queixar. Depois de um período em que as juntas médicas tinham uma prática relativamente
liberal de reconhecimento das incapacidades, hoje acontece o inverso, devido à enorme
pressão da Segurança Social para limitar a concessão de baixas e de pensões de reforma
por invalidez. O factor idade torna-se decisivo para atribuição da pensão. Em diversas
entrevistas foram relatadas situações em que as pessoas viram negados os seus pedidos de
reforma apenas “porque eram ainda muito novas”.
“Foi à Junta Médica? E o que é que eles disseram na altura?
Portanto, na altura, a primeira vez que fui não me disseram nada, desta vez agora
disseram-me que eu tinha quase 40 anos para recuperação” (Casal da Giesta, F1: exoperária,
casada, 37 anos)
“E chegou a ir à Junta Médica?
Para a reforma nunca fui. Só lá ia quando me chamavam. (...) Pois, disseram que eu
que podia trabalhar e pronto” (Casal da Giesta, F2: doméstica, casada, 52 anos,
mastectomizada)
“Fui meter uns papeis, metemos o relatório, mas eu tinha ainda só 5 anos ou
qualquer coisa perto de Caixa e disseram-me logo que eu que estava curada, que
não... (...) Acharam que eu estava apta para o serviço” (Casal da Giesta, F5:
costureira, casada, 58 anos, mastectomizada)
De qualquer modo, é de sublinhar que parte das famílias com problemas de doença ou
acidente declararam depender totalmente das prestações da Segurança Social e que, dentre
as que não têm apoio, algumas enfrentam situações difíceis de sobrevivência.
Em famílias pobres e totalmente dependentes do seu trabalho para sobreviver, a doença
pode tornar-se num acontecimento dramático. A necessidade de trabalhar leva, com
frequência, a que os tratamentos sejam minimizados e, nestas condições, a cura torna-se
mais problemática e distante.
“Eu comecei a trabalhar e a levar injecções. Uma enfermeira que aqui está que
trabalhava no hospital e já estava reformada é que me dava as injecções. Diz-me essa
enfermeira assim, ‘o senhor queria repouso, o senhor a trabalhar as injecções não lhe
fazem qualquer bem nenhum, isto assim não lhe faz efeito algum’, ‘eu preciso do
dinheiro, tenho que trabalhar’, ‘o senhor é que sabe’. Andei desde 94 até Fevereiro
de 95 a trabalhar, levantava-me da minha cama duas vezes na noite por não poder
estar deitado, com dores, ia para o serviço” (Casal da Giesta, F19: operário
reformado por invalidez, 58 anos, casado)
“Eu tenho [problemas da] coluna (...) Fui para (...) a Casa da Misericórdia e eles
fizeram um raio X e depois o senhor disse-me para eu não me esforçar — só que o
trabalho que eu faço é mesmo a esforçar-me.” (Casal da Giesta, F20: doméstica
agrícola, casada, 2 filhos, 39 anos)
Outro dos problemas que contribui para o estado de debilidade desta população são os
acidentes. A profusão de acidentes que acontece na vida destas pessoas revela a
precaridade das condições materiais e humanas em que elas subsistem, e espelha, de algum
modo, a forma como a sua existência decorre nos limites da sobrevivência física.
“E na altura aquilo era tudo feito de noite, quando a gente saía, 3, 4 horas, aquilo era
de noite...e eu saí um dia da fábrica... e enquanto a gente faz aquelas horas, abriu um
alicerce para uma estufa nova, mesmo ali em frente da porta por onde a gente
entrava. Eu fui, não sabia, ia de bicicleta às 5 horas da manhã, não sabia, cai lá
dentro. A minha salvação foi outra empregada que vinha fazer o turno da manhã
mais o marido e isso, apanharam-me. Porque eles viram-me passar por eles e nunca
mais me viram e eles então quando foram a ver eu estava lá dentro, lá caída. Foi a
minha salvação, senão morria lá.” (Sandofim, F19: mulher, 54 anos, devido a este
acidente nunca mais pode trabalhar)
Relativamente aos acidentes, há que destacar a gravidade de alguns acidentes de trabalho
que foram relatados. Este é outro facto revelador das precárias condições de existência
desta população e da sua vulnerabilidade perante condições de trabalho
desregulamentadas. Os acidentes de trabalho não só resultam, na maioria das vezes, numa
incapacidade posterior para desenvolver uma actividade como, dada a ausência de direitos
sociais, inibe o acidentado e os familiares de poderem usufruir de qualquer rendimento
monetário proveniente da segurança social.
“O meu falecido homem trabalhava numa fábrica de blocos, trabalhava lá numa
fábrica, num balancé e fazia mosaicos. O balancé deslocou-se de cima para baixo,
apanhou-lhe o pescoço e saiu uma vista fora lá no trabalho. Depois foi para
Coimbra, para o hospital, foram-lhe a mexer naquela vista e a outra saltou também
fora.
Então ele ficou cego?
Pois ele ficou cego e morreu. Esteve lá 15 dias ligado a uma máquina e ao fim de 15
dias mandaram-me ir lá buscar. Prontos, desligaram-lhe a máquina e ele morreu. Ele
já ia morto.
E não recebeu nada do acidente de trabalho?
Recebi poucochinho, só os 15 dias que ele esteve no Hospital, ademais não recebi
mais nada. Nunca arrecebi mais nada. Não recebi mais nada” (Sandofim, F5)
Outro domínio que revela a precaridade das condições de vida desta população é a saúde
das crianças. Os diferentes casos espelham quer as más condições de vida, quer a sua
exclusão de uma assistência médica eficaz. A acção do sistema de saúde começa por ser
ineficiente na saúde materna e no acompanhamento da gravidez e parto e prolonga-se,
depois, na detecção e tratamento dos problemas da saúde infantil.
"eu, deste, nunca fui ao médico. Quando andava de bebé, nunca fui ao médico, nunca
fui fazer análises, nem sei com quanto tempo é que ele nasceu, porque ele nasceu
aqui em casa e tudo. Eu estava sozinha,... porque não tinha quase barriga nenhuma,
eu sabia que andava de bebé, mas não sabia de quantos meses andava " (Tormes, F9:
mulher, 29 anos, com dois filhos de 1 e 2 anos)
“O Cristiano já esteve muito mal.
E como é que resolveu o problema?
Ai o Cristiano já esteve internado 3 vezes.
E o que é que ele tem?
Uma vez foi uma hepatite que ele apanhou, esteve muito mal, esteve internado em
Coimbra, depois foi operado ás vísceras e agora queimou-se.” (Sandofim, F1:
mulher, 30 anos, casada, 5 filhos)
Também relativamente às crianças e jovens, os acidentes revelam, da forma mais
dramática, a vulnerabilidade desta população e a forma como o risco social se traduz no
risco da existência física.
“O meu [filho] que faz agora 20 anos quando andava na escola partiu uma clavícula e
depois passado mais algum tempo ainda não tinha bem 14 anos teve um acidente
com um primo contra um eucalipto onde esteve hospitalizado 5 dias com uma
grande racha na cabeça e com uma clavícula partida também. E depois foi para uma
colónia para recuperar do acidente e lá partiu uma costela. Este, o meu mais velho
bateu contra um poste e partiu um pé. A minha filha, a segunda, a que tem agora 22
anos, quando tinha 16 anos, eu lutava muito com a agricultura e ela quando tinha 16
anos foi comigo buscar uma carrada de pasto e ela vinha à frente de uma vaca que lhe
deu uma marrada e a atirou ao ar, passou-lhe uma roda do carro por cima do
pescoço, foi o anjo da guarda que a salvou.” (Sandofim, F3: mulher, 39 anos, 6
filhos)
A questão da saúde infantil é, também, particularmente problemática, quando se trata de
casos de deficiência. A ausência de apoios faz com que uma criança deficiente se
transforme num pesado custo, quer monetariamente, quer em termos do trabalho necessário
para os seus cuidados, tornando ainda mais frágeis as precárias condições de vida
destas famílias.
“Os problemas que mais me dificultaram a vida foi a partir do momento que o meu
marido deixou de trabalhar e quando nasceu o netinho deficiente aqui em casa pois
os pais sozinhos também não conseguiam sobreviver com ele. Porque ela também
ainda teve o menino solteira e depois, passado algum tempo, é que casou e eu é que
tive de ser sempre a ajudanta nisto tudo.” (Sandofim, F3: mulher, 39 anos, 6 filhos,
o neto deficiente tem 3 anos)
As débeis condições de saúde da maioria destas pessoas não se prendem apenas com as
enfermidades físicas. Não são apenas os corpos que estão “gastos” e nos limites das suas
capacidades, também do ponto de vista da saúde mental esta população apresenta sérias
debilidades. Construir uma vida sempre nos limiares da subsistência física tem custos
psicológicos extremamente elevados. Foi possível detectar nas entrevistas situações de
profunda fragilidade psicológica.
“Já não aguentava mesmo. Cheguei ao ponto de dizer assim ‘eu tenho que me
matar’, mesmo eu cheguei ao ponto de tentar o suicídio mesmo. Não conseguia
aguentar tantos problemas todos os dias.” (Sandofim, F12: mulher, incapacitada
para o trabalho por problemas de saúde, tem um filho toxicodependente e outro com
problemas de epilepsia, vai divorciar-se)
Apesar de grande parte da população entrevistada se encontrar num estado de quase
esgotamento físico e psicológico, a capacidade de resistência e adaptação que a maioria das
pessoas apresenta face às condições de extrema precaridade em que vive é surpreendente.
A maioria dos entrevistados parece considerar a adversidade da sua vida como algo de
“normal” e inultrapassável, resignando-se, portanto, a um modo de vida completamente
destituído.
Alcoolismo e toxicodependência
O alcoolismo e a toxicodependência constituem outros factores de produção de risco
social muito importantes nestes contextos. Quanto ao primeiro, ele representa um dado
corrente nas zonas rurais e, apesar de atingir uma parte ainda significativa da população,
parece estar a regredir na sua expressão, atingindo mais fortemente as camadas etárias
intermédias.
Este é um problema que constitui um factor de risco importante para as famílias, não só
pela degradação das condições de saúde do dependente mas sobretudo pelas
consequências que acarreta em termos de ambiente familiar. Os efeitos do alcoolismo na
vida social e laboral são muito negativos, mas é nas relações familiares que, em regra, eles
se tornam mais dramáticos:
“Depois ele era um bocado alcoólico, batia-me e era...era uma miséria mesmo.
Divorciámo-nos.” (Sandofim, F21: mulher, 35 anos, casada pela segunda vez, 6
filhos)
“O meu homem nunca foi homem de trabalhar, nunca foi homem de me ajudar,
embebedava-se, tratava-me mal. Só agora desde que ele agarrou esta doença no pé é
que ele deixou de beber. Tratava-me mal, até desconfiava com este e com aquele,
tratava-me mal e tratava mal os filhos” (Casal da Giesta, F9)
“Ele deixou de trabalhar e eu não tinha possibilidades... Era só com alguma coisa que
eu ganhava porque então, a reforma dele não dava, ele esperava o carteiro e pedia o
cheque e gastava-o na bebida. É doença que ele tem, só que ele não devia beber”
(Casal da Giesta, F13: doméstica agrícola, casada, 3 filhos)
A toxicodependência é já um problema mais recente. Atinge principalmente os jovens e
está a espalhar-se rapidamente. Os entrevistados fojem do assunto quando diz respeito às
suas famílias, este é um problema que se “pressente” em várias entrevistas mas são
escassas as referências explícitas. No entanto, parece existir mais facilidade para falar do
assunto nos meios urbanos do que nos rurais. Talvez pela maior visibilidade social que o
problema tem nestes locais, as pessoas têm menos dificuldade em referir o assunto.
Pelas mesmas razões que o alcoolismo, e com o problema acrescido dos elevados custos
monetários envolvidos, a toxicodependência constitui um elemento de profunda
perturbação para estas famílias.
“Enfrentei também um problema muito grave com um filho que foi o problema da
droga.
Era toxicodependente?
Durante 7 anos. Foi o que emigrou, optou pela emigração para sair do
companheirismo. E foi o que lhe valeu pois ele dizia mesmo que só a morte. Ele
andava já a injectar. Completamente dependente (...) Foi muito difícil, só quem
passa por ela... O meu filho dizia-me que já não passava sem ela nem que tivesse
que morrer ou matar para a conseguir. Já me dizia mesmo, botava as mãos à cabeça e
dizia que já não se importava de nada.” (Sandofim, F12: mulher, casada, 4 filhos)
“Depois, tornaram a apanhar o meu genro com droga... Já esteve várias vezes preso
por causa (...) Viveram aqui algum tempo, foi pouco tempo. Depois foram viver
para a C., depois de casar, e depois ele foi apanhado com umas gramitas de...
Droga?
Droga. Foi preso.” (Flor de Malva, F9: empregada doméstica reformada por
invalidez, 61 anos, viúva)
“Porque havia colegas dele, havia deles... mora ali um em frente (...) tanto que
mandava-o ir comprar droga (...) e era droga para os dois.
Ah, ele também se drogava?
Pois! Davam-lhe! Ele não tinha dinheiro mas havia quem lhe a desse. Davam-lhe a
droga e embebedavam-se... : droga e bebidas alcoólicas põe... para o pôr à
dependura... vinha para aqui e fazia asneiras! Quantas vezes eu telefonei para a
Guarda sem ele saber e a Guarda vinha aqui buscá-lo dentro!? Partia aqui quase
tudo, uma vez atira-me com um rádio para o chão!” (Flor de Malva, F10: servente
num comércio, 61 anos, casado).
Os cuidados dos dependentes
A capacidade de ultrapassar as condições de vida mais adversas revela-se também na
forma como estas famílias desenvolvem condições para cuidar dos elementos que
necessitam de cuidados suplementares. A existência no agregado familiar de membros
dependentes dos cuidados dos familiares constitui mais um dos factores de vulnerabilidade
para esta população. Cuidar das crianças, dos idosos, dos inválidos e dos deficientes
constitui um encargo extremamente pesado para a maioria dos agregados dados os seus
baixos rendimentos e a escassez de apoios formais e informais com que podem contar.
“Temos esta nossa filha com 18 anos que tem um menino deficiente que também
precisa da nossa ajuda porque se não fossemos nós o pai não podia estar o dia
inteiro ao lado do menino, e o menino tem de ser aspirado muitas vezes, tem de ser
socorrido muitas vezes no hospital durante o dia, durante a noite. A gente passa
muitas horas de noite como eu passei esta noite com ele a meter soro e a fazer-lhe
pancadinhas e a tirar secreções e, prontos, precisa muito da nossa ajuda.
A senhora está desempregada para ficar com o menino?
Ela não se pode empregar. Se o menino nem sequer ainda se sentar assenta, é preciso
fazer-lhe tudo, dar-lhe de comer à boca que ele não sabe fazer nada.
(...)
A minha mãe faleceu aqui em casa, tratei-a durante três anos, a mudar fraldas, a dar
muito trabalho. Ela era diabética e agarrou uma ferida no pé e ela fazia tudo na cama
ou onde quer que estava e eu tratei dela aqui durante três anos na minha casa (...)
(Sandofim, F3: mulher, 39 anos, 6 filhos, o neto tem 4 anos, a mãe morreu o ano
passado)
Constatou-se, em todos os contextos, a existência de inúmeros idosos com um nível muito
elevado ou total de dependência. Em todos os casos, os cuidados provinham da família
próxima, dos parentes e dos vizinhos, não havendo nenhum caso de internamento em
instituições. As condições de vida nem sempre permitem que o encargo de tratar dos pais
recaía apenas sobre um dos filhos, pelo que a prática de um apoio rotativo pelos
diferentes filhos é comum. A presença do idoso coloca, muitas vezes, problemas de
alojamento, como no caso de uma das entrevistadas que tem um problema porque a mãe
anda “às semanas” por casa dos filhos:
“Para a minha mãe estar no quarto dos meus filhos tem que dormir um no divã que
eu comprei — que até aqui a minha prima é que me emprestou 20 contos para o
comprar porque eu não tinha dinheiro —, e dorme um no divã e dorme outro no sofá
cama quando a minha mãe cá está“ (Casal da Giesta, F8: ex-empregada doméstica,
casada, 54 anos)
Por seu turno, do ponto de vista material, as despesas com um idoso dependente são, em
regra, muito elevadas e podem representar, por mês, duas a três vezes o montante das
pensões de reforma dos idosos.
A invalidez e a deficiência representam para estas famílias um problema extremamente
complexo. Por um lado, um adulto inválido ou deficiente representa um elemento que não
contribui para o rendimento e, simultaneamente, uma fonte de despesa; por outro lado, ao
exigir cuidados suplementares, impede muitas vezes um ou mais membros da família
(quase sempre mulheres) de desenvolver uma actividade remunerada no exterior.
O isolamento social
Este é talvez o factor de risco onde o contraste entre a população rural e urbana é mais
marcante. Embora no contexto do rural interior existam problemas de isolamento da
população idosa, é no contexto urbano que se verificam os maiores problemas relativos ao
isolamento social dos indivíduos. Pelas características do espaço citadino, o tipo de
distâncias e os custos de transporte, esta população pobre vê-se no espaço urbano cada
vez mais desprovida de redes sociais e marginalizada.
Em Tormes, a quase totalidade das pessoas entrevistadas vive confinada à sua casa,
"dentro de portas". Para evitar despesas reduzem o mais possível as saídas. Visitas a
familiares e passeios é algo que se limita ao estritamente necessário. Férias passam-se à
volta da casa.
"A senhora como é que costuma passar os seus dias?
Eu levanto-me, dou uma arrumadela à casa, com os filhos ...
Nunca costuma sair?
Sair para quê? Não dá gosto a gente .... chega a um ponto que nem apetece ajeitar, ...
aqui. É levar o lixo e vir para casa . Estou aqui metida com os meus filhos e vou às
vezes até ao jardim, ao Campo Pequeno..." (Tormes, F9: Mulher, 29 anos,
desempregada, com 2 filhos de 1 e 2 anos em casa)
"Saio para procurar emprego e depois venho para casa, vou buscar a minha filha ao
infantário e venho para casa. Levo esta vida estúpida. Uma pessoa quando trabalha
não sente, não é?" (Tormes, F19: Mulher, 23 anos, desempregada, mãe solteira com
filha de 6 anos)
Para além das razões económicas, o isolamento resulta também de um sentimento de
vergonha da situação de pobreza e da tentativa de a esconder aos olhos dos outros,
sobretudo para quem teve mais possibilidades no passado:
"Tinha uma vida estável, uma vida porreira. Se os filhos queriam ir a um café comer
um bolo, eu dava-lhes dinheiro para ir a um bolo. Hoje se me pedirem, se me
pedirem à frente das pessoas eu digo ‘ó Tiago, ou isto ou aquilo, olha daqui a um
bocadinho o pai dá...’, mas o pai não tem para dar. Não tenho para lhes dar..."
(Tormes, F10: Homem, 40 anos, desempregado, mulher, empregada doméstica, com
4 filhos entre 4 e 16 anos, e sobrinho de 1 ano)
A existência de dependentes e a ausência de apoios institucionais contribui também para o
isolamento:
"Eu nunca saio por causa da minha mãe, agora não posso sair daqui. É só um
bocadinho, enquanto ela está a dormir, ir lá em baixo, ao pão, de manhã, ir buscar
qualquer coisa à loja, hortaliça ou quê, e quando vou lá venho a correr ..." (Tormes,
F20: Mulher, 51 anos, casada, reformada p/invalidez, com mãe de 82 anos, acamada)
No caso dos idosos e deficientes, a situação agrava-se ainda mais pela forma como a sua
limitada mobilidade se conjuga com a falta de apoios (formais e informais) e com os
acessos, às vezes completamente inadequados, das suas habitações.
"Eu nunca ando lá fora. É muito raro eu sair lá fora, só para ir buscar o pãozinho à
padaria ou assim, que eu não saio de casa. Nem posso andar sozinho.
Então passa aqui os dias, não é, sábados, sem ver ninguém ?
Tudo, tudo, passo aqui tudo.
Há quanto tempo não sai daqui?
Nunca. Ai eu não saio daqui há uns poucos anos. Eu já há muito tempo que não saio
daqui ..." (Tormes, F17: Mulher, 75 anos, viúva, reformada por invalidez, a viver
com filho de 42 anos)
O modo como estes factores se acumulam e se reforçam mutuamente, visualizam-se no
caso de uma mulher de 81 anos, a tomar conta do seu marido, inválido, de 71 anos e filha
deficiente de 46 anos, fechados num 2º andar de um edifício em avançado estado de
degradação:
"E o marido da Sra. não sai de casa?
Não sai, que ele não pode andar. Já caiu aqui duas vezes e preocupa-se. (...)
Era carpinteiro. E depois ficou doente, foi?
Foi. Deu-lhe um derrame de (...) que ficou arrastar a perna, ele arrasta a perna
direita.
E está assim há quanto tempo?
Marido: Eu já estou em casa há mais de 10 anos.
Há mais de 10 anos que está assim, que não sai daqui?
Marido: Não saio, não.
Nunca mais foi à rua e assim?
Marido: Eu às vezes tentava ir à rua. Aqui há 2 anos tentava ir até casa dos
sobrinhos, um pedaço, e estava ali, e via os meus amigos, e (...) Agora não, agora
não.
Portanto, há 10 anos que está com invalidez, é isso?
Marido: Há mais.
Há mais de 10 anos?
Marido: Há mais de 10 anos. (....)
E agora os amigos que encontrava na rua, ali de cima ainda o vêm visitar ou?
Marido: Não
Ninguém aqui aparece?
Marido: Não, de vez em quando passam aí, se eu vou à varanda ...
E a Sra. desce as escadas?
Eu desço as escadas, mas custa-me muito, tenho que parar, e fico muito
cansada.(....)
Mas costuma sair daqui da rua ou vai até a outros sítios da cidade?
Não saio daqui da rua. Às vezes vou à farmácia buscar os remédios, ia buscar, agora
como a Sra. disse quando viesse a receita que lha levasse. Eu custava-me muito ir à
farmácia, estava sempre a ver quando caía, encostava-me à parede.
Dá-se conta das mudanças que acontecem lá fora na freguesia ?
Vejo as pessoas, mas olho para elas e sou assim, eu tenho ideia desta cara, mas eu já
não sei quem é. Estou assim, muito esquecida. Estou a fazer a comida, venho buscar
qualquer coisa, vou-me embora e não sei o que venho buscar.
E quando sai à rua, isto mudou muito nos últimos anos ?
Eu nunca saio à rua, nunca vou a parte nenhuma, nem ao Palácio, nem a parte
nenhuma, não saio. Estou sempre aqui metida. E depois, eu sozinha, ele sozinho, a
minha filha coitadinha não posso estar sempre ao pé dela. A outra coitadinha
também. Eu doente, passo a minha vida a chorar ... " (Tormes, F15: Mulher, 81
anos, com marido de 71 anos, inválido e filha, 46 anos, deficiente, acamada)
O processo de empobrecimento vai de par com a perda de vínculos sociais e de
participação. Os contactos sociais são muito reduzidos e reduzem-se ao longo do tempo,
tornando as pessoas bastante frágeis quando precisam de apoio. Restringindo-se
progressivamente os universos de contactos, reduzem-se também os acessos à informação,
e as oportunidades para exprimir necessidades e interesses. Perde-se também a visibilidade
pública.
Várias pessoas justificaram a importância de evitar qualquer despesa desnecessária, dadas
as suas carências económicas. Deste modo, as despesas relacionadas com contactos sociais
e participação em actividades culturais e recreativas, tal como a frequência de
equipamentos sociais, são eliminadas, ou pelo menos reduzidas ao mínimo.
"Quando vão visitar alguém, quem é que costumam ir visitar?
Às vezes a minha mãe, mas mais vezes ficamos aqui em casa... não temos hipótese
.... A grande já paga no autocarro, é muito dinheiro de senhas ..." (Tormes, F 5:
Casal, ambos desempregados, com 3 filhos entre 1 e 9 anos)
Por exemplo, em Tormes (freguesia urbana), apesar de existir um número significativo de
Associações de Moradores e de Associações Culturais, Desportivas e Recreativas, apenas
duas pessoas referiram frequentar de vez em quando estes espaços. Todas as outras pessoas
negaram qualquer participação na vida associativa local ou envolvimento em alguma
actividade colectiva. Alguns entrevistados afirmaram que gostariam de fazer alguma coisa
em relação às condições habitacionais. Foram, por exemplo, às reuniões da Assembleia da
Junta de Freguesia, pretendem ir falar com o Presidente da Câmara, escrever cartas. No
entanto, sabem que individualmente não conseguem mobilizar as instituições e não
encontram formas para dar mais visibilidade aos problemas que partilham com tantos
outros agregados.
Trajectórias de pobreza
A esmagadora maioria das famílias entrevistadas tem já atrás de si um passado de pobreza.
Nas histórias de vida das suas famílias, a pobreza e a exclusão social reproduz-se ao longo
das gerações, sem que exista capacidade de as superar. Sem qualquer investimento na
escolaridade e na qualificação profissional, resta para estas famílias, de pais para filhos,
entrar precocemente no mercado de trabalho para ocupar as posições mais desqualificadas,
em empregos precários e sem regalias sociais.
Mais uma vez encontramos, neste ponto, algumas divergências entre os contextos urbano
e rural. Embora a trajectória de pobreza seja comum, as comparações relativamente às
situações passadas divergem. Nos meios rurais parece haver unanimidade no
reconhecimento de que a pobreza de ontem era bastante mais dura do que a de hoje. Os
camponeses idosos e os seus filhos relatam histórias de um passado onde a vida se situava
nos limites da sobrevivência. Em aldeias que viviam inteiramente do trabalho agrícola, os
níveis de vida e os padrões de consumo, nomeadamente quanto à habitação e à dieta
alimentar, foram muito baixos até um passado muito recente.
Pelo contrário, em meio urbano, grande parte da população entrevistada diz que nunca
conheceu tempos tão difíceis. Algumas pessoas referiram que a situação de desemprego
veio criar dificuldades que antes nunca tinham experimentado. Quase todos afirmam que a
sua situação se tem agravado, que hoje vivem mais dificuldades, ou porque os rendimentos
diminuíram, ou porque surgiram novos problemas que vieram aumentar as despesas,
nomeadamente problemas de saúde e toxicodependência.
Sendo a freguesia urbana em análise uma zona que tem atraído avultados investimentos na
construção de grandes superfícies comerciais, de escritórios e habitação de luxo, este
investimento não se tem traduzido numa mudança favorável à população local mais
vulnerável. Surpreende mesmo a forma como as pessoas nas entrevistas se referem à
evolução da freguesia, na maior parte considerando que nada mudou; se mudou é porque
tudo está pior que antes; ou se melhorou não foi para elas.
As famílias que habitam os barracos e as casas degradadas nas traseiras ou ao lado de
alguns dos grandes e recentes empreendimentos habitacionais e comerciais, ainda com
muito espaços por ocupar, olham-nos como se eles não existissem e mostram-se
conformadas com este distanciamento social.
No entanto, as alterações que se verificaram na freguesia não deixaram de afectar as suas
condições de vida. Os entrevistados referem a indiferença dos senhorios (e autarcas) pela
degradação da habitações e a falta de investimento em infra-estruturas tão básicas como
água canalizada e saneamento, uns e outros parecem estar apenas interessados em demolir
construções antigas para serem substituídas por mais edifícios. O espaço urbano degradase
cada vez mais: o investimento nos grandes empreendimentos, nas vias de acesso e
parques de estacionamento gera uma confusão cada vez maior no trânsito, faz desaparecer
espaços verdes, de convívio e lazer. A rua deixa de ser um espaço público de sociabilidades.
Mas também ao nível de emprego há consequências. Embora a freguesia de Tormes
conheça uma forte dinâmica nas actividades económicas, o problema de desemprego
parece agravar-se para a população local. Muitas pessoas entrevistadas referiram a grande
dificuldade em encontrar emprego, ao contrário do que se passava anteriormente. Na base
desta dificuldade não parece estar a falta de emprego na zona, mas o desaparecimento de
certas actividades industriais e pequenas oficinas tradicionalmente presentes na freguesia
(têxtil, metalúrgica, cerâmica, cerveja) e o facto do tipo de emprego criado mais
recentemente não se ajustar às características e à falta de qualificações profissionais desta
população mais desfavorecida.
2.2.3. Estratégias de enfrentamento
Da análise das entrevistas sobressai, a par dos problemas acima descritos, a capacidade de
estas famílias ultrapassarem condições de vida extremamente adversas. Perante situações
de elevada precaridade material e de exclusão social, a população estudada revela, por um
lado, um imenso conformismo perante situações dramáticas do ponto de vista económico
e social e, por outro lado, uma enorme capacidade de inventar meios de enfrentar e superar
essas situações.
Através das entrevistas é possível identificar algumas das principais estratégias
desenvolvidas pelas famílias para fazer face aos problemas que enfrentam
quotidianamente:
A capacidade de acolhimento das famílias
Alguns agregados apresentam uma grande capacidade de acolhimento. As famílias
partilham escassos recursos quer em termos de espaço, quer em termos de rendimento,
quer em termos de trabalho e de cuidados. Existem casas onde “cabe sempre mais um”,
onde “não se abandona ninguém”, onde “pode sempre comer mais um”.
Deste modo e no conjunto dos cinco terrenos, existem várias famílias em que um casal
com filhos vive com os pais de um dos cônjuges, existe um casal de desempregados que
vive com a avó da mulher, uma família em que a neta vive com a avó e uma família que
acolhe “um rapaz amigo”. Destacam-se, no entanto, três agregados pela sua capacidade
excepcional de acolhimento.
Num dos casos, encontramos um agregado com 8 pessoas: com o casal vivem uma filha,
duas netas, um genro, a mãe da mulher e um “rapaz que trabalha com o marido”. O casal
teve 7 filhos e vários netos que já usufruiram de acolhimento na casa e que entretanto
sairam, embora por vezes alguns voltem quando necessitam de ajuda.
“Comigo aqui em casa vive o meu marido, depois vive o pai destas meninas, da S. e
da J. [netas]. Esse não trabalha, está doente, esteve no hospital muito tempo, a gente
tem-o aí por esmola. Vive aí um rapaz que trabalha com o meu marido, que também
vive cá com a gente. Vivem as minhas netitas e os netos também vêm passar o fim
de semana. (...) Eu tenho tanta gente. (...) Depois ainda vem outra filha minha que é
a Orlanda, vem para aí também. Eu às vezes para os meter aí todos vejo-me aí mal e
para os manter. É bom, a mãe desta [da neta] nem manda dinheiro nenhum e estou aí
a mantê-la de graça” (Sandofim, F2)
Noutro caso, em Guiães (F9) uma mulher dividiu o seu quarto, “que era comprido”, para
albergar, aí e na sala, os filhos, o genro e os netos, ao todo 12 pessoas. Finalmente, ainda
na localidade de Sandofim, vivem 10 pessoas na mesma habitação: com o casal vivem um
filho e uma filha da mulher entrevistada com os respectivos cônjuges, dois filhos menores,
dois netos e ainda uma criança com 10 anos que foi abandonada pela família (F3).
A capacidade de acolhimento destes agregados permite aos diferentes membros da família
e, muitas vezes, a elementos exteriores a esta, uma possibilidade de usufruirem de uma
habitação ou de um rendimento, a que não teriam acesso sem uma rede social de apoio.
Mas nem sempre esta co-residência significa uma opção livre conforme a vontade das
pessoas, antes um mal menor. O alojamento em casa de familiares ou amigos levanta
frequentemente novos problemas que vão desde os desentendimentos de ordem moral e
afectiva, até aos problemas de carácter material, ou a ambos.
"Por isso é que tive que me juntar novamente com a minha mãe, porque não temos
solução" (Tormes, F2: Mulher, 27 anos, desempregada, casada, com 2 filhos de 3 e 5
anos em casa. Partilha a barraca com a mãe e 2 irmãos)
"A minha vida piorou foi desde que eu vim para aqui, porque eu estava com ele a
viver no quarto, e eu ainda não tinha as crianças, sempre estivemos bem, desde que
vim para aqui, não sei, ou é por a minha sogra ser como era, a nossa vida desde que
eu vim para aqui o meu marido nunca queria vir para aqui.
E porque é que vieram?
Eu vim para aqui porque estava a pagar 38 contos de quarto, era aqui à beira e eu é
que vim falar com os meus sogros para vir para aqui, e o meu marido não quis
porque já esteve junto com uma rapariga aqui a viver também. Tem um filho que
tem agora 6 aninhos, está em casa com a mãe. Ela não chegou a casar, está na mesma
coisa que eu. Estava a viver naquele quartinho ali onde fica o aleijadinho e o Fernando
e depois a mãe tanto fez que a rapariga foi embora e levou o menino com ela,
e até ao dia de hoje ele nunca mais viu o menino, nunca mais viu o menino e ele não
queria porque pensava que eu vinha passar a mesma coisa, e não queria vir para
aqui. (Tormes, F9: Mulher, 29 anos, desempregada, companheiro, biscateiro com
rendimento de 50 contos, com 2 filhos de 1 e 2 anos, sem abono de família)
“Só que estamos lá, mas de vez em quando há piadas lá em casa porque não gostam
do feitio do meu marido e o meu marido também é um bocado desconfiado e depois
há sempre problemas lá em casa.
Mas com a Sra. que emprestou?
Sim. (...)
Mas não há problema de utilizarem a casa de banho?
Não, esse problema não há, só que de vez em quando o homem dela brinca com o
meu marido, o meu marido é um bocado desconfiado e eles depois começam a
discutir um com o outro e a gente vem-se embora e depois passado uma semana já
estamos lá outra vez, já não quer que a gente venha. (Flor de Malva, F20:
desempregada, 28 anos, solteira, vivem nos antigos currais duma casa)
“O que me veio dificultar mais a minha vida pois foi o problema do meu filho
porque se ele, por exemplo, se juntasse com a G. e tivesse possibilidades de arranjar
uma casa e viver separado de mim como a minha filha, não é? (...) E, por exemplo,
ele se estivesse nas condições da irmã, pois eu com o meu marido, e nem que tivesse
a menina mesmo aqui ao meu encargo, eu vivia melhor. Agora assim não porque ela
precisa disto. (…) Se o miúdo está doente a gente é que tem que ajudar, por vezes
não têm...” (Flor de Malva, F19: empregada doméstica, 56 anos, casada, também
tem problemas com o marido por causa do filho).
A pluriactividade e o sobretrabalho
Uma das estratégias desenvolvidas pelas famílias para fazer face aos baixos rendimentos
provenientes do trabalho assalariado ou da segurança social é intensificar e diversificar as
suas actividades económicas e fontes de rendimento. Entre as actividades mais comuns,
sobretudo em áreas rurais, encontram-se a agricultura e a criação de gado para autoconsumo.
Estas têm um papel importante não tanto como fonte de rendimento, mas como
forma de reduzir as despesas familiares em alimentação. Dado que, como se viu, com orçamentos
tão reduzidos, a maioria dos rendimentos destas famílias se destina a consumos
alimentares, ao obterem directamente produtos alimentares, as famílias podem canalizar os
seus baixos rendimentos para bens que apenas conseguem adquirir no mercado.
“Na alimentação depende. A gente tem a horta para cultivar, já gasto menos”
(Sandofim, 4: casal de desempregados, vivem da pensão da avó dela)
É necessário, contudo, sublinhar que, apesar da importância que a pluriactividade agrícola
assume para as famílias que a desenvolvem, ela não é uma estratégia comum a todas as
populações nem a todos os grupos de uma mesma população. Em Sandofim, por exemplo,
apenas 6 das 23 famílias entrevistadas a utilizam como forma de assegurar a subsistência.
A maioria dos entrevistados vive do trabalho assalariado de baixos rendimentos e tem
quase sempre uma trajectória familiar de pobreza. Deste modo, não dispõe de qualquer
recurso que lhe permita desenvolver estratégias alternativas de subsistência: não tem terras
nem capital necessário para investir na compra e criação de animais.
A intensificação do trabalho — trabalhar mais horas, aproveitar todos os tempos livres
para o trabalho, não ter férias — é também uma regra das famílias de parcos recursos e
anda intimamente ligada a uma ética de trabalho camponesa.
“Eu também criei muita vaca turina no princípio de casada. A minha mãe tinha as
vacas, não é, e eu também comecei a tratar. Cheguei a ponto de ter duas vacas e duas
bezerras no curral e eu fartava-me de apanhar erva. Eu sei lá o que é que eu passei
para criar os meus filhos (...) Eu fiquei sempre com as vacas e depois a vender peixe,
a vender sardinha, com uma carroça e uma burra (...) Depois a minha Alice Maria,
era pequenina, tinha 12 aninhos, — eu andava com a carroça da sardinha de um lado
para o outro — e tinha-a lá em baixo a vender castanhas e empadas e a vender umas
terrinas e uns pratos e uns garfos e ela vendia isso lá em baixo numa lojita ali em
baixo no meio da rua (...) Fiz, então, a barraquita, comecei a vender só uns copos de
vinho e uns jogos de cartas e umas coisas assim. Depois foi-se andando, quer dizer,
depois um negócio trazia o outro e fui então arranjando, fiz a taberna (...) Mas eu
não sei ler porque nunca andei na escola. Ninguém pôs aqui uma casa como eu pus
aqui. Fiz a casa, fiz a taberna, fiz tudo, a vender peixe com uma burra e uma
carroça.... eu fazia tudo, sem saber ler” (Casal da Giesta, F14: viúva, reformada,
analfabeta)
Para além da prática de uma agricultura complementar, há casos em que os agregados
familiares atenuam os seus problemas financeiros recorrendo a outras estratégias, que
parecem "sacrificar" sobretudo as mulheres. É o caso de uma família (Guiães, F2), em que
o casal está desempregado e durante algum tempo a mulher prostituiu-se (com
conhecimento do marido). Noutra família (Guiães, F5), o marido não trabalha por opção
(sofre de perturbações psicológicas) e a mulher está desempregada (actualmente formanda
do curso de calçado tradicional promovido pela IPSS concelhia), vendo-se obrigada ainda a
trabalhar no campo (para outros) e a fazer serviço doméstico. Mas o caso de uma outra
família da mesma localidade é ainda mais grave: o marido foi vítima de um acidente de
viação e ficou inválido e a mulher (apesar de doente) trabalha nas horas que lhe restam
para sustentar a casa.
"A gente cultivava as batatas para nós, para durante o ano. Mas já há 3 anos que não
cultivo. Ele teve o acidente e eu sozinha também não posso. Prefiro ir trabalhar um
sábado do que andar aí de manhã à noite nas terras, porque se eu for trabalhar um
sábado, compro um saco de batatas.(...) Eu preciso de despesas fixas 55 contos, é
mais que aquilo que ganho de ordenado normal, por isso o meu ordenado normal, se
eu não tivesse os extras, não me conseguia dar. Olhe que não dava, que eu já me senti
apertada quando não havia bordados, quando não havia sábados eu não conseguia"
(Guiães, F11: Operária, 37 anos, marido inválido)
Nas áreas urbanas, a mesma estratégia de pluriemprego permite enfentar o risco de
empobrecimento. Procura-se trabalho esporádico, geralmente pago à hora. Mulheres
domésticas, pessoas desempregadas ou até reformadas trabalham esporadicamente em
certas actividades que vão aparecendo ganhando deste modo algum dinheiro que contribui
para os rendimentos das famílias. Há pessoas idosas a receber pensões de reforma que
continuam a desenvolver trabalho remunerado como forma de ajudar familiares
necessitados de apoio. O desemprego, a deficiência e a toxicodependência são factores
que, afectando elementos da família, quer dentro quer fora do agregado, fazem com que os
idosos reformados se sintam pressionados a prestar ajuda, na ausência de apoios
institucionais adequados.
"Fiz 70. Eu trabalhava todo o dia. Agora não, vou só 4 horas para uma senhora (...) é
para os filhos. (...) Eu não tenho muito, é a reforma do meu marido, e vou
trabalhando, vou ganhando um bocadinho, (...) Ainda ontem estive 4 horas, 4 horas
às vezes a dar a ferro. Enquanto posso, vou andando, já não tenho idade, vou
quando posso ... “ (Tormes, F14: Mulher, 70 anos, viúva)
"Trabalho de costura, trabalho muito de costura para ajudar muito para a casa. pois
como vêem não é uma reforma que dá para isto tudo" (Tormes, F11: Mulher, 70
anos, a viver com irmã de 81 anos, sobrinha com marido, ambos desempregados e
sem direitos, e 3 filhos. Rendimento do agregado: pensões de reforma de 35 e 26
contos).
“Apertar o cinto”
Outra estratégia corrente nas famílias de poucos recursos consiste em reduzir as despesas
e comprimir os consumos, através dos mais variados meios e relativamente a uma diversa
gama de necessidades básicas: alimentação, vestuário, habitação, educação, etc.
“Depois é o gás; a luz são à volta de seis, sete contos sempre; a água também é à
volta de um, dois contos sempre. E privamo-nos de muita coisa, não é ? Por
exemplo, gostava de dar banho sempre às minhas filhas todos os dias e já não é
todos os dias.” (Flor de Malva, F2: desempregada, casada, 46 anos)
Mas quando é a gás faz aqui. Quando não é a gás faz ali fora num barraquinho que
tenho aqui de madeira; faz a lenha para poupar o gás.” (Flor de Malva, F10:
servente num comércio, casado, de baixa)
A capacidade de adaptação é sobretudo visível no campo da habitação. Quando as condições
se agravam as pessoas contam apenas com elas próprias para minimizar a
degradação. Para ter luz na sua habitação vários agregados "puxam" a luz da iluminação
pública. Outros "puxam" através de vizinhos, gerando situações de dependência e mesmo
de sujeição a abusos:
"ainda agora recebi um postal do mês passado: paguei 14 contos, sabe Deus como...
Como é que fazem o cálculo , como é que sabe ...?
Eu pago a luz toda.
A senhoria daquela casa ...?
O favor que ela me fez, pronto ficou-se a dar mil e tal escudos que era a estimativa
que ela gastava, isto há 6 anos. Hoje, o valor que ela me dá é nenhum, porque deume
a 1ª vez, no 1º, 2º e 3º mês e a partir daí nunca mais me deu. A velhota tem 91 ou
92 anos, acarinhou-se àquela ideia de não pagar e até hoje nunca ninguém pagou.
(....) Agora a luz não, comecei a pagar 3, 4 contos, 5 contos, já vai em 14 contos por
mês. Por isso vê, alguém se está a aproveitar da minha situação, infelizmente. Não é
aqui com uma máquina de lavar, um frigorífico e umas luzes que gasto, porque
repare, mesmo agora eu recebi um postal para ir pagar, eu tenho 12 542$00 para
pagar, eu acho que é luz a mais. Alguém se está a aproveitar, mas como eu sou o
necessitado, eu tenho de me baixar, porque senão cortam a luz e eu não gostaria."
(Tormes, F10)
Tal como já foi anteriormente referido a propósito do problema dos baixos rendimentos,
revelou-se muito frequente a prática de evitar ou reduzir as despesas com medicamentos e
cuidados de saúde, especialmente no que se refere às pessoas mais velhas da família; uma
forma de poupança que tem efeitos muito negativos no prolongamento nas condições de
saúde.
“Os medicamentos muitos deles não os avio. Avio o que eu realmente... (…) Assim
como ele precisava dos do estômago… O do estômago é um medicamento muito
caro, foi muito caro, muitas coisas vou aviando e deito outras coisas para traz que
até me fazem falta mas o medicamento ia aviando. Agora o que eu não posso não
avio. Assim como agora, trago ali muitos para aviar, então se eu não puder aviá-los
não os avio todos, avio algum que eu veja que me faz mais falta … e é assim” (Casal
da Giesta, F3)
O endividamento forçado entra também nas práticas de enfrentamento da pobreza e foi
referido por muitos entrevistados. Em Flor de Malva, por exemplo, nove das vinte
famílias estudadas referiram que nalgum comércio local lhes facilitam o pagamento e
deixam pagar mais tarde.
“Eu chego ali abaixo ao supermercado preciso de coisas, vou buscar, não tenho
qualquer problema. Vou ali a este supermercado aqui igual, ou tenha dinheiro ou não,
fiam-me Graças a Deus porque sabem que eu que pago. Eu vá trabalhar, assim que
vá trabalhar aos poucos vou dando, Graças a Deus. E então lá em baixo no
supermercado a Sra. M., já trabalhei para ela muito tempo e agora de vez em quando
vou fazer o quintal da mãe dela, vou para lá trabalhar e conforme recebo vou dando,
vem o abono do garoto vou-lhe dando e faço assim, não tenho qualquer problema.
Sempre vivi assim.” (Flor de Malva, F3: doméstica, 49 anos)
Encontra-se ainda a prática de recorrer ao penhorista quando se possuem alguns bens,
sobretudo objectos de ouro, e por esta via obter dinheiro para enfrentar alguma despesa
imprevista ou indispensável. No entanto, este meio constitui mais um mecanismo de
exploração das pessoas com dificuldades, dando-lhes a ilusão de vir a reaver o que era seu.
Com efeito todas as pessoas que referiram recorrer a esta prática o fizeram ou fazem com
pagamento mensal de juros. Muitas vezes, depois de um curto momento de alívio, a
necessidade de crédito volta, os encargos tornam-se demasiado pesados e algum tempo
depois dá-se a perda definitiva dos objectos, algumas vezes de valor emocional elevado.
“Digo-lhe com sinceridade, se me perguntar pela minha aliança de casado e do anel
que a minha mulher me ofereceu no Natal...
Este Natal ?
O outro. Já foi e nem possibilidade tive de ir buscá-lo e isso está-me cá dentro. Foi
duas prendas, uma foi dos padrinhos, outro foi da minha mulher de 17 anos de
casado, e isso custa muito, mas não tive possibilidade de ir buscar, infelizmente."
(Tormes, F10: Homem, 40 anos, desempregado, mulher, empregada doméstica com
4 filhos entre 4 e 16 anos e sobrinho de 1 ano)
Outra prática corrente é a venda de bens de algum valor a pessoas ou vizinhos algo mais
desafogados.
"Mais dia menos dia vão-nos cortar a luz porque não temos meios para poder pagar.
Vamos vendendo algumas coisas que não são de grande utilidade
Conseguem vender onde, vão algum penhorista ?
Não, aqui algumas pessoas, coisas que podem precisar... O ouro que tínhamos já foi
todo, tínhamos uns 370 gramas, que eram cordões da avó, anéis nossos e uma
pulseira, foi todo... Agora vamos passando com o que temos, temos dias mais
graves que é realmente de fome. Cada vez vamos tendo menos coisas." (Tormes, F6:
Casal, desempregados, com sobrinho de 7 anos. Sem rendimentos)
Este processo de venda e penhora dos bens começa pelos objectos de valor e estende-se
depois a bens e objectos de utilidade quotidiana, até ao ponto em que apenas restam
algumas peças elementares de mobiliário.
O trabalho infantil
Dados os baixos rendimentos destas famílias, uma das estratégias mais comuns é integrar
no mercado de trabalho o maior número possível de elementos do agregado. Deste modo, o
recurso ao trabalho assalariado das crianças é uma das possibilidades para aumentar os
rendimentos que as famílias utilizam mais frequentemente.
“A minha filha foi obrigada a ir trabalhar, não é... a minha miudita foi obrigada a ir
trabalhar, não é... Porque vamos a ver... ela ainda não tinha idade para ir e ela foi
obrigada a ir trabalhar.” (Sandofim, F2: a filha tem 14 anos, trabalha num
restaurante)
Esta estratégia sustenta-se, por um lado, na desvalorização social da formação escolar, que
já referimos anteriormente, e, por outro lado, nas próprias trajectórias de vida da camada
adulta desta população. Grande parte destas pessoas integraram precocemente o mercado
de trabalho e não concebem um modo de vida diferente para os seus filhos.
A sociedade-providência
Em comunidades em que os recursos são tão escassos não é de estranhar que exista pouca
capacidade para partilhar. No entanto, certos tipos de bens, como as roupas, circulam
frequentemente entre vizinhos e “conhecidos” para ajudar os mais desfavorecidos.
Também os alimentos provenientes das “hortas” particulares são muitas vezes
partilhados, sobretudo com as famílias numerosas ou com crianças. Estas ajudas de
carácter informal que as pessoas recebem mostraram-se correntes para a generalidade das
famílias estudadas. Por exemplo, das 20 pessoas entrevistadas em Flor de Malva, apenas
uma não referiu receber ajudas deste tipo. Em Tormes e Sandofim, onde as situações de
extrema pobreza são particularmente frequentes entre os entrevistados, a presença da
“sociedade-providência” foi também assinalada:
“Há pessoas que nos dão roupa, não é? para os miúdos, mas nada de assistentes
sociais, nem nada. Só assim pessoas amigas é que dão. (...) Tudo o que vem... Com
sete filhos, se formos a comprar, o dinheiro não dá” (Sandofim, F22)
“Eu não compro nada, dão-me. Às vezes dão-me coisas estragadas e eu componho:
não deito fora, eu componho. Não tenho dinheiro para comprar móveis, se eu
tivesse dinheiro era rica e ajudava as pessoas” (Sandofim, F16)
“A M.A. até me tem ajudado bastante, tem-me dado alguma coisa... Tem-me dado
muita batata.” (Sandofim, F25)
"A gente vai todos os dias à missa e há pessoas que dão 100 ou 200 escudos, para a
gente comprar pão ou qualquer coisa e, como a gente é pobre, há muita gente que dá
roupa para a gente nos vestirmos" (Guiães, F2:3 - Desempregada, 46 anos, casada,
marido desempregado)
É no interior das famílias que detectamos a existência de uma mais forte entreajuda. Os
laços de parentesco sustentam fortes redes de solidariedade que surpreendem pelo
contexto de pobreza em que acontecem. Apesar da escassez de recursos, estas famílias
demonstram uma enorme disponibilidade para apoiar os elementos mais necessitados. A
solidariedade familiar manifesta-se na já referida capacidade de acolhimento, nos cuidados
dos idosos, das crianças, dos deficientes, na partilha de bens, como a terra, a habitação, as
roupas e a comida.
“A minha mãe, coitada, também a tenho que ajudar porque ela também não tem
ninguém que a ajude porque o meu falecido pai também já morreu há 13 anos. Tenho
uma irmã que também era mãe de 3 crianças mas que agora só tem um porque as
duas casaram-se. Agora só tem um rapaz com 25, 26 anos. E essa minha falecida
irmã também morreu com 25 anos e deixou 3 filhos todos pequeninos. E, claro, nós
tivemos que os ajudar a criar. E agora é a minha mãe que também já está com perto
de 80 anos e nós também temos pena dela porque ela é que tem ajudado a criar esses
3 netos que ficarm sem mãe pequenininhos. E nós temos ajudado a minha mãe
porque é minha obrigação” (Sandofim, F5: mulher, viúva, 4 filhos, vive da pensão de
viuvez)
É de sublinhar que a "Sociedade-Providência" apresenta também as suas enormes
limitações. Pela descrição das práticas de entreajuda nestas populações, torna-se evidente,
por um lado, a sua fragilidade e precaridade e, por outro lado, a oportunidade de controle
social que proporcionam e a conflitualidade que geram no interior das relações sociais em
contextos marcados pela extrema pobreza.
"No local onde vive, para além dos seus pais, tem outra ajudas, solidariedades de
outras pessoas ?
Não, não. Eu não conto a minha vida a ninguém ... Prefiro engolir e arranjar-me da
melhor maneira … mas os vizinhos é a última possibilidade a que eu recorria."
(Tormes, F1: Mulher, 27 anos, desempregada, marido desempregado e
toxicodependente, com 3 filhos entre 1 e 5 anos. Sem rendimentos)
"Vou fazer umas paredes na casa de uma pessoa amiga. Mas eu acabo por dizer que
os amigos acabam, porque se os meus passarem fome os meus amigos não me vêm
trazer comer. Por isso, vou ganhar o meu, é lógico" (Tormes, F10: Homem, 40 anos,
desempregado, mulher empregada doméstica, com 4 filhos entre 4 e 16 anos e
sobrinho de 1 ano)
Para muitas destas pessoas há uma clara consciência de que os familiares e vizinhos
também são pessoas pobres e por isso também não podem esperar grande ajuda. Em
todos se percebe uma atitude de grande descrição em relação a esta vivência da privação
material, quer quando se pede, quer quando se ajuda.
2.2.3. A relação com as instituições
As entrevistas realizadas permitiram obter informações bastante reveladoras acerca da
relação destes cidadãos com os serviços públicos de protecção social e da importância que
estes têm no seu quotidiano. De um modo geral, as entrevistas revelam que a população
desconhece os seus direitos sociais, ignora os serviços existentes, mesmo aqueles que
estão próximos, e tem uma profunda dificuldade em lidar com os processos de acesso aos
benefícios e regalias sociais que lhes são devidos.
Direitos não exercidos
As entrevistas revelam que, grande parte da população, desconhece os seus direitos como
cidadãos e que muitas das regalias sociais que poderiam ser usufruídas não são pura e simplesmente
reivindicadas. Todavia não é apenas o desconhecimento que reduz o exercício
dos direitos, mas também uma atitude de receio ou de defesa da autonomia e da imagem
social por parte de quem precisa de ajuda. Acontece, bastantes vezes, que as pessoas
referem, com orgulho, “não pedir nada” ou ter vergonha de “pedir alguma coisa”.
"Quando diz que à Acção Social não pediu mais nada a não ser ajuda para o seu
filho, porque é que não pede mais ajuda?
Nunca fiz isso, e além disso custa-me andar a chegar a esse ponto. Não estou
habituada (…), eu aí sou capaz de me sujeitar antes àquilo que tenho, do que estar a
pedir. A única coisa que peço e quero que me auxiliem é em respeito ao meu filho,
porque acho que tem os direitos dele ..." (Tormes, F3: Mulher, 45, desempregada,
mãe de filho seropositivo)
“Eu sei dos direitos? Eu não! Eu não sei de nada. (...) Nunca pedi nada porque eu
tenho medo de chegar lá e eles dizerem-me logo “ai, não sei quê que não tem direito”,
porque eu não sou casada com o meu homem.” (Sandofim, F16)
"Só fui uma vez lá pedir, .... há 2 ou 3 anos que eu fui lá....Mas eu tenho tanta
vergonha.
Tem vergonha ?
Tenho vergonha. Que eu vivi muito bem. O meu falecido avô, até dama de
companhia tinha para andar a passear-nos. E de maneira que tenho, sou muito
envergonhada." (Tormes, F15: Mulher, 81 anos)
Outro dos problemas revelados no discurso dos entrevistados é a dificuldade em perceber
a forma como decorrem os processos de atribuição de prestações ou outro tipo de ajudas e
a incompreensão dos critérios utilizados pelos serviços de acção social. Esta
incompreensão, no entanto, não tem grandes consequências práticas, porquanto não se
traduz em qualquer atitude reivindicativa, limitando-se alguns entrevistados a exprimir um
vago sentimento de injustiça.
Como exemplo de direitos não exercidos, constatou-se a existência, em Tormes, de agregados
em que sete crianças entre 1 e 16 anos não estão a receber o abono familiar. Tratase,
num caso, de crianças filhas de pais desempregados de longa duração, que
desconheciam a possibilidade de aceder ao direito por outras vias. Noutro caso, num
agregado com duas crianças, em que o pai tem emprego precário (não faz descontos para a
Segurança Social) e a mãe é desempregada, encontrando-se a tomar conta dos filhos (de 1 e
2 anos de idade), o nascimento do filho mais novo ainda não foi registado por falta de
recursos, inclusive para a mãe renovar o seu bilhete de identidade, condição indispensável
para o processo do abono de família. Um terceiro caso diz respeito a um agregado que
recolheu um sobrinho, mas cuja tutela jurídica ainda não está definida. Deste modo, não
podem requerer o abono de família que lhe é devido. Trata-se de um agregado sem
rendimentos e sem assistência social assegurada. Finalmente, ainda num quarto caso, três
crianças, uma das quais deficiente, não estão a beneficiar do abono de família e abono complementar,
embora a Segurança Social esteja a pagar regularmente o abono. Trata-se de um
caso em que o abono é pago à avó materna, mas por conflito familiar esta não o entrega
aos pais das crianças. Os pais, ambos desempregados e sem qualquer rendimento, e três
filhos vivem neste momento com duas tias-avós cujo rendimento total das reformas ronda
os 60 contos por mês.
Ao nível da população idosa constatou-se, por exemplo, que uma senhora de 90 anos não
recebe pensão social. Em vários agregados verificou-se não ter havido solicitação de
subsídio por assistência a 3ª pessoa, embora pareçam estar dentro das condições de
recurso. Num deles, por exemplo, há duas pessoas dependentes, um homem idoso e
inválido e uma mulher com deficiência profunda, ambos a cargo de uma mulher com 81
anos de idade. Num outro caso, uma mulher de 51 anos com epilepsia e com uma paralisia
num dos braços, é responsável durante o dia e, alternadamente, durante a noite pela sua
mãe acamada de 82 anos.
Familiares a cargo sem apoio institucional ou com apoio institucional insuficiente
Situação recorrente, no grupo social estudado, é a de quem toma conta de dependentes —
sejam eles crianças, idosos ou inválidos — sem qualquer apoio institucional.
Relativamente aos cuidados das crianças, constatou-se que, em cinco agregados (da mesma
população de Tormes), 12 crianças de idades entre os 3 meses e os 7 anos, não frequentavam
equipamentos (creche, jardim de infância ou ATL). Nalguns casos esta situação
tinha a ver com a falta de vagas, noutros apenas com o valor elevado da comparticipação
exigida pela instituição. Mesmo que esta corresponda ao valor do abono familiar, a
comparticipação pode constituir uma barreira insuperável para alguns agregados. Algumas
crianças já tinham frequentado instituições, mas a impossibilidade de assegurar o pagamento
levou os pais a retirá-los e a mantê-las em casa. Num outro caso essa frequência
está em risco de cessar devido ao atraso no pagamento da comparticipação.
A observação directa, na altura da entrevista, permitiu perceber que muitas destas crianças
pelas condições habitacionais em que vivem, se encontram num contexto pouco favorável
ao seu desenvolvimento, para além de correrem perigos muito sérios, como já aconteceu
— por exemplo, pegarem fogo ao barraco quando brincavam com fósforos. O cuidar das
crianças alimenta, ao mesmo tempo, o círculo vicioso em que alguns dos agregados se
encontram enredados: os pais não têm dinheiro porque estão desempregados; porque não
têm dinheiro não podem pôr os seus filhos no equipamento; e porque têm os filhos em
casa não podem procurar emprego.
Na mesma população, constatou-se a existência de um conjunto de 4 pessoas idosas, 2
pessoas com deficiências graves e uma pessoa com SIDA em estado avançado, sem
qualquer apoio institucional ou com apoio institucional claramente insuficiente. Estas
pessoas estão inteiramente a cargo dos outros membros dos seus agregados, muitos deles
já fragilizados por razões de idade ou invalidez, em condições habitacionais
completamente inadequadas. Significam igualmente um encargo financeiro que ultrapassa
as capacidades destes agregados para responderem às suas necessidades em termos de alimentação,
medicamentos e/ou fraldas. Também nestes casos o facto de se ter um familiar
dependente a cargo representa uma barreira às tentativas de romper com a situação
existente.
No que diz respeito às pessoas com deficiência, verificou-se que uma criança de 2 anos de
idade com paralisia cerebral profunda não está a receber qualquer tipo de apoio
pedagógico. O mesmo se passa com uma mulher adulta, mongolóide, em situação de
dependência total. Em ambos os casos a ausência de qualquer acompanhamento adequado
agrava as situações.
Mesmo no caso de os dependentes estarem a frequentar algum equipamento ou de
receberem algum serviço ao domicílio, o apoio é muito limitado. Em primeiro lugar, esses
serviços funcionam só durante o dia, das 9.00 às 17.00 horas, deixando as pessoas de novo
sem apoio quer à noite, quer nos fins de semana, o que quase sempre coloca problemas
consideráveis para os seus familiares. A título de exemplo, um jovem com deficiência que
frequenta durante o dia o Centro de Paralisia Cerebral, volta ao fim do dia para casa, onde
fica a cargo da sua avó. A situação agrava-se porque nenhuma das casas está preparada
para as situações de deficiência e as dificuldades dos moradores, tornando-se em verdadeiras
prisões ou aumentando o risco para os deficientes.
Os familiares de pessoas dependentes, na ausência de apoios, ficam com a sua autonomia
totalmente comprometida: não têm um único dia livre, nunca têm férias. Por outro lado,
nos casos em que são pessoas idosas a cuidar dos dependentes, a incerteza quanto ao
futuro, quando a sua ajuda falte, converte-se num pesadelo e afecta enormemente a sua
estabilidade emocional.
Em toda esta problemática de ausência ou insuficiência de apoio institucional perante as
necessidades das pessoas, parecem estar presentes pelo menos três factores explicativos
das situações críticas observadas: uma sistemática subavaliação das necessidades reais das
pessoas; uma insuficiente capacidade de resposta por parte das instituições locais; uma
incompatibilidade da oferta dos serviços com as necessidades e condições de acesso por
parte da população local.
Desconhecimento dos Serviços disponíveis
Um outro problema constatado entre os entrevistados, mesmo quando geograficamente
não estão muito distanciados dos serviços sociais, é o desconhecimento que têm destes
serviços.
Por vezes, conhece-se a existência de uma instituição (por exemplo, um Centro de Dia
para idosos), mas desconhece-se os diferentes serviços que essa instituição oferece:
lavandaria, entrega de refeições a casa, apoio de uma assistente social. Esta 'desinformação'
pode dizer respeito também aos valores das comparticipações, resultando em vários casos
na não procura dos serviços pelo receio do seu custo elevado. O isolamento e a distância
aos serviços tornam-se, ainda, factores que fortalecem a falta de informação.
O que se constata é que as famílias mais pobres estão sujeitas a limitações mais fortes do
que é normal. Assim, a procura de assistência pode representar custos muito grandes, quer
em termos do investimento que têm que fazer, quer dos resultados desse investimento.
Para encontrar uma resposta aos seus problemas, a maioria das pessoas tem de dirigir-se a
vários serviços e só recebe de alguns deles uma parte dos benefícios da acção social, como
o pagamento de medicamentos, o subsídio de risco social, o subsídio de
toxicodependência, apoio económico no pagamento de água, luz, rendas e outras dívidas,
ajudas técnicas, apoio ao domicílio, enquadramento de crianças e deficientes em
equipamentos, etc.
Para muitos dos pedidos o apoio é recusado, imperando, neste domínio, uma ampla
descricionariedade dos serviços e uma grande irregularidade nos recursos de que estes
dispõem. Dentre solicitações não atendidas que foram referidas pelas pessoas
entrevistadas, contam-se pedidos referentes a fraldas, subsídios para toxicodependentes,
aquisição de gás, pagamento de dívidas de renda de casa, água e luz, aquisição de
medicamentos, material escolar, acesso a equipamentos para crianças. Mesmo alguns
agregados que obtiveram ajuda (por exemplo, fornecimento de produtos alimentares)
viram-se ao fim de algum tempo excluídos da assistência, sem que se tivessem alterado as
suas condições de vida.
As experiências com os serviços
São significativas as histórias das pessoas acerca do modo como vivenciaram a relação com
os serviços e como sentiram os impactos das formas de assistência no seu quotidiano e na
sua dignidade pessoal. São particularmente relevantes os depoimentos acerca dos serviços
de Acção Social e Segurança Social.
As entrevistas mostram que uma parte das pessoas nunca recorreu àqueles serviços,
outras que ainda não o fizeram, sendo patente e generalizado o sentimento de vergonha,
associado ao acto ou hipótese de recorrer à assistência social. Percebe-se que a resistência
em pedir ajuda está associada a um sentimento de risco de desqualificação social e de
humilhação. As pessoas, mesmo sendo obrigadas a provar a sua pobreza, não têm garantia
de lhes ser prestada a assistência necessária. Os relatos traduzem ainda um sentimento
generalizado de falta de confiança nos serviços e nos técnicos pela perda de privacidade e
atropelos à confidencialidade:
"No outro dia fui à R. da Alegria (…) A senhora partiu do princípio que se sentou e
foi logo: ‘O seu nível de saúde é seropositivo’. Eu fiquei logo KO. Quer dizer, como
é que na Caixa é tudo confidencial e a gente vem aqui e a gaja vira-se para mim e
pumba (....) A gente pensa que é um processo confidencial e no fundo anda de
doutora para doutora e isto a pessoa sente-se terrivelmente mal, não vale a pena
estar aqui com confidencial" (Tormes, F8: Homem, 35, solteiro, seropositivo com
Subsídio de Risco Social)
O desconhecimento e a falta de transparência e arbitrariedade dos critérios utilizados,
produzem uma expectativa bastante negativa e uma falta de confiança nestes serviços.
Neste contexto, torna-se incompreensível para as pessoas quais as necessidades que são
eligíveis, porquê umas e outras não, porque variam as ajudas mesmo em situações
idênticas, como se uns merecessem e outros não… Por exemplo, nos três casos de
seropositivos identificados nas entrevistas da população de Tormes, o apoio que recebem
da Acção Social é variável tanto nos montantes como no método de atribuição. Ora estas
diferenças dificilmente se deixam compreender pelas condições das pessoas.
Alguns procedimentos usados pelas instituições agravam o potencial estigmatizador das
ajudas assistenciais. Assim, naqueles casos em que os subsídios atribuídos (para além de
serem insuficientes e aparentemente sem critério) não são directamente entregues aos
beneficiados, a opção de fazer a entrega do subsídio a uma entidade estranha lança um
clima de desconfiança que pode ser dificilmente suportável. É o caso de uma das pessoas
seropositivas (com passado de toxicodependência) entrevistadas, que pode "levantar
mercearia" até um determinado montante (10 contos) numa loja local, sem que possa ela
própria receber e controlar o recibo dos produtos adquiridos.
Este tipo de atitude está de igual modo presente no apoio à compra de medicamentos,
referido por várias pessoas e processado do mesmo modo, numa farmácia local, onde as
pessoas se dirigem para levantar os seus medicamentos. Isso obriga todas estas pessoas a
um reconhecimento público da sua condição de assistido, constituindo um exemplo de
como os profissionais podem contribuir, involuntariamente, para um estatuto desqualificado
de quem tem que depender da assistência social. Por outro lado, o processo muito
condicionado de recebimento da ajuda, revela o carácter disciplinar que caracteriza o modo
como a assistência pode ser produzida e utilizada. Veja-se, por exemplo, o que se passa
com o subsídio de apoio a toxicodependentes relativamente à obrigação de seguimento de
um tratamento.
" Pagaram os medicamentos?
Pagaram na farmácia. Mandaram-me ir ter com ela a uma 3ª feira na Junta,
mandaram-me lá e depois eu fui à farmácia e é que me pagaram os medicamentos.
Mas nunca mais fui lá porque tinha vergonha, o meu genro trabalhava ali na Junta.
Não queria que se dissesse. Mas eu ia por causa do neto, e fiquei sem muito, nunca
cheguei a dizer ..." (Tormes, F14: Mulher, 70 anos, viúva, reformada)
Um outro aspecto a salientar consiste na margem de descricionariedade das instituições. A
decisão de atribuição ou não de subsídios parece independente da avaliação das
consequências que acarreta, não só para os próprios, como no conjunto dos agregados.
Assim, as decisões adquirem muitas vezes um grau de subjectividade que as torna numa
questão privada, não pública, dependente dos valores e das interpretações dos técnicos
que as tomam, o que faz com que as pessoas atribuam a decisão à vontade, ou não, do
Assistente Social :
"Porque é que elas não resolvem o problema da canalha? De meter os meninos no
infantário? ... Se a Assistente Social pagasse os meninos iam para o infantário, e ela
não resolveu isso. A Drª I., disse para nós esperarmos que vem o abono e para pagar
com o abono ...e depois, voltamos tudo ao mesmo? ... O Estado que me dê o
subsídio de tratamento da toxicodependência, e ela diz que eu não tenho direito ...
Eu tenho direito e elas não dão, dizem que eu não tenho direito ... que eu não tenho
Sida, nem nenhuma doença contagiosa, eu acho que tenho direito." (Tormes, F7)
"Aqui há tempos (…), eu tive um problema qualquer com a luz, precisava de pagar
um recibo de 25 contos, andei quase um mês e meio — eu não, a minha mulher —
até que cheguei e tive que ser eu a meter-me no caso. Andava a evitar isso. Com 25
contos, ela só conseguiu arranjar 15, depois dei-lhe provas de certas cenas que se
passavam aqui e ela aí mexeu-se mais um bocadinho. (...) Eu cheguei à conclusão que
aquilo deve ser tudo à base de conhecimentos, quem tiver conhecimentos safa-se,
quem não tiver ...” (Tormes, F10)
Como resultado da incompreensão do decurso dos processos de atribuição de apoios,
outra das características que ressalta das entrevistas, relativamente ao contacto com os
serviços, é a tendência para entender as ajudas recebidas como resultado da boa vontade
daquele funcionário que se conhece pessoalmente e não como resultado do exercício de um
direito de cidadania.
“Eu tinha uma senhora que era muito minha amiga que se chamava Dona G., que é
do Centro Social e essa ainda me ajudou um bocadinho no princípio, quando eu
estava mais enrascada, muito enrascada, ainda me ajudou. Mas eu depois nunca mais
a vi. Uma vez até fui lá ao Centro perguntar por ela porque lhe queria agradecer o
que ela me fez, mas depois ela não estava lá, nunca mais a vi e era muito minha
amiga. Ela veio aqui muitas vezes, muitas vezes mesmo.” (Sandofim, F5)
Por outro lado, os relatos da forma como se é atendido evidenciam uma relação
particularista e pouco cívica por parte dos serviços e a presença de um sentimento
generalizado de humilhação por parte dos cidadãos utentes:
"Nós vamos lá à Acção Social, estamos a olhar para elas e elas estão a olhar lá para
cima, não estão a passar cartão. Estamos a falar e elas estão mesmo a dizer assim, as
palavras estão a passar ao lado do ouvido, não estão a entrar ... São pessoas que não
querem mesmo resolver, não querem escrever ali; ou escrevem ou fazem de conta,
porque eu estou ali e estou a ver Srª Drª., não ando a dormir. Às vezes estou a falar
e as palavras estão a passar ao lado, por vezes não querem ...." (Tormes, F7)
A situação de desemprego constitui um bom exemplo de como a situação dos cidadãos é
frequentemente avaliada em termos morais. Uma atitude preconceituosa está
frequentemente presente nos técnicos que contactam com os desempregados à procura de
ajuda. A conduta destes é avaliada como se não houvesse vontade e um forte investimento
na procura de emprego. Desconhece-se o carácter estrutural que o desemprego
actualmente tem, apesar de os próprios serviços não conseguirem dar resposta a todas as
pessoas que gostariam de encontrar emprego.
Questionadas sobre o que seria necessário para alterar a sua situação, as pessoas
entrevistadas quase sem excepção apontam a melhoria da situação no que respeita a
emprego e habitação. Mesmo quando não é o emprego propriamente dito que esperam dos
serviços, as pessoas procuram condições que lhes permitam tomar iniciativas nesse
sentido. É caso de uma mulher que, numa situação de extrema dificuldade económica,
recebe dos serviços apoio para a aquisição de medicamentos (e, no passado, de leite para o
filho). Na altura da entrevista tinha pendente um pedido de apoio para as dívidas de renda,
luz e água, mas, no entanto, para ela a solução dos seus problemas não passa por essas
ajudas:
“Se eu arranjasse um infantário para eles (…), eu sempre arranjava um trabalho que
dissesse com o infantário e sempre ia, à tarde nem que não saísse, que trabalhasse
directo mas arranjasse até para umas limpezas e assim. Porque até eu acho que
tenho…., para qualquer coisa eu me desenrasco... “ (Tormes, F 9: Mulher, 29 anos,
desempregada, com dois filhos em casa)
Algumas pessoas reclamaram contra a burocracia dos serviços, considerando-os ineficientes,
uma vez que as obriga a "dar voltas" sem que tenham saúde nem dinheiro para tal.
Quem precise de um Atestado de Pobreza — foi um dos exemplos referidos — tem
primeiro que pagar, mesmo que sejam apenas 300 escudos. Fica a imagem de uma
burocracia desconfiada que apenas acredita na realidade documentada e desrespeitadora
das necessidades e dignidade das pessoas que obriga a dar repetidamente provas da
condição de carência — o que, nalguns casos, é completamente irracional, como no dos
seropositivos cuja situação se sabe bem que não se altera.
Uma aplicação cega e burocrática das regras explica igualmente a expulsão de crianças dos
equipamentos por falta ou atraso nos pagamentos mensais. Naquelas situações em que se
conhecem os contextos de vida dos agregados com maiores dificuldades, incluindo
situações de subnutrição e fome, esta atitude constitui um acto irresponsável que coloca
gravemente em risco o pleno desenvolvimento dessas crianças. Igualmente, a demora nas
respostas e os atrasos nos pagamentos deixam as pessoas, frequentemente, numa situação
de "miséria provocada".
"Agora atribuir um subsídio que chega ao fim e tem atrás 2 e 3 meses nos correios, a
gente a partir daí começa a entrar em pânico, que a própria Segurança Social cria. Eu
a pedir dinheiro emprestado e depois vou ter de pagar com juros porque ninguém dá
nada a ninguém. A minha família é toda pobre e todos eles não têm possibilidade de
me ajudar, porque são todos novos, casados com filhos. Onde é que eu vou buscar
40 contos todos os meses? Eu tenho de pedir e pagar depois com juros. Quando
vem aquele dinheiro vou pagar às pessoas e fico numa situação de miséria
provocada." (Tormes, F8: Homem, 35, solteiro, seropositivo com Subsídio de Risco
Social)
Pode ainda afirmar-se, com base nos testemunhos das entrevistas, que os serviços de
assistência social estão a contribuir também para a reprodução do individualismo na
população. Na verdade, a representação que estes têm da pobreza considera-a como um
problema de cada pobre, e de alguma forma favorece uma atitude de competição entre os
assistidos na avaliação que fazem de quem é mais necessitado e de quem é menos necessitado.
A desconfiança encontrada é claramente fortalecida por dois factores que não
têm propriamente a ver com os serviços de Acção Social, mas que têm consequências
também para esta. Em primeiro lugar, há a ausência de respostas em duas áreas essenciais
para o bem-estar das pessoas: a área de emprego e a área de habitação, existindo em ambas
uma completa desconfiança na actuação das instituições responsáveis. Em segundo lugar,
muitas pessoas referem claramente as manipulações e jogos políticos a que estão sujeitos.
Recebem promessas que nunca se realizam, contando já com uma nova visita uma vez que
se aproximam as eleições. Assim, ficou patente a existência de uma exploração das
necessidades e uma utilização dos serviços por parte dos políticos com resultados muito
negativos na imagem das instituições: não apenas uma crescente descrença na política, mas
também nos serviços a ela associados, provocando a desmobilização e a apatia dos
cidadaõs perante eventuais possibilidades de mudança.
Finalmente, uma palavra sobre o papel das autarquias e, designadamente sobre o das
Juntas de Freguesia. Apesar de existir um contacto directo com os problemas locais, o
âmbito da acção do poder local nas populações estudadas é muito limitado, quer pela falta
de meios, quer pela falta de tradição deste para intervir no domínio da protecção social.
Em geral, as Juntas de Freguesia limitam-se a certificar os casos de pobreza ou a servir de
mediadoras entre as pessoas em situação de risco e as instituições que integram o sistema
de segurança social.
"Deixe que lhe diga uma opinião, uma opinião crítica, as questões sociais do ponto
de vista do emprego (...) mas também da Segurança Social, a habitação social (...) não
são competências municipais, são competências do Estado, enquanto poder central,
enquanto governo." (Guiães, Presidente da Câmara)
"A gente se anda ali todos os dias sabe que existem carências ao nível social (...)
Claro que eu vejo, toda a gente vê a lidar diariamente, porque não é o caso de uma
cidade nem nada; é uma aldeia, portanto as pessoas conhecem-se umas às outras e
sabe-se quem tem carências e quem não tem. Se me vierem pedir uma informação se
aquela pessoa necessita de auxílio concerteza que eu direi sim ou não. (...) Aqui
notam-se mais injustiças sociais e às vezes determinados subsídios para A, B, C ou
D, é mais reconhecido nas próprias aldeias que às vezes na cidade, (...) sabe-se quem
recebe e quem não recebe e é comentado se sim ou não, se na realidade necessita ou
não necessita, não é necessário estarem-me a perguntar porque isso vê-se" (Guiães,
Presidente da Junta de Freguesia)
3. A PROTECÇÃO SOCIAL PELA SOCIEDADE CIVIL
Nos pontos anteriores a análise centrou-se nos cidadãos. Começou por se dar a conhecer
as suas experiências de contacto com as instituições de segurança social, os seus
problemas, os pedidos que dirigem a essas instituições e a protecção que delas recebem.
Depois, foram analisados os problemas sociais com que se defrontam as famílias em risco
social, os contextos sociais de emergência dos problemas, a sua complexidade, o modo
como eles são enfrentados e as ajudas mobilizadas para o efeito.
A partir de agora a análise centra-se nas instituições. Primeiro, nas organizações da
sociedade civil, de carácter não lucrativo, mais ou menos institucionalizadas e com
finalidades de protecção social. Depois, nas instituições do Estado que integram o sistema
da segurança social, particularmente nos serviços públicos de Acção Social.
A partir de um universo de instituições particulares enquadráveis no sistema de segurança
social, procedeu-se a uma carácterização geral dessas instituições quanto à diversidade e
natureza das iniciativas. Com base na informação sobre as instituições com acordos de
cooperação com a segurança social, foram estudadas as instituições abrangidas, o âmbito e
natureza das respostas sociais que elas proporcionam e o financiamento público dessas
instituições particulares.
A carácterização geral das instituições a que se procedeu com base em informação
extensiva foi complementada, ao nível dos cinco terrenos da pesquisa, pela informação
recolhida de dirigentes e técnicos dos Centros Reginais de Segurança Social (CRSS’)
relativamente ao conjunto de iniciativas da sua zona de acção, o que permitiu conhecer
também as perspectivas dos organismos de tutela sobre o contributo das instituições
particulares para as políticas de protecção social.
Delimitados os terrenos da pesquisa e identificadas as iniciativas particulares sediadas em
cada uma das freguesias, foram seleccionadas algumas (mais precisamente, 11) instituições
particulares não lucrativas, distribuídas pelos diferentes tipos identificados, para serem
estudadas aprofundadamente.
Relativamente às restantes iniciativas de carácter não lucrativo, revestindo formas não
institucionalizadas de protecção social, optou-se por uma abordagem menos exaustiva
através da entrevista aos seus responsáveis. Esta informação foi cruzada com a que os
CRSS e as instituições estudadas forneceram para avaliar melhor o respectivo contributo
para o sistema de protecção social.
Além das entrevistas a actores sociais ligados às iniciativas locais, mais ou menos
institucionalizadas e não lucrativas, que concorrem para os fins de segurança social tentouse,
ainda, estudar iniciativas de carácter lucrativo, dentre as licenciadas pelos Centros e
localizadas (ou com actuação) nos terrenos da pesquisa. Porém, várias tentativas de
entrevistar responsáveis resultaram infrutíferas, nalguns casos após sucessivos
adiamentos das entrevistas marcadas. Dispondo-se apenas dos depoimentos dos
dirigentes e técnicos dos CRSS sobre este tipo de iniciativas, os resultados a que se chegou
afiguram-se insuficientes para uma avaliação rigorosa e exigem um tratamento mais
aprofundado em momento posterior.
Tomando como questão central da análise da protecção social pela sociedade civil a relação
de dependência/autonomia face ao Estado, procurar-se-á avançar no seu esclarecimento
através do confronto dos quadros legais e normativos dos serviços estatais de segurança
social com o discurso e as práticas dos diversos agentes, dirigentes e técnicos dos Centros
e das instituições estudadas.
Nas secções que se seguem, procurar-se-á avaliar o papel desempenhado, na prática, pelas
diferentes formas de organização da sociedade civil destinadas, genericamente, a assegurar
a protecção social em situações de risco ou de eventualidades geradoras de mal-estar.
Começa-se por uma breve retrospectiva histórica das formas de protecção social para
enquadrar o papel que a sociedade civil tem desempenhado neste domínio e o reconhecimento
que lhes tem sido conferido pelo Estado num passado recente. Aborda-se, de
seguida, a diversidade das formas particulares de protecção social, designadamente através
duma carácterização geral das instituições particulares de acordo com a sua natureza
jurídica, âmbito de acção e modalidades de contratualização dos serviços prestados e
forma como são perspectivadas pelo Estado. As formas não institucionalizadas são igualmente
analisadas neste contexto. Finalmente, será tratada mais detidamente a relação que
se estabelece entre as instituições particulares e o Estado (envolvendo uma análise dos
discursos e das práticas da autonomia tutelada, da gestão concertada e dos modelos
organizativos internos e de gestão dos recursos) e entre essas instituições e os cidadãos.
3.1. A história recente das formas assistenciais
Em toda a parte e, designadamente, no quadro europeu, vem sendo crescentemente
valorizado o papel da sociedade civil na recomposição dos sistemas de protecção social,
tendo como pressuposto uma nova repartição das competências do Estado de bem-estar
entre o Estado e outros agentes privados de protecção. Neste processo, traduzido
sumariamente numa privatização de certas funções até agora exercidas pelo Estado,
tendem a ser politicamente privilegiadas, com ênfase variada conforme o enquadramento
nacional, as iniciativas de base não-lucrativa (ou de solidariedade) mais informais ou
institucionalizadas e as formas mercantilizadas de provisão social.
Também em Portugal, tem vindo a adquirir visibilidade crescente a provisão social privada
com particular relevo para as formas institucionalizadas no âmbito do designado sector da
“solidariedade social” ou, mais genericamente, do terceiro sector. A uma extensa
diversidade de formas organizativas e amplo leque de competências e população atendida
corresponderá certamente uma grande heterogeneidade das suas práticas. Apesar dessa
heterogeneidade, o conjunto de iniciativas designadas de solidariedade tende a ser
globalmente reconhecido como um sector de utilidade pública, não estatal e não lucrativo e
supostamente avesso aos modos de organização burocrática e de mercado.
Frequentemente apresentado como alternativa (mais económica e flexível) da provisão
estatal, esse sector tem vindo a reivindicar, crescentemente, a representação política de
valores e interesses que, eventualmente poderá configurar o referido sector como
substituto funcional do Estado de bem-estar nos processos de regulação social.
Consideradas as particularidades do Estado e sociedade civil em Portugal, designadamente
um peculiar percurso do Estado de bem-estar e uma também peculiar centralidade
histórica das tradicionais (ou renovadas) iniciativas particulares no domínio da protecção
social, a actualidade do designado “sector da solidariedade” e o potencial contributo da
sociedade civil num renovado (efectivamente ampliado e reforçado) sistema de protecção
social não pode ser dissociado:
a) da tradicional centralidade das iniciativas particulares (sobretudo as de natureza
canónica) na formatação dos esquemas (privados e públicos) de protecção social,
designadamente do modo como elas foram integradas pelo conservadorismo
corporativista na abordagem das questões sociais;
b) da fraca expressão ou insuficiências de um Estado de bem-estar tardio e incompleto,
simultaneamente justificado e compensado por relações e práticas de solidariedade,
das mais informais às secularmente institucionalizadas, de tradicional ou renovada
importância na sociedade portuguesa;
c) do reconhecimento de uma pluralidade de iniciativas e práticas de solidariedade de
sede privada e diversidade de valores e interesses que mobilizam, em oposição a uma
manifesta tendência de homogeneização, amplamente justificada (e reivindicada) por
uma certa legitimidade de representação dos interesses da população (utentes e
trabalhadores), por uma suposta independência face ao Estado e ao mercado ou
simplesmente como forma de garantir o seu enquadramento legal ou legitimar a
selectividade dos apoios estatais.
3.1.1. Antecedentes históricos: as formas corporativista e assistencialista de protecção
social
A tradicional organização da protecção social em Portugal foi fundada na diferenciação das
formas de apoio social segundo as categorias de população a que são dirigidas, entre
aqueles que o sistema integra (na base de critérios socio-económicos ou ético-religioso) e
os restantes sectores ou grupos que lhe são estranhos, a população pobre ou excluída que
necessita de “ajuda” para viver. Para cada uma das categorias foram historicamente
elaboradas distintas formas de acção assistencial, desenvolvidas a partir de concepções de
raiz medieval, a “ajuda caritativa” e “ajuda mútua”, que se prolongam em organizações
privadas de grande tradição em Portugal, respectivamente as Misericórdias e
Mutualidades, como também informam a distinção entre os tradicionais esquemas da
“assistência” e “previdência”.
O “Estado Novo”, tomando como questão central a integração e controle de todas as
iniciativas da sociedade civil, restringiu a acção da previdência a um mero assistencialismo
corporativista e impôs uma versão desvalorizada da assistência, um assistencialismo
caritativo organizado e concedido na base de critérios ético-religiosos (tomando como
exemplo a organização assistencial das misericórdias). Simultaneamente, centrando os seus
esforços na integração corporativa do trabalho e exclusão moralizadora da pobreza,
dispensou-se de qualquer compromisso político (e financeiro) com as condições de vida e
protecção social da população.
As várias tentativas de alteração da situação, particularmente as ocorridas nos anos 609,
são expressão das incongruências da intervenção do Estado nos sectores da previdência e
da assistência e, simultaneamente contribuíram para dar visibilidade às insuficiências e
contradições do sistema, tanto ao nível da gestão das desigualdades e exclusão social como
no plano do controle coercitivo dos cidadãos. Uma e outra das reformas, eventualmente
fazendo eco de outras concepções, propõem-se uma generalização (tendencial) do sistema
a toda a população e a todo o território nacional, a par da intenção de coordenação e
integração dos diversos sectores da política social, designadamente da “previdência social”
e “saúde e assistência”10. No entanto, apesar dos propósitos enunciados e da crescente
permissividade do sistema de tutela e controle governamental (ou as crescentes
dificuldades e fracturas no seio do regime), não se ousou alterar a tradicional diferenciação
dos esquemas de protecção social, da previdência e da assistência, nem o modelo de
intervenção pública neste domínio. Reafirmou-se a não implicação do Estado no
financiamento dos esquemas de protecção social, remetendo a responsabilidade dos
encargos para os directamente interessados, reafirmou-se a fidelidade ao princípio da
supletividade do Estado relativamente às iniciativas particulares e, consequentemente,
mantiveram-se as insuficiências e ambiguidades da intervenção pública, as limitações e os
privilégios das instituições particulares. Continuou fora da agenda política qualquer
9 Relacionadas com o novo regime da Previdência (Lei 2115/62 de 18 de Junho de 1962) e com o novo
Estatuto da Saúde e Assistência (Lei 2120/63 de 19 de Julho de 1963),
10 O sistema de protecção social continuava a distinguir a Previdência (população coberta pelo seguro
obrigatório) e a Assistência (população pobre ou não inserida pelo trabalho), tuteladas por organismos
diferentes, respectivamente o Ministério da Corporações e Previdência Social (a partir de 1973 designado
Ministério das Corporações e Segurança Social) e o Ministério da Saúde e Assistência (até 1958
Subsecretaria de Estado da Saúde e Assistência, tutelada pelo Ministério do Interior)
compromisso com a melhoria dos padrões de protecção social e com a inclusão dos
sectores mais desfavorecidos da população.
A reforma da previdência (Lei 2 115/1962) foi responsável por uma significativa expansão
do sistema em termos de população abrangida e eventualidades cobertas, expansão
favorecida não só pela atenuação do regime de capitalização restrita, como também por
um alargamento da cobertura territorial, pela criação de novas instituições e por uma
tendencial reorganização por critérios geográficos e da natureza das prestações11. É
flexibilizada a anterior organização por critérios socio-económicos e a sua tradicional
subordinação à organização corporativa, mas o sistema continua sendo exclusivamente
financiado pelas contribuições do trabalho e condicionado pelas necessidades sectoriais da
economia.
A reforma da Saúde e Assistência (Lei 2 120/63) define as bases de uma política
responsável pelo alargamento do sistema de saúde, ampliação e organização da rede
hospitalar pública e privada, pela reorganização e qualificação técnica dos serviços e pela
valorização das carreiras profissionais. No domínio da assistência social, a implicação do
Estado na protecção social dos indivíduos e famílias não cobertos pelo seguro obrigatório
ou outro, continua a orientar-se pelos mesmos princípios básicos: a) a responsabilidade
do “assistido” ou da família (em sentido alargado) associada à afirmada necessidade de
formação moral e ao dever do trabalho, ainda que se atenue o carácter coercivo na
definição de “tutela social” dos assistidos; b) a supletividade da intervenção pública
relativamente às instituições privadas que “ofereçam as condições morais, financeiras e
técnicas mínimas” e cuja autonomia se garante dentro dos limites da “tutela administrativa
do Estado” e da “vontade dos instituidores”.
A tradicional diferenciação entre previdência e assistência mantém a distinção entre as
modalidades de protecção social destinadas à população com e sem vínculo ao mercado
de trabalho, ainda que atenuada a distinção entre os riscos cobertos pelo seguro
obrigatório (os que atingem segurados ou contribuintes e suas famílias) e os riscos sociais
que atingem a população mais carenciada (aquela que não pode contribuir para a sua
própria protecção). Admitindo-se que estes últimos riscos possam também atingir a
população inserida pelo trabalho e coberta pelo seguro obrigatório, o sistema de
11 A par da continuidade das instituições de previdência (designadas dos organismos corporativos) criadas
por grupos socio-profissionais, empresa ou grupo de empresas e ramo de actividade económica, são criadas
instituições de âmbito regional (distrital ou nacional) e ainda outras segundo a natureza das prestações que
garantem.
previdência propõe-se novas competências, as designadas de Acção Social, ou seja, acções
assistenciais genericamente orientadas para a assistência e defesa da família ou a concessão
de apoios não específicados “auxílios extraordinários concedidos ao beneficiário ou família
em caso de comprovada necessidade”, também exclusivamente garantidas pelas
contribuições retiradas dos rendimentos do trabalho.
As iniciativas particulares (actualmente designadas da sociedade civil) foram
diferentemente protegidas pelo Estado, conforme fossem fundadas em laços éticoreligiosos
(Misericórdias e outras associações de natureza canónica) ou na agregação em
função de necessidades/interesses socio-económicos ou socio-profissionais (as
associações mutualistas), respectivamente enquadradas pelo sistema de saúde e
assistência ou integradas no sistema de previdência, tendo sido sujeitas a distintos regimes
de tutela administrativa, orientação e protecção governamental.
As Associações Mutualistas, desde o início dos anos 30 designadas instituições de
previdência e integradas no sistema de previdência (instituições de previdência de 2ª
categoria) com fins de “auxílio mútuo”, são submetidas a regras estritas de organização e
funcionamento, através da tutela administrativa dos organismos corporativos12, que
acentua sobretudo as questões de controle e disciplinamento da associação e dos
associados. Ainda que implicitamente reconhecidas pela complementaridade da sua acção
para os fins da Previdência Social, o regime de tutela a que foram submetidas pelo
corporativismo conservador do Estado Novo conduziu à limitação das suas actividades, a
um isolamento das associações orientadas territorialmente para o atendimento de carências
básicas dos sectores mais desfavorecidos, à estagnação e extinção de muitas das
existentes13.
As Iniciativas Particulares com fins assistenciais gozavam de um estatuto diferentemente
valorizado. Um quadro político que reduz a pobreza a uma questão ético-religiosa, do
âmbito da educação moral e caridade cristã, toma como prioritária a criação e apoio
(nomeadamente financeiro) das instituições que partilhem as mesmas concepções. Assim
se justifica a persistente fidelidade ao princípio da “supletividade” da acção estatal
relativamente às iniciativas particulares e uma política de reforço das instituições,
designadamente a ampliação do seu património privado através de financiamentos
12 Segundo Jorge Silveira, a partir do Dec.- lei 19 281/31 de 29 de Janeiro de 1931 e “Regulamento das
Associações Mutualistas” (Dec.- lei 20 944/32 de 27 de Fev. de 1932) inicia-se “um dos períodos mais
difíceis da vida das associações de socorros mútuos” (Silveira, 1994:19)
13 “De 1943 a 1948 verificou-se o desaparecimento, no Norte do país, de 23 associações resultantes de
fusões, a maioria delas por imposição do INTP” (Silveira, 1994:19)
públicos, em detrimento da generalização do acesso a serviços e prestações assistenciais
garantidos como direito de cidadania a toda a população.
As “Instituições Particulares de Assistência”, além de reconhecidas e integradas no
sistema de “Saúde e Assistência” beneficiavam de um regime especial de “tutela
administrativa” (Lei 1 998/44) definido em termos das condições legalmente garantidas às
instituições: “orientação”, “subsídios de cooperação” (sem perder a sua qualidade de
particular), “defesa dos interesses das instituições” e o “respeito pela vontade dos
instituidores ou fundadores”. O regime jurídico então aplicável àquelas instituições,
definido nos termos do Código Administrativo (DGAS, 1996), define-as como “pessoas
colectivas de utilidade pública administrativa”, enquanto:
• “Associações de beneficência” - pessoas colectivas de utilidade pública que tinham
por “objecto principal socorrer os pobres e indigentes, na infância, invalidez, doença
ou velhice, bem como educá-los ou instruí-los”. Nestas eram incluídas as
Misericórdias, “estabelecimentos de assistência ou beneficência” que se regiam por
estatutos próprios — “compromissos”—, “elaborados de harmonia com o espírito
tradicional das instituições para a prática da caridade cristã”;
• “Institutos de utilidade local (fundações)” - pessoas colectivas de utilidade pública
“constituídas por fundação de particulares mediante afectação de bens dispostos em
vida ou por morte para prossecução de um fim de assistência ou educação”. Nestas
estavam incluídas os “institutos de assistência ou beneficência fundados, dirigidos ou
sustentados por associações religiosas”, entre os quais se consideravam os “Centros
Sociais Paroquiais” (DGAS, 1996).
A criação de qualquer instituição de assistência ou beneficência, designadamente das
“fundadas, dirigidas ou sustentadas por associações religiosas” ficaria, em princípio,
sujeita a exigências de planeamento e coordenação previamente verificadas14. Todavia
nenhum dos casos que, não se submetendo às exigências da tutela administrativa, optou
pela simples comunicação da sua constituição canónica (feita posteriormente) não deixou,
por isso, de lhe ser reconhecida (automaticamente) personalidade jurídica15.
14 De acordo com o regime de tutela administrativa a criação de todas as instituições particulares, sem
excepção, carecia de consulta prévia dos serviços do Ministério, do Governador Civil, da Corporação da
Assistência e Misericórdia local, que se pronunciariam sobre a oportunidade da iniciativa, a existência de
condições adequadas aos fins propostos, além da aprovação dos respectivos estatutos (Lei 2120/63).
15 Informação dos Serviços de Apoio Jurídico às Instituições (IPSSs) da Direcção Geral de Acção Social»
(sem data)
Os serviços de tutela administrativa16 registavam no âmbito da Direcção Geral de
Assistência a existência de 1 264 Instituições Particulares de Assistência (IPA), das quais
320 Misericórdias (25,3%), 524 Associações (diversas) de Beneficência (41,5%) e 420
Institutos de Utilidade Local (33,2%). Nesta última categoria são incluídas as fundações e
equiparadas (22, 4%) e os Centros Paroquiais (10,8%)17.
Ainda que não tenha sido possível identificar a origem ou suporte institucional de uma
parte das 1 264 instituições, parece prevalecer uma orientação religiosa mais ou menos
explícita sendo muito poucas as que têm orientação laica. A generalidade das Instituições
Particulares de Assistência, apesar da sua diversidade institucional, constituíam um
campo de relações e práticas homogéneo (e tutelarmente homogeneizado), mobilizado e
moldado como extensão do Estado autoritário no controle moralizador da pobreza e
exclusão. Uma orientação para a privatização (ou desoficialização) da assistência,
justificou o reforço e aperfeiçoamento da tutela administrativa como também a
centralidade atribuída às Misericórdias na orientação e controle das actividades
assistenciais, como garantia da fidelidade aos tradicionais princípios doutrinários da
caridade cristã.
O dogmatismo das práticas assistenciais deste período, bem na linha da tradicional moral e
caridade cristã, excluiu os beneficiários assistidos dum patamar mínimo de direitos sociais
(e políticos) e, simultaneamente marcou o carácter caritativo da assistência privada e
pública no passado, tal como continua a informar concepções actuais que, na base de
critérios ético-religiosos ou socio-políticos, remetem as carências sociais da população
pobre e excluída para o âmbito exclusivo da caridade ou filantropia (subtilmente designada
de solidariedade).
3.1.2. Integração e diversidade das iniciativas particulares pós-74
Na sequência do derrube da ditadura em 25 de Abril de 1974 assistiu-se a uma
reestruturação profunda das políticas de protecção social, à introdução de novas filosofias
de intervenção assistencial relacionadas com os novos papéis do Estado e as novas
concepções de cidadania social e, simultaneamente com uma dinamização da sociedade
16 A “Inspecção Superior de Tutela Administrativa”, departamento da Direcção Geral da Assistência do
então designado “Ministério das Corporações e Segurança Social”, cujas competências são reguladas em
1972 (Dec.-lei 351/72, de 8 de Setembro).
17 Dados recolhidos através da “Listagem das Instituições Particulares de Assistência” (documento
policopiado e sem data), fornecida pelo serviços da Direcção Geral de Acção Social.
civil em torno das necessidades sociais da população, sobretudo da sua componente mais
carenciada. Um contexto que crescentemente implica o Estado na implementação de
políticas de bem-estar tenderá a esbater (durante um curto período) o contributo da
protecção social privada, sobretudo a das tradicionais Instituições Particulares de
Assistência.
No período imediatamente após Abril de 1974 começa a tornar-se significativa a
responsabilização política do Estado, muito por pressão da sociedade civil emergente,
com o objectivo de uma redistribuição mais igualitária e da garantia de um mínimo social
de padrões nacionais de vida e protecção social. Foi criado um conjunto de medidas, umas
mais directamente orientadas para a eliminação das formas de extrema pobreza (fixação
dum salário mínimo nacional, subsídio de desemprego e institucionalização da pensão
social), outras orientadas para objectivos económicos e sociais que globalmente (se
cumpridos) significariam a constituição de um Estado de bem-estar social de tipo
keynesiano, dos mais avançados da Europa.
No domínio da protecção social, é desenhado um conjunto de políticas que, em parte, já
tinham sido anunciadas nas intenções reformistas do início da década mas que só agora
podiam ser concretizadas, tais como o lançamento das bases dum serviço nacional de
saúde e a substituição progressiva dos sistemas de previdência e assistência por um
sistema integrado de segurança social18.
No âmbito da Segurança Social, depois de lhe ser explicitamente atribuída a
responsabilidade pela “correcção coerente das acentuadas desigualdades” que afectam não
só a população desprovida de rendimentos mas também os trabalhadores, foram
adoptadas medidas novas (ou melhoradas algumas já existentes) destinadas a grupos e a
riscos sociais específicos (deficientes e inválidos, idosos, trabalhadores independentes,
desempregados), além da já referida “pensão social” (para todos os indivíduos maiores de
65 anos de idade ou em situação de invalidez, não cobertos pelos esquemas de seguro
obrigatório).
No domínio da saúde, o Estado assume-se como principal financiador e também como
produtor directo de bens e serviços, tanto no plano da hospitalização como no do
18 A criação de um sistema integrado de segurança social, em substituição dos sistemas de Assistência e da
Previdência, anunciada com a integração da Assistência no âmbito da Secretaria de Estado da Segurança
Social (Dec. Lei 584/73), desenvolve-se a partir de 1974 durante um período de transição, organização e
regionalização, que se prolonga até 1984, com a publicação da nova Lei Orgânica da Segurança social (Lei
28/84 de 14 de Agosto de 1984).
ambulatório. Amplia-se o sector público, através da oficialização de 20 000 camas
hospitalares (38% do parque hospitalar), abrem-se novos serviços de cuidados primários,
ao mesmo tempo que são introduzidos procedimentos de gestão democrática, mais tarde
regulamentados, com o envolvimento dos profissionais de saúde mas que igualmente
previam a participação das comunidades locais19.
No interior da sociedade civil, a partir da ampla movimentação social que se seguiu à
revolução, surgem um pouco por toda a parte organizações de base, tais como comissões
de moradores ou de trabalhadores, grupos de pais, de profissionais ou outros grupos de
cidadãos, organizadas em torno dos problemas locais, da defesa de interesses comuns ou
orientadas para questões específicas. De um modo geral, as práticas dessas organizações
ou grupos de cidadãos visavam simultaneamente a melhoria das condições de vida ou de
trabalho e a ampliação e fortalecimento da cidadania na construção dum projecto
democrático.
Face às extremas carências sociais, designadamente em termos de habitação, serviços e
equipamentos sociais, muitas dessas organizações de base, reorientam a sua acção para a
busca de respostas nessas áreas, com particular incidência na organização de serviços para
a infância e no apoio à construção de habitação social. Dentre os exemplos mais
significativos e consolidados refira-se: a) as CERCI's (Cooperativas Educação e
Reabilitação de Crianças Inadaptadas), promovidas por grupos de cidadãos (pais e
técnicos) que se mobilizam em torno do problema; e b) as Associações de Moradores que
se institucionalizam em função das carências habitacionais e se propõem (principalmente)
a construção de habitação social.
A relação do Estado com estas iniciativas da sociedade civil foi muito ambivalente. Se por
um lado, sobretudo ao nível do discurso político, estes grupos de cidadãos são
reconhecidos e valorizado o seu contributo para a resolução das questões sobre que
actuam, por outro lado houve pouca flexibilidade da organização burocrática para acolher
as novas formas organizativas da participação dos cidadãos na renovação do sistema de
protecção social. Por parte dos serviços estatais foram, em regra, colocados todo o tipo de
impedimentos legais e dificuldades burocráticas ao reconhecimento e aceitação dessas
formas organizativas como entidades credíveis para negociar com o Estado regimes de
19 A anunciada criação dum Serviço Nacional de Saúde, geral, universal e gratuito, foi enquadrada pelaLei
de Bases do SNS (Lei 56/79 de 15 de Setembro de 1979) e diplomas regulamentares que visavam a sua
implementação, em grande parte suspensos ou revogados no início da década seguinte, tendo então sido
retomadas muitas das orientações da reforma de 1971.
cooperação, ou mesmo como suporte institucional dos serviços prestados às populações.
Chegou a fazer-se depender eventuais apoios financeiros, técnicos ou outros, necessários
ao desenvolvimento das actividades assistenciais, duma possível reorientação da iniciativa
no sentido da sua integração em instituições “credenciadas” (no plano administrativolegal)
ou da sua institucionalização em conformidade com as regras jurídicas vigentes (as
que regulavam as iniciativas de forte pendor institucional), as quais não previam (nem
podiam prever) a integração das iniciativas multifacetadas que estavam a emergir da
sociedade civil.
A partir da promulgação da Constituição da República e a entrada em funções do I Governo
Constitucional, o Estado retomará progressivamente uma posição central nos
processos de regulação impondo um padrão de legalidade que crescentemente privilegiará
(selectivamente) alguns sectores e interesses da sociedade civil, em detrimento de outros.
Para esta dualidade de procedimentos concorrem, por um lado uma conjuntura sociopolítica
onde a tendencial universalização de direitos económicos e sociais se confronta
com as crescentes restrições dos recursos, forçando a procura (e reforço) de “parceiros
credíveis” para o Estado negociar ou delegar competências, designadamente no domínio da
protecção social. Por outro lado, concorre a ausência de uma tradição democrática na
regulação das relações Estado/sociedade civil, do que resulta que nem o Estado consolidou
a sua capacidade de mediação política relativamente “independente” dos diversos interesses,
nem a sociedade civil revelou capacidade de organização autónoma na
representação política da diversidade de interesses em presença.
No domínio da protecção social, enquanto se impõe crescentes restrições legais a algumas
das iniciativas da sociedade civil visando o seu enquadramento (ou extinção), a outras foi
sugerida e apoiada a organização “autónoma” e a representação política dos seus
interesses. Assim, as organizações de base, que prosseguem objectivos do âmbito da
protecção social, são tendencialmente moldadas, para se manterem activas, pela sua
integração nos quadros jurídicos em vigor, alguns originários do período anterior a 7420, o
que indirectamente levou ao desaparecimento de algumas delas.
Diferentemente, em relação às designadas “Instituições Particulares de Assistência”,
particularmente as patrocinadas ou integradas pela hierarquia católica, o Estado usará de
20 O enquadramento jurídico das iniciativas privadas no campo assistencial continuava, na perspectiva da
organização burocrática do Estado, basicamente regulado pelo Código Administrativo de 1940 e Lei 2 120
de 19 de Julho de 1963 (Estatuto da Saúde e Assistência).
uma certa permissividade legal e, mais do que isso, envolve-se através de alguns dos seus
sectores no reforço da organização e representação política dos respectivos interesses. As
Misericórdias são as primeiras instituições a assumir e organizar os seus interesses face ao
Estado, atitude que é justificada pela oficialização dos hospitais de que eram proprietárias
e, desde o I Governo Constitucional, incentivada pelo Estado. No V Congresso das
Misericórdias21 realizado em 1976, o governo, através do então Ministro dos Assuntos
Sociais, reconhecendo que estas instituições “não foram tratadas com o respeito e
consideração que eram devidas à sua acção e tradição” aponta a necessidade de corrigir as
injustiças e reparar os danos. No mesmo congresso as misericórdias propõem-se
“congregar esforços para contrariar a gula do poder”, decidindo para tal a constituição da
“União das Misericórdias Portuguesas” (UMP) que, a partir de então, mobilizará
crescentemente o poder religioso na ampliação da sua influência política para reafirmar a
sua ancestral liberdade de acção no domínio da protecção social. A UMP será de imediato
reconhecida como “parceiro credível” para, entre outras funções: a) pronunciar-se sobre a
constituição da comissão encarregada (por nomeação ministerial) de estudar e propor um
novo enquadramento jurídico para as Instituições Particulares de Assistência (agora
designadas Instituições Privadas de Solidariedade Social); b) dar parecer prévio sobre o
projecto de Estatuto22 elaborado pela referida comissão, na base do que posteriormente
seria aprovado em Conselho de Ministros (1979); c) integrar, através de representantes
seus, as designadas Comissões de Participação e Consulta da Segurança Social.
No mesmo ano (1979) começa a ser preparado um novo Congresso, neste caso aberto à
participação de todas “Instituições Particulares de Assistência” (misericórdias e outras
associações ou fundações de beneficência), no qual viria a ser constituída uma organização
federativa - a “União das Instituições Privadas de Solidariedade Social” (UIPSS). Sobre o
apoio do governo a esta iniciativa, parece ser elucidativo o discurso do seu representante
no encerramento dos trabalhos do referido congresso:
“O facto de ter sido aqui anunciado a formação da tão desejada União das IPSS, o
facto de ter sido anunciado a formação de um Parceiro Social ao nível da
Solidariedade, ao nível do Trabalho Social, é para este Governo, que motivou, que
21 Dando sequência ao então deliberado é constituída a União das Misericórdias Portuguesas (UMP),
instituída canonicamente em 1977 pelo Bispo de Viseu, com o objectivo de “orientar, coordenar, dinamizar
e representar todas as Santas Casas, defendendo os seus interesses, organizando serviços de interesse
comum, estimulando a fraternidade e as relações entre as misericórdias”. Deliberações do 5º Congresso,
reunido em 1976 sob o lema “Por umas Misericórdias Livres, Unidas e Renovadas”.
22 O projecto elaborado pela comissão, com pareceres das instituições, seria aprovado em Conselho de
Ministros somente depois de ter sido submetido à apreciação da União das Misericórdias e Conferência
Episcopal.
incentivou, que procurou que fosse uma realidade que a vossa vontade se pudesse
vir a realizar, tudo isso é para este Governo, e para mim pessoalmente, uma grande
satisfação (...) em nome do Governo (...) garanto-vos, com todas as nossas
possibilidades, que vamos, em colaboração, considerar os vossos representantes
como Parceiros Sociais e vamos tentar recuperar o que se desperdiçou nestes
últimos quatro anos, tentar devolver à iniciativa das populações, à iniciativa dos
interessados, o poder e a liberdade de empreender e de realizar no âmbito da
Segurança Social e da Saúde”23.
A Constituição democrática (1976) institucionalizou muitas das medidas entretanto
introduzidas, designadamente consagrando o “direito à protecção da saúde” (art. 64º) e o
direito à segurança social (art. 63º), como direitos sociais universais garantidos pelo
Estado a toda a população. Contudo, a sua implementação foi progressivamente
restringida e reorientada por modelos e práticas anteriores, devido a constrangimentos
internos e externos. Apesar disso a Constituição de 1976 constituiu um marco importante
no domínio da protecção social e um ponto de referência tanto para as intervenções
públicas como para as iniciativas privadas.
Relativamente à iniciativa privada no domínio da protecção social, a Constituição
reconhece (no art. 63º) a existência de “instituições particulares” — que passa a designar
de “solidariedade social” —, que prossigam, sem fins lucrativos, objectivos de Segurança
Social, um reconhecimento que implica que a acção das instituições não seja “prejudicada”
desde que enquadrada por regulamentação legal e sujeita à fiscalização do Estado. À luz
deste princípio e ainda num quadro político de orientação para a institucionalização de
direitos sociais universalmente garantidos por um sistema “unificado” de Segurança
Social24, o I Governo Constitucional implica-se na elaboração de um novo quadro legal
para integrar (no “novo” sistema) as tradicionais “Instituições Particulares de
Assistência”, agora sob designação (democrática) de “Instituições Privadas de
Solidariedade Social” (IPSS).
O designado “Estatuto das Instituições Privadas de Solidariedade Social”, elaborado com a
participação das entidades interessadas e aprovado com parecer prévio das organizações
que as representam (União das Misericórdias e Conferência Episcopal), seria instituído
23 Discurso do então Ministro dos Assuntos Sociais, João Morais Leitão, no encerramento do II Congresso
das Instituições Particulares de Solidariedade Social, Porto, 14 e 15 de Junho de 1980.
24 Em 1977 é definida a estrutura orgânica do sistema unificado de Segurança social (Dec.-lei 549/77 de 31
de Dezembro de 1977) e a sua descentralização (criados os centros regionais de âmbito distrital) para
garantir cobertura territorial. Os serviços médico sociais da Previdência são transferidos para a Secretaria de
Estado da Saúde e as suas prestações são estendidas aos estratos populacionais não abrangidos por qualquer
outro esquema de protecção social.
em 1979 (Dec.-lei 519-G2/79). Simultaneamente foi instituído (pelo Dec.-lei 513-L /79)
um “esquema mínimo de protecção social”, de carácter universal, abrangendo todos os
cidadãos residentes, independentemente da situação de emprego ou contribuição, que
incluía prestações de Saúde (consultas de clínica geral e de especialidade, serviços de
enfermagem, internamento hospitalar, assistência medicamentosa, elementos
complementares de diagnóstico e tratamentos especializados) e prestações de Segurança
Social (pensão social, suplemento para grandes inválidos, subsídio mensal para deficientes
menores, abono de família, pensão de orfandade e equipamentos sociais).
O Estatuto das IPSS aplica-se, em princípio, a todas as instituições que, em geral, se
proponham facultar serviços ou prestações de Segurança Social. Abrange o amplo sector
das formas tradicionais, “as associações de solidariedade social (nome novo das antigas
associações de assistência ou beneficência), as misericórdias, as associações de socorros
mútuos e as fundações”, como também formas mais recentes, “as associações de
voluntários sociais e cooperativas de solidariedade social” e, ainda as “Uniões e
Federações” que se constituam na base da associação de um conjunto de instituições de
solidariedade25.
O Estatuto determina que as “Instituições Privadas de Solidariedade Social” ficam
submetidas ao novo regime, “salvo no que específicamente diga respeito a fins estranhos
ao sistema de segurança social que eventualmente prossigam” (art. 2º). Seriam abrangidas
pelo diploma instituições ou entidades privadas que prossigam outros fins, a par das
actividades do âmbito da segurança social, fins relacionados com a efectivação de direitos
sociais ou culturais, designadamente as organizações e instituições religiosas (neste caso
respeitando a Concordata), outras entidades privadas com fins secundários de segurança
social, estabelecimentos criados por empresas em benefício dos respectivos trabalhadores,
organizações populares de base territorial e as associações de socorros mútuos (Dec.-lei
519-G2/79).
As instituições e respectivas uniões e federações, desde que registadas (na Direcção-Geral
de Segurança Social) nos termos do Estatuto, adquirem automaticamente a natureza de
“pessoas colectivas de utilidade pública” gozando de todas as isenções e regalias que a lei
estabeleça em seu favor (art. 4º). As instituições que prosseguem objectivos respeitantes à
efectivação de direitos sociais e culturais e só secundariamente fins de segurança social,
cooperativas de solidariedade, organizações de base territorial, associações de moradores
25 Cfr. Preâmbulo do Estatuto das Instituições Privadas de Solidariedade Social, Dec.-lei 519-G2 /79 de
29 de Dezembro de 1979.
ou outras, ficam à partida excluídas destas regalias, ainda que possam beneficiar de
acordos de cooperação estritamente para as actividades de segurança social.
Ainda que a revisão do Estatuto (Dec.-lei 119/83) tenha vindo a alargar o campo de acção
das IPSS, designadamente à prestação de serviços de “promoção e protecção da saúde”,
“educação e formação profissional” e “problemas habitacionais” (art. 1º), continuam a ser
secundarizadas as mais recentes formas de organização de solidariedades, local ou
sectorialmente organizadas pela associação de cidadãos na base de interesses ou
necessidades comuns, seja educação, habitação social ou ajuda mútua. Na prática, desde a
entrada em vigor do primeiro Estatuto (1979) até final de 1996, os serviços estatais não
procederam ao registo, conforme previsto, de IPSS organizadas segundo uma daquelas
formas26. Mesmo se considerarmos o total das 2 635 instituições (dados relativos a 1995)
com acordos de cooperação com a Segurança Social, independentemente de estarem ou não
registadas como IPSS, apenas 2,7% são cooperativas enquanto que as associações de
socorros mútuos não representam mais que 0,23% das instituições identificadas27.
As “cooperativas de solidariedade” (previstas no estatuto de 1979) seriam excluídas do
âmbito de aplicação do Estatuto de IPSS em 1983 e só virão a ter enquadramento na
legislação cooperativa em 1996 (Lei 51/96). As “Associações de Socorros Mútuos”, ainda
que consideradas uma das formas de IPSS com fins de segurança social, são remetidas para
regulamentação específica, justificada pelas particularidades destas associações e complexidade
dos seus estatutos e regulamentos28, aguardando até aos anos 90 a publicação do
Código das Mutualidades (Dec.-lei 72/90). A regulamentação do registo das IPSS com fins
de educação aguardaria até 1991 (Dec.-lei 860/91), só posteriormente vindo a ser incluídas
no âmbito da cooperação entre os CRSS e as designadas “cooperativas de utentes”,
(constituídas por utentes, pais ou encarregados de educação) no âmbito da educação e
integração socio-económica (Despacho Normativo nº 75/92).
Em oposição, as tradicionais instituições de beneficência, anteriormente qualificadas como
“Instituições Particulares de Assistência” com estatuto de “pessoas colectivas de
utilidade pública administrativa”, foram sendo consecutivamente abrangidas pela
26 Listagens das IPSS com fins de Acção Social e com fins de Saúde registadas nos serviços da Direcção
Geral de Acção Social, Lisboa, 1997.
27 Listagens das instituições com acordo de cooperação com a Segurança Social em 1995, informação
fornecida pelos serviços da DGAS.
28 Portaria do Ministério dos Assuntos Sociais que fixa, de acordo com o novo Estatuto das IPSS, um
novo “Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social no âmbito da
Segurança Social (Portaria nº 778 de 23 de Julho de 1983).
prorrogação dos prazos legais previstos para a sua reorganização e registo pelos serviços
centrais de Segurança Social, como Instituições Privadas de Solidariedade Social em
conformidade com legislação aplicável (Dec.-lei 519-G2/79). O prazo de um ano,
inicialmente estabelecido (Dec.-lei 519-G2/79) para que essas instituições reformulassem
os seus estatutos, de acordo com o novo regime, e comunicassem as alterações à Direcção-
Geral de Segurança Social, seria sucessivamente prorrogado até 1987 (Port. 179/87 de 13
de Março), sem que isso tivesse implicado qualquer restrição relativamente às subvenções
ou subsídios, isenções fiscais ou outras regalias atribuídas pelo Estado. Apenas em 1988
(Despacho Normativo 12/88 de Março de 1988) se faz depender a celebração (e
financiamento) dos acordos de cooperação da efectivação do registo das instituições (no
âmbito da Segurança Social), em conformidade com a legislação então aplicável (Dec.-lei
119/83) e segundo regras bastante mais simplificadas do processo de registo.
As organizações federativas, constituídas pelo “agrupamento” dessas instituições,
designadamente a União das Misericórdias e a União das IPSS, ainda que não se
proponham a prestação de serviços do âmbito da segurança social, adquirem de imediato o
estatuto de IPSS e beneficiam automaticamente da qualidade de pessoas colectivas de
utilidade pública. Além das regalias correspondentes a este estatuto as “uniões ou
federações representativas das instituições particulares que promovam ou desenvolvam
actividades de interesse comum às instituições filiadas podem receber da segurança social
uma comparticipação financeira até 70% do total das despesas previstas nos seus
orçamentos” (Despacho Normativo 75/92, XXX). Paradoxalmente, o Estado não só apoia
como financia estas organizações federativas, que se constituíram como contraponto à
intervenção do Estado e com o seu patrocínio, o que poderá pôr em questão a reivindicada
autonomia destes “parceiros sociais” na negociação de políticas económicas e sociais, com
assento no Conselho Económico e Social ou outras formas de representação e mediação
política.
No pós-74, o Estado, por condicionantes internas e externas, usou crescentemente a sua
capacidade reguladora para criar espaços da sociedade civil, a “sociedade civil secundária”
(Santos, 1987), suficientemente fortes para negociar a partilha de responsabilidades em
matéria de protecção social. A permissividade de práticas não enquadradas legalmente, a
não regulamentação da lei ou aplicação selectiva da mesma, ou mesmo uma implicação
directa na organização de certos interesses, foram alguns dos processos usados na
constituição e reforço dos parceiros “credíveis” (para a negociação de políticas
económicas e sociais), na perspectiva governamental e segundo os critérios que vinham
sendo determinados pela crescente influência das agências financeiras internacionais (FMI
e BM) e pelos condicionamentos impostos pela integração de Portugal na CEE. São os
“novos parceiros sociais”, com quem o Estado vem repartindo as suas funções de
regulação, mas que em Portugal têm a particularidade de serem patrocinados e financiados
pelo próprio Estado, ainda que simbolicamente associados a uma sociedade civil
“autónoma”, e que reivindicam a legitimidade “ética” da sua ancestral credenciação para
representar e defender os interesses e necessidades dos sectores mais carenciados da
população.
A partir de 1980, os discursos anti-Estado e pró-crise do Estado de bem-estar europeu
serão crescentemente mobilizados para justificar uma revinculação das políticas sociais às
exigências da acumulação privada, consolidando-se as tendências para a privatização da
protecção social, entre outras áreas do social, através de práticas de desvalorização dos
direitos sociais (recentemente instituídos) e transferência de benefícios para o sector
privado, revalorizado na prática e pela correspondente alteração dos quadros legais (geral
e específicos).
É de todo abandonada a ideia de constituição de um Estado de bem-estar baseado na
universalização de direitos sociais garantidos pelo Estado (através dos impostos) como
condição de cidadania e, por esse facto, não admira que tenha sido eliminando o recém
instituído “esquema mínimo de protecção social” (Dec.-lei 160/80), através do qual se
havia tentado, pela primeira vez em Portugal, comprometer o Estado com um padrão
mínimo de bem-estar garantido a todos os cidadãos (contribuintes e não contribuintes).
Em substituição (através deste mesmo diploma legal), retoma-se a distinção entre a
população contribuinte e não contribuinte, instituindo-se para esta os designados “regimes
não contributivos”.
Os “regimes não contributivos” propõem-se assegurar a protecção social dos estratos e
grupos mais carenciados ou vulneráveis (idosos, deficientes, jovens, crianças ou outros),
não cobertos ou deficientemente incluídos pelos regimes contributivos. Diferentemente do
“esquema mínimo de protecção social”, o acesso às prestações sociais do regime não
contributivo fica condicionada à prova de recursos económicos e da impossibilidade de
resposta pelos regimes contributivos. Além disso, restringe-se o seu âmbito às prestações
da Segurança Social, a saber: as prestações pecuniárias para indivíduos ou famílias com
necessidades específicas, na generalidade instituídas pós-74; a pensão social, que desde
1974 vinha sendo administrada como direito de todos os cidadãos com mais de 65 anos
não abrangidos pelo sistema de seguro obrigatório, ou em situação de invalidez29; a Acção
Social, abrangendo determinadas situações de carência económica e social e formas
especiais de protecção social para grupos mais vulneráveis.
Neste último caso da Acção Social, previa-se então (1980) que ela pudesse ser assegurada
directamente pelos serviços da Segurança Social ou através da manutenção de uma rede de
equipamentos sociais (eventualmente estatais), mas na sua generalidade os equipamentos
foram sendo criados como património e sob administração quase monopolista das
“Instituições Particulares de Solidariedade Social”.
Com a consolidação das alterações então introduzidas, através da lei orgânica da Segurança
Social (Lei 28/84) a tradicional “assistência” ficou finalmente integrada30 no âmbito do
sistema de Segurança Social, sob a designação (introduzida na reforma de 1963) de Acção
Social. Esta área, ainda que conceituada como “parente pobre da segurança social” tem,
neste quadro, uma responsabilidade acrescida, a de suprir ou atenuar as insuficiências das
prestações sociais dos regimes contributivos, além daquelas que lhe são específicamente
atribuídas. Apesar disso, esta nova configuração da assistência como sector do sistema
público de protecção social, criou a possibilidade (mais formal que real) da sua
reorientação como direito específico dos cidadãos em situação de carência ou
vulnerabilidade social, institucionalizado através do compromisso político de
financiamento pelo Orçamento Geral do Estado.
Diferentemente dos regimes contributivos que integram a população na base de uma
relação de direito, a Acção Social (tal como a tradicional assistência privada) foi
conceituada pela tradicional relação assistencial, como um “favor” prestado por razões
humanitárias ou outras, mas sempre dependente da vontade e recursos (sempre escassos)
do agente provedor (institucional, profissional ou outro), independentemente da natureza
e extensão da necessidade social a atender. Em certa medida dir-se-ia que a Acção Social,
ao conceituar a assistência pública como um não-direito, remeteu a responsabilidade do
seu desempenho para sede privada e, tendencialmente, será configurada como uma política
de reforço (e financiamento) da sua própria privatização.
No domínio da Acção Social, em que o fornecimento de serviços ou equipamentos sociais
29 A pensão social, introduzida pelo Dec.-lei 217/74 de 27 de Maio, seria considerada a “primeira prestação
social pecuniária de natureza não contributiva do sistema de protecção social português” (Maia, 1984).
30 Integração já anunciada em 1973 (Dec.-Lei 584/73) e retomada em 1977 no quadro da organização de um
sistema unificado de Segurança Social e integrada na Secretaria de Estado da Segurança Social (Dec.-Lei
549/77 de 31 de Dezembro), que agora se consolida.
é menos atractivo para o mercado (diferentemente doutras áreas sociais, como a saúde, a
educação e a segurança social), as tendências de privatização são concretizadas pelo
reforço (no plano político-jurídico e através de financiamentos públicos) dum sector
privado não-lucrativo (das instituições particulares e organizações voluntárias),
formalmente (e simbolicamente) designado como o campo da “solidariedade”. Se o
primeiro Estatuto das IPSS (Dec.-lei 519-G2/79) parecia relutante em afirmar, no seu
preâmbulo, ter “implícito um juízo de positivo valor em relação às iniciativas privadas de
solidariedade social” no domínio da Segurança Social, o diploma de 1983 além de
determinar que “o Estado aceita, apoia e valoriza o contributo das instituições na
efectivação dos direitos sociais” (art. 4º). Ele alarga o âmbito de acção das instituições
particulares aos domínios da saúde (actividade hospitalar e serviços médicos
ambulatórios), da educação e formação profissional, da habitação e outros (Dec.-lei
119/83).
Este novo Estatuto das IPSS (Dec.-lei 119/83) resulta de um compromisso assumido pelo
Governo (resolução nº 96 de 30 de Abril de 1981) de proceder à revisão do
enquadramento legal das instituições particulares sem fins lucrativos, justificada pela
excessiva limitação do seu objectivo específico (restringido ao âmbito dos serviços e
prestações da segurança social), mas certamente para dar resposta às exigências que lhe
são colocadas pelas organizações que representam os seus interesses. As Instituições
Particulares reunidas em Congresso concluem pela seguinte reivindicação: “dado que há
Instituições com larga experiência no campo da saúde, pede-se que sejam restituídas pelo
governo a estas instituições condições de rápida criação de iniciativas nesta área, pois que
é por demais conhecida e experimentada por toda a população a insuficiência da saúde
estatal e não pode aceitar-se que só os economicamente poderosos tenham acesso a saúde
de qualidade”31.
O novo Estatuto das IPSS, elaborado com o “contributo das uniões representativas das
instituições”, a União das Misericórdias e a União das IPSS, dá particular atenção às
especificidades das instituições de solidariedade de expressão religiosa (cerca de 50% das
IPSS registadas na DGAS até final de 1996) merecendo por isso um tratamento autónomo
no referido diploma. Partindo de uma leitura alargada do âmbito da Concordata,
determina-se que todas as instituições ligadas à Igreja Católica, “institutos e organizações
religiosas mas também institutos de organizações ou instituições da Igreja Católica,
31 Conclusões do II Congresso das Instituições Particulares de Assistência, reunido no Porto em Junho de
1980, com a presença de significativo número de Misericórdias e outras organizações religiosas que
tradicionalmente desenvolviam actividades no campo da saúde.
designadamente os centros sociais paroquiais e as Caritas”32, adquirem personalidade
jurídica através da simples participação escrita da sua “erecção canónica” e,
automaticamente, o Estatuto de IPSS e de Pessoa Colectiva de Utilidade Pública, sendo os
respectivos estatutos e suas alterações dispensados do processo de escritura pública,
ainda que a instituição em causa se proponha (expressamente) exclusivamente fins de
Segurança Social (Dec.-lei 119/83, secção II).
À medida que se reforça o poder negocial das instituições, através do crescente
protagonismo das organizações representativas dos seus interesses e espaços de
autonomia que vão sendo criados pelas alterações dos quadros legais, parece acentuar-se
progressivamente não só a sua natureza privada mas também a sua dependência
(financeira) face ao Estado. Em 1979 afirmava-se, como ideia central do Estatuto, a defesa
da liberdade de associação e, paralelamente, considerava-se que o apoio do Estado e das
autarquias se destinava a “reforçar os recursos próprios das instituições” (Dec.-lei 519-
G2/79). Em 1983, afirma-se, como ideia central do estatuto, a autonomia das instituições,
considerando-se paralelamente que “o apoio do Estado e a respectiva tutela não podem
constituir limitações ao direito de livre actuação das instituições”, sem qualquer referência
à eventual existência de recursos próprios (Dec.-lei 119/83). Acresce que, com a
simplificação do processo de registo das instituições, estas são dispensadas das
obrigações previstas para as pessoas colectivas de utilidade pública e, no caso de
reformulação dos estatutos da escritura pública (Dec.-lei 402/85), sem considerar as
instituições em que pela sua natureza canónica (50% das existentes) o reconhecimento
resulta de simples participação escrita e a tutela da autoridade eclesiástica se sobrepõe à
tutela do Estado.
O contributo das IPSS para os objectivos da Segurança Social e o apoio que às mesmas é
prestado pelo Estado passam a ser “sempre estabelecidas mediante acordos de
cooperação”, desde o estatuto de 1979 e conforme veio a ser consagrado na lei orgânica da
Segurança Social (Lei 28/84), segundo regras legalmente definidas que introduziram uma
forma de financiamento em função dos serviços prestados e estabeleceram as obrigações e
direitos de cada um das partes. Na determinação da comparticipação, desde 1980 fixada
entre 70% a 80% do custo, foram sendo introduzidos factores de correcção,
32 Em documento da DGAS, considera-se que já em 1979 o legislador claramente se afastou da
interpretação que restringia a aplicação da Concordata às instituições com fins religiosos (e fins
complementares de assistência), por referência a parecer da Procuradoria Geral da República de 21 de
Dezembro de 1983 (não homologado), relativo ao Dec.-lei 119/83, que afirmava “o diploma em causa
ultrapassa, nessa parte, os compromissos assumidos pela Concordata de 7 de Maio de 1940” (DGAS,
1996:15).
designadamente a capacidade financeira da instituição ou da população atendida, mas na
prática vigorou sempre uma forma de pagamento dos serviços independente das condições
financeiras ou outras da instituição e sectores populacionais abrangidos.
Mas o apoio financeiro do Estado não se esgota na transferência dos cerca de 70% do
orçamento da Acção Social, para assegurar o funcionamento regular das actividades
abrangidas pelos acordos de cooperação e acordos de gestão da Segurança Social. Além da
comparticipação fixada pelos acordos de cooperação, o financiamento público das
Instituições Particulares inclui outros apoios directos e indirectos, designadamente a
comparticipação para instalações e equipamento, as transferências através do programa
nacional de luta contra a pobreza, os diversos subsídios eventuais atribuídos através da
administração central ou local, as regalias e isenções tributárias decorrentes do estatuto de
utilidade pública. Ainda que globalmente significativos, os montantes destes
financiamentos não têm sido ponderadas no custo global dos serviços prestados pelas
Instituições Particulares, nem pelo Estado nem pelas próprias instituições, a avaliar pela
manifesta incapacidade das instituições, e mesmo dos serviços de tutela, em fornecer
informações sobre o seu peso orçamental, ainda que aproximado.
A natureza contratual da cooperação entre o Estado e as Instituições Particulares,
suscitando e justificando a organização de interesses para reforço do poder negocial, tem
vindo a acentuar uma forma mercadorizada (ainda que não lucrativa) de prestação dos
serviços de acção social. A provisão privada é negociada entre as partes, na base dos
custos financeiros e no pressuposto de que esses custos serão suportados pelo
consumidor (utente e, na sua impossibilidade, o Estado).
A institucionalização dos acordos de cooperação como mecanismo de regulação das
relações entre o Estado e as Instituições foi moldando essas relações pela lógica de
contrato, negociado entre a organização burocrática do Estado e as Uniões, segundo regras
legalmente fixadas33. A partir dos anos 90, os acordos de cooperação passam a ser
negociados entre as instituições e os serviços estatais, mas na base de protocolo
previamente celebrado entre o Ministro de tutela e as Uniões que representam os
interesses das instituições, acordando anualmente os quantitativos das comparticipações
financeiras da Segurança Social. A negociação é formalmente transposta para o foro de
decisão política, ao mesmo tempo que no quadro da redefinição do âmbito e natureza da
33 As normas reguladoras dos acordos de cooperação têm sido definidas por despacho ministerial. Cfr. DN.
nº 387/80, e nº 88/80 de 31 de Dezembro de 1980, posteriormente alteradas por DN. 118/84 de 8 de Junho
de 1984, DN. nº 12/88 de 12 de Março de 1988 e DN. nº 75/92 de 20 de Maio de 1992 ainda em vigor.
cooperação entre o Estado e as Instituições Particulares, as Uniões passam a ser
financiadas pelo Estado em 70% das despesas orçamentadas (Despacho Normativo
75/92).
As Uniões ganham nova visibilidade, além da representação dos interesses das instituições
na negociação dos acordos de cooperação, adquirem o estatuto de “parceiro social” na
concertação de políticas económicas e sociais, integrando o Conselho Económico e Social
e, mais recentemente, subscrevendo o designado “Pacto de Cooperação para a
Solidariedade”. Elas não só reivindicam essa posição34, como vêm sendo crescentemente
colocadas no centro do processo de regulação, não só das relações entre o Estado e as
Instituições mas também, das relações entre o Estado e os diversos sectores da sociedade
civil, designadamente os que praticam a solidariedade como dever ético e os que, por
razões bem mais materiais, não podem ser solidários.
Sendo legítimo, e desejável, que as instituições se organizem no sentido do reforço da sua
autonomia, ao colocar-se as Uniões sob a dependência financeira do Estado parece estar
em causa, não o reforço da sua autonomia, mas um comprometimento do Estado com os
“direitos” das entidades instituidoras. Tal dependência tenderá a tornar vulnerável e
eventualmente pouco credível a reivindicada autonomia das instituições e das suas
organizações federativas, bem como uma suposta legitimidade para defender e representar
os interesses dos sectores mais desfavorecidos35. Sem representação própria, equivalente
à de outros grupos de cidadãos, os sectores mais desfavorecidos têm uma representação
em diferido cujo grau de aderência às suas reais necessidades está ainda para ser avaliado.
3.2. A diversidade das formas de protecção social
As iniciativas que englobamos no âmbito da protecção social pela sociedade civil referemse
a um conjunto diversificado de formas que inclui:
• As iniciativas, de raiz local ou nacional, ligadas à Igreja envolvendo as seculares
misericórdias e organizações de carácter religioso e/ou de expressão católica;
34 Conforme conclusões do IV Congresso das IPSS, realizado em Fátima em Novembro de 1995, “as
IPSS (...) consideram-se as mais atentas, válidas e eficazes formas de rentabilização de recursos e
optimização das respostas aos problemas sociais. Nesse sentido “manifestam-se abertas à cooperação
(sublinhado nosso) das autarquias e de quaisquer outras entidades, públicas ou privadas, sempre e só, num
quadro de parceria e no respeito pelo principio da subsidariedade”.
35 Questões que as próprias IPSS se colocam, conforme alerta do seu do III Congresso, realizado em
Fátima em Novembro de 1990: “As Instituições têm de se defender de uma perigosa vulnerabilidade que as
pode atingir mortalmente: a demasiada, nalguns casos exclusiva, dependência do Estado. Só na abertura à
comunidade e à sociedade civil deve ser encontrada a efectiva independência e autonomia das instituições”.
• As iniciativas, mais ou menos institucionalizadas, de carácter humanitário ou
caritativo, de origem local ou mais alargado, incluindo as iniciativas ligadas a
instituições supranacionais;
• As iniciativas de tipo fundacional, tradicionais ou modernas, constituídas sobre legado
patrimonial ou, na sua versão contemporânea de parcerias institucionais, orientadas
para a captação de fundos comunitários;
• Variadas formas associativas, de base socio-profissional, territorial ou outra,
organizadas em função de interesses, necessidades ou propósitos comuns (que vão
desde as tradicionais associações de socorros mútuos às cooperativas de
solidariedade, desde as organizações populares de base local ou sectorial às
associações de voluntários ou outras);
• As iniciativas de carácter lucrativo de tipo empresarial ou outro.
Nesta secção serão abordadas, em primeiro lugar as formas institucionalizadas de
protecção social, a sua origem e natureza jurídica, os seus objectivos, o seu âmbito e
distribuição geográfica, as modalidades de contratualização dos serviços prestados e o
modo como são percepcionadas pelo Estado; e, seguidamente, as formas não
institucionalizadas, distinguindo nestas as suas carácterísticas e o seu modo de
implantação
3.2.1. As instituições particulares de protecção social
As instituições particulares de protecção social carácterizam-se fundamentalmente pela
sua diversidade, quanto à origem e formas institucionais, quanto à dimensão e distribuição
geográfica, quanto à natureza e âmbito da sua intervenção. No entanto, pelos fins que
prosseguem, simbólica e formalmente referenciados à ideia de “solidariedade social”, têm
vindo a ser uniformizadas pelo estatuto de IPSS (ou equiparada), através do qual o Estado
reconhece a iniciativa como “Instituição Privada de Solidariedade Social” e legitima o seu
contributo para a prossecução dos fins de segurança social, ao mesmo tempo que garante o
direito da instituição ao acesso a fundos públicos em condições contratualmente fixadas
através dos designados “acordos de cooperação”.
Embora nos pareça que estão a emergir por toda a parte iniciativas autónomas da
sociedade civil, partindo de diferentes grupos e orientando-se para objectivos muito
distintos, a verdade é que este fenómeno não parece ser recente. Também num passado
não muito distante muitas iniciativas particulares tinham lugar com vista a assegurarem
um mínimo de ajuda à população de mais baixos rendimentos.
O que acontece é que, com o moderno Estado social, o desenvolvimento dos serviços
públicos veio de par com as exigências de profissionalização dos cuidados e da
optimização dos recursos. Neste novo contexto, as tradicionais ajudas da família, dos
grupos cívicos e das congregações religiosas, foram-se tornando obsoletas e irracionais e,
por isso, perderam peso e importância. No entanto, não desapareceram e, muitas delas,
conseguiram adaptar-se graças à sua flexibilidade e plasticidade. Outras foram recriadas e
estão de novo pujantes. A crise do Estado-Providência reabilitou-as e deu-lhes de novo
uma função útil.
Em geral, a provisão de bens e serviços na área da protecção social assenta numa certa
divisão de trabalho entre os sectores público, privado não lucrativo e de mercado,
configurando diferentes modos de produção de bens públicos. Em Portugal existem
diferenças, tanto quantitativas como qualitativas, nesta divisão de trabalho e na relação
que se estabelece entre os diferentes modos de produção de bem-estar relativamente a
outros países.
Neste ponto reflectiremos sobre a composição do sector não lucrativo, sobre as
carácterísticas das suas organizações, sobre o seu papel específico e ainda sobre o modo
de articulação com os demais sectores e formas organizativas.
Dedicaremos uma atenção especial às organizações não lucrativas da sociedade civil que o
Estado reconhece como tendo um papel complementar do seu na realização das
finalidades sociais — as designadas “instituições particulares de solidariedade social”.
3.2.1.1. As particularidades das IPSS portuguesas enquanto organizações de protecção
social.
Apesar de as IPSS terem identidade jurídica própria e serem autónomas relativamente ao
Estado e de, muitas delas, terem mesmo uma história de vida independente anterior ao seu
reconhecimento por aquele como IPSS, a verdade é que, em termos gerais, elas estão
fortemente marcadas na sua configuração social e no seu funcionamento por esta relação
indissociável com o Estado.
Neste sentido, é notório o afastamento do perfil de uma IPSS portuguesa do perfil de
instituições mais autónomas existentes noutros países, e mesmo entre nós, a que damos o
nome de “organizações de voluntariado social” (OVS), de “organizações não lucrativas”
(ONL) ou de “organizações não governamentais” (ONG).
Estas diferentes designações que tomam as formas organizativas autónomas da sociedade
civil não são, em regra, usadas com grande rigor e, além disso, do ponto de vista
substantivo existe uma área enorme de sobreposição entre elas. Por isso, vale a pena tentar
distinguir entre si estas formas, ainda que de uma forma sintética, a partir dos atributos
que melhor definem os respectivos conceitos:
As organizações de voluntariado
De um modo geral, a nota distintiva deste tipo de organizações consiste na natureza do
impulso que mobiliza a acção dos respectivos membros. Ele carácteriza-se pela existência
de um grupo de pessoas que partilham interesses comuns e desejam prosseguir certos
objectivos concretos de ajuda (ou protecção social, neste caso) sem qualquer finalidade
económica para si próprias36.
A motivação da acção voluntária pode ser muito diversa e não explicitada. No entanto, é
frequente a natureza religiosa, cívica ou política das organizações ser patenteada ou
mesmo enfatizada na sua actuação pública. Por sua vez, a liberdade de adesão,
constituindo um princípio básico destas organizações, condiciona em larga medida a
actuação dos membros e da própria organização, dado que é priorizada a contribuição de
cada um na medida da sua disponibilidade. Por isso, existe uma tensão fundamental entre
este princípio e o princípio organizativo, do que resulta um tipo de actuação mais
contingente, menos estruturada e menos permanente, embora distinta da mera actividade
espontânea.
As exigências crescentes de qualidade da protecção social associadas ao processo de
profissionalização do serviço social, à concorrência de outros tipos de organizações
produtoras de serviços sociais, à maior regulação por parte do Estado-Providência e ao
aprofundamento da cidadania por parte dos utilizadores dos serviços, estão na origem de
uma tendência que se tem vindo a afirmar para uma crescente profissionalização e
burocratização destas organizações. No entanto, mantém-se como nota distintiva a centra-
36Para uma carácterização e discussão crítica das organizações voluntárias vd., entre outros, Casado, 1991;
Hanvey e Philpot, 1996.
lidade da figura do voluntariado ainda que coexistindo com um certo grau de profissionalização
dos agentes.
As organizações não lucrativas
De um modo geral, a nota distintiva deste tipo de organizações consiste no facto de as
actividades que desempenham, embora se possam situar na esfera económica (produção de
bens e de serviços), não terem como finalidade principal retirar lucros dessas actividades
nem obedecerem à racionalidade própria dos agentes de mercado. Diferentes outros
padrões de racionalidade podem estar presentes, desde a satisfação de certas necessidades
básicas, a produção de bens públicos ou a troca directa baseada em regras de reciprocidade.
A importância social destas organizações resulta do facto de produzirem bens e serviços
que as empresas lucrativas não podem ou não querem produzir. Por esse facto, a
sociedade atribui-lhes benefícios fiscais ou outros que uma empresa lucrativa não pode
obter, na expectativa de que os excedentes sobre os custos sejam utilizados para melhorar
os serviços ou para reduzir o preço dos serviços.
Convém referir que no sector das actividades não lucrativas cabem tanto aquelas
desempenhadas por entidades públicas como as desempenhadas por organizações
privadas37. Deste ponto de vista, as distinções relevantes são as que têm a ver quer com o
modo de financiamento (tradicionalmente o sector público financia as suas actividades
através de impostos e o sector privado através de contribuições voluntárias, mas estes
sistemas de financiamento têm vindo a tornar-se mais complexos e menos distintos), com
a natureza impositiva ou electiva dos órgãos de gestão e com o estatuto jurídico do
pessoal das organizações.
Existem vários problemas com as organizações não lucrativas que podem afectar
internamente a sua gestão e o seu desempenho perante os destinatários da sua acção.
Enunciaremos apenas alguns deles: primeiro, a intangibilidade dos serviços prestados
torna difícil a avaliação dos resultados; segundo, a influência dos utilizadores na
configuração da oferta de bens e serviços é débil quando comparada com a força que os
consumidores detêm sobre o mercado; terceiro, o comprometimento do pessoal com a
organização é reduzido relativamente ao seu grau de comprometimento com a profissão;
37 A variedade de formas das organizações não lucrativas é muito grande e, por isso, foi estabelecido um
sistema de classificação internacional (ICNPO) com doze grupos primários baseados na actividade
económica desenvolvida.
quarto, é elevada a probabilidade de os financiadores pressionarem a gestão no sentido de
imporem critérios de actuação de acordo com os respectivos interesses; quinto, é reduzida
a utilização de recompensas e castigos para orientar a actuação nas organizações (Wheelen
e Hunger, 1995:395).
Um tipo particular de organizações não lucrativas é o das associações mutualistas, em que
são os próprios utilizadores dos serviços que se organizam para os produzirem ou para os
adquirirem de terceiros. Neste último caso, incluem-se os fundos voluntários de seguros
mútuos. Os trunfos destas organizações — a homogeneidade dos associados, a gestão
autónoma e a livre adesão — que lhes permitiram grangear uma grande popularidade nos
finais do século passado por toda a Europa constituem também as suas fraquezas
sobretudo depois da generalização do seguro social obrigatório: acumulação excessiva de
riscos, personalismo e discricionaridade na distribuição dos benefícios e exclusão dos maus
riscos (De Swaan, 1986).
As organizações não governamentais
De um modo geral, a nota distintiva deste tipo de organizações consiste no facto de as
organizações serem autónomas relativamente ao Estado, embora as actividades que
desempenham se situem na esfera da produção de bens públicos. Principalmente nas duas
últimas décadas, tem-se assistido por todo o lado a uma verdadeira explosão de ONG’s
devido não só ao aumento sem precedentes da mobilização social e da participação cívica
como também às insuficiências do Estado para dar resposta às crescentes necessidades
que acompanham o desenvolvimento social. Do ponto de vista genético o aparecimento
destas organizações relaciona-se intimamente com o avolumar dos problemas das
modernas sociedades industriais, com o eclodir dos novos movimentos sociais e com a
crise do Estado-Providência. As tendências recentes para autonomia local, para a
descentralização, para a desregulação e para o reconhecimento dos direitos dos cidadãos à
livre escolha contribuíram também para a emergência das ONG’s.
A designação ONG é também uma categoria muito abrangente que compreende dentro de
si uma enorme variedade de formas organizativas e de finalidades, umas mais directamente
ligadas aos movimentos sociais a que pretendem dar expressão, outras mais orientadas
para a produção de serviços sociais ou de interesse público.
O problema principal com que se defrontam as organizações não governamentais é
precisamente o da sua autonomia, uma vez que o desempenho das suas actividades exige
normalmente recursos técnicos e financeiros volumosos, sobretudo no caso daquelas que
se proponham finalidades de protecção e bem-estar social. Tendo frequentemente como
modelo os serviços directamente prestados pelo Estado, as ONG’s dificilmente
conseguem ser uma alternativa a esses serviços apenas com recurso às contribuições
voluntárias dos associados e, por isso, são forçadas a aceitar compromissos com outros
financiadores ou apoiantes, incluindo as instituições públicas, sob a forma de acordos ou
outras de tipo contratual. Colocadas numa situação quase dilemática, as organizações
sabem que recusar estes compromissos significaria uma redução drástica da sua
intervenção e a minorização do seu papel social.
Nestes termos, os limites da autonomia estão patentes. Nalguns casos a relação construída
com as instituições públicas é tão forte e a dependência relativamente a estas é tão
flagrante que as ONG’s mal se distinguem delas. É o que se passa, por exemplo, com
organizações que resultam da “privatização” de certos serviços públicos e que foram
criados expressamente para se substituírem ao Estado na gestão desses serviços, como
aconteceu em Inglaterra nos anos 80. A designação QUANGO (ou QUALGO),
significando a natureza quasi-não governamental das organizações, tem sido neste país
abundantemente usada para carácterizar as situações em que organizações formalmente
distintas do Estado (ou do poder local) aparecem como um expediente para tornar menos
visível a dimensão exorbitante do aparelho da administração pública central ou local
(Ridley e Wilson, 1995:3).
Noutros casos a proximidade (e promiscuidade) entre o Estado e as organizações não é tão
patente, mas ainda assim facilmente reconhecível. Voltaremos a este assunto mais adiante.
3.2.1.2. As formas institucionais de “solidariedade social
O regime legal, instituído em 1979 (Dec.-lei 519-G2/79) para enquadrar as designadas
Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), propunha-se integrar a ampla
diversidade de iniciativas da sociedade civil, prevendo que as IPSS poderiam assumir uma
das seguintes formas: associações de solidariedade social, misericórdias, fundações de
solidariedade social, associações de voluntários de acção social, associações de socorros
mútuos, cooperativas de solidariedade social, ou ainda as respectivas uniões e federações
(art. 3º).
O Estatuto das IPSS de 1983 (Dec.-lei 119/83) reconhece o mesmo tipo de instituições,
com excepção das cooperativas de solidariedade social que, por gozarem já de um regime
especial como cooperativas, foram excluídas das regalias e isenções fiscais concedidas às
IPSS. Registe-se que a modalidade jurídica de associações de voluntários se manteve,
embora sem qualquer expressão em termos práticos (DGAS, 1996), uma circunstância que
permite distinguir o perfil do voluntariado existente entre nós, predominantemente
orientado para a criação de serviços ou equipamentos próprios.
Se no plano político se consagra a diversidade institucional das IPSS, no plano jurídicoadministrativo
prevalecem as disposições do Código Civil, retomando-se a tipologia
adoptada anteriormente a 1974.
Quadro 26
INSTITUIÇÕES INSCRITAS NA DGAS SEGUNDO A FORMA JURÍDICA
(prosseguindo fins de Acção Social)
Forma Jurídica %
Associação de Solidariedade Social 49,4
Fundação de Solidariedade Social 4,5
Centro Paroquial (equiparado a fundação) 28,3
Org. Religiosas (equiparadas fundações) 6,6
Irmandades de Misericórdia 11,0
Uniões/Federações 0,2
TOTAL (Continente) 100,0
Fonte: DGAS, Serviço de Apoio Jurídico às IPSS, 1997
De acordo com registos da DGAS, as IPSS que se propõem fins de acção social (Quadro
27), distribuem-se do seguinte modo: “associações de solidariedade social” (49,4%),
“fundações de solidariedade social” (39,4%) e “misericórdias” (11,0%). As inscritas com
fins de saúde, incluindo as que, através de acções de solidariedade, concorrem
voluntariamente para os fins dos serviços de saúde, adoptaram em 92,9% dos casos o
estatuto de “associação de solidariedade social”.
O designado campo da “solidariedade social”, ainda que diversificado quanto às formas
organizativas de suporte e à pluralidade de valores ético-filosóficos que enformam e
sustentam as várias iniciativas, tem vindo a ser uniformizado em dois planos distintos e
complementares, mas também (potencialmente) de difícil conciliação: um plano
administrativo-legal e um plano ético-religioso.
No plano administrativo-legal a diversidade de iniciativas tende a ser normalizada sob o
modelo associativo ou fundacional, cuja distinção está associada à natureza das relações —
pessoais ou patrimoniais — que subjazem a realização dos fins de acção social e a que se
ligam práticas de solidariedade distintas.
São consideradas “associações de solidariedade social” todas as que se constituam com
objectivos não só do âmbito da segurança social, mas também do da saúde, educação e
formação profissional ou ainda do âmbito da habitação social. No entanto, têm sido
politicamente privilegiadas as associações, de constituição canónica ou civil, que se
propõem primariamente fins de segurança social ou (mais restritamente) de acção social,
só estas beneficiando do estatuto de IPSS e das regalias que lhe são específicas.
O “património” básico deste tipo de instituições particulares é a própria associação, em
princípio construída a partir do capital humano e relacional dos associados, que
voluntariamente colocam as suas disponibilidades pessoais ao serviço dos fins
prosseguidos, uma “solidariedade” direccionada para os sectores mais desfavorecidos,
tendencialmente formado por não associados que beneficiam dos serviços prestados.
Na perspectiva da ordem jurídica civil, são consideradas nesta categoria as associações de
natureza civil ou canónica, designadamente as antigas associações de assistência ou
beneficência e as denominadas “irmandades da misericórdia”, neste caso sem perda do
regime especial que sempre as distinguiu como associações “constituídas com o fim
específico de praticar obras de misericórdia corporais e espirituais e promover o culto
religioso” (UMP, 1995)
São consideradas “fundações de solidariedade social” as instituídas pela aceitação de
“bens” patrimoniais que lhe são destinados para a prossecução dos seus fins (igualmente
designados de solidariedade social). As instituições que assumem a forma fundacional,
cerca de 40% das IPSS inscritas na DGAS, ainda que prosseguindo os mesmos fins que as
associações, distinguem-se destas pela base patrimonial em que são fundadas, um
património (material ou ético-religioso) que recebem como herança dos fundadores, quer
seja um fundador individual ou colectivo, uma organização religiosa ou instituições da
igreja católica.
Qualquer que seja a origem desse património, a forma fundacional centra a legitimidade das
decisões da gestão na vontade do fundador, o que limita o poder de decisão dos
administradores e sobretudo elimina a influência dos beneficiários dos serviços ou de
outros interessados na realização dos fins sociais. Contrariamente às associações, em que a
vontade dos associados é que regula os poderes dos gestores, o poder dos gestores das
fundações só pode ser atacado com fundamento no desrespeito da obrigação legal de
obediência às disposições do fundador. São abrangidas por este regime as instituições de
organizações religiosas e da Igreja Católica, designadamente os centros sociais paroquiais
(representando 28,3% das IPSS com fins de acção social), as Caritas diocesanas e outras
organizações humanitárias ou socio-caritativas nacionais ou internacionais (AMI,
Conferências Vicentinas, entre outras).
De igual modo, têm vindo a optar por este regime as novas parcerias institucionalizadas
com objectivos de desenvolvimento social, sendo as fundações instituídas com base em
recursos patrimoniais provenientes dos diversos parceiros ou dos fundos comunitários
canalizados para diversos projectos locais. À semelhança de qualquer outra fundação, os
processos de decisão são centrados na posse dos recursos, tendencialmente excluindo a
participação dos cidadãos das opções sobre as políticas de desenvolvimento local, mas em
contrapartida colocando no centro do debate a competição entre parceiros e o confronto
dos interesses que estes representam.
No plano ético-religioso o campo da solidariedade social, tendencialmente plural numa
sociedade secularizada e democrática, tem sido hegemonizado pelo modelo tradicional
cristão de beneficência, segundo os “princípios da doutrina e moral cristãs”. Uma das
expressões desta uniformidade traduz-se na expressão das IPSS de constituição canónica e
abrangidas pelo regime da Concordata, que representam mais de metade do total, indicador
que é complementado pela liderança eclesiástica das respectivas Uniões.
Mesmo no plano legal (Dec.-lei 519-G2 /79), considera-se que as “Instituições Privadas
de Solidariedade Social” não são mais do que “nome novo das antigas instituições de
assistência ou beneficência”, na generalidade ligadas à Igreja ou constituídas por
organizações religiosas.
A criação da União, em 1980, no designado “II Congresso das Instituições Privadas de
Solidariedade Social” realizado no Porto, foi então associada à organização e defesa das
tradicionais instituições particulares de beneficência e do quadro de valores que as
informava. Por um lado, como esclarece a organização do congresso, as instituições
reunidas em 1980, “embora rotuladas pela lei de outra maneira (...), são, contudo, na sua
grande maioria, da mesma natureza. Possuem a mesma identidade, (...) a alteração do
qualificativo das nossas instituições não representa qualquer realidade nova, a não ser um
propósito mais ou menos claro de alinhamento com os princípios laicizantes de ideologias
materialistas, hoje em moda, um pouco por toda a parte”38.
A organização de interesses das instituições justificava-se em 1980 (tal como em 1905,
data de realização do I Congresso) pela “excessiva ingerência do Estado” e consequente
necessidade de defender a autonomia e independência das organizações privadas. Em causa
estava a defesa da propriedade privada e autonomia das instituições particulares, mas
também a afirmação da matriz da benemerência cristã como modelo da “solidariedade
social”. Registe-se a recorrência, ao nível do debate no seio da organização das designadas
Instituições Particulares de Solidariedade Social, dos temas da “identidade” e “autonomia”
das instituições e a sua orientação para a defesa do “quadro de valores éticos e filosóficos
que lhe é comum”39.
Grande parte das IPSS, não só as formalmente ligadas à Igreja mas também as de natureza
civil que se constituem com base em laços religiosos, tende a perspectivar a sua
organização interna e práticas de solidariedade pelo modelo da beneficência ou caridade
cristã, isto é pelo dever moral direccionado para o apoio aos sectores mais carenciados da
população. Associada à superioridade moral dos que voluntariamente contribuem para os
fins institucionais (associados, fundadores ou irmãos), dispensa-se a participação e a
representação dos beneficiários nas decisões da instituição. A prestação de serviços tem
ainda, em muitos casos, a conotação de uma ajuda caritativa concedida a quem a merece.
A hetero-ajuda praticada configura-se assim como uma solidariedade beneficente que, ao
desqualificar o beneficiário, tem potenciado a inadequação das prestações sociais, por
regra inferiores às necessidades reais (até para prevenir a fraude). Registe-se todavia que a
natureza tendencialmente restritiva e vigilante destas iniciativas particulares atrai, por
outro lado, recursos privados e públicos que se julgam em “boas mãos”.
Diferente reconhecimento têm tido as associações de interesses, associações de socorros
mútuos, cooperativas de solidariedade social, associações de moradores e outras
38 Palavras do Pe.Virgílio Lopes, à data provedor da Santa Casa da Misericórdia de Viseu e Presidente da
União das Misericórdias Portuguesas e promotor da iniciativa de constituição da União das IPSS, na
abertura dos trabalhos do II Congresso das Instituições Privadas de Solidariedade Social.
39 Nos anos 90 a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social defende a “cooperação entre as
instituições particulares de solidariedade social (IPSS), visando proteger o quadro de valores éticos e
filosóficos que lhes é comum, procurando, designadamente: a) preservar a identidade das IPSS,
particularmente no que concerne à sua preferencial acção junto das pessoas, famílias e grupos mais
carenciados; b) acautelar a respectiva autonomia, designadamente ao nível da livre escolha da organização
interna e área de actuação, bem assim como da sua liberdade de actuação; c) desenvolver e alargar a base de
apoio da solidariedade sobretudo no que respeita à sensibilização para o voluntariado e à mobilização das
comunidades para a causa da acção social”. In Estatutos da União das Instituições Particulares de Solidariedade
Social (UIPSS), DR, III Série de 26 de Novembro de 1993.
organizações de base local, fundadas na ideia de igualdade de condições e reciprocidade de
relações entre os seus membros. Tomando por referencia o ano de 1995, no conjunto dos
acordos de cooperação com instituições particulares (de solidariedade social) para fins de
acção social (DGAS, 1995), são pouco frequentes os que têm como suporte aquele tipo de
associações de interesses (no seu conjunto não ultrapassam os 5%).
3.2.1.3. Carácterização geral das IPSS
De acordo com a definição legal, “são instituições particulares de solidariedade social as
constituídas, sem finalidade lucrativa, por iniciativa de particulares, com o propósito de
dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos e
desde que não sejam administradas pelo Estado ou por corpo autárquico” (Dec.-lei
119/83). Os seus fins, inicialmente (1979) restringidos ao âmbito da segurança social, são
através daquele diploma alargados a outros sectores de política social, designadamente
saúde, educação, formação profissional e habitação.
Desde 1980, foram registadas nos serviços centrais da Direcção Geral da Acção Social
2 975 IPSS com fins de Acção Social e 127 com fins assistenciais no campo da saúde
(DGAS, 1995b)40. Estes números não abrangem o total de instituições particulares
reconhecidas com fins de Segurança Social, dado não ter sido possível, como se referiu
atrás, obter informação sobre IPSS registadas na Direcção-Geral dos Regimes,
designadamente as Associações de Socorros Mútuos reconhecidas pela
complementaridade dos seus fins relativamente às prestações dos regimes.
Sobre as IPSS com fins de Acção Social não existe informação disponível relativa à data de
constituição e início da actividade, embora exista a percepção por parte dos serviços dos
CRSS de que houve uma ampliação “sem controle” e, em certos aspectos, excessiva ao
longo dos anos 80.
A informação disponível sobre as instituições inscritas na DGAS não dá conta daquela
evolução, na medida que a data de inscrição se refere à conclusão do processo de registo,
conclusão que será naturalmente condicionada pelas sobejamente conhecidas limitações
orçamentais e de recursos humanos dos serviços, além de eventuais condicionamentos da
responsabilidade das próprias instituições.
40 Segundo a mesma fonte, no total das IPSS registadas estão incluídas instituições sem actividade, em
número que se desconhece, mas eventualmente pouco significativo. Informação da Direcção Geral de Acção
Social - Serviços Jurídicos de Apoio às IPSS (Lisboa, 1997).
Tomando como base de análise o termo do registo das instituições, diríamos que só depois
de 198841, existem instrumentos de registo que permitem avaliar o desenvolvimento do
sector (Quadro 27).
Quadro 27
INSTITUIÇÕES REGISTADAS COM FINS DE ACÇÃO SOCIAL
80- 89 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
TOTAL (acumulado) 1.831 1.996 2.171 2.378 2.532 2.642 2.806 2.975
Associações de SS (a) [%] 42,9 43,2 44,6 45,4 46,6 47,5 48,5 49,4
Fundações e equip. [%] 40,5 41,2 40,9 41,2 40,7 40,2 39,7 39,4
Misericórdias [%] 16,6 15,6 14,5 13,3 12,6 12,2 11,7 11,1
(a) Cinco são Uniões e Federações, formalmente consideradas associações de solidariedade social.
Fonte: DGAS, Serviços de apoio jurídico às IPSS, mapa de registo das instituições
Analisada a evolução destas iniciativas de acordo com a sua forma jurídica constata-se que:
1) o peso relativo das Fundações sofreu apenas ligeiras oscilações representando cerca de
40% das IPSS existentes ao longo de todo o período; 2) as Associações de Solidariedade
Social acusam uma tendência de aumento significativo no conjunto das IPSS, eventualmente
indicativa duma preferência ou orientação dos serviços para o modelo associativo; e 3) o
decréscimo do peso das misericórdias fica a dever-se à relativa fixidez do seu número,
explicada, em parte, pela natureza e âmbito concelhio destas instituições.
O número de instituições activas e sediadas no continente parece ter sofrido um ligeiro
decréscimo (de 2 586 para 2 519) nos dois anos de referência (entre 1993 e 1994)
mantendo-se idêntica a sua distribuição regional. O Alentejo e o Algarve apresentam uma
baixa concentração de instituições, relativamente às restantes regiões. No entanto, se
ponderados estes valores com a população residente, em 1993, são as regiões Centro e
Alentejo que apresentam maior concentração de iniciativas.
Quadro 28
DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DAS IPSS EXISTENTES (CONTINENTE)
INSTITUIÇÕES
1993 % do num.
INSTITUIÇÕES
1994 % do num.
HAB/ IPSS
1993
41 Só a partir de 1988 (Despacho normativo nº 12/88 de 12 de Março) passa a ser exigido o registo efectivo
das IPSSs, como condição obrigatória para celebração dos acordos de cooperação e respectivo
financiamento.
Norte 32,4 32,0 4.149,3
Centro 24,1 24,1 2.763,3
Lisboa e Vale do Tejo 30,7 30,8 4.141,0
Alentejo 9,7 9,8 2.165,1
Algarve 3,1 3,1 4.267,6
CONTINENTE 100,0 100,0
FONTE: INE- Inquérito anual às IPSS42
3.2.1.4. Os Acordos de Cooperação da Segurança Social
Desde a entrada em vigor do Estatuto das IPSS (1979), que os “acordos de cooperação” se
tornaram o mecanismo obrigatório na regulação das relações (formais) de cooperação,
instrumento de contratualização e garantia do acesso a fundos públicos. Dentre estes
mecanismos de cooperação tem-se vindo a fazer a distinção entre “acordos típicos” e
“acordos atípicos”. Enquanto que os primeiros contratualizam respostas sociais
prefiguradas segundo um modelo-tipo, os designados acordos atípicos são instrumentos
de cooperação que visam responder a situações novas e não enquadráveis pelos acordos
normalizados. Isto mesmo é esclarecido por um dos técnicos entrevistados:
“Nalguns casos poderá dar acordos atípicos, embora os nossos acordos atípicos
estejam vocacionados para áreas muito específicas (...) por exemplo, para a área de
deficiência, onde não há uma valência definida, uma valência-tipo definida. Ou seja,
só existem acordos atípicos quando, de facto, a valência-tipo definida não se
enquadra naquilo que a instituição pretende levar a cabo. (...) Uma área que está a
ser muito solicitada é a área dos acamados em que não há uma valência definida para
acamados e já há alguns exemplos de acordos atípicos e estamos à espera de um
estudo que está a ser realizado nos serviços de Segurança Social sobre esta matéria.
E também temos alguns exemplos de instituições de determinado tipo que dão apoio
à Segurança Social através dos próprios técnicos em que nós financiamos alguns
funcionários. É um pouco os acordos atípicos que nós temos” (CRSS, Dirigente 1).
Os acordos atípicos são potencialmente orientados para a viabilização de formas
alternativas (aos modelos convencionais) de intervenção, mais dinâmicas e polivalentes.
Apesar das suas potencialidades, estes instrumentos são usados apenas residualmente,
frequentemente para respostas precárias ou temporárias. O processo de financiamento é
mais flexível mas exige um maior envolvimento dos serviços da Segurança Social, desde a
programação à avaliação do desempenho, já que a comparticipação anual do Estado é
42 Os inquéritos do INE abrangem a totalidade das IPSS que constam dos ficheiros da Direcção Geral de
Acção Social.
calculada na base do orçamento apresentado e da avaliação da sua execução depende a
renovação do acordo.
Os “acordos de cooperação” da Segurança Social em 1995, conforme dados da DGAS,
abrangeram 2 622 instituições não lucrativas e com actividade no referido ano (Quadro
30). Neste número foram incluídos os “estabelecimentos oficiais” (7,1%), serviços e
equipamentos sociais pertencentes ao sector público e administrados por organismos
estatais (CRSS ou outros) e autarquias locais. A categoria “IPSS e equiparadas” abrange:
associações de socorros mútuos (0,3%), Casas do Povo (3,6%) e cooperativas, CERCI’s e
outras (3,4%), gozem ou não do estatuto de IPSS.
Quadro 29
INSTITUIÇÕES ACTIVAS COM ACORDOS DE COOPERAÇÃO
Instituições Continente Norte Centro
Lisboa e
Vale Tejo Alentejo Algarve
Activ./ Acordo 2.622 709 807 800 227 79
IPSS /equip. 81,0 % 88,8 % 82,2 % 76,5 % 70,1 % 74,7 %
Misericórdia 11,9 % 9,9 % 14,0 % 6,6 % 25,1 % 24,0 %
Estab. Oficiais 7,1 % 1,3 % 3,8 % 16,9 % 4,8 % 1,3 %
FONTE: DGAS, RSESS/95 (Rede de Serviços e Equipamentos Sociais), 1995
A maior relevância das IPSS no Norte e das Misericórdias no Alentejo e Algarve, num e
noutro caso superior ao padrão nacional, pode estar associada à maior ou menor
concentração populacional e cobertura assegurada pelas misericórdias locais em concelhos
menos densamente povoados.
A provisão de serviços e equipamentos sociais do âmbito da acção social está a ser quase
exclusivamente assegurada pelo sector privado, o qual representa 93% da rede existente.
Regista-se pois um extenso privatismo no campo da Acção Social direccionado para o
sector não lucrativo, circunstância que, associada a um incipiente Estado de bem-estar,
traduz a natureza do compromisso público com as políticas para os sectores mais
carenciados da população.
O Estado, tomando como prioridade política o reforço das iniciativas do sector privado
para lhe permitir retirar-se da provisão directa de serviços assistenciais, empenhou-se na
criação de condições legais de garantia da propriedade privada e liberdade de actuação, a
par das comparticipações financeiras para instalações, equipamento e funcionamento, sem
perda de autonomia e da condição de particular.
3.2.1.5. As respostas sociais institucionalizadas
As respostas sociais que vêm sendo produzidas pelas instituições particulares referem-se,
em geral, a serviços e equipamentos sociais normalizados através dos “acordos de
cooperação”, conforme modelo tipo de resposta, negociados e protocolados entre os
CRSS e as Instituições na base de regras e critérios legalmente definidos (Despacho
normativo 75/92).
Em 1995, de acordo com os dados da DGAS, os acordos de cooperação para o campo da
Acção Social asseguraram o funcionamento de 3 544 equipamentos sociais no continente,
os quais abrangiam (em 31 de Dezembro) um total de 314 813 utentes. O âmbito dos
acordos de cooperação da segurança social, em termos de utentes e equipamentos sociais,
bem como a sua distribuição regional, consta do Quadro 31.
Quadro 30
ÂMBITO DOS ACORDOS DE COOPERAÇÃO E SUA DISTRIBUIÇÃO REGIONAL
Instituições
(%)
Equipamentos
(%)
Equip. /
Instituição
Utentes
(%)
Utentes /
Equipam.
Continente 100,0 100,0 1,5 100,0 88,8
Norte 27,0 29,3 1,5 29,3 89,0
Centro 30,8 29,0 1,3 26,0 81,9
Lisboa e V.Tejo 30,5 30,5 1,4 35,2 102,3
Alentejo 8,7 7,6 1,2 6,2 72,5
Algarve 3,0 3,6 1,6 3,3 80,2
FONTE: DGAS, RSESS/95 (Rede de Serviços e Equipamentos sociais), 1995
Em termos dos equipamentos sociais administrados, trata-se em todas as regiões de
iniciativas de pequena dimensão. Quanto à população atendida, a média por equipamento
é relativamente elevada, particularmente nas regiões Norte e Lisboa e Vale do Tejo com
médias superiores ao valor do Continente, reflectindo a concentração populacional dos
dois grandes centros urbanos.
A uniformização dos acordos de cooperação, justificada por critérios de racionalização de
recursos e gestão financeira da segurança social (e das instituições), tem implicado uma
acentuada normalização das formas de intervenção das instituições particulares, segundo
modelos tipo resposta social, tendência que se verifica em qualquer das valências
consideradas, das mais tradicionais às de mais recente emergência (Quadro 31).
Quadro 31
RESPOSTAS TIPIFICADAS POR VALÊNCIA
VALÊNCIAS /CAPACIDADE
(acordos de 1995)
RESPOSTAS TIPIFICADAS
TERCEIRA IDADE
(108 408 utentes)
- Lares de idosos (resposta residencial temporária ou permanente),
Residências para idosos fisicamente autónomos (apartamentos com
serviços de utilização comum), Centros de Dia (serviços de apoio e
convívio para idosos), Apoio domiciliário para idosos dependentes
(cuidados básicos), Acolhimento Familiar de idosos (temporário)
PRIMEIRA E SEGUNDA
INFÂNCIA
(123 900 utentes)
- Creches convencionais (crianças até 3 anos), Jardins Infância
convencionais (dos 3 aos 5 anos), Amas (crianças de 3 meses a 2
anos, 4 crianças/ama), Creches Familiares (grupos de 12 a 20 amas)
ACTIVIDADES TEMPOS
LIVRES (ATL)
(73 963 utentes)
- Centro ATL com ou sem refeição (dos 6 aos 12 anos), Centros Juvenis
(jovens maiores 12 anos), Salas de Acolhimento (ocupação
população estudante), Ludotecas
MENORES PRIVADOS MEIO
FAMILIAR
(17 814 utentes)
- Lares de Menores (respostas residenciais para crianças e jovens),
Colégios (actividades ensino/utentes dos lares), Oficinas profissionais
(formação profissional), Centros de Acolhimento de
Emergência (acolhimento situações de risco), Acolhimento Familiar
(colocação temporária em famílias), Adopção
EDUCAÇÃO INTEGRAÇÃO
MENORES DEFICIENTES
(8 273 utentes)
- Centro de Apoio Sócio-Educativo (semi-internato), Lares de
Apoio (alojamento temporário jovens crianças), Apoio técnico
precoce (crianças dos 0 aos 6 anos/ambulatório), Centros de
preparação pré-profissional, Consulta de avaliação (intervenção
pluridisciplinar), Apoio técnico pluridisciplinar (crianças, jovens e
famílias)
VALÊNCIAS /CAPACIDADE
(acordos de 1995)
RESPOSTAS TIPIFICADAS
INVALIDEZ E REABILITAÇÃO
(7 527 utentes)
- Centros de reabilitação de cegos, Centros de reabilitação de
paralisia cerebral (CAO), Centro de Actividades ocupacionais
(ocupação de deficientes na comunidade), Lares residenciais (apoio a
jovens e adultos utentes dos CAO), Apoio domiciliário a
deficientes (cuidados básicos no domicílio), Acolhimento Familiar
de adultos deficientes (temporário),Transportes de deficientes
FAMÍLIA E COMUNIDADE
(8 093 utentes)
- Colónias de férias, Refeitórios, Albergues nocturnos (acolhimento
nocturno), Centros comunitários (resposta polivalente orientada para
a promoção e integração social), Ajudantes familiares (prestação de
serviços a famílias)
TOXICODEPENDÊNCIA
(481 utentes)
- Equipas de apoio directo (intervenção em situação de crise), Centros
de dia (ocupação e convívio e apoio social), Comunidades
residenciais de estada prolongada (unidade terapêutica),
Apartamentos de Reinserção (acolhimento e apoio na fase de
reinserção social)
APOIO DOENTES COM SIDA
(127 utentes)
- Apoio Domiciliário a doentes com Sida, Atendimento psico-social
(atendimento população em geral e acompanhamento específico de
portadores, doentes e familiares)
FONTE: DGAS, RSESS 1995
Uma certa diversificação das respostas pode ser também evidenciada, mesmo nas
valências tradicionais, com o que parece enfatizar-se respostas menos institucionalizadas
(frequentemente mais precárias), desde o serviço de amas, às modalidades de apoio
domiciliário, acolhimento familiar temporário, centros de dia e centros de acolhimento para
indivíduos de diversos grupos etários ou com necessidades específicas.
O espaço das tradicionais valências — Infância (1ª e 2ª) e Terceira Idade — continua a ser
o campo preferencial de intervenção das instituições particulares, em termos da
capacidade negociada e contratualizada no âmbito da cooperação com a segurança social.
No seu conjunto (Quadro 40) estas representam cerca de 70% das respostas tipificadas e
atenderam 66% da população abrangida pelos acordos de cooperação. Apesar disso, são
áreas também privilegiadas pelos estabelecimentos de carácter lucrativo, com padrões de
qualidade muito diferenciados e nem sempre proporcional aos custos suportados pelos
utilizadores dos respectivos serviços.
Quadro 32
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS E UTENTES POR VALÊNCIAS
ÁREA/INTERVENÇÃO
(acordos 1995)
RESPOSTAS
TIPIFICADAS
% do total
Continente
UTENTES
% do total
Continente
UTENTES /
RESPOSTA
— TERCEIRA IDADE 38,4 30,0 31,7
— 1ª E 2ª INFÂNCIA 32,6 36,8 45,9
— ACTIV. TEMPOS LIVRES (ATL)
(crianças e jovens) 17,3 20,8 48,9
— MENORES (privados meio familiar) 4,4 5,4 49,9
— MENORES DEFICIENTES
Educação/Integração 2,4 2,4 40,8
— INVALIDEZ /REABILITAÇãO 2,9 2,1 29,3
— FAMÍLIA E COMUNIDADE 1,5 2,3 63,3
— TOXICODEPENDÊNCIA 0,3 0,1 16,7
— DOENTES COM SIDA 0,08 0,04 20,3
FONTE: DGAS, RSESS/95 (Rede de Serviços e Equipamentos sociais), 1995
Problemáticas específicas tais como a deficiência, reabilitação, menores em risco ou a
toxicodependência e Sida começam a ser contratualizadas entre as IPSS e a segurança
social, ainda que frequentemente para viabilizar respostas mais ou menos precárias ou
eventuais.
A par das valências tradicionais começam a emergir novas áreas de intervenção mais
orientadas para a comunidade, em geral desenvolvidas a partir de projectos locais nos
domínios da pobreza e exclusão social, promovidos por instituições particulares com
apoio de programas de iniciativa da União Europeia. São em geral respostas polivalentes,
designadamente os centros comunitários, centros de apoio integrado (a idosos, a crianças
ou população em geral), frequentemente comparticipadas e orientadas por programas
europeus.
“Hoje a tendência é para centros comunitários, porque os centros comunitários são
uma resposta integrada, mais participada, e que abrange todas as faixas da
população. Agora os centros comunitários é que prestam respostas múltiplas, de
acordo com as necessidades locais e com mais intervenção da própria população.
Portanto, é mais fácil de sustentar uma resposta desse tipo, do que as valências,
porque há valências que são extremamente caras, que é o caso da creche. Se for uma
resposta integrada, é uma resposta que sai, até em termos financeiros e económicos,
já nem falo em termos sociais, mais barata, porque há um envolvimento das pessoas,
há um contributo das pessoas que às vezes, em trabalho, nem é em dinheiro, é
muitas vezes no esforço que fazem, umas reuniões à noite, no trabalho com a
população, desenvolveram uma actividade como voluntários” (CRSS, Técnico 1).
“Um centro comunitário pode ser (ou é) aquilo que for necessário no momento, não
é o mesmo da comunidade vizinha. É preciso ver o tipo de serviços que a instituição
presta, a quem, quantos utentes, e depois em termos de orçamentos previsionais,
calcula-se a percentagem segundo a qual a instituição é comparticipada pela
Segurança Social” (CRSS, Dirigente 6)
Parece verificar-se que, mesmo as respostas mais orientadas para a comunidade, são
frequentemente geridas (pelos serviços de segurança social e pelas instituições
particulares) como valências tradicionais, daí resultando a sua configuração como respostas
emergenciais para situações de extrema precaridade, designadamente os albergues
nocturnos, refeitórios ou colónias de férias.
“Já vai havendo alguns [acordos atípicos], nomeadamente para refeitórios e alguns
acordos de intervenção comunitária (ao nível do concelho temos apenas um acordo
para fins comunitários). Estão a decorrer muitos projectos e com o Quadro
Comunitário de Apoio, não sabemos ainda o que vai acontecer com as aprovações,
mas pensamos que vão surgir novas respostas. Mas isto funciona tudo um bocado
por modas, basta surgir a moda dos centros comunitários que depois vai tudo atrás e
nós temos que saber gerir um pouco isto”. (CRSS, Dirigente 6)
Parece ainda constatar-se que às instituições mais tradicionais (do ponto de vista
organizativo e também quanto às formas de intervenção que privilegiam) correspondem,
em regra e quase exclusivamente, valências e respostas mais convencionais.
“As instituições também não estão interessadas, muitas delas, em entrar, como eu
disse há pouco, em projectos, em novas realidades para trabalho na comunidade. Por
isso é que elas acabam por ficar um pouco isoladas, crescer sobre si mesmas, e há
instituições com muito poder, muito poder (...). As suas direcções têm um forte
poder até em termos políticos. Portanto joga-se muito, mantêm-se, eternizam-se nos
Lares, principalmente nas Misericórdias, eternizam-se as direcções. As mesas das
Misericórdias praticamente estão anos e anos, enquanto que nas IPSS mais
recentemente criadas, as de tipo associações, as mudanças nas direcções dão-se com
certa frequência. As Misericórdias têm uma hierarquia diferente das outras, como
também os Centros Paroquiais, sendo de natureza canónica jogam, portanto, um
pouco com a própria Igreja. Enfim, é preciso a autorização do Bispo para as sedes,
mudanças de estatuto, etc., etc. Portanto, há aqui algumas dificuldades para os
Centros Regionais, situação que têm que tentar gerir com um certo bom senso, o que
também é difícil” (CRSS, Técnico 1)
3.2.1.6. O financiamento público contratualizado
As comparticipações financeiras do Estado destinam-se a subsidiar as despesas correntes
de funcionamento dos equipamentos e respostas sociais administrados pelas Instituições
Particulares e os seus montantes são anualmente fixados por protocolo entre o Ministro
da Tutela e os representantes das Uniões (IPSS, Misericórdias e Mutualidades) que
representam os seus interesses.
Até meados da década de 80, a comparticipação financeira da Segurança Social
correspondia a uma percentagem (entre 70 e 80%) do custo médio das respostas sociais.
Este processo de cálculo das comparticipações públicas, face à grande diversidade de
situações no terreno, foi alterado (Despacho 49/86) de modo a conjugar o grau de carência
dos utentes, as carácterísticas locais e a capacidade económico-financeira da instituição,
mas este sistema parece não ter resultado pois todas as instituições beneficiaram do
escalão máximo, como se todas elas se situassem em zonas degradadas e se destinassem a
utentes carenciados (DGAS, 1995a). Devido a dificuldades de execução, ou outras, o
sistema de comparticipações diferenciadas mostrou-se inadequado sendo abandonado a
partir de 1990, quando de novo se introduz um sistema de comparticipação única e
uniformizada para cada resposta, posteriormente institucionalizado pelo Despacho
Normativo 75/92.
A negociação das condições e regras da cooperação entre a Segurança Social e as IPSS
ganhou visibilidade pública, a partir do início da década de 90, adquirindo o estatuto de
debate político protagonizado pela União das Instituições Particulares de Solidariedade
Social (UIPSS). São então redefinidas as regras e conteúdo da cooperação (Despacho
normativo nº 75/92), conforme iniciativa da UIPSS e em resposta às suas reivindicações,
ao mesmo tempo que o montante das comparticipações financeiras pagas pela Segurança
Social passa a ser anualmente fixado por protocolo firmado entre o Ministro da tutela e os
representantes das Uniões das instituições particulares
“O protocolo [entre o Ministro da tutela e as Uniões] e o despacho normativo
[75/92] foram os dois marcos novos, em que me empenhei, que deram nobreza à
cooperação e ao que é cooperar. Isso é um marco importante onde eu intervim mais,
intervim criando um palco político porque a União estava muito alheada da actuação
política neste sentido nobre de defesa, foi o protocolo e o despacho normativo que
foi construído por nós, foi da nossa iniciativa” (Dirigente da UIPSS).
Sendo os montantes calculados com base nos custos dos serviços necessários ao exercício
qualificado da actividade desenvolvida pelas instituições, eles não deixam de reflectir a
capacidade negocial das partes, nomeadamente a que resulta da concentração de poderes
de representação por parte das Uniões.
O papel das Uniões relativamente às instituições associadas não se esgota nesta
negociação. O Estado tem vindo a devolver-lhe também algumas atribuições em matéria de
fiscalização e regulação do funcionamento das instituições. As Uniões passam a ser o
mediador principal na fiscalização do cumprimento das obrigações das instituições no
âmbito dos acordos de cooperação, cabendo-lhes nomeadamente o envio quadrimestral da
relação dos utentes aos Centros Regionais de Segurança Social, e na avaliação da qualidade
dos serviços e do sentido social das actividades desenvolvidas pelas instituições (ibid.)43.
Em contrapartida, elas comprometem-se, nos acordos, a fornecer orientações em matéria
de gestão de recursos humanos por forma a garantir a qualidade dos serviços, assegurando
as dotações em pessoal técnico adequadas ao atendimento e bem estar dos utentes e a
realizar formação profissional dos trabalhadores das IPSS. Por outro lado, as Uniões
aceitam o encargo de sensibilizar as comunidades, pela via das suas associadas, para a
“necessidade de reforço do voluntariado e da diversificação das receitas” (Protocolo, 1996:
VII), dois factores que permitirão aliviar o Estado da pressão para manter a viabilidade das
IPSS.
Importa salientar que o orçamento da Segurança Social comparticipa financeiramente nas
despesas de funcionamento das Uniões com uma percentagem de até 70% dos respectivos
orçamentos, para que estas possam desenvolver as actividades de interesse comum às suas
associadas (Protocolo, 1996: XI).
A forma de financiamento uniformizado, actualmente em vigor, não é isenta de críticas.
Assim, o facto de a comparticipação única para cada tipo de resposta social não atender às
condições ou recursos próprios da instituição e também aos níveis de comparticipação
local que podem ser esperados, conduz a uma relativa homogeneização e até
descarácterização da diversidade qualitativa das instituições.
Para efeito de financiamento, a homogeneização das instituições, supostamente mais
igualitária e racionalizada, pode operar uma selectividade duplamente negativa: por um
lado penaliza as instituições com menor capacidade de angariar recursos próprios
(limitando-lhe as possibilidades de uma intervenção qualificada, sobretudo em problemáticas
ou respostas sociais de maior complexidade); por outro lado constitui-se em
tendencial factor de exclusão dos utentes mais carenciados, por suscitadas razões de
equilíbrio financeiro, abrindo ainda a possibilidade de mercadorização dos serviços.
“O que é que acontece se as instituições não derem prioridade às situações de maior
carência? Não acontece nada (...) também porque as instituições têm um nível de
comparticipações das famílias de tal modo baixo que o funcionamento com as
comparticipações do Estado é impossível. (...) Já houve algumas tentativas de
distinguir em termos da zona onde estavam inseridas e da população abrangida, mas
foi uma experiência curta e que não levou a lado nenhum. (...) Também as diferenças
43 Esta obrigação de remessa das listas nominativas dos utentes das IPSS foi suspensa, em Fevereiro de
1996, até à conclusão do Acordo Social de Legislatura, com o fundamento de que ocasionava um acréscimo
acentuado de trabalho administrativo, quer para as instituições quer para os CRSS.
eram irrisórias. De facto não se pode comparar uma instituição particular que
intervém numa comunidade onde a maior parte das pessoas tem um nível de vida
médio, com uma outra que esteja num bairro degradado (...). A possibilidade de
captação de recursos também é muito diferente, não só ao nível dos utentes, ao nível
da própria capacidade da instituição para arranjar receitas. Uma associação qualquer
que esteja num bairro degradado não pode pedir nada à população, portanto os
utentes que frequentam a instituição todos eles comparticipam pelos escalões mais
baixos. Realmente parece que seria mais justo que houvesse uma diferença, mas as
diferenças de financiamento também obrigam a que o Estado tivesse uma máquina
administrativa. (...) O facto é que o Estado não tem capacidade para essa
intervenção. Portanto isto quer dizer que realmente não é fácil nem possível,
também por limites do próprio Estatuto das IPSS, andar a vasculhar o que os
utentes pagam.” (CRSS, Dirigente 6)
Um estudo comparativo das comparticipações fixadas e dos custos técnicos, para
respostas sociais na área da deficiência, realizado pela DGAS, permitiu concluir que a
comparticipação do Estado é muito variável, relativamente aos custos técnicos das
diversas respostas consideradas (de 26,5% a 71,6%), mas desconhece-se a sua adequação
aos custos reais (DGAS, 1995a). O referido estudo conclui ainda pelo afastamento
existente entre as comparticipações e os custos técnicos, impossibilitando as instituições
com menores recursos de atingirem um desejável padrão de qualidade. Além disso, sendo
as instituições dotadas de uma muito desigual capacidade de gestão obtêm resultados
líquidos muito díspares, por vezes superiores aos montantes das comparticipações44.
O Inquérito anual realizado pelo INE permite fazer alguma luz sobre a estrutura
económica e financeira das IPSS, uma vez que inclui informação sobre os resultados de
gestão das instituições inquiridas45.
Quadro 33
PRINCIPAIS RUBRICAS DE CUSTOS E PERDAS DAS IPSS
Custos e perdas %
Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas 17,0
Fornecimentos e serviços externos 18,6
Custos com pessoal 51,1
- Remunerações certas 76,2
- Remunerações adicionais 5,0
- Pensões 0,5
44 É referido que um número significativo de IPSS da amostra tinham obtido, em 1993, um resultado
líquido positivo superior ao montante da comparticipação da Segurança Social (DGAS,1995a).
45A informação apresentada com base no Inquérito Anual às Instituições Particulares de Solidariedade
Social refere-se ao ano de 1994.
- Encargos sobre remunerações 15,3
- Custos com pessoal e outros que não remuner. e enc. soc. 2,9
Amortizações do imobilizado corpóreo e incorpóreo 5,0
Provisões 1,4
Impostos 0,3
Benefícios processados e outros custos operacionais 2,3
Custos e perdas financeiros 1,1
Custos e perdas extraordinários 3,2
Total 100,0
Fonte: INE, Inquérito às IPSS (1994)
No que respeita às despesas, torna-se notório o peso acentuado das verbas com pessoal.
Elas representam 51,1% da rubrica “custos e perdas” e são compostas, em cerca de 4/5,
por remunerações directas e, no restante, por encargos salariais indirectos. As despesas
não salariais consistem na sua maior parte em aquisição de bens e serviços (35,6%). O
resto é imputado a amortizações e a diferentes tipos de perdas (operacionais, financeiras e
extraordinárias). De salientar que os encargos fiscais, nestas instituições, representam
apenas 0,3%.
No que respeita às receitas, as “comparticipações e subsídios à exploração” representaram
39,7% da rubrica “proveitos e ganhos” e as “prestações de serviços” 35,7%. No seu
conjunto, as transferências do sector público (38,2%) e as contribuições dos utentes,
correspondentes grosso modo às prestações de serviços46, constituíram cerca de 3/4 das
receitas das IPSS em 1994. As rubricas correspondentes a diferentes tipos de outros
proveitos — operacionais, financeiros e extraordinários — representam 17,5% do total e
situam-se bem acima dos encargos homólogos (6,6%).
Relativamente às transferências de recursos a título de subsídios e comparticipações,
importa salientar que os CRSS são a principal fonte, com 80,3% desta rubrica.
Quadro 34
PRINCIPAIS RUBRICAS DE PROVEITOS E GANHOS DAS IPSS
Proveitos e ganhos %
Vendas 5,1
Prestações de serviços 35,7
Variação de produção 0,1
Trabalhos para a própria instituição e auto-consumos 0,4
46 A informação recolhida não permite distinguir a parte dos bens e serviços que foram vendidos em
regime livre de mercado daquela que se destinou aos utentes e que está sujeita a um regime mais controlado
de fixação de preço.
Trabalhos para a própria instituição e outros 0,4
Proveitos suplementares 1,2
Comparticipações e subsídios à exploração 39,7
- do Centro Regional de Segurança Social 80,3
- de outros do sector público administrativo 15,8
- de outros que não o sector público administrativo 3,9
Outros proveitos e ganhos operacionais 1,8
Proveitos e ganhos financeiros 5,9
Proveitos e ganhos extraordinários 9,8
Total dos proveitos e ganhos 100,0
Fonte: INE, Inquérito às IPSS (1994)
Do que foi dito para o sistema de financiamento público das instituições particulares
ressaltam as seguintes questões:
1. A regulação centralizada das relações de cooperação, por um lado favoreceu a
simplificação (e igualização) da base dos acordos de cooperação, por outro lado tentou
gerir centralmente a complexidade e diversidade dos acordos atípicos (para situações não
previstas e eventualmente mais próximas das necessidades locais);
“Naquelas respostas que estão tipificadas podemos fazer os acordos de cooperação
com a limitação das reservas orçamentais, o que também é uma questão muito
limitativa porque os acordos de cooperação vêm basicamente na sequência de
investimentos — os investimentos do PIDDAC — ou na continuidade de projectos
de luta contra a pobreza. Depois há limitações orçamentais que não podemos
ultrapassar. Nós tínhamos uma grande carteira de acordos de cooperação por
executar e este ano foi possível incluir noutro programa. Isso foi uma boa coisa que
nos aconteceu este ano. Mas em relação aquele tipo de acções que não estão muito
tipificadas, nós podemos normalmente propor acordos atípicos, mas tem um
processo um pouco mais demorado e (...) um pouco mais restritivo” (CRSS,
Dirigente 5).
2. A uniformidade seguida no sistema de financiamento das IPSS não reconhece a
diversidade das iniciativas, da população destinatária, das potencialidades/limites locais,
dos investimentos inovadores e da qualidade dos serviços prestados. Como consequência
permite, e até suscita, práticas de selectividade que favorecem a população solvente
(definindo cotas maiores para os escalões superiores de comparticipação dos utentes) e
estratégias mais ou menos ocultas para obtenção de comparticipações adicionais (por ex.
através de contribuições “voluntárias” da família ou dos próprios).
“Os lugares comparticipados pelo Estado não devem ser para toda a gente. Não
podemos aceitar que um indivíduo que tem uma reforma de centenas de contos
esteja num lar, sendo comparticipado da mesma maneira que os outros. (...) A
igualdade neste caso tem que ser a desigualdade de tratamento. Se a comparticipação
do Estado fosse variável em função da pessoa apoiada isso permitiria que algumas
das instituições se dedicassem a pessoas carenciadas. (...) Eu acho que a maior parte
das instituições procura as pessoas de mais altos rendimentos, ficando os de mais
baixos de fora” (CRSS, Dirigente 4).
“Há uma comparticipação de 70% sobre a pensão do idoso, o restante fica para ele.
O princípio é este; só que, como sabe, há, de facto, esta exigência de
comparticipação da própria família. É uma exigência que acaba por ser voluntária
(...) e trata-se assim de montantes bastante elevados. Isso passa um pouco à
margem, de facto, dos próprios serviços (...) Isto depois tem a ver com as próprias
contas, que são apresentadas... Há muitos aspectos que não estão salvaguardados e
que a própria instituição reserva para si. Isto é uma área que lhes diz respeito e os
Centros Regionais não têm nada a ver com isso, embora estejam estabelecidos
plafonds relativamente à comparticipação do CRSS, mas não são seguidos.” (CRSS,
Técnico 1)
3. A não informação das alterações do número de utentes (Despacho Normativo 75/92),
com implicações nos montantes da comparticipação da Segurança Social, parece ser uma
prática corrente das instituições para garantir a regularidade dos máximos acordados.
Deste modo, a concepção, contratualização e implementação da provisão social, traduzida
pela rede de serviços e equipamentos sociais, parece estar organizada segundo parâmetros
diferentes dos que enformam os designados direitos sociais. Parece até ser mais afirmativa
da institucionalização dos direitos dos produtores privados em detrimento das garantias
sociais devidas aos cidadãos.
3.2.2. As Instituições particulares na perspectiva dos CRSS
Nas entrevistas aos dirigentes e técnicos dos CRSS foi solicitada uma apreciação sobre as
instituições particulares com acção na área em que exercem as suas competências,
nomeadamente sobre os aspectos positivos e negativos do seu funcionamento e da acção
desenvolvida. Os entrevistados, apesar da dificuldade que reconheceram numa apreciação
global das instituições, elencaram um conjunto de aspectos positivos e negativos que
consideram atravessar a generalidade das iniciativas.
Aspectos Positivos
Um primeiro aspecto, amplamente referido, é o do papel que as instituições
desempenham de preenchimento das lacunas do Estado no campo assistencial, através da
criação e gestão de uma rede de serviços sociais básicos. Em qualquer um dos distritos,
verificou-se que as instituições constituíam o mais extenso modo de provisão social de
serviços de apoio à criança e ao idoso.
“Acho que as próprias instituições também tendem a alargar e intervir também
noutras áreas, como é o caso da juventude, que de facto é uma área que está bastante
descurada em termos de acção social. Na juventude há uma faixa etária que mesmo
em termos de valências está praticamente a descoberto. (..) Dos 12 aos 17 ou 18
anos não há praticamente nada ... A Segurança Social não tem praticamente nada ou
muitíssimo pouco — a deficiência e pouco mais. Eu acho que as IPSS têm, de facto,
desenvolvido actividades muito importantes nas comunidades, têm um grande peso
e são, de facto, um grande suporte na acção social das comunidades” (CRSS, Técnico
1).
Para a actual centralidade do papel das instituições particulares concorreram a extensa
omissão do Estado quanto à universalização de serviços assistenciais básicos (data de
1979 a primeira tentativa nesse sentido a qual foi suspensa em 1980) e uma clara
tendência de privatização (indiscriminada) ou a retirada do Estado da provisão social
directa, sem cuidar da garantia do direito de acesso e da responsabilidade de complementar
e suprir lacunas da provisão privada.
Mais do que compensar as insuficiências do Estado, as instituições particulares vêm
crescentemente substituindo o Estado no domínio da provisão social de serviços
assistenciais, parecendo estar em causa mesmo uma intervenção subsidiária da produção
privada, no sentido de suprir as eventuais lacunas em termos de qualidade e acessibilidade
dos serviços e uma melhor adequação das respostas sociais às necessidades e população a
atender.
“Também tem que se ter em atenção que, mesmo tendo taxas de cobertura aceitáveis
em termos das respostas mais tradicionais, essas respostas asseguram só até certo
momento e a partir daí ficam sem resposta. Mesmo os apoios domiciliários, que
surgiram como alternativa ao internamento, resultam em termos de ser a alternativa
que se pretendia, mas com um apoio domiciliário a funcionar de segunda a sexta-feira
.... Mas toda a gente reconhece, inclusivamente a DGAS, que de facto aquilo que o
Estado paga pela manutenção de um apoio domiciliário não dá para funcionar sete
dias por semana, até porque para funcionar sete dias por semana tem que haver um
aumento significativo de pessoal. As pessoas têm que ter as suas folgas ... e há ainda
o problema das férias. Além de que há apoios domiciliários que não têm uma
cozinha a funcionar, uma lavandaria, etc.” (CRSS, Dirigente 6)
Um segundo aspecto respeita à economia de recursos e constitui um dos aspectos mais
consensualmente positivos para os entrevistados. No entanto, a economia de recursos
parece ser conseguida, sobretudo pela redução dos custos e qualificação do trabalho
profissional, com evidentes implicações na qualidade dos serviços prestados e
precarização das respostas.
“Esquecida esta questão da qualidade eu acho que ao Estado ficava mais caro porque
o absentismo na Administração Pública é muito grande e os quadros de pessoal que,
em regra, temos nas instituições [públicas] são sempre maiores. (...) Imagine que as
400 e não sei quantas instituições que há neste distrito pertenciam ao Estado, era um
gigantismo que traria custos administrativos impossíveis de aguentar (...). Uma
criança num equipamento nosso não custa 20 e tal contos, que é aquilo que nós
pagamos a uma instituição particular para ter uma criança numa creche ou num
jardim de infância (...) Realmente a questão da qualidade é seguro que será afectada
porque a poupança também é paga à custa da falta de qualificação técnica, não é só à
custa dos vencimentos mais baixos” (CRSS, Dirigente 6).
As despesas de manutenção e funcionamento regular dos serviços e equipamentos sociais
administrados pelas IPSS e equiparadas absorveram, em 1995, cerca de dois terços do
orçamento da Acção Social47. Não está incluído neste valor o montante, certamente
significativo, referente ao financiamento de instalações (PIDDAC), comparticipações de
outros departamentos estatais (mais significativos em alguns tipos de resposta social),
além dos subsídios eventuais da Segurança Social.
Conforme assinalado pelos entrevistados, parece ser cada vez mais frequente, por parte
das IPSS, a utilização de diversas estratégias para obter comparticipações complementares
da Segurança Social ou outros departamentos estatais, subsídios eventuais sob
justificações diversas, mas também apoios mais regulares de outros Ministérios (Emprego
e Qualificação Profissional, Educação, entre outros) destinados a projectos ou respostas
sociais específicas.
“Tenho conhecimento de algumas instituições que tentam conseguir meios através
de instrumentos que são postos à disposição, e vão a outros Ministérios, a outros
47 A análise das prestações da Acção Social, entre 1985 e 1994, mostra um aumento constante do peso dos
acordos de cooperação no orçamento geral da Acção Social, de 52% em 1985 para 68,6% em 1994
(Hespanha, 1997).
domínios tentar esse efeito. E dá o carácter heterogéneo que algumas IPSS começam
a ter neste momento — já não é só uma vertente de solidariedade social, um centro
cultural, — de forma a conseguirem uma série de subsídios de outras instâncias que
depois no seu conjunto minimize aquilo que está mais fragilizado” (CRSS, Dirigente
1)
“Algumas instituições começam agora a descobrir novos programas e encaram isso
como uma forma de financiamento. Isso não é mau desde que se aproveite para se
fazer o resto, para se voltar para a comunidade. De facto eu acho que a questão
central está nas poucas disponibilidades que o CRSS tem neste momento, na forma
como está organizado e o modo como isso se repercute negativamente ao nível das
IPSS, quer no apoio técnico que se tem que dar, quer ao nível das novas respostas.”
(CRSS, Dirigente 6)
Uma maior proximidade ao meio social foi também positivamente assinalada, sobretudo
pela disponibilidade e rapidez de resposta (ainda que precária) em situações de urgência,
seja pelo internamento em lar de um idoso ou deficiente, um apoio em creche a uma
criança, ou outras.
“Temos em todos os concelhos, com excepção de dois, projectos de
desenvolvimento integrado de Acção Social que integram trabalho de parceria ao
nível da Acção Social, com os Centros Regionais, as Autarquias, as IPSS e outras
entidades. Mas sobretudo as IPSS, como desenvolvem já a actividade há muitos
anos, são muito próximas das pessoas, têm um conhecimento das pessoas, têm um
grande conhecimento, portanto, e esse conhecimento evidentemente que quando se
trata de uma situação de urgência (...) a IPSS dá essa resposta, em princípio. Dada a
sua proximidade das pessoas, rapidamente a instituição dá a resposta” (CRSS,
Técnico 1).
“[As instituições] fazem sempre o favor de nos receber mais uma [criança], nem que
seja por uma noite ou duas, mesmo que coloquem um colchão no chão, cabe sempre
mais uma. Nós aí temos tido sempre uma resposta extremamente positiva por parte
das instituições, nomeadamente (...) das instituições que têm esse tipo de
equipamentos e que acabam por ter de dar uma resposta” (CRSS, Dirigente 5).
A experiência de contacto com as instituições para procurar ajuda, por parte dos cidadãos
em situação de carência ou vulnerabilidade social (e eventualmente recorrentes dos
serviços assistenciais), parece não ser muito significativa. A partir da análise dos
questionários48 conclui-se que apenas 12% dos inquiridos tinham recorrido a este tipo de
instituições. A maior frequência dos pedidos dirigidos às IPSS (cerca de 80%) refere-se a
48 Referimo-nos aos questionários aos cidadãos em situação de risco social, aplicados no âmbito desta
pesquisa nos terrenos seleccionados.
serviços (apoio domiciliário e outros) ou a ajudas materiais (financeiras ou outros bens).
Quanto ao resultado, 83,1% dos inquiridos consideram que o seu pedido foi atendido, mas
a resposta não foi satisfatória para os cerca de 25% que referem não ter sido resolvido o
problema que justificou o contacto.
“Sabe-se que, por exemplo ao nível deste distrito, há uma intervenção muito grande
por parte das IPSS, mas não têm a abertura desejada ao nível da intervenção na
comunidade. Mas isso também não acontece porque de facto os apoios ao nível
técnico nem sempre são os melhores.” (CRSS, Dirigente 6)
Aspectos Negativos
A deficiência dos recursos humanos nas instituições aparece como um dos aspectos
negativos mais referidos. Deste ponto de vista a situação das instituições é considerada
particularmente frágil, quer pela falta quer pela inadequação dos quadros de pessoal
(técnico e de apoio), em grande parte devidas às deficientes condições de trabalho nas
instituições, em termos de remuneração, horários e acumulação de funções49.
As limitações à contratação de pessoal qualificado são, em regra, atribuídas a razões de
“poupança” por parte das instituições, mas reconhece-se que em algumas situações,
particularmente em regiões do interior, poderá também ser devida à inexistência de
recursos disponíveis no mercado de trabalho.
Os entrevistados consideram que a não existência de pessoal técnico nas instituições, além
da desvalorização dos serviços prestados às populações, dificulta a intervenção dos CRSS.
Estes, na falta de interlocutores para questões mais especializadas, precisariam de criar
disponibilidades acrescidas para poder assegurar às instituições o apoio técnico desejável.
Nos serviços de internamento, os problemas da falta de pessoal técnico tendem a ser
agravados pelas poucas disponibilidades em pessoal de apoio, devidas em parte à grande
precaridade dos vínculos contratuais com a instituição.
“As instituições muitas delas não têm pessoal técnico. Dá uma dificuldade em
implementar qualquer iniciativa, qualquer sugestão. Dar o apoio, a quem é que se dá
? Como não existe, é difícil, por exemplo, recorrer às próprias encarregadas gerais,
que muitas vezes não são pessoas assim qualificadas. Fazem a gestão da casa, mas
49 Os dados apurados pelo Inquérito Anual do INE permitem avaliar o peso dos trabalhadores com contrato
a prazo e dos trabalhadores sem contrato, embora a forma como foi recolhida a informação não permita
saber qual a proporção dos trabalhadores sem contrato que se refere a trabalhadores não remunerados ou a
dos trabalhadores remunerados em orgãos sociais. No entanto, se se reportarem apenas ao pessoal
remunerado, o peso dos trabalhadores a prazo sobe para 12,4% e o dos trabalhadores sem contrato
representa 11,5% dos trabalhadores remunerados.
não estão preparadas muitas vezes para receber informação, para participar num
trabalho diferente (...) O caso dos lares é o caso mais grave. Não têm um médico permanente,
é um médico que passa lá de vez em quando. (...) Há algumas dificuldades
mesmo em termos do próprio pessoal de enfermagem. Esses ainda é mais grave que
os próprios médicos. (...) Há muitos idosos que são dependentes e como tal
precisam de uma assistência permanente. Outra grande questão é a da reabilitação
(...). Há grandes dificuldades nos idosos que entram num Lar e depois não têm
qualquer tipo de estímulo em termos físicos nem psicológicos. (...). As pessoas
entram ali e é comer, dormir ... e pouco mais. De facto, passam os dias nas salas de
estar e sem fazer absolutamente nada. Eu acho que isso é um grande problema e que
passa especialmente por pessoal para trabalhar com os idosos, os mais válidos e
aqueles que no momento estão mais dependentes para não ficarem mais dependentes
ainda.” (CRSS, Técnico 1).
Além do caso, particularmente dramático, dos lares de idosos ou de deficientes, a falta de
pessoal técnico é também considerada grave nos serviços de apoio à criança, em particular
de internamento de crianças privadas de meio familiar. Neste caso foi evidenciada a
impossibilidade de uma adequada articulação com o meio social.
“no caso, por exemplo, das crianças privadas do meio familiar, isso é óbvio porque
se não for um trabalho de equipa, a criança permanece indefinidamente internada,
nunca há alternativas para ela. O que se pretende é que ela tenha um internamento
temporário, quando é possível, evidentemente, e que haja um regresso à própria
família. Para haver um regresso à família, é preciso conhecer a família, é preciso
saber trabalhar a família no sentido de ela recuperar, porventura... se for família de
risco; é necessário trabalhar essa família com vista à reintegração” (CRSS, Técnico
1).
O mesmo tipo dificuldades parece ser extensivo à generalidade dos serviços prestados
pelas instituições.
“Normalmente o que fazem os Apoios Domiciliários das instituições particulares é
única e simplesmente o fornecimento de refeições e uma vez por dia (...) O Centro
Regional paga 20 mil e qualquer coisa por cada Apoio Domiciliário, ao utente é-lhe
aplicada uma taxa x que tem de pagar, e é deixar a marmita. Deixam a marmita e
levam a vazia e nem sequer vêem o utente quando, na realidade, o que está
[estabelecido] é, pelo menos, a prestação de 4 serviços: fornecimento de refeições,
higiene do idoso ou do deficiente, tratamento de roupas e a higiene da habitação”
(CRSS, Técnico 2).
As insuficiências (quantitativas e qualitativas) de pessoal foram atribuídas, pelos
entrevistados, sobretudo a fragilidades da gestão das instituições. De um modo geral são
apontados a falta de dinamismo e voluntarismo dos dirigentes, o que resulta numa direcção
autocrática e sem profissionalismo, por vezes acompanhada de um certo desprezo pelo
trabalho dos técnicos. Além da falta de profissionalismo para a gestão, são também
destacadas fragilidades em termos de competência e qualificação para orientar a instituição
para objectivos de protecção social, sobretudo se estes não se restringirem às valências
tradicionais.
Num estudo recente das “Organizações Não Governamentais de Solidariedade Social”50,
salienta-se, relativamente ao modelo organizativo das Instituições, o baixo nível de
rotatividade dos presidentes de direcção, o que coloca a instituição na dependência da
iniciativa e personalidade do seu presidente correspondendo-lhe uma forma de liderança
autocrática e, na prática, com grande autonomia nas decisões mais estratégicas. Conclui-se
aí que o papel dos técnicos está em regra limitado à gestão quotidiana das valências e que a
participação do pessoal e dos utilizadores no processo de tomada de decisões é
reduzidíssima (Capucha et al., 1995:34). Esta conclusão foi várias vezes corroborada
pelos dirigentes e técnicos dos CRSS entrevistados.
A forma como são fixadas e administradas as comparticipações dos utentes foi outro dos
aspectos mais negativamente assinalados. Reconhece-se o afastamento de algumas
instituições do princípio da orientação para a população mais carenciada, ainda que, em
parte, os desvios verificados sejam atribuídos ao sistema de financiamento em vigor.
“As instituições desta natureza deviam estar principalmente vocacionadas para as
populações mais carenciadas mas que não têm competência para, digamos, aumentar
as receitas da instituição e às vezes poderá acontecer que, de algum modo, por
razões desta natureza, as instituições, porque não podem, porque não têm meios
financeiros próprios, dêem preferência aos de mais elevados rendimentos
penalizando uma vez mais o que mais precisa. Felizmente, isso não é uma matéria
que tenha acontecido (...) É dificilmente controlado e aí começam exactamente as
fronteiras, até onde vai a segurança social e onde é que estão as instituições, aqui de
facto começa um problema grave. E na parte dos idosos a coisa é muito mais
complicada. É como a história que publicamente se diz que às vezes em
determinados lares mesmo não lucrativos, IPSS, as pessoas exigem determinados
pagamentos. Não é tão claro, obviamente... embora seja, não temos meios para
controlar situações dessa natureza.” (CRSS, Dirigente 1)
Quanto à forma como são fixadas as contribuições dos utentes, parece existir uma “total”
50 Inquérito às Organizações não Governamentais de Solidariedade Social, realizado em 1995 pela Rede
Europeia Anti-Pobreza e pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, que abrangeu
2.606 Instituições e teve uma taxa de resposta de cerca de 30,6% (800 respostas).
liberdade de actuação das IPSS, sendo referidas discrepâncias enormes nos valores das
comparticipações exigidas para uma mesma valência de instituição para instituição. Essa
liberdade é frequentemente usada para privilegiar situações mais “compensadoras” em
termos financeiros, as quais são justificadas pela falta de recursos e liberdade de actuação
da instituição.
“As IPSS estão muito à vontade relativamente às comparticipações, nos utentes.
Gerem isso de uma forma completamente à vontade. Há uma norma, mas nós não
temos controlo absolutamente nenhum relativamente a esse procedimento e às vezes
criam-se situações... Nós temos queixas... Queixam-se a nós porque uns utentes
pagam muito em relação a outros, outros sentem que pagam demais, principalmente,
em lares de idosos. Depois as pessoas que têm dinheiro muitas vezes entram com
prioridade e se calhar não têm tanta necessidade. Não se põe em termos de
necessidades mais urgentes, mas em termos de quem pode pagar mais.” (CRSS,
Dirigente 2).
Refira-se ainda o eventual uso das situações de carência económica como forma de
chantagem e de pressão política para tornar aceitáveis “determinadas situações, que não
teriam razão de ser noutras circunstâncias” (CRSS, Dirigente 5). Desta forma parece
procurar-se obter dos serviços públicos, certos “favores”, financiamentos complementares
ou outros, ou ainda manter situações menos regulares em termos legais e, sobretudo, na
perspectiva da orientação para os sectores mais carenciados da população.
Com vista à obtenção de uma visão geral sobre as Instituições Particulares, foi pedida aos
dirigentes dos CRSS uma avaliação da actuação e funcionamento das IPSS, usando uma
escala de 0 a 20 para pontuar os seguintes aspectos: qualidade dos serviços prestados,
eficiência na gestão dos recursos, orientação para os utentes, dinamismo dos dirigentes,
autonomia atribuída aos profissionais, capacidade de angariar recursos próprios,
capacidade de cooperar com outras instituições, respeito pelos fins estatutários e
cumprimento dos acordos com a Segurança Social.
Apesar da dificuldade de uma avaliação quantitativa, em qualquer dos aspectos
considerados, a classificação atribuída nunca foi superior a 15 (no geral situam-se entre os
10 e os 15 pontos) e alguns aspectos receberam pontuações negativas.
“De todas estas questões nunca ultrapassaria os 15 valores (...). Em relação ao
respeito pelos fins estatutários, penso que respeitam muito pouco ... Capacidade de
angariar recursos próprios há algumas que têm, têm grande dinamismo, mas isso vem
com a continuidade... às vezes têm mais numa fase inicial e depois acomodam-se um
bocado, também porque depois a própria comunidade não participa. No cumprimento
dos acordos acho que elas não têm preocupação nenhuma em cumpri-los,
porque nós definimos um quadro de pessoal, e chegamos lá e às vezes está virado ao
contrário ... A capacidade de cooperar com outras instituições eu acho que é uma
coisa que está a aumentar, há uns anos atrás não, mas neste momento, quer porque
têm mais técnicos e os técnicos sentem necessidade de colaborar com outros
técnicos” (CRSS, Dirigente 5)
Os aspectos que receberam mais pontuações negativas referem-se às questões da
“autonomia atribuída aos profissionais” e “capacidade de angariar recursos próprios”, logo
seguidas da “orientação para os utentes”, “capacidade de cooperação com outras
instituições” e “respeito pelos fins estatutários”. Apenas três aspectos, “qualidade dos
serviços prestados”, “eficiência na gestão dos recursos” e “cumprimento dos acordos”,
foram avaliados positivamente, ainda que também a um nível relativamente baixo por
todos os dirigentes dos Centros, mas sempre na base duma afirmada heterogeneidade das
IPSS relativamente a essas questões, as quais variariam muito de instituição para instituição.
Comparação das IPSS com serviços congéneres
Foi ainda pedido aos entrevistados que comparassem o funcionamento e acção das IPSS
com estabelecimentos congéneres, quer estatais quer do sector privado lucrativo.
A. Do Estado. A comparação das IPSS com instituições congéneres do Estado foi
francamente favorável às segundas. Em geral considera-se que os estabelecimentos
estatais, dependentes dos CRSS, têm um nível bom ou muito razoável de prestação de
serviços, isto porque dispõem de melhores condições materiais (em regra não existem
limitações orçamentais) e, sobretudo de um quadro de pessoal tecnicamente qualificado e
regularmente actualizado através de uma adequada formação em exercício.
“De uma forma geral, o recurso aos técnicos é mais adequado no serviço público do
que no serviço privado e a utilização dos recursos existentes, quer financeiros, quer
material, quer humanos, é mais eficiente em relação aos resultados alcançados”
(CRSS, Dirigente 5).
“E eu posso dizer que nos centros infantis geridos pela Segurança Social, se tivesse
que classificar... eu penso que os nossos, de uma forma geral, os nossos são
melhores, se comparar... Atenção que eu estou a pôr as IPSS todas! Os nossos são
melhores. Nós temos melhores profissionais, melhor racio técnico/utente, de uma
forma geral, muito boas instalações, a nossa qualidade considero-a boa.” (CRSS,
Dirigente 3).
“Eu acho que as estatais tinham obrigação de funcionar melhor porque não tem
restrições a nível nenhum. Tanto faz que se gaste muito ou se gaste pouco, tem um
orçamento que cobre. Claro que tem às vezes dificuldade de pessoal, como todos
nós temos. Mas eu acho que as instituições do Estado não têm desculpa para não
serem modelo, enquanto que as IPSS (...) Porque elas têm direcções com pessoas
com a 4ª classe (mas é quem lá há) e se calhar são as pessoas que mais próximas
estão daquela realidade, porque quando não têm meios próprios nem grande
capacidade de captar receitas de fora (...) Se não tiverem outras receitas como é que
aumentam os salários? Eu não quero parecer a protegê-los demais mas tenho que
reconhecer que quem depende de subsídios de fora ... o problema é elas não criarem
formas de autofinanciamento. Isto não é para dizer que as nossas funcionam pior, eu
acho que não funcionam, mas tinham obrigação de ser modelo.” (CRSS, Dirigente 6)
Não obstante, o que se verifica é que os estabelecimentos da rede pública estão a ser
entregues à administração das IPSS, no âmbito dos designados “acordos de gestão”. Em
parte, trata-se de dar corpo a um princípio de privatização da rede pública da Acção
Social, em parte trata-se do reconhecimento que o regime público de gestão é muito
pesado do ponto de vista burocrático e que a entrega dos estabelecimentos à gestão das
IPSS resolve esse problema51.
B. De finalidade lucrativa. A comparação com estabelecimentos congéneres de carácter
lucrativo, em termos de funcionamento interno e de actuação, é francamente favorável às
IPSS, muito particularmente no caso dos lares para pessoas idosas.
“A qualidade dos serviços prestados é inferior, normalmente muito inferior, dado
que o espírito é de lucro e o quadro de pessoal normalmente é restrito, não existe
pessoal técnico e as instalações, normalmente, também não são as melhores.
Qualquer casa, qualquer andar serve para Lar de Idosos, embora estejam sujeitos ao
licenciamento por parte do Estado (...) Isto para os Lares de Idosos, sobretudo,
porque no caso de Jardins de Infância e sobretudo ATL's é evidente que a qualidade
é melhor” (CRSS, Técnico 1).
“Estou a pensar, por exemplo, na infância temos algumas de fins lucrativos boas,
mas se pensar nalgumas muitíssimo boas em termos de IPSS eu acho que posso
dizer que o serviço das IPSS ainda é preferível, às lucrativas na infância e, de longe,
na área da população idosa” (CRSS, Dirigente 3).
“Algumas funcionam pessimamente e, como na realidade o Estado também dá o seu
51 Esta solução encontra algumas dificuldades, nomeadamente com a integração do pessoal do quadro que
se torne dispensável. Os acordos de gestão regulam esta questão, mas é frequente parte do pessoal não ser
integrado na instituição particular e ter de ficar nos serviços de Acção Social dos Centros a que pertenciam
(CRSS, Técnico 1).
parecer para que elas possam entrar em funcionamento, eu penso que o que é
necessário é que haja, de facto, periodicamente, uma fiscalização. (...) O problema é
que se os familiares não levantam os problemas, eles começam a criar má relação
com os utentes e muitas vezes os familiares não falam, preferem ficar calados,
mesmo sabendo que os utentes estão mal cuidados. Nas instituições lucrativas
acontece isso muito, isto do conhecimento empírico que eu tenho da situação, do
que ouço de outras colegas que, na realidade, têm trabalhado com instituições e de
familiares que muitas vezes vêm colocar os problemas que os utentes lá dentro
passam mas pedem o anonimato, com medo de represália em relação aos familiares
que lá têm. Porque se houvesse instituições particulares [não lucrativas], mesmo
assim, eu tenho impressão que muitos dos utentes que estão nas instituições ainda
as escolheriam; primeiro porque pagam menos (...) e depois as pessoas pagam bem,
muitas vezes são mal servidas.” (CRSS, Técnico 2)
“Nós andamos a tentar fazer um levantamento mais exaustivo possível de todos
esses estabelecimentos para tentarmos, também, encontrar uma solução porque o
problema de fechar esses estabelecimentos, só mesmo aqueles que estão em
condições extremamente degradadas é que fechamos. Fechamos ou tentamos fechar...
Isto é sempre um processo contencioso. Mas nos outros, se não tivermos resposta,
porque uma coisa é fechar e as pessoas têm que ir para algum sítio. Temos algumas
portas fechadas, não é? Temos alguma dificuldade nisso” (CRSS, Dirigente 2)
Não obstante, tem sido tolerado o funcionamento de estabelecimentos lucrativos em
condições de grande precaridade e isto deve-se quer à incapacidade de fiscalização por
parte dos serviços de Segurança Social, quer à ausência de adequados níveis de cobertura
pelo sector não lucrativo e/ou estatal. Acresce que, sendo essa por vezes a única
alternativa para situações de grande vulnerabilidade (caso dos idosos dependentes), os
serviços locais da segurança social vêm-se confrontados com a inevitabilidade de financiar
a colocação de utentes naquelas condições e, desse modo, estão a contribuir indirectamente
para a sua manutenção.
3.2.3. As formas não institucionalizadas
Uma parte das acções assistenciais identificadas nos terrenos da pesquisa é referida a
grupos locais “não institucionalizados”, tem um carácter voluntário e é dirigida a situações
de extrema vulnerabilidade económica e social. Trata-se de iniciativas de voluntariado
social de tipo sócio-caritativo, localmente organizadas (ao nível da freguesia ou concelho),
em regra enquadrados no âmbito das actividades da paróquia e integradas por organizações
católicas (nacionais ou internacionais) de grande tradição na assistência caritativa.
“ Não, não há (iniciativas menos institucionalizadas). Agora tudo quanto aparece
institucionaliza-se, a tendência é para institucionalizar até porque recebem apoios.
Há algumas associações benévolas e tradicionais, com alguns anos de implantação
que têm uma intervenção como as Conferências S. Vicente de Paulo que a gente não
pode menosprezar, embora reconheça que são constituídas por voluntários, que têm
esquemas de conceber a solidariedade muito própria, com métodos um pouco
arcaicos, mas que significam um grande apoio para nós. (...) Um idoso ou um casal
que viva com a pensão social o que é que pode tomar mais do que uma chávena de
cevada? Não pode. Nem para medicamentos ... Para além da pobreza exposta há
muita pobreza encoberta ... e nos idosos é um pavor ... Quando há rusgas, nos
nossos bairros, e são detidos 10/12 indivíduos, de uma maneira geral chefes de
família, aqueles agregados ficam a passar fome, aquelas crianças vão para a escola
cheias de fome; porque é o pequeno tráfico de droga que garante a subsistência.”
(CRSS, Dirigente 6).
Por outro lado, estas iniciativas parecem ser bem conhecidas das famílias em risco,
particularmente quando, em situação de extrema precaridade ou no limite da
sobrevivência, esgotaram as possibilidades de resposta pelos serviços institucionalizados
(públicos ou privados). As famílias em situação de risco social (abordadas no âmbito
desta pesquisa) referem-se a este tipo de iniciativas, como recurso mais ou menos precário
(mas por vezes o único) para as necessidades de sobrevivência quotidiana.
Dentre as mais referidas pelos entrevistados incluem-se as Conferências de S. Vicente de
Paulo, a Cruz Vermelha, a AMI, Caritas, a Legião da Boa Vontade e as designadas “Sopa
dos Pobres” (que, em regra, são da iniciativa de organizações religiosas). Registe-se que, a
generalidade dos cidadãos que recorreu a este tipo de iniciativas é também utilizadora das
instituições locais, sejam de natureza privada ou pública (instituições particulares de
solidariedade social, serviços de acção social da segurança social, juntas de freguesia).
As iniciativas locais
No contexto desta pesquisa, foram particularmente destacadas duas localidades —
Sandofim e Flor de Malva — pela visibilidade que os diversos depoimentos (CRSS,
Instituições Locais, Famílias) atribuem a iniciativas locais não institucionalizadas. Estas
consistem, em geral, na acção de grupos de “voluntários”, que se inserem em actividades
das paróquias, sendo considerados próximos da população local e dos seus problemas e
necessidades.
Dentre as iniciativas identificadas nos terrenos da pesquisa mencionam-se, de seguida,
aquelas que parecem ter uma maior implantação local ou que são melhor conhecidas nas
comunidades.
A - Grupo de “visitadoras” (OIP 3, Sandofim). Organizado em 1993, no âmbito da acção
paroquial, o grupo é constituído por cerca de 30 pessoas que apoiam (actualmente) 110
famílias, previamente “sinalizadas” por elementos da vizinhança. O grupo está organizado
em “rede”, de modo a assegurar uma cobertura integral de todos os locais da freguesia.
Este grupo veio substituir o anterior “gabinete de atendimento” às famílias (quase
institucionalizado), organizado em 1987 com a colaboração de religiosas e que funcionou
durante algum tempo no centro paroquial (como extensão local da Caritas Diocesana),
contando com o apoio financeiro e técnico do CRSS e, também, com o contributo da Cruz
Vermelha que disponibilizava verbas para pagamento urgente de despesas de saúde.
“Neste momento o que existe é um conjunto de pessoas ... voluntárias ... (...) Existia
um grupo de atendimento localizado e datado inclusivamente, referenciado com hora
e dia. Nós, neste momento, invertemos inteiramente isso, acho que o utente (...) não
deve recorrer aos serviços, mas os serviços é que têm de estar no meio dessas
necessidades.” (OIP 3) .
O “atendimento” às famílias, na anterior versão de gabinete quase institucionalizado ou na
versão actual de “visita” personalizada à família no seu domicílio, funciona e é concebido
como resposta de emergência para situações de grande precaridade, e consiste na
distribuição de géneros (roupas, calçado, alimentação e outros bens essenciais) e no
pagamento de despesas urgentes de saúde (medicamentos e tratamento médico),
transportes, alimentação, vestuário, ou outras despesas do agregado, como contas em
atraso, electricidade, jardim de infância, etc. Estas ajudas são suportadas pelas
comparticipações financeiras regulares do CRSS e da Câmara Municipal (através de
subsídios eventuais) e por alguns donativos de particulares, da Diocese e de outras
instituições locais, sendo a sua distribuição assegurada pelo trabalho voluntário das
“visitadoras”. O acesso às prestações assistenciais faz-se através de um primeiro contacto
com o pároco ou com os voluntários que visitam a zona e que são conhecidos através da
apresentação pública que é feita a nível da paróquia e também pela divulgação feita pelas
famílias já apoiadas nas várias zonas. O apoio social das famílias opera ainda pelo
encaminhamento dos pedidos para as instituições locais públicas ou privadas,
designadamente de subsídios pecuniários, marcação de consultas, tratamento ou
internamento de toxicodependentes, situações de realojamento de famílias com acções de
despejo.
B – Conferências Vicentinas52
Desde há cerca de 60 anos, existe uma delegação local, fundada por naturais da freguesia
(entre os quais alguns pequenos comerciantes) e actualmente constituída por 16
“confrades” (2 homens e 14 mulheres), todos voluntários (OIP 2, Flor de Malva). A sua
actuação centra-se nas famílias mais carenciadas e com problemas sociais graves
(toxicodependência, crianças deficientes, entre outros) e consiste em diferentes tipos de
ajuda:
“há 30 anos quando fui para lá eu lembro-me que dávamos senhas às pessoas pobres
para elas irem à mercearia (...) Depois começamos a dar dinheiro (...) e entretanto,
depois, acabamos com isso e agora temos géneros e levamos (...) e pagamos
medicamentos e damos ajudas” (OIP 2 - Voluntário)
Por vezes, recorrem ao “apoio técnico” de instituições locais (centro social paroquial,
misericórdia, entre outras) e, não dispondo de instalações próprias, partilham as do
Centro Paroquial onde têm um espaço de trabalho (organização e reflexão do grupo) ou, se
necessário, utilizam as casas dos próprios “confrades”.
A sua acção abrange todo o concelho, centrando-se nas famílias mais carenciadas e com
problemas sociais graves (toxicodependência, crianças deficientes, entre outros)
“há 30 anos quando fui para lá eu lembro-me que dávamos senhas às pessoas pobres
para elas irem à mercearia (...) Depois começamos a dar dinheiro (...) e entretanto
depois acabamos com isso e agora temos géneros e levamos (...) e pagamos
medicamentos e damos ajudas” (OIP 2 - Voluntário)
Num outro caso (OIP 6, Tormes), a existência deste tipo de iniciativa remonta a 1889. Ao
longo dos anos foram sendo desenvolvidas diversas actividades com jovens, crianças e
idosos, ainda que privilegiando sempre a “visita” às famílias em obediência ao “carisma”
da organização. Actualmente são apoiadas, por voluntários, 21 famílias, das quais 7 são
acompanhadas mais assiduamente e as restantes 14 apenas esporadicamente. A selecção
das famílias é feita de acordo com com os recursos disponíveis e a gravidade dos
52 A Sociedade de S. Vicente de Paulo foi originariamente constituída em Paris, alargando
progressivamente a sua influência e organização a nível mundial. Na sua origem foi organizada como uma
das tradicionais “confrarias religiosas”, daí que os seus membros (também designados como associados ou
voluntários) sejam ainda hoje identificados pela organização como “confrades”. Trata-se de uma organização
de raiz católica, com uma estrutura organizativa hierarquizada e com diversos níveis de diferenciação
interna, do nível central (conselho geral sediado em Paris), nacional (conselho nacional sediado em Lisboa),
distrital ou diocesano (conselhos centrais sediados nas diversas dioceses) e o nível local (freguesia ou
paróquia).
problemas, depois de uma avaliação das necessidades, rendimentos e despesas família
(informações eventualmente complementadas pelos vizinhos) e, também com base nesses
critérios e avaliação, se determina o tipo de ajuda mais indicado para a família. Esta pode
consistir, como se viu também no caso anterior, no encaminhamento para os serviços
adequados:
“A nossa acção fundamental é encaminhá-los para instituições, para os serviços que
podem dar uma resposta mais concreta a esses casos. A grande dificuldade é as
pessoas não saberem onde se dirigir. Nós aí temos um papel fundamental. Isto
porque há famílias que não se mexem, não se desenrascam... A nossa acção é mais
nesse campo, é encaminhá-los para eles terem uma resposta a esses casos” (OIP 6,
Presidente).
A integração vertical e horizontal das iniciativas locais
As iniciativas locais que identificámos como formas não institucionalizadas de prestação
de serviços assistenciais, ainda que sediadas e organizadas a partir do local são integradas
por organizações institucionalizadas a nível diocesano, daí que consideradas integradas no
que foi designado, por um dos entrevistados, como “movimento sócio-caritativo” da
respectiva diocese, pesem embora as diferenças quanto ao modo como essa integração está
garantida.
Num dos casos (OIP 3) a organização está integrada na hierarquia da Igreja (presidida pelo
pároco local) e foi descrita como uma delegação de organização socio-caritativa da diocese
institucionalizada como IPSS (de tipo federativo) de natureza canónica.
“O Grupo (...) tem que ser sempre analisado e olhado num prisma (…) de apoio
espontâneo e de um apoio mais virado (…) para o conceito de Igreja.” (OIP 3)
Nos dois outros casos (OIP2 e OIP6), a integração no “movimento sócio-caritativo” da
diocese parece menos institucionalizada, porque ocorre a par da sua integração vertical
numa mesma organização de que ambas são originárias, uma organização católica não
integrada na hierarquia mas de grande tradição no campo sócio-caritativo.
“A Igreja intervém porque fazemos parte de um movimento sócio-caritativo da
Diocese, temos o nosso conselheiro espiritual, que habitualmente é uma pessoa que
está por dentro da Igreja e que, em determinadas alturas, tem sempre uma palavra
relacionada com isso”. (OIP 6, Presidente).
Diferentemente, os casos das Conferências Vicentinas constituem exemplos de iniciativas
não institucionalizadas inseridas horizontalmente na “comunidade” paroquial e integradas
hierarquicamente pelo conselho central diocesano (OIP 2 e OIP3).
A organização interna de cada delegação local parece pouco formalizada, mas obedece aos
mesmos procedimentos de acção e regras da organização, ou seja, ao que é designado por
“Carisma” (a visita domiciliária) e por “Regra”.
“Não é bem estatutos, é a chamada Regra da Sociedade (…) A última revisão é de
1994, porque a Regra vai sendo modificada ao longo dos anos, sempre que se ache
que deve ser actualizada, conforme as mudanças sociais. Os mandatos da Direcção
são por 4 anos, renováveis por mais um mandato. Por exemplo, eu este ano faço 8
anos de Presidente e como tal é necessário pedir autorização para continuar. Pelos
vistos mais ninguém quer ser Presidente...” (OIP 6)
No início da cada mandato o grupo de “confrades” elege um presidente que, por sua vez,
selecciona dois outros elementos para integrar a “mesa”, ocupando respectivamente os
lugares de tesoureiro e escriturário. Semanalmente há uma reunião de todos os confrades
para, entre outros assuntos, fazer uma apresentação individual e discussão conjunta das
situações identificadas ou apoiadas durante a semana, bem como as receitas e despesas
dessa semana.
Os diversos grupos locais, ainda que partilhando o mesmo tipo de organização e
obedecendo aos mesmos princípios de acção, são relativamente autónomos na definição
das suas prioridades e actividades que desenvolvem.
“nós andamos em grupos, nunca andamos sozinhas. Anda sempre um grupo de duas
a visitar, duas, ou três ou quatro famílias, conforme a disponibilidade das pessoas e
conforme o número de casos que temos para ajudar.” (OIP 2)
“cada pessoa tem uma família que visita, expõe (na reunião semanal) como decorreu
a visita, expõe os problemas e, em conjunto, tentamos resolver.” (OIP 6)
Ainda que se trate de uma organização católica autónoma, os entrevistados valorizam a
sua tradicional articulação com a hierarquia da igreja, sobretudo no plano da orientação
“espiritual” e legitimação local das iniciativas, embora sugerindo que as relações nem
sempre terão sido consensuais.
“[A Igreja] intervém sempre, o nosso conselheiro espiritual é padre e o nosso
trabalho tem sempre como base a Igreja, Cristo, aquilo que a gente acredita. E é isso
que tentamos pôr no nosso trabalho. Há outros grupos de bem fazer que estão fora
da Igreja ... Tentamos pôr esse carisma do Evangelho no nosso trabalho. Nós não
nos limitamos a ir à missa e a ouvirmos, nós no terreno e através das nossas acções
tentamos pôr em prática a mensagem de Cristo; é mais uma fé vivida do que aquela
que só se houve”.(OIP 6, Presidente).
“a Igreja tem passado por fases muito difíceis, muito tristes, quer dizer, agora há um
tempo para cá e este tempo não quer dizer dois anos nem três nem quatro, seria, sei
lá, vinte anos ou isso, é que a igreja começou a debruçar-se mais para os carenciados
e nessa altura começaram a falar nas Conferências, a darem nome às Conferências e
isso valeu muito e a apoiar. Por conseguinte, isso valeu muito porque as pessoas
começaram a acreditar nas Conferências, a saber que se podem ... pronto (...)
confiam” (OIP 2)
Na perspectiva dos CRSS, a existência destas iniciativas locais foi muito positivamente
avaliada, pese embora o carácter esporádico e emergencial das respostas que
providenciam. No entanto, considerada a diversidade de iniciativas (pouco institucionalizadas)
que operam ao nível local, em regra enquadradas hierarquicamente por
organizações “autónomas” (paralelas), a sua coordenação parece colocar-se com alguma
pertinência.
“Há instituições não formais que eu considero que têm um papel extremamente
importante. As sócio-caritativas, por exemplo... E mais, acho que podem ser um
bom recurso da comunidade. O que eu acho é que, ao nível local, todos estes
recursos, os formais e os informais, deviam ser articulados. Não é controlados, não é
isso que eu quero! (...) Se eu agora fosse trabalhar para uma freguesia que eu não
conhecia, (...) a primeira coisa que eu tinha que fazer era conhecer o que existe, darme
a conhecer e contar com aquela gente toda, com aqueles recursos todos, formais e
informais, para que todos juntos fôssemos capazes de fazer a Acção Social ali. Por
conseguinte, tem um papel importante desde que enquadrados e articulados” (CRSS,
Dirigente 3)
“Penso que tem que haver uma unidade base e neste caso é o concelho, porque
dentro dos concelhos há uma variedade enorme de instituições, de não
institucionalizados, mas que trabalham no âmbito nacional e que, a nível de
concelho, é mais fácil coordenar esse tipo de acções. E tem que partir daí. Nós temos
algumas ideias sobre isso, nomeadamente, em trabalho conjunto com as autarquias.
A autarquia tem que ser como um pivot e como um orgão aglutinador dessas duas
vontades” (CRSS, Dirigente 2)
A partir das iniciativas abordadas, reconhece-se que a hierarquia católica tem estado a
assumir uma evidente centralidade na articulação horizontal das acções, integrando-as
efectivamente sob a direcção mais ou menos formalizada do pároco local.
Os recursos das iniciativas locais
Estas iniciativas locais não institucionalizadas contam com recursos materiais e humanos
geralmente associados a manifestações da caridade cristã, ao trabalho voluntário ou a
donativos (pecuniários ou em espécie) de particulares, mediados ou não pelas estruturas
da hierarquia católica (paróquia ou diocese). No entanto, os recursos resultantes da
distribuição de fundos públicos, através da Segurança Social e da Autarquia, parecem estar
a ganhar peso crescente, mesmo nas iniciativas integradas na hierarquia da Igreja. No caso
OIP 3 são referidas em primeiro lugar as comparticipações financeiras regulares (anuais)
do CRSS e da Câmara Municipal (concedidas como subsídios eventuais) e, apenas
secundariamente, os donativos de particulares e os provenientes da diocese e outras
instituições locais. A intervenção da hierarquia católica é referida também como fonte de
financiamento regular, seja directamente ou através da redistribuição de donativos
recebidos de outras fontes. No segundo tipo de iniciativas (OIP 2 e OIP 6) parecem ser
centrais, de acordo com a perspectiva dos entrevistados, as formas caritativas de
angariação de recursos, seja através de peditórios organizados a nível nacional ou da
paróquia, os designados “dias da caridade”53, os donativos de particulares (géneros,
roupa, mobiliário, etc.), aos quais se atribui importante significado orçamental (cerca de
80%). As comparticipações financeiras de entidades públicas (CRSS, Governo Civil e
Autarquia) ou privadas (Misericórdia, Cruz Vermelha) não representarão mais de 10%,
cabendo o restante (10%) às cotizações mensais dos respectivos confrades e outros
subscritores (contribuintes individuais)54. De salientar ainda a importância que foi
atribuída aos donativos (regulares) em géneros, recebidas de particulares e,
principalmente, aos provenientes de organizações como o Banco Alimentar e Comunidade
Europeia, mas também as dificuldades de espaço para o seu armazenamento, acrescidas
pelo facto destas iniciativas locais não disporem de instalações próprias.
Relativamente a estas iniciativas, o Estado tem privilegiado uma política de apoio
financeiro “eventual” (que tem vindo a tornar-se regular) através da atribuição de
subsídios periódicos de diversas entidades públicas (CRSS, Governo Civil, Autarquias).
“Nós sabemos delas ou pelos serviços que elas nos prestam ou encaminhando os
53 “A Igreja muitas vezes ajuda a nível monetário com os chamados “Dias da Caridade”, que são
peditórios realizados em algumas paróquias. Para além disso, nesta paróquia a Igreja anualmente contribui
com um subsídio variável segundo as próprias possibilidades. A Igreja tem sempre um papel activo na
conferência” (OIP 6 - Presidente).
54 “As fontes de financiamento da organização são os peditórios públicos (cerca de 80%), contribuições dos
confrades e subscritores (10%) e subsídios ou donativos de outras entidades (10%). (OIP 2)
nossos utentes. (...) Iniciativas desse género, em relação às quais não estão muito
bem definidos o seu estatuto jurídico, nós em vez de fazermos acordos de
cooperação ou protocolos, atribuímos subsídios anuais ou propomos a atribuição
desses subsídios, ... e até a cooperação é muito vincada nalgumas áreas” (CRSS,
Dirigente 5).
A importância e extensão deste tipo de respostas sociais, frequentemente referidas como
o único ou o mais acessível recurso para indivíduos e famílias em situação de extrema
precaridade, a par da relevância que tende a ser atribuída aos financiamentos públicos,
ainda que em montantes indeterminados (designadamente pela diversidade de fontes e
modalidades de atribuição), justificariam um melhor conhecimento e coordenação do
conjunto de iniciativas e fundos públicos que administram.
O apoio social providenciado
O tipo de apoio social oferecido por estas iniciativas “não institucionalizadas” tende a ser
valorizado diferentemente pelos cidadãos ou pelos seus promotores que tendem a
perspectivar as “ajudas”, respectivamente, pelo seu valor material (pecuniário ou em
espécie) ou pelo seu valor simbólico (associado a critérios ético-religiosos).
Os cidadãos que procuram este tipo de respostas sociais não institucionalizadas
identificam particularmente os apoios em espécie (refeições, géneros alimentícios, roupas
e vestuário, menos frequentemente medicamentos). Como os próprios responsáveis por
estas iniciativas reconhecem, os pedidos da população referem-se a necessidades e
problemas do seu quotidiano, contando-se entre os mais frequentes os relativos a géneros
alimentícios, roupas, cobertores, pagamento de despesas inadiáveis (medicamentos e
tratamentos médicos), pagamentos em atraso (electricidade, renda) ou de resposta a
problemas de alojamento da família, apoio financeiro para custear a frequência de
equipamentos sociais pelas crianças ou, ainda, internamento ou tratamento de
toxicodependentes.
Em regra, as ajudas recebidas são consideradas de grande precaridade pelos cidadãos (além
de insuficientes) dado que são concedidas com carácter de excepcionalidade (por uma só
vez ou por curtos períodos) e de modo aleatório, ainda que para situações familiares
persistentemente de extrema carência. São particularmente referidas a precaridade e
carácter esporádico destes apoios, designadamente, os donativos da Cruz Vermelha
(apenas por ocasião do Natal), o fornecimento de refeições pelas “Irmãzinhas” (as
“sobras” da instituição, distribuídas aleatoriamente), as ajudas pontuais da Conferência
para pagamentos em atraso (água, luz ou renda). Quanto à duração do “apoio” prestado,
foi assinalado que, no caso de algumas famílias, tem sido mais prolongada e regular, mas
por um período limitado (um, dois ou, no máximo, três meses), findo o qual são
suspensas as ajudas, mesmo que a situação de precaridade se mantenha sem alteração.
Os promotores valorizam sobretudo o seu papel na informação das famílias sobre os seus
direitos sociais ou respostas institucionalizadas e encaminhamento das situações problemáticas,
além da “ajuda” moral (aliás considerada prioritária) preconizada na base dos
valores ético-religiosos que informam a concepção cristã de caridade.
“Olhe, quando começou esta coisa das pensões sociais, as nossa velhinhas que nós
socorríamos também nessa altura tratámos-lhes disso, quer dizer, alertámo-las para
os direitos que as pessoas têm porque era uma coisa… era ninguém saber os seus
direitos.(...) Orientamos tudo, quer dizer, chamamos a atenção das pessoas para os
próprios direitos porque muitas desgraçadamente nem sequer se apercebem dos
direitos que têm” (Voluntária, OIP 2)
“Mas está muito melhor do que antigamente,(...) já não incide se calhar tanto sobre o
aspecto monetário, não é, mesmo também não conseguimos dar resposta a isso. Nós
temos pouco dinheiro, é só os donativos, por isso é que o nosso papel é mais o
apoio às pessoas, ir ter com elas, conversar com elas, e estar com elas” (OIP 6)
“Não, não temos [prioridades]. Por várias razões, porque o Grupo ... tem que
trabalhar num plano de “acção social”, digamos, como último recurso, sei lá (...) Tem
que ser sempre analisado e olhado num prisma, digamos, de apoio espontâneo e de
um apoio mais virado, digamos, para o conceito de Igreja.” (OIP 3)
De referir ainda, que estas iniciativas são “usadas” pelas instituições particulares e
entidades públicas locais como “intermediário” na administração de prestações sociais
(pecuniárias) à população. Alguns exemplos foram assinalados, designadamente: a) casos
em que a autarquia pretende apoiar cidadãos ou famílias e, não podendo prestar apoio
financeiro directo a particulares, o faz através da atribuição de subsídios a uma destas
iniciativas locais; b) casos em que os serviços públicos de Acção Social (CRSS ou
Autarquia), não tendo disponibilidades orçamentais para atender, no imediato, as
situações de precaridade que lhe são colocadas, recorrem a estas iniciativas locais não
institucionalizadas para responder aos pedidos mais urgentes, uma resposta que
posteriormente será compensada com subsídios suplementares.
“Não temos acordo mas trabalhamos em estreita colaboração (...) por exemplo, uma
pessoa que precisa de uma cadeira de rodas (...) o Centro Regional que não pode
disponibilizar a verba logo nesse instante, nós pagamos e depois o Centro Regional
dá-nos o dinheiro a nós.” (OIP 2)
Em jeito de conclusão diríamos que as iniciativas locais não institucionalizadas, pese
embora a precaridade e o carácter esporádico das respostas que providenciam, são
percepcionadas como o recurso social mais acessível (e frequentemente o único) para
situações emergenciais ou de extrema precaridade. Conforme alguns dos responsáveis
entrevistados salientaram, elas constituem “o último recurso de apoio social”, aquele a
quem se recorre “ quando todos os outros serviços ou sectores foram negativos”, ou ainda
quando a urgência da situação não é compatível com os procedimentos administrativos e
orçamentais, a que os serviços públicos de acção social estão sujeitos. Pela sua natureza,
estas iniciativas não se propõem responder às necessidades dos cidadãos ou famílias
“apoiadas”, conforme também foi salientado, não são um “serviço de acção social” para
resolver os problemas das pessoas “como elas querem que sejam resolvidos”. Enquanto
moldadas pelo tradicional espírito cristão de caridade, atribui-se-lhes como principal
objectivo, não o atendimento das necessidades da família, mas o “ganhar a sua confiança”
e “ser solidário”, o que configura a acção assistencial como basicamente “educativa”
(evangelização) e, sobretudo, um modo de “viver a fé” dos que a promovem.
“O nosso trabalho é uma visita continuada, sempre na posição de ganhar confiança
das pessoas, sempre disposto a ouvir. Não é uma atitude de chegar lá e eu é que sou
o superior e eu é que digo as coisas e vocês têm que ouvir, mas se calhar chegar lá e
ouvir mais do que falar. É isso que nós temos de transmitir às pessoas, nós somos
solidárias com elas, compreendemos. Agora resolver os problemas como elas querem
que sejam resolvidos não, porque nós não somos nenhum serviço de acção social.
Para isso vão à Junta de Freguesia ou à Segurança Social.” (OIP 6, Presidente)
Pela sua natureza, este tipo de respostas assistenciais é necessariamente insuficiente e
inadequado face à extensão e ao carácter estrutural da generalidade das situações de
carência económica e social a que são dirigidas. As acções assistenciais perspectivadas por
critérios ético-religiosos como basicamente “educativas” (no sentido da moral católica e
caridade cristã) constituem respostas, de certo modo, desajustadas para problemas
basicamente de natureza socio-económica, não se lhes podendo atribuir, por isso, mais
que um valor simbólico no atendimento das necessidades sociais. Daí que, como
reconhecem os próprios promotores, não se possa dispensar a existência de respostas
institucionalizadas e o compromisso político com um padrão mínimo de vida, garantido a
todos os cidadãos. Sem este suporte, as respostas assistenciais não institucionalizadas
correm o risco de converter-se em mero instrumento de moralização e de controle social,
quotidianamente penalizando a população carenciada com a exigência de comprovação
(sistematicamente repetida) da necessidade (eventualmente também das condições morais
para ser merecedor da ajuda) para poder aceder, depois de percorrida a “via-sacra” das
respostas institucionalizadas, a um apoio pontual e esporadicamente concedido.
3.3. A relação das instituições particulares com o Estado
O modelo de relação entre o Estado e as instituições, tal como foi prefigurado no estatuto
de 1979, desenvolve-se em torno das seguintes ideias centrais: a) a liberdade de
associação na base do que se reconhece às instituições a liberdade de escolha das áreas de
actuação e formas de organização e a não intervenção do Estado nas crises internas das
instituições; b) a responsabilidade social das instituições perante o Estado e os beneficiários,
razão porque os interesses e direitos dos beneficiários se sobrepõem aos da
instituição e dos associados ou fundadores; c) a cooperação interinstitucional e das
instituições com os serviços públicos, por razões de justiça e racionalização dos recursos;
d) a integração no sistema de segurança social, implicando a subordinação das
instituições às orientações definidas para o sistema e, consequentemente a não
discriminação dos beneficiários por critérios ideológicos, políticos, religiosos ou raciais; e
e) o reconhecimento do carácter privado, donde decorre o respeito pela vontade dos
fundadores ou doadores, mas também o reconhecimento de que os apoios estatais se
destinam a reforçar os recursos próprios.
De acordo com este Estatuto de 197955, o Estado exercia “em relação às instituições acção
orientadora e tutelar (sublinhado nosso)”, que tinha por objectivo “promover a
compatibilização dos seus fins e actividades com os do sistema de segurança social,
garantir o cumprimento da lei e defender os interesses dos beneficiários e das próprias
instituições” (art. 6º). Mais se específicavam as funções compreendidas no âmbito da
acção orientadora e tutelar do Estado e respectivos conteúdos: regulamentadora (normas
orientadoras da organização e exercício das actividades das instituições); fiscalizadora
(verificação da legalidade, prevenção de irregularidades); interventiva (exercida através dos
tribunais em caso de incumprimento da lei ou irregularidades de funcionamento) (art. 43º) .
Esta primeira regulamentação das IPSS parece ter sido orientada por uma filosofia
acentuadamente intervencionista, no sentido em que evidencia a existência de uma política
para o sector, visando adequa-lo às disposições constitucionais para o sistema de
Segurança Social. Em abono desta afirmação, é notória a preocupação de dotar as
55 Dec.- lei 519-G2/79
instituições de normas de organização e funcionamento e normativos técnicos que
assegurem uma certa universalização dos padrões de protecção e de qualidade dos
serviços. Nota-se ainda uma preocupação de avaliar os resultados de funcionamento das
instituições e é dada particular atenção à opinião dos utilizadores.
A revisão do Estatuto das IPSS (pelo Dec.-lei 119/83), traduz-se num abrandamento
daquele modelo de regulação directiva, sendo simplificada e substancialmente limitada a
acção tutelar do Estado relativamente às instituições56. Por um lado, foi alargado o âmbito
da autonomia das instituições, através de um conjunto de alterações dentre as quais se
contam a retirada das limitações ao princípio de livre escolha das actividades (que constavam
da versão de 1979) e de um regime mais liberal do processo de visto57. Por outro
lado, não só foi ampliado o conceito legal de IPSS, para abranger objectivos mais
diversificados (em diversos sectores da política social), como se reforça a ideia da “livre
iniciativa” pela dispensa de homologação das alterações internas das instituições (de
estrutura orgânica, mudança ou cessação das actividades) e eliminação das limitações à
reeleição dos corpos gerentes e duração dos mandatos (salvo para as associações). De
modo particular, é garantida autonomia “total” das iniciativas ligadas à Igreja Católica, as
quais são dispensadas, como já foi referido, do processo de registo (mera comunicação
escrita da autoridade eclesiástica) e de escritura pública para adquirir o estatuto de
“pessoa colectiva de utilidade pública”.
A Lei da Segurança Social (Lei 28/84) reconhece ao Estado a incumbência prioritária de
garantir o desenvolvimento de serviços e actividades no âmbito da acção social. Sem
prejuízo desta responsabilidade, às instituições privadas é reconhecido um importante e
insubstituível papel na produção directa e no exercício dessas actividades e serviços e, por
esse facto, o Estado obriga-se a conceder-lhe “apoios de natureza material, técnica e financeira,
cujo contributo é determinante para que as instituições alarguem a sua área de
actuação e melhorem os serviços e o atendimento personalizado que as pessoas e famílias
56 Reafirma-se o principio da liberdade de actuação, garantindo que “o apoio do Estado e a respectiva tutela
não podem constituir limitações ao direito de livre actuação das instituições” (art. 4º, 4) e a garantia de que
“a vontade dos fundadores, testadores ou doadores será sempre respeitada” (art. 6º). Dentro destes limites a
acção tutelar do Estado é reduzida à possibilidade de fiscalização - “ordenar a realização de inquéritos,
sindicâncias e inspecções às instituições e seus estabelecimentos” (art.34º) e à função “interventiva” exercida
através do judiciário quando detectados casos considerados ilegais ou de irregularidades graves (Dec. -lei
119/83).
57 O novo Estatuto reduz substancialmente as situações sujeitas a autorização da entidade tutelar (art. 32º),
processo que será completado em 1995 com a revogação do referido art. 32º (DL 82/95), mantendo-se
apenas o visto da entidade tutelar para o orçamento e contas das instituições.
merecem”58.
A necessidade de ajustar as finalidades e actividades das IPSS às do sistema de Segurança
Social, de garantir o cumprimento da lei e de defender os interesses dos beneficiários
fundamentam a acção tutelar do Estado, através de especiais poderes de inspecção e
fiscalização. No entanto, ao Estado deixou de ser reconhecida capacidade de orientação
normativa, pela eliminação (pelo dec.-lei 119/83) das referências à acção regulamentadora,
com o que parece demitir-se (ou ser demitido) da responsabilidade que se atribuía (1979)
de definição de “normas técnicas” e “critérios de avaliação de resultados”, entre outras
directivas, para a actuação das instituições e respectivo acompanhamento pelos serviços
estatais.
O instrumento jurídico previsto para regular as relações entre o Estado e as IPSS e outras
instituições de fins múltiplos (cooperativas, casas do povo, associações de moradores e
outras que prossigam, entre outros objectivos de acção social) é o “Acordo de
Cooperação”. Passada uma fase de relativa indefinição de direitos e obrigações entre as
partes, é publicado em 1992 um conjunto de normas reguladoras da cooperação
(Despacho Normativo 75/92) que, entre outras novidades, prevê a constituição de uma
comissão nacional de acompanhamento e avaliação da cooperação e o funcionamento
efectivo de comissões arbitrais (previstas na Lei 28/84) para a resolução de conflitos.
Pela sua relevância relativamente à política liberalizante que se vai afirmando ao longo dos
anos 80, merece ser mencionada a criação, pelo mesmo diploma, de uma nova modalidade
de acordos - os acordos de gestão - através dos quais o Estado confia a instituições
particulares a gestão de serviços (instalações ou equipamentos) de acção social que
estavam na sua directa dependência.
De um modo geral, as finalidades públicas que regulam as acções de cooperação e se
impõem às instituições particulares subscritoras de acordos consistem no reconhecimento
de um conjunto de princípios59, dos quais destacamos: a) a orientação privilegiada para as
“famílias, grupos e indivíduos económica e socialmente desfavorecidos”; b) a existência de
“condições mínimas necessárias ao normal desenvolvimento das actividades,
designadamente ao nível de um adequado dimensionamento e funcionalidade dos
equipamentos e dos aspectos inerentes à capacidade técnica e de gestão”; c) a
58 Formulação que consta do preâmbulo do Despacho Normativo 75/92 de 20 de Maio, “Normas
Reguladoras da Cooperação entre os Centros Regionais de Segurança Social e as Instituições Particulares de
Solidariedade Social”.
59 Regulados pelo Despacho Normativo 75/92.
“optimização das respostas sociais” e a “rentabilização dos recursos financeiros”.
Do lado das responsabilidades do Estado, este assume uma “co-responsabilidade
solidária” com as instituições “nos domínios da comparticipação financeira e do apoio
técnico, por forma a favorecer-se o desenvolvimento das actividades e a prestação de
serviços das instituições”.
A filosofia subjacente é a de que o Estado apoia as instituições que desenvolvam ou se
proponham desenvolver actividades no âmbito da Acção Social, mas só apoia aquelas que
se mostrem “idóneas” para prosseguir essas actividades de uma forma adequada. Esta
adequação tem uma vertente técnica (funcionalidade dos equipamentos e serviços,
competência técnica e de gestão, etc.) e uma vertente económica (capacidade económicafinanceira,
avaliada pela importância relativa dos recursos próprios, das comparticipações
dos utentes e dos apoios do Estado).
3.3.1. Os discursos e as práticas da autonomia tutelada
Nos pontos seguintes será analisado o modo como se processam as relações entre os
CRSS e as IPSS em diferentes domínios de actuação, designadamente em aspectos que
podem ser considerados decisivos para testar esse relacionamento, desde a constituição e
reconhecimento das instituições até ao seu acompanhamento regular pelos Centros, desde
as relações que respeitem às funções de tutela do Estado até às que respeitem às
iniciativas autónomas das instituições.
Na análise, distinguir-se-á, também, o discurso produzido pelos agentes sociais acerca
dessas relações da actuação prática dos mesmos agentes colocados em situações de
interacção.
3.3.1.1. Os processos de constituição e legalização
As propostas de constituição ou legalização de uma IPSS são variadas, quanto à natureza
dos promotores, à origem e ao âmbito da iniciativa.
De um modo geral, pode dizer-se a origem das instituições está associada, principalmente:
a) a organizações ou entidades ligadas à Igreja; b) a associações ou organizações já
existentes que optam pelo alargamento ou reorientação dos seus fins para o campo da
acção social; c) a grupos de cidadãos ligados por laços de natureza diversa, afinidades
religiosas, sócio-políticas ou outras; d) a entidades individuais ou personalidades locais.
Em regra e na fase de constituição e legalização, as relações entre os serviços locais que
quotidianamente lidam com os problemas e os grupos ou entidades promotoras da
iniciativa expressam um amplo consenso e convergência de propósitos e interesses. Em
qualquer das instituições abordadas, não foram referidas dificuldades significativas e,
antes, foi positivamente assinalada a colaboração dos serviços locais dos CRSS.
Os processos de constituição e legalização das diversas instituições seleccionadas como
objecto de estudo monográfico parecem ser elucidativas da diversidade de iniciativas de
suporte e da extensa consensualidade dos seus promotores na apreciação das relações com
os CRSS.
A. Centros Sociais Paroquiais de natureza canónica e com estatuto jurídico de Fundações
de Solidariedade Social.
Foram abordadas três instituições deste tipo, todas criadas pela entidade eclesiástica
diocesana e registadas como IPSS de tipo fundacional, após comunicação escrita ao CRSS
que, posteriormente, providenciou a organização do processo e a celebração do acordo de
cooperação. A iniciativa de constituição é sempre atribuída à paróquia (mais ou menos
personificada pelo respectivo pároco), com maior ou menor envolvimento de outras
entidades. São incluídas neste grupo as seguintes instituições:
IPSS 2. Instituição existente desde 1956, reconhecida como “Instituição Particular de
Assistência” de tipo fundacional e com actividades assistenciais dirigidas para as “famílias
mais carenciadas” da paróquia. Reorganiza-se como IPSS por imperativo legal (Dec.-lei
519/G2) para celebração de acordo de cooperação que garantiria financiamento regular da
Segurança Social. O estatuto de IPSS foi obtido a 6 de Janeiro de 1983, após reformulação
dos estatutos da instituição e respectivo registo na DGAS. Uma vez legalizada como IPSS
procedeu-se à negociação do acordo de cooperação com o CRSS.
“O CRSS foi bastante colaborante no processo de legalização da instituição como
IPSS, especialmente no que se refere à interpretação do decreto-lei 519-G2/79.”
(IPSS - 2)
IPSS 8. Neste caso a instituição é de constituição recente (1991), justificando-se a sua
legalização como IPSS pela necessidade de suporte institucional (e financeiro) para as
actividades assistenciais da paróquia. Pretendia-se tornar mais efectivo o apoio a famílias
em situação de pobreza, nomeadamente através de actividades e serviços dirigidos a
crianças das áreas mais periféricas da freguesia, até então eram asseguradas por grupos
locais de voluntariado social. A iniciativa foi sugerida pelo Bispo da diocese ao pároco
local, que organizou o “grupo promotor” (integrando elementos ligados às actividades que
vinham sendo desenvolvidas pela paróquia) para elaboração dos estatutos (segundo o
modelo do CRSS) e legalização da instituição como IPSS. O processo de registo na DGAS
foi concluído (1992) cerca de um ano após a criação da instituição, merecendo destaque a
ausência de qualquer tipo de dificuldade nesta fase, que o respectivo presidente justifica
pelo importante “apoio da diocese”.
“Fizemos os estatutos com a ajuda, bastante, da Diocese. Fomos, portanto, de certa
forma, ajudados por pessoas que conheciam os trâmites e as voltas a dar e, pronto.
Não foi assim uma coisa muito complicada, porque tínhamos do nosso lado também
o interesse da Diocese. O grande interessado nisto foi, de certa maneira, o Bispo. Ele
é que foi o grande entusiasta disto porque ... ele tinha que ocupar aquela casa, a casa
onde nós estamos. Aquela casa foi oferecida à Diocese para esta finalidade, para as
crianças. (...) era necessário que alguém tomasse conta daquelas crianças para aquilo
não ficar, assim, ao Deus dará. Então, criou-se o Centro Social e Paroquial e o Sr.
Bispo foi a pessoa que mais se entusiasmou com aquilo. (...) Sempre fomos bem
atendidos pelo CRSS” (IPSS 8, Presidente)
IPSS 16. Trata-se de um “patronato” (equipamento social para a infância), criado pelo
pároco local nos anos 50 mas só recentemente (em 1995) integrado no Centro Social
Paroquial. O patronato, ainda que sempre ligado à paróquia, foi (em 1989) “entregue a
uma IPSS entretanto legalizada”, uma organização católica mas que se reorganizou como
instituição de natureza civil com estatuto de “IPSS do tipo associativo”, para poder
beneficiar de um acordo de cooperação com a Segurança Social. A posse do patronato é
transferida daquela instituição para o Centro Social Paroquial (depois de instituído como
fundação de solidariedade com estatuto de IPSS), bem como o acordo de cooperação da
Segurança Social (celebrado com a primeira IPSS).
“Os efeitos de ser IPSS é que este acordo permite de facto dar um apoio muito
grande ... àquelas famílias mais carenciadas e àquelas crianças que estão em situação
de risco, podem vir para aqui, quer as famílias possam ou não pagar, e isto é um
privilégio para essas crianças.” (IPSS, 16)
B - Misericórdias
Misericórdia 1. Fundada em 1919, como suporte institucional do então criado hospital
concelhio, cessou funções em 1975 na sequência da nacionalização dos hospitais das
misericórdias, sendo posteriormente reorganizada como Instituição Particular de
Solidariedade Social, instituída canonicamente como Irmandade de Misericórdia e registada
na DGAS com o mesmo estatuto.
Depois de reactivada em 1981, orienta-se para a criação de respostas no âmbito da acção
social (sector dos equipamentos para a 1ª e 2ª infância), porque “era proprietária das
instalações do hospital, além de outras propriedades doadas por pessoas beneméritas”.
Apenas em 1989 conclui o seu processo de registo como IPSS, ainda que tenha iniciado as
suas actividades (1981) com o apoio técnico e financeiro do CRSS, justificado (pela
instituição) porque “as Misericórdias têm um estatuto especial e portanto, não precisam
de justificar a sua necessidade” (M1)
Um dos principais impulsionadores da iniciativa foi (...) o então Secretário de Estado da
Segurança Social, que propôs ao Presidente da Câmara a criação de uma comissão para
revitalizar a Misericórdia. Realizada uma primeira assembleia, com as pessoas que
provaram ser Irmãos, para elaboração dos estatutos e eleição dos órgãos sociais
(aprovados pela Diocese em Maio de 1982), o registo definitivo como IPSS exigiu uma
alteração global dos estatutos, desenhada com a participação do Provedor, do Bispo da
Diocese e do CRSS, em conformidade com as exigências legais. Desta forma se concluía o
processo de registo como IPSS e, finalmente, eram cumpridos os requisitos exigidos (em
princípio, previamente) para a celebração de acordos de cooperação e formalmente
regularizado o regime de financiamento da Segurança Social.
O sucesso do processo de legalização como IPSS foi atribuído aos apoios recebidos, entre
os quais a instituição destaca, a colaboração do Bispo da Diocese, da União das
Misericórdias, do CRSS e a participação pessoal do então Secretário de Estado da
Segurança Social. Em particular, relativamente ao CRSS foi considerado “bastante
colaborante em todos os aspectos. No passado (antes da “regionalização”) as pessoas que
trabalhavam no CRSS de (...), além de conhecerem a realidade do distrito, detinham
capacidade de intervenção e de decisão.” (Dirigente, Misericórdia 1)
C - Associações de Solidariedade Social (e equiparadas)
Trata-se de um estatuto atribuído a várias formas associativas, de natureza civil ou
canónica, e reconhecidas como IPSS por prosseguirem fins de acção social (como
actividade principal), quer sejam de constituição recente ou resultem da reorganização de
associações existentes (constituídas ou não com idênticos fins) ou da reactualização das
tradicionais Instituições Particulares de Assistência.
IPSS - 8. Associação de fins múltiplos com estatuto de IPSS, de natureza civil e
reconhecida pela DGAS como Associação de Solidariedade Social. Trata-se de uma
associação fundada em 1971 com fins culturais, recreativos, desportivos e assistenciais,
com uma organização interna pouco diferenciada para a diversidade de fins que se
propunha. Para obter o estatuto de IPSS reorganiza-se internamente, sendo criadas três
secções independentes: assistência social, futebol e cultural. Em Novembro de 1986 foi
formalmente requerido o reconhecimento como IPSS com o objectivo de garantir, através
da celebração de acordos com a Segurança Social, um subsídio para manutenção e
contratação de pessoal, além de financiamentos para instalações e equipamento. Tendo
começado a funcionar em instalações adaptadas, a partir de 1991 dispõe de edifício
próprio, construído com financiamento do PIDAC (IPSS - 8).
Na perspectiva da instituição, a principal dificuldade no processo de legalização foi a
adaptação dos estatutos segundo o modelo proposto pelo CRSS (Dec.-lei 119/83),
dificuldade que é atribuída ao facto de a associação integrar actividades de âmbito
desportivo e cultural, o que em princípio inviabilizaria o seu reconhecimento como IPSS.
Actualmente propõe-se os seguintes fins: “A ‘Liga’ tem por objectivo principal promover
o progresso de [nome da freguesia], através da elevação do seu povo, por realizações de
carácter assistencial, cultural, moral, recreativo e desportivo”. “Tem ainda por objectivo:
1) apoiar a infância, a juventude e a 3ª idade; 2) apoiar a integração social, cultural,
desportiva e comunitária” (Estatutos, IPSS 8).
IPSS - 5. Associação de Solidariedade social, que se define como Instituição Particular de
Solidariedade Social desde a sua constituição (1987). Foi criada por iniciativa de uma
“comissão organizadora”, constituída por “cidadãos interessados” em contribuir para a
promoção social e cultural da freguesia e que integram a comissão a título individual e em
representação de serviços públicos locais e autarquia. Propõe-se, como objectivo
principal, suprir as carências da freguesia em matéria de serviços de apoio social à 3ª Idade
e Infância e apoio logístico para o Centro de Saúde (em funcionamento precário).
Na elaboração dos estatutos foi seguido o modelo do CRSS, que garantiria o
reconhecimento como IPSS. O pedido de registo como IPSS foi apresentado em Março de
1988, tendo sido reconhecido pela DGAS em Fevereiro de 1989. No processo de
legalização a instituição contou com o apoio do CRSS, cuja acção foi, em geral, avaliada
muito positivamente pela instituição. “útil, sem acordos a instituição não poderia existir
ou funcionar. (...) Abertura total, nunca houve dificuldades nem atrasos.”
IPSS 6. Associação de Solidariedade Social, de natureza civil, criada por um grupo de
pessoas que voluntariamente vinham desenvolvendo actividades de animação comunitária.
Enquanto grupo informal (de voluntários) existia desde 1989 mas só em 1993 se
institucionaliza como associação, procurando simultaneamente cumprir as exigências da
Segurança Social para ser reconhecida como IPSS e, consequentemente, poder aceder a
apoios regulares para as actividades desenvolvidas.
“ao inscrever-se como IPSS, tentou responder a problemas relacionados com a
exclusão social, que já há algum tempo vinha tentando responder, mas sem meios
para conseguir os recursos (humanos, logísticos e outros), capazes de conseguir
responder a esses problemas” (IPSS 6)
O processo de legalização foi demorado e algo complicado, segundo o dirigente
entrevistado porque o grupo dominava mal as questões formais, aliás só ultrapassadas,
com sucesso, graças ao dinamismo e empenhamento pessoal de um dos elementos. Num
primeiro momento, a legalização da associação (em 1993) através de escritura notarial,
seguida do requerimento do estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública (obtido em
1995). O processo de reconhecimento como IPSS foi facilitado pelo anterior trabalho do
grupo, particularmente com crianças e jovens. No entanto, considera-se que sem a
colaboração dos serviços locais da Segurança Social não teria sido possível organizar o
pedido em conformidade com as exigências legais:
“Essa acção foi imprescindível, porque sem informação sobre como é que nós
devíamos fazer para nos constituirmos como IPSS (...) Foram eles que nos deram os
estatutos, foram eles que nos deram apoio no sentido de nós podermos adaptar os
estatutos da associação (...), foi imprescindível.” (IPSS 5)
A institucionalização como IPSS teve efeitos práticos muito positivos: receber uma
comparticipação regular da Segurança Social e a possibilidade de formalizar candidaturas a
programas específicos (de que é exemplo o INTEGRAR), mas também lhe são atribuídos
efeitos negativos, na perspectiva dos promotores da instituição.
“Enquanto éramos uma instituição informal, não nos sentíamos pressionados por
aqueles aspectos burocráticos (...) Começamos a sentir-nos um bocado presos”
(IPSS 5)
IPSS 13. Associação de Solidariedade Social, de natureza civil, criada por um conjunto de
pessoas, na sua maioria voluntários da Conferência S. Vicente de Paulo. A Associação foi
específicamente criada (em 1988) com o objectivo de se constituir suporte jurídico duma
IPSS, por sua vez instituída para assegurar os meios necessários ao desenvolvimento das
actividades de apoio à população idosa e carenciada da freguesia. Registe-se a coincidência
do registo notarial da associação com o reconhecimento da instituição como IPSS.
Enquanto parte da Conferência S. Vicente de Paulo o grupo de voluntários, com a
colaboração de duas religiosas, prestava apoio domiciliário a idosos em situação de grande
precaridade económica e social, actividade que era desenvolvida com o suporte jurídico da
Associação das Obras Sociais de S. Vicente de Paulo (IPSS). Através de acordo celebrado
com a Junta de Freguesia (1983), a conferência passou a receber uma comparticipação
financeira (mensal) que lhe permitiu alargar o apoio domiciliar a um maior número de
famílias. A necessidade de constituição de um adequado quadro de pessoal “obrigou”, na
opinião do dirigente entrevistado, a que se fizessem pagar pelos serviços prestados “uma
comparticipação financeira dos utentes”, ao mesmo tempo que se iniciavam negociações
com o CRSS com vista à celebração de um acordo de cooperação entre a Segurança Social e
a Conferência de S. Vicente de Paulo (celebrado em 1987).
A prestação de serviços na comunidade permitiu um melhor conhecimento das situações
de risco social das famílias e extensão do problema dos idosos, mas também o
reconhecimento de que respostas pontuais e de carácter caritativo (asseguradas pela
Conferência) eram manifestamente insuficientes face à natureza dos problemas com que se
confrontavam. Aos técnicos locais, do CRSS e da própria Conferência, coloca-se como
prioritária a constituição de uma instituição autónoma (independente das Conferências) e
do seu reconhecimento como IPSS, com vista à organização de outras respostas sociais e
alargamento das existentes a maior número de utentes.
No processo de constituição e reconhecimento da IPSS, os dirigentes entrevistados
salientam o apoio e empenhamento pessoal dos técnicos locais, bem como a grande
abertura e empenhamento dos elementos que integravam a Conferência. Por outro lado não
deixam de referir a importância das relações pessoais na articulação da instituição com o
CRSS: “de um modo geral boa (...). O acordo com o CRSS foi facilitado por relações
pessoais da directora técnica” (IPSS 13)
IPSS 14. Instituição Particular de Assistência que se reorganiza como IPSS de tipo
associativo, com âmbito nacional e que colabora com quatro CRSS, com estabelecimentos
sociais distribuídos geograficamente pela zona norte do país. Ainda que tenha optado pela
forma associativa de natureza civil, define-se estatutariamente como “Instituição Privada
de Solidariedade Social, de tipo associativo, inspirada pelos princípios da religião
católica”, propondo-se “o apoio espiritual e material” à infância (actualmente prioritária),
juventude e terceira idade.
[O estatuto de IPSS foi obtido em 1989] “quando todos foram licenciados, (...)
fizeram-nos redigir estatutos novos (...). Nós fizemos o que nos mandaram.
Tínhamos um advogado amigo e carola, que sempre que foi preciso ..., organizava as
coisas. (…) Tinha que ser mesmo assim porque muitas vezes pedia-se aqui e acolá,
andávamos como quem anda a pedir uma esmola, (...) Eu acho que não era
dignificante.” (IPSS 14, Dirigente).
A constituição como IPSS foi considerado um marco histórico na vida da instituição,
porque foram criadas condições de financiamento regular que permitiram uma melhoria da
qualidade e expansão dos serviços.
“Ora bem, isto tem muitos anos. Já foi em 1946 ou 44 (...) Cada padre na sua
paróquia verificava que havia necessidade de ajudar os pobres (...); juntou-se um
grupo de pessoas que criaram a primeira direcção (...). Viam as carências em várias
freguesias (...); iam aos sítios aonde havia pontos fulcrais. (...) Havia uma instituição
junto à cadeia que tomava conta daquelas crianças (cujas mães estavam presas) (...);
havia outra para crianças, para estarem próximo das mães internadas com
tuberculose. (...) O Estado pagava uma percentagem das despesas e a Igreja pagava o
resto. As instituições que iam sendo criadas, para poderem receber subsídios do
Estado, eram incorporados aqui (...) Era uma instituição muito à base da Igreja, não
podia entrar um membro da Direcção que não fosse pároco da Freguesia ... agora
não, claro! (…) O marco histórico é realmente quando isto veio para as IPSS e
melhorou; levou um incremento muitíssimo grande, houve o desenvolvimento de
muitas Instituições e, pronto, também foi um marco histórico mau para aqui na
medida em que começaram a apoiar Centros Sociais das paróquias e havia
equipamentos que estavam ligadas com o pároco que passaram para lá (para os
Centros Sociais Paroquiais) para ter subsídios maiores” (IPSS 14, Dirigente).
IPSS 15. Associação católica internacional, com uma organização hierarquizada e
diferenciada a nível internacional, nacional e diocesano. A delegação diocesana (designada
“junta”) organiza-se como associação de solidariedade social, de natureza canónica, para
obter o estatuto de IPSS e a possibilidade de celebração de acordo de cooperação da
Segurança Social para financiamento dos serviços de apoio social à juventude (feminina).
A sua origem remonta a 1896 (Suíça), alargando posteriormente a sua acção a nível
internacional. Em Portugal surge em 1915, com sede em Lisboa, reconhecida como
Instituição Particular de Assistência de utilidade pública administrativa (1937), com os
primeiros estatutos aprovados em 1939.
Relativamente ao processo de legalização como IPSS, o dirigente entrevistado referiu que
as únicas orientações recebidas foram de origem canónica, não tendo havido dificuldades
porque adoptaram o modelo internacional da organização.
D - Associações de “fins múltiplos”
São instituições de apoio social sem fins lucrativos, as designadas instituições particulares
que secundariamente prosseguem fins de acção social. Em princípio não são reconhecidas
como IPSS (não beneficiam das isenções fiscais e outras regalias específicas das IPSS),
apenas equiparadas para efeitos da celebração de acordos de cooperação (específicamente
para as actividades de acção social). São deste tipo diferentes formas associativas que
prosseguem, entre outros, fins de acção social, nomeadamente, associações de carácter
social, cultural e recreativo, cooperativas com fins de acção social, associações de
moradores, casas do povo.
Todavia, também nesta matéria se constata existir grande flexibilidade de normas e
diversidade de práticas. A generalidade das Associações de Solidariedade Social que foram
abordadas prosseguem, de facto, fins múltiplos (acção social, cultura, recreio, desporto,
saúde ou outros) sem que isso tenha constituído impedimento para o seu reconhecimento
com IPSS. Diferentemente, as Associações de Moradores não são reconhecidas como IPSS
ainda que beneficiem dos acordos com a Segurança Social para manutenção das actividades
de acção social.
IPSS 18. Define-se como associação sem fins lucrativos que prossegue (secundariamente)
fins de solidariedade social, designadamente de apoio à Infância e Terceira Idade. A sua
origem radica na Comissão de Moradores (eleita em 1974), uma organização popular de
base que se propunha contribuir para a melhoria das condições de vida da população, com
especial incidência nas condições de habitação e apoio à infância.
A institucionalização da Comissão como Associação de Moradores (Abril de 1976)
resulta, sobretudo, da necessidade de assegurar condições de funcionamento dum Centro
Infantil e actividades de apoio às crianças da zona, designadamente por potenciar a
negociação de acordo de cooperação da Segurança Social.
“No nosso caso particular, tem havido disponibilidade e abertura no
acompanhamento das negociações com a [empresa proprietária do edifício onde
funciona a instituição] relativamente à questão das nossas instalações. Relativamente
à relação “normal” que inclui visitas e contactos com a instituição parece-nos ter
havido um certo enfraquecimento. (...) Quando sentimos necessidade temos nós
pedido reuniões ou encontros com os serviços.” (IPSS 18, Técnico)
Ainda que as questões relativas à habitação e serviços de apoio à infância se tenham
constituído igualmente prioritárias para a Associação de Moradores, designadamente
através da construção de habitação social (iniciada em 1979) e manutenção do Centro
Infantil (desde 1976), prevaleceu o entendimento de que se trata de uma associação sem
fins lucrativos que prossegue “secundariamente” fins de acção social, consequentemente
não beneficiando das regalias e isenções atribuídas pelo Estado às IPSS.
Mais recentemente, enquanto Associação de Moradores, também está formalmente
impedida da construção de habitação e, por essse facto, foi obrigada à criação (em 1995)
de uma Cooperativa de Habitação para dar continuidade aos objectivos que vinham sendo
prosseguidos pela associação: “Dada a impossibilidade de, como associação prosseguir
com a construção, é o apoio à infância e também à terceira idade que passam para primeiro
plano” (IPSS 18, Técnico)
Considerada esta revalorização dos fins de acção social, designadamente pela prioridade
atribuída aos serviços e equipamentos de apoio à infância e terceira idade, poderá
eventualmente vir a ser renegociado um outro estatuto no âmbito do sistema de Segurança
Social, ainda que paralelamente prossiga outros fins, designadamente de promoção da
cultura e desporto entre os associados e outras iniciativas de resposta às suas
necessidades ou de defesa dos seus interesses.
Os processos de constituição e legalização das instituições abordadas são muito
heterogéneos, na sua origem e desenvolvimento, quer se trate de instituições de
constituição recente ou da reactualização de formas mais tradicionais. De assinalar as
diferenças dos processos de legalização: a) das IPSS de tipo associativo e natureza civil
(requisito prévio da celebração dos acordos de cooperação) relativamente às de tipo fundacional
ou de natureza canónica (formalização de uma situação de facto). Em particular
refira-se o caso da misericórdia em que só decorridos cerca de 8 anos de funcionamento
(enquadrado por acordos de cooperação) conclui o processo de registo na DGAS; b) das
instituições administradas por associações de base (caso das associações de moradores)
não reconhecidas como IPSS, relativamente a outras que prosseguem fins múltiplos
(desportivos, recreativos e culturais) sem que isso tenha afectado a sua legalização como
IPSS.
Na generalidade, todas as instituições referem, com maior ou menor relevo conforme o
tipo de iniciativa, a importância de apoios mais ou menos institucionalizados, dos CRSS,
das autoridades religiosas, das autarquias, mas também o contributo pessoal do pároco da
freguesia, do presidente da junta, do membro de governo, entre outros.
A duração do processo de legalização, segundo o testemunho das instituições, é de cerca
de um ano após a apresentação do pedido60, ainda que frequentemente alargado ou
encurtado conforme os casos. Na generalidade não são referidas dificuldades significativas,
com algumas excepções de instituições criadas depois de 1974, pela exigência de
compatibilização da organização interna com as novas directivas administrativo-legais e
reorientação dos seus fins para a realização dos objectivos da segurança social.
Na perspectiva dos Centros, a duração desta fase é muito variável, em função dos
objectivos estatutários da instituição, da natureza e empenhamento dos promotores e da
disponibilidade dos serviços de Segurança Social, designadamente das disponibilidades
orçamentais para assegurar o financiamento dos acordos de cooperação propostos.
“[O reconhecimento como IPSS] demora muito porque tem de ser feito com timings
que às vezes não são conhecidos das instituições, porque o orçamento-programa é
preparado com muita antecedência e, de uma forma geral, porque tem a ver com o
orçamento do Estado. (...) Por outro lado as limitações financeiras agravam essa
situação, porque às vezes não é possível meter tudo aquilo que era necessário meter
...” (CRSS, Dirigente 5)
A demora na aprovação das instituições é, frequentemente, apresentada como um ponto
de discórdia entre as instituições e os Centros. Daí a utilização, por parte dos promotores,
de certos mecanismos (mais ou menos informais) para contornar os possíveis
inconvenientes da não conclusão do processo de registo61. Essa demora, decorre de vários
factores: do facto de a decisão não ser descentralizada, de o processo de aprovação ter
uma elevada componente burocrática e de formalização jurídica, ou ainda da deficiente
formulação das propostas.
60 O período necessário para completar todo o processo, desde a constituição ao registo como IPSS,
dificilmente será inferior a um ano, se forem cumpridas todas as exigências previstas: 1) aspectos
burocráticos ligados à formalização da pessoa colectiva, como o registo do nome ou a marcação da escritura
notarial; 2) análise do projecto no CRSS; 3) apreciação pelos serviços centrais (para assegurar uma
distribuição espacial equitativa dos recursos a partir de indicadores comparativos de taxa de cobertura das
valências por concelho); 4) aprovação e registo pela DGAS
61 “Alguns expedientes são, por vezes, usados para abreviar este tempo sobretudo quando a administração
tem um interesse especial no arranque da instituição ou na candidatura da instituição a um determinado
projecto. Um deles é considerar reconhecida a instituição à data da entrega dos documentos” (CRSS,
Dirigente 3).
“É um processo burocrático, tem o seu tempo, tem informações de vários sectores e
vários serviços internos e portanto, passa de um para outro, e depois há
dificuldades, pormenores de natureza burocrática e jurídica. Depois os próprios
serviços, a própria Direcção-Geral muitas vezes demora o processo ao constatar que
não está bem informado, que falta isto, que falta aquilo, as pessoas estão desejosas
quando querem criar de um dia para o outro. São os aspectos burocráticos e o tempo
que o processo demora desde entrar até estar concluído que muitas vezes desespera
os próprios intervenientes, que querem a resposta logo, que é necessária, porque
enquanto não estiverem constituídos como IPSS não podem iniciar a actividade”
(CRSS, Dirigente 1)
3.3.1.2. Avaliação prévia e acompanhamento
Decorrente da filosofia subjacente à tutela do Estado, o reconhecimento e celebração dos
acordos com as instituições deveriam ser precedidos da avaliação das condições, nos
próprios termos legais, do “nível de funcionamento socio-comunitário” e da “capacidade
económico-financeira. No entanto, esta exigência parece não ser cumprida, para as instituições
que se constituem canonicamente (cerca de 50% das existentes) e cujo reconhecimento
decorre automaticamente da comunicação escrita da autoridade eclesiástica ao
CRSS62 e, frequentemente também para as de natureza civil.
“e como não se pode impedir que um grupo de pessoas constitua uma associação
com fins sociais, como a questão da idoneidade não passa por uma especial abertura
de mente, portanto nós podemos até ter instituições muito bem intencionadas mas
fraquíssimas em termos de poder tomar posições. E desde que as pessoas sejam
idóneas... podemos até colaborar no registo de uma instituição, não tendo certeza se
ela tem capacidade para prosseguir os fins. Como é que se prova a capacidade de um
grupo de pessoas que aparece aqui, que se constitui regularmente no seio civil como
associação e depois como é que é? Com estatutos perfeitos do ponto de vista
formal, os fins que prosseguem são perfeitos” (CRSS, Dirigente 6)
A avaliação prévia das condições (técnicas e financeiras) da instituição parece ser
frequentemente dispensada, não só para o seu reconhecimento como IPSS como também
para a celebração dos acordos de cooperação, o que retira pertinência às exigências legais.
Para além disso poderá abrir espaço a eventuais fraudes, desde o recebimento indevido de
fundos públicos para serviços que não funcionam à criação de instituições “fantasma”,
formalmente reconhecidas mas sem actividade.
62 “As situações de foro da Igreja Católica, por força da Concordata, constituem-se canonicamente e
comunicam-nos a erecção canónica da instituição, depois nós é que procedemos a todos os actos necessários
ao registo como IPSS (...) a constituição canónica tem efeitos civis, ao abrigo da Concordata” (CRSS,
Dirigente 6).
“Como também até ao momento ainda não foi alterado o estatuto das IPSS em
matéria de registos, acontece que há muitos anos se anda a dizer que os registos
teriam um prazo, no fim do qual caduca, se a instituição efectivamente não tiver
actividades. O facto é que ainda não foi alterada essa situação. Portanto uma
instituição pode-se constituir regularmente, registar-se e estar 6 ou 7 anos sem
actividade. (...) Como quanto aos objectivos, a instituição pode propor-se objectivos
muito amplos ... pode dizer apenas que são acções de apoio à 3ª idade, à deficiência
ou à infância ... é muito difícil bloquear o registo de uma IPSS. É mais fácil bloquear
a cooperação, mas enquanto não se verificar a caducidade do registo face à não
existência de actividades, mesmo isso é muito complicado” (CRSS, Dirigente 6)
Na óptica dos CRSS, o reconhecimento como IPSS depende, para a generalidade das
instituições de natureza civil, além da verificação dos requisitos formais de registo nos
serviços centrais da Segurança Social, de um parecer prévio dos serviços locais sobre a
justificação social das actividades propostas, bem como das condições materiais, técnicas
e humanas de desempenho e sustentação da cooperação. Esse parecer é elaborado com
base numa carácterização da população e necessidades locais, concluindo com uma
avaliação da relevância social das actividades ou serviços que a instituição se propõe, bem
como das possibilidades de viabilização da iniciativa.
“Há sempre um estudo e uma avaliação do ponto de vista social e técnico à qual a
instituição se tem que subordinar, como é óbvio, porque nós de facto é que sabemos
o que é que em termos de distrito e em termos de localidade é necessário e aí não há
rigorosamente nenhum conflito (...) Quanto à questão da decisão de se transformar
em IPSS ou não, ela cabe depois de todo um processo de análise do ponto de vista
legal nos nossos serviços à Direcção Geral de Acção Social”. (CRSS, Dirigente 1).
“Não se propõe o registo sem que do processo conste um parecer social sobre a
necessidade ou a conveniência, a oportunidade de constituição daquela instituição
(...) não é a única peça do processo, porque a instituição tem de apresentar um
conjunto de documentos, mas é sempre pedido (pelos serviços jurídicos da DGAS)
um parecer social (...) mas de facto há instituições que se constituem um pouco à
revelia da nossa própria informação” (CRSS, Dirigente 6)
Os entrevistados, no entanto, não deixam de reconhecer a existência de práticas não
conformes com os procedimentos e critérios formais, nomeadamente a não consideração
dos pareceres técnicos, a flexibilidade com que algumas situações são avaliadas pelos
serviços da Segurança Social ou a subjectividade das decisões relativas a algumas
instituições.
“A própria DGAS permite algumas situações, incompreensivelmente. Por exemplo,
a questão das fundações têm que ter património e têm uma organização
completamente diferente de uma associação. Quando eu estive na Região, (...)
encontrei fundações registadas praticamente sem património (...) mas eu nem falo
dessas (as instituições religiosas, equiparadas a fundações), porque essas por força
da Concordata, tudo bem. Eu falo mesmo de fundações de foro civil que eu dei
conta, que estavam registadas e não tinham património” (CRSS, Dirigente 6)
Parece poder concluir-se, a partir dos testemunhos dos CRSS, pela existência de uma certa
informalidade dos procedimentos, nalguns casos justificada pela acuidade das necessidades
sociais a atender, noutros pela “insuspeita” idoneidade dos promotores da iniciativa (caso
das instituições constituídas canonicamente) ou ainda por influência de protagonismos
pessoais ou pressões dos interesses que apoiam a instituição.
Quanto aos requisitos a cumprir pelas instituições para efeito de reconhecimento como
IPSS ou não há regras precisas, ou são frequentemente flexibilizadas, em termos da
organização interna, relação utentes/serviços, natureza e montante dos recursos próprios,
ou mesmo instalações e pessoal. Ainda que seja referida uma certa preocupação, por parte
dos CRSS, relativamente a instalações, pessoal e número de utentes, por questões de
rentabilidade da instituição e sustentação das actividades, reconhece-se que nem sempre é
fácil cumprir exigências mínimas dada a gravidade dos problemas que quotidianamente
pressionam os serviços.
Para as instituições abordadas, a questão da avaliação prévia das necessidades e condições
de funcionamento parece não ter suscitado qualquer dificuldade. A justificação social da
iniciativa e as questões relacionadas com as condições (técnicas, humanas e materiais) para
o desenvolvimento das actividades propostas, não aparecem como preocupação que tenha
merecido ser assinalada pelos responsáveis entrevistados, eventualmente por não serem
percepcionadas como questões do âmbito da acção tutelar do Estado.
Nenhuma das instituições abordadas faz referência a qualquer tipo de restrição do
princípio, legalmente enunciado, da “livre escolha” das áreas e formas de actuação e
organização interna. Por seu turno, os CRSS, apesar da referência à regularidade com que
são elaborados os estudos prévios sobre a justificação social da iniciativa e adequação das
condições de funcionamento, reconhecem uma significativa ineficácia da sua intervenção
nesta matéria.
“Nos últimos anos as IPSS deste país cresceram como cogumelos. Isto é uma
realidade indesmentível e, de facto, surgiram algumas que certamente nem se
justificam. Porque as IPSS, é preciso que se diga, têm um favorecimento fiscal
extremamente acentuado, têm um IVA perfeitamente reversível e têm algumas
isenções, como é óbvio isto é dinheiro. E, portanto, penso que foi uma política
errada acentuar esse domínio crescente das IPSS. Se por um lado foi bom, pelo
ponto de vista de cobertura social nalgumas valências, nalguns casos exagerou-se e
há hoje casos públicos, que vêm inclusivamente nos jornais, de determinadas terras
que se calhar só deveriam ter uma associação com uma determinada valência e sabese
que têm duas ou três. E também aí não descuro às vezes, digamos, o oportunismo
político de alguns dirigentes políticos deste país que deram cobertura a situações
desta natureza, que, de facto, não dignificaram a Segurança Social”. (CRSS, Dirigente
1).
“Continuam a constituir-se e a formar-se Instituições Particulares de Solidariedade
Social porque a legislação é de certa maneira favorável. Uma associação pode
transformar-se [em IPSS] desde que desenvolva actividades no âmbito da segurança
social ou da acção social. Portanto elas continuam a aparecer de uma forma, penso
eu, muito caótica, porque cada freguesia quer ter a sua IPSS, quer ter o seu Lar de
Idosos e isto depois cai-se na pulverização exagerada de instituições, o que também
não é facilitador (CRSS, Técnico 1).
Segundo a generalidade dos dirigentes dos CRSS, a autonomia das instituições não é
afectada pela acção tutelar do Estado, quer por causa da incapacidade dos Centros
(sobretudo falta de recursos humanos), quer porque as disposições legais e os próprios
estatutos lhes dão possibilidade de exercer a acção social com muita autonomia.
“E o que eu sinto neste momento é que as instituições não são orientadas, mesmo
quando aparece uma instituição nova. Por exemplo, pergunto-me, porque é que num
distrito com grande dinâmica ao nível de iniciativas de solidariedade não surgem
instituições de apoio a indivíduos portadores de Sida ou toxicodependentes?”
(CRSS, Dirigente 6)
A avaliação prévia das condições da instituição para a celebração dos acordos de
cooperação refere-se também à capacidade económico-financeira63, mas essa exigência
parece ter tido poucos efeitos práticos. Como se reconhece, “a questão financeira é uma
questão em que quase não se toca” e a falta de recursos da instituição parece não ser impeditiva
da criação de uma IPSS, embora a sua natureza privada pressuponha a existência
de recursos próprios. Na prática, pode ser estabelecido um acordo com uma instituição
particular que, à partida, apenas vai gerir as comparticipações da segurança Social e dos
utentes.
“O montante de recursos próprios, não tem sido exigido que a instituição tenha um
63 Despacho normativo nº 75/92, Norma XIII Nº 2.
grande património ou um grande capital. É importante que tenha, mas para mim é
importante também que tenha capacidade para o angariar, para o conquistar. Porque
às vezes boas vontades reunidas e muito empenhamento pode dali sair uma
belíssima instituição. Porque podem naquele momento não ter recursos próprios,
mas aquele punhado de pessoas podem-nos dar garantias, e quantas não têm sido, de
serem elas próprias capazes de localmente cativarem os recursos (...) O recurso
mínimo pode ser um terreno, pode ser uma sede... pronto” (CRSS Dirigente 3).
“Não é um motivo de selecção negativa porque, no fundo, a selecção negativa vai
contra a questão dos princípios estatutários, a questão fundamentalmente é essa. De
qualquer forma, ter recursos próprios ajuda porque os recursos próprios favorecem
de algum modo a instalação dos equipamentos dessa instituição. Se houver algum
património que a instituição possa ter, isso ajudará em termos de futuro.” (CRSS,
Dirigente 1)
Na perspectiva dos CRSS abordados, a autonomia das instituições não tem sido afectada
pela sua maior ou menor dependência financeira do Estado, ainda que essa vulnerabilidade
possa vir (a prazo) a perverter a própria natureza da instituição. Mais do que a questão
financeira, os entrevistados valorizam outros factores de reforço da autonomia das
instituições face ao Estado, designadamente quadros legais favoráveis à defesa do carácter
privado da instituição, a implantação local da instituição (sobretudo quando é o único
recurso para as populações), a lógica geral de rejeição da intervenção do Estado e, nos
casos de constituição canónica, o facto de prevalecer um entendimento alargado dos
efeitos civis da Concordata, de resto, com tradução legal no Dec.-lei 119/83.
Pode considerar-se generalizada a percepção de uma grande vulnerabilidade económicofinanceira
quanto a um significativo número de instituições (aliás assumida pela própria
União), situação que as coloca numa forte dependência dos financiamentos públicos sem
que, paradoxalmente, a sua autonomia face ao Estado tenha sido reduzida. No entanto, os
dirigentes dos CRSS também assumem que essa vulnerabilidade económica (num dos
CRSS estudados, chegaria mesmo a 90% das instituições) reduzirá a autonomia das
instituições, considerando mesmo ser inviável qualquer instituição que não consiga outras
fontes de financiamento.
“Uma instituição só tem razão de ser se tiver várias fontes de financiamento,
nomeadamente, bens próprios ou capacidade de os angariar. Porque se não, só boas
vontades e estar dependente para o financiamento... absolutamente dependente do
apoio do Estado e dos utentes, pode entrar facilmente em derrapagem se houver...
Olhe, basta que os utentes passem a ter uma diminuição do nível de vida” (CRSS,
Dirigente 3).
“Tem que se criar uma bocado esta ideia que a IPSS não pode ter... ou melhor, terá
que ter alguma auto-sustentação por si própria, se pensarmos que terá que ser
financiada a 100% pelo Estado. Então, digamos, o Estado está-se a substituir numa
percentagem total à IPSS e já não funciona com o carácter supletivo que a
Constituição determina, nomeadamente” (CRSS, Dirigente 1)
No que se refere ao acompanhamento e fiscalização da actividade das instituições o papel
dos técnicos locais, dada a sua proximidade aos problemas locais e o relacionamento com
as instituições (mais informal e personalizado), parece ter sido relevante.
“Se numa área há falta de respostas, tenta-se dar resposta com as instituições
existentes. É o caso da [IPSS 13]. Não havia espaço e contactou-se a [IPSS 18] que,
numa situação transitória, cedeu instalações. Organizou-se o mínimo de serviços
para os idosos e depois alargou-se (...). Quando se começou a trabalhar na freguesia,
eu era a única assistente social e recorria muitas vezes à Conferência [secção local da
organização das Conferências S. Vicente de Paulo] para tratar questões ou
problemas dos idosos. Com o então Presidente da Conferência ... chegamos à
conclusão que era preciso um serviço de apoio domiciliário organizado, periódico e
eficiente. Nessa altura fez-se um levantamento das necessidades, começamos a
delinear a estrutura de um serviço (...) depois da constituição como IPSS começou-se
a negociação do terreno para a construção do Centro de Dia” (CRSS, Técnico 10).
Na fase de constituição e registo, o apoio dos CRSS traduz-se basicamente em informação
acerca das respostas ou valências que querem criar e da sua justificação técnica, acerca dos
acordos e das comparticipações financeiras, acerca das responsabilidades futuras da
instituição, etc. Depois de constituída a instituição, esse apoio traduz-se no acompanhamento
técnico e fiscalização das condições de funcionamento protocoladas no acordo de
cooperação.
“No acompanhamento às instituições estabelecia-se periodicamente uma visita para
ver se havia problemas (com os utentes, com o pessoal, nas instalações, se se
justificava ou não novas valências...). Visitava-se mais as que se encontravam numa
situação mais crítica, por exemplo, com pouca frequência de utentes. Trabalhava-se
no sentido de a dinamizar, de a adaptar às necessidades da comunidade. Visitávamos
mais também quando havia conflitos de trabalho” (CRSS, Técnico 9).
No entanto, o acompanhamento técnico das instituições registou também algumas
alterações. Anteriormente à reforma da orgânica dos CRSS de 1993, os técnicos locais
acompanhavam a instituição desde a sua formação, dando apoio técnico mas também
fiscalizando a sua actividade. O tipo de relação que então se desenvolvia se, por um lado,
era facilitadora da cooperação e da eficácia do acompanhamento técnico da instituição, por
outro lado criava situações de alguma ambiguidade quando, face a irregularidades mais graves,
o técnico tinha de accionar outros mecanismos ou instâncias do CRSS64.
Actualmente a fiscalização é feita directamente pela sede das sub-regiões e o apoio dos
técnicos locais fica dependente da solicitação da instituição e, nem sempre, os motivos que
levam as instituições a pedir o apoio aos técnicos do Centro correspondem ao
reconhecimento de necessidades reais da comunidade ou a preocupações de melhoria dos
serviços65.
Este novo sistema, ao retirar aos técnicos as funções de controlo do respeito das normas
legais e técnicas pelas instituições, levou longe demais a separação das funções de
acompanhamento e de controlo, remetendo para um plano secundário a questão do apoio
técnico e, consequentemente também a preocupação com a promoção da qualidade dos
serviços prestados, a não ser nos casos em que essa preocupação seja já sentida pela
própria instituição.
“Vamos lá ver, ninguém nos proíbe de ter um contacto com o presidente da
instituição, com o director de uma instituição que vem cá, para tentar pedir se calhar
um aumento de acordo: ‘o que é que acha, acha que é possível? Estamos numa altura
boa?’. Isso são relações informais que se continuam a manter. Não! As coisas têm
que estar formalizadas e há coisas que têm que estar... até porque quando alguém
nos telefona a perguntar ‘como é que é...?’ temos que ter uma certeza na resposta
que damos, não é? Que é para também saber transmitir bem essa resposta para a
pessoa não pensar que é má vontade daqui. Eu penso que isso tem que ficar
definido. (…) Nós entramos na instituição se formos autorizados e se eles nos
chamarem (...) Mas nunca tivemos problema em nenhuma instituição em entrar.
Aliás, nunca dizemos que vamos lá e nunca tivemos nenhum problema. Portanto,
quando temos um caso para colocar à instituição de uma criança ou de um idoso...
Até porque nós quando fazíamos o apoio técnico às IPSS, até era muito positivo,
criávamos uma relação muito boa. Portanto, era bom para nós e era bom para a IPSS,
porque nós depois tínhamos um certo conhecimento que entrávamos e dizíamos
‘isto está mal’ e as pessoas até, porque já tinham essa relação, até aceitavam
perfeitamente a nossa orientação sem problemas.” (CRSS, Técnico 5).
64 “Agora eu acho que quem está na comunidade, quem está no terreno e que tem que ter uma relação com
a instituição, fica num papel muito dúbio, se tem que por um lado apoiar e ter uma boa relação e não sei
quê, e por outro lado, abre informação a nível superior a dizer... por um lado, a dizer que não funcionam...”
(CRSS, Técnico 5)
65 “Quando vêm aqui pedir para fazer qualquer coisa é mais naquelas alturas das eleições. Toda a gente quer
fazer! Portanto, não virados mais para as necessidades sentidas, mas sim para mostrar algo, não é? E aí nós
temos que trabalhar com essas pessoas. Temos que fazer um estudo na população e dar resposta àquilo
mesmo que é necessário. Pelo menos temos conseguido, embora realmente eles venham com uma ideia,
mas conseguimos dar-lhe a volta” (CRSS, Técnico 5).
A necessidade de fiscalizar a actividade das IPSS para assegurar o cumprimento das
finalidades acordadas parece amplamente justificada quer por razões de controlo da
utilização dos recursos públicos quer por razões de defesa dos interesses dos cidadãos
utentes, mas o novo sistema, além de secundarizar a intervenção dos técnicos locais,
quando a sua proximidade aos problemas (e recursos) das comunidades aconselharia uma
revalorização do seu papel, parece ter esvaziado também a função de fiscalização.
“Quando se der conta já é quase insanável, porque de facto o Estado não tem tido
essa função fiscalizadora, nem através dos CRSS e muito pouco também através de
um organismo central que é a inspecção geral, porque também um organismo central
não pode de facto efectuar uma fiscalização sistemática. Como é que actua a
inspecção geral? Actua em regra por denúncia ou então é capaz de fazer algumas
acções de inspecção aleatória. Só que num conjunto de cerca de 2 mil e tal IPSS,
quase 3000, não tem expressão nenhuma” (CRSS, Dirigente 6).
Por outro lado parece haver alguma divergência entre os CRSS e as instituições,
relativamente ao entendimento do articulado legal que dispõe que “o apoio do Estado e a
respectiva tutela não podem constituir limitações ao direito de livre actuação das
instituições” (Dec.-lei 119/83). Enquanto para os promotores da instituição, estas, pela
sua natureza privada, têm total liberdade de opção, para alguns dos dirigentes dos CRSS a
liberdade das IPSS, nesta matéria, está necessariamente limitada pelas directivas da
Segurança Social, restando-lhe, nesta matéria, pouca margem de autonomia.
“A liberdade de iniciativa das instituições particulares praticamente não existe. Há
um diálogo estabelecido mas eles não impõem, quem de facto impõe somos nós, nós
financiamos, nós pagamos, nós fazemos o acordo, como tal nós podemos ir ao
encontro daquilo que... Por outro lado, a acção social também não vai ao encontro
daquilo que não é desejável, não vai instalar numa determinada localidade uma área
de infância que eles não têm lá, não necessitam.” (CRSS, Dirigente 1)
“Já tem acontecido neste distrito um outro ponto de divergência que é, nós já
limitámos a criação de IPSS. Não limitámos a criação de associações porque não
podemos, legalmente; agora as IPSS, os registos já. Já tivemos aqui uma freguesia
que tinha três IPSS registadas e queria criar a quarta IPSS para as mesmas acções que
estavam a ser feitas simplesmente porque havia grupinhos. De certo modo, havia ali
concorrência, pessoas que queriam concorrer entre elas e isso pode ser uma divergência.
Mas isso são situações raras” (CRSS, Dirigente 3).
Ao mesmo tempo que, formalmente e na prática, se tem assistido a um progressivo
definhamento da acção tutelar do Estado e a uma progressiva acentuação da natureza
privada das Instituições, a dependência destas relativamente a financiamentos públicos
não cessa de aumentar (actualmente, cerca de 80% das despesas de manutenção, instalação
e equipamentos resultam de transferências públicas). Apesar disso, a extensão e natureza
das suas reivindicações, sobretudo as veiculadas pelas Uniões ou decididas pelo colectivo
das instituições reunidas em congresso, apelam crescentemente a direitos de propriedade
privada, protegida e financeiramente sustentada pelo Estado, ao mesmo tempo que se
rejeita a orientação e tutela da entidade financiadora.
Por outro lado, parece haver um tendencial alargamento ou reforço da autonomia das
instituições particulares — pelo menos é essa a percepção dos dirigentes dos CRSS —
quando desenvolvem capacidades para diversificar as suas fontes de recursos, além dos
acordos da Segurança Social, nomeadamente através de outras formas de cooperação, com
entidades públicas ou privadas, seja para os mesmos ou outros objectivos.
3.3.2. Uma forma de gestão concertada
A “cooperação” entre a Segurança Social e as Instituições Particulares de Solidariedade
Social é uma forma concertada de obrigações recíprocas, com expressão nos acordos
subscritos pelas partes (CRSS e IPSS), na base dos normativos instituídos e montantes
previamente negociados entre as Uniões e o Ministro da tutela. Estado e Instituições
implicam-se mutuamente no pressuposto dum reconhecimento público do contributo das
instituições para a realização dos fins da acção social. O Estado implica-se na afectação de
recursos e apoio técnico (quando solicitado) destinados à instalação e funcionamento dos
serviços e equipamentos directamente administrados pelas instituições particulares. Como
contrapartida, as instituições obrigam-se a prestar serviços às populações mas
subordinando a sua actuação a um conjunto de princípios normativos que, a serem
cumpridos, configurariam a provisão social das instituições particulares como um serviço
público.
De acordo com as normas em vigor66, as instituições particulares que subscrevem um
Acordo de Cooperação com a Segurança Social, obrigam-se ao cumprimento de um
conjunto de normativos de “serviço público”, designadamente a a) garantir o bom
funcionamento dos equipamentos ou serviços, respeitando os requisitos técnicos e
disposições estatutárias da instituição; b) dar prioridade (de admissão) a pessoas e grupos
económica e socialmente mais desfavorecidos; c) assegurar condições de bem-estar dos
66 Despacho Normativo nº 75/92, de 20 de Maio.
utentes e promover a sua participação na vida do equipamento; d) prestar serviços
adequados (às necessidades) e eficientes; e) assegurar a existência de recursos humanos
adequados ao bom funcionamento dos serviços; f) fornecer aos CRSS informações para
avaliação qualitativa e quantitativa da actividades desenvolvidas;e g) respeitar as
recomendações técnicas e facilitar a fiscalização dos serviços competentes do ministério da
tutela.
Paralelamente, os CRSS, além do pagamento pontual e regular das comparticipações
financeiras acordadas, comprometem-se com a orientação de serviço público e qualidade
da prestação social das instituições, obrigando-se designadamente a: a) garantir o apoio
técnico (a seu pedido) necessário à promoção da qualidade dos serviços prestados; b)
estimular a formação técnica e reciclagem profissional do pessoal da instituição; c) avaliar
os serviços prestados e o sentido social das respostas desenvolvidas pelas instituições; e
d) estimular a cooperação de forma a tornar possível a concertação de interesses e a
descoberta de respostas adequadas no âmbito da acção social (Norma XVII).
No campo da aplicação prática, parece ser generalizado um entendimento bem mais
restrito da cooperação, raramente percepcionada pela sua orientação de serviço público e,
frequentemente, perspectivada como um mera contratualização de serviços (produzidos
pelo sector privado com financiamento público). A “cooperação” parece ser vista pelas
instituições como a sua mais importante fonte de recursos (sobretudo financeiros) e pelo
Estado como uma forma (considerada mais económica) de se des-responsabilizar da provisão
social directa e, consequentemente, a via privilegiada de implementação das políticas
de privatização da acção social.
Por um lado, parece ser consensual entre os entrevistados das instituições uma apreciação
positiva dos princípios normativos da prestação de serviços e regras da cooperação. A
ampla convergência de opiniões deve-se, na perspectiva da UIPSS, à prévia concertação
política, entre o Ministro da tutela e as Uniões, bem como ao envolvimento e participação
das instituições (associadas) nas posições veiculadas pelas organizações que as
representam.
“Ao nível da negociação com o poder político a direcção nacional [da UIPSS] teve
que ir ao som da música de cada instituição e daquilo que elas faziam. Houve
necessidade de rever acordos (...) Uma negociação anual dos instrumentos de
cooperação, que depois possam permitir a celebração de bons acordos de
cooperação.(....) Nós pretendemos que na defesa da negociação se encontrem bons
instrumentos de cooperação ao nível de novas áreas de intervenção, ao nível das
verbas que são necessárias, ou seja, o núcleo de defesa está muito aí. (...) Portanto
nós temos uma ligação às bases, é permanente, em assembleias, através de
sondagens, inquéritos. Qualquer posição que a União tome é sempre sustentada em
sondagens e inquéritos. Nós temos referendos, instituídos entre nós há anos.
Qualquer medida é referendada por nós” (Dirigente da UIPSS).
Por outro lado, na perspectiva dos CRSS, as normas orientadoras que decorrem dos
protocolos de cooperação entre o Governo e as Uniões são muito gerais e, por vezes, dão
lugar a diferentes interpretações do seu conteúdo, pelo que nem todas as instituições
cumprem da mesma maneira. Nas instituições, por falta de pessoal técnico, incapacidade
directiva ou outras limitações, nem sempre está garantida a aplicação das orientações em
matéria de humanização dos cuidados, admissão dos utentes, aspectos técnicos de
funcionamento, etc. Os CRSS, por escassez de recursos ou por impossibilidade legal
(determinada pelo carácter privado das instituição), também não intervêm a não ser que
isso lhes seja solicitado.
As divergências entre os CRSS e as Instituições, quanto ao conteúdo das orientações
normativas da cooperação, parecem ser relativamente frequentes nos contextos geográficos
da pesquisa. Nos CRSS, os depoimentos recolhidos apontam para a existência de
divergências quanto à interpretação das obrigações decorrentes da cooperação, seja pela
não conformidade com os princípios normativos, seja, nos casos mais graves, pelo
incumprimento do clausulado dos acordos subscritos. Diferentemente, os dirigentes das
instituições entrevistadas consideram não haver situações de incumprimento por nenhuma
das entidades subscritoras dos acordos.
Na perspectiva dos CRSS, as situações de incumprimento grave (ou mesmo de carácter
fraudulento) “são raras” entre as instituições que tutelam. Dirigentes e técnicos
entrevistados manifestam a percepção de que as instituições cumprem (em regra) as
obrigações acordadas, mas acrescentando não ser possível conhecer com exactidão os
casos de incumprimento grave dos acordos de cooperação, dada a ausência ou insuficiência
das acções de fiscalização, só esporadicamente efectuadas e em situações de denúncia de
irregularidades ou reclamação apresentada por utentes e familiares.
Relativamente ao último ano, ainda que as situações de incumprimento grave sejam
consideradas excepcionais, foi referida a existência de sete casos, dois ainda em processo e
cinco já decididos pela suspensão dos respectivos acordos de cooperação. Apesar disso,
os entrevistados preferiram não identificar as instituições em falta, natureza e gravidade
dos referidos situações. Esta reserva foi justificada (nalguns casos) por haver negociações
em curso ou (noutros casos) por se tratar de situações já publicitadas na imprensa, o que
revela uma certa preocupação em minimizar a frequência deste tipo de comportamentos
institucionais.
Em qualquer dos casos, as irregularidades haviam sido detectadas através de acções de
fiscalização suscitadas (e apoiadas) por reclamações dos utentes ou denúncia dos
trabalhadores da instituição, procedimento justificado pela escassez de recursos técnicos
para o “acompanhamento permanente das instituições”, mas também porque a “natureza
privada das instituições obriga” os serviços de tutela a restringir a sua acção fiscalizadora a
situações “comprovadamente” justificadas. Evidencia-se a dificuldade de conciliação entre
os interesses particulares das instituições e as exigências de serviço público, sobretudo no
que se refere à precedência dos direitos dos cidadãos (contribuintes e utentes) e
racionalização dos fundos públicos. Na prática, parece prevalecer um entendimento que,
antecipadamente, vai de encontro às reivindicações das instituições:
“Torna-se necessário devolver às IPSS a dignidade e o respeito que lhes é devido,
reconduzindo a intervenção fiscalizadora do Estado a um quadro de respeito pela
natureza e pelo estatuto privado de que as mesmas são titulares. Nesse sentido, a
intervenção do Estado nas IPSS deverá limitar-se à declaração de existência de desvio
estatutário ou incumprimento de normas legais, efectivada pelos órgãos a que constitucionalmente
está reservada a administração da justiça”67.
As situações menos graves de incumprimento dos normativos da cooperação ou das
obrigações contratualizadas são bastante mais frequentes na opinião dos entrevistados.
Referem-se, de acordo com os depoimentos recolhidos, a irregularidades quanto à
informação devida aos CRSS sobre a aplicação dos acordos, a atitudes e comportamentos
da instituição lesivas dos interesses dos utentes, designadamente em matéria de
humanização dos cuidados, critérios de admissão e comparticipação financeira, ou ainda a
aspectos técnicos de funcionamento ou de qualidade dos serviços prestados.
Dentre essas situações as mais frequentes — e consideradas mais graves — referem-se ao
que foi designado por “abusos financeiros”, ou seja, instituições que não informando os
CRSS da diminuição do número de utentes continuam a receber regularmente (e
indevidamente) as comparticipações acordadas pela Segurança Social68.
67 Conclusões do IV Congresso das Instituições Particulares de Solidariedade Social, Fátima, Novembro
de 1995.
68 “Alguns casos de abuso do ponto de vista financeiro, ou seja, a existência de um diferendo entre os
utentes que existem de facto e aqueles que estão a ser avaliados e que é preciso avaliar” (CRSS, Dirigente
1).
Quando detectadas estas irregularidades, em regra por acção dos serviços de inspecção, a
instituição tem de reembolsar o dinheiro ao CRSS, o que, normalmente, é feito através da
dedução do valor às comparticipações do(s) mês(es) seguinte(s). Nos casos mais graves,
pode proceder à suspensão temporária ou mesmo ao cancelamento do acordo de cooperação
com a instituição.
O pagamento regular e pontual da comparticipação da Segurança Social parece ser a única
questão consensual entre as entidades subscritoras dos acordos de cooperação,
Instituições e Centros, sendo eventuais atrasos considerados raros ou sem significado no
desenvolvimento da cooperação. Mas esta regularidade significa também que a
comparticipação mensal não sofre alterações no decurso do ano, mesmo quando as
oscilações do número de utentes justificariam o seu reajustamento. As razões apontadas
para este procedimento divergem, entre as opiniões que remetem a responsabilidade para
os serviços da Segurança Social (as instituições que dizem enviar regularmente essa
informação) e as que (nos CRSS) referem a impossibilidade de controle dos utentes
comparticipados, por falta de informação das instituições e também por ineficácia dos
mecanismos instituídos.
“Esse controlo, normalmente, não é feito. Se os utentes aumentam, as IPSS têm a
preocupação logo de dizer; agora se têm redução de 20 ou 10 ou 15%, nunca dizem
nada, ou (...) se até não existem (utentes comparticipados) para receber não dizem.
O que acontece é sempre o inverso, se têm mais informam para que a
comparticipação seja revista e, a não ser que não haja verba, quase sempre damos
resposta. (...) Antes enviavam as listas quadrimestralmente (...), neste momento já
nem enviam listas de utentes. (...) Se fosse feita uma inspecção às instituições a nível
do distrito, mais de 50% das verbas que estão a ser dadas às instituições e que não
têm lá utilizadores dessas respostas, (têm 50% ou menos), regressaria aos cofres do
Estado” (CRSS, Técnico 2).
“Com certeza já lhe falaram da história das listas, a relação dos utentes. Muitas
instituições mandaram e nós não fizemos nada porque também com aqueles
elementos nada poderíamos fazer (...). Nós não tínhamos meios de verificar aquilo e,
por outro lado, as oscilações do número de utentes ... até uma variação de 10%
obrigava a revisões e actualizações sistemáticas. (...) Nós não temos nem máquina
fiscalizadora nem administrativa nem financeira para poder esse ajuste.” (CRSS,
Dirigente 6)
As situações de incumprimento das obrigações para com os utentes ou mesmo para com
os serviços de tutela, apesar de consideradas frequentes são em geral imputadas a
limitações dos CRSS. Segundo os dirigentes entrevistados a escassez de recursos técnicos
e as limitações orçamentais têm obrigado à redução quantitativa e qualitativa das acções de
acompanhamento e fiscalização dos acordos de cooperação. Para os técnicos locais, mais
próximos do quotidiano das instituições e problemas das populações, as irregularidades
verificadas são, em grande parte, da responsabilidade das instituições que se escusam do
cumprimento das obrigações assumidas, por vezes por falta de condições materiais e,
também frequentemente porque rejeitam qualquer orientação normativa ou, em geral, a
acção tutelar da Segurança Social.
“Muitas instituições particulares não querem reconhecer, nem querem essa tutela,
porque eles querem apenas o dinheiro para poder organizar à sua maneira, trabalhar
à sua maneira. Até a propósito, tenho uma instituição que não tem regulamento
interno (...) e ela diz-me que não vai ter regulamento interno porque o próprio
advogado lhe disse que não convém ter regulamento interno, porque se tiver vai ter
que cumprir e assim é preferível não ter.” (CRSS, Técnico 2).
Qualquer que seja a responsabilidade das instituições ou dos serviços de tutela, em geral, é
reconhecido que os quadros legais são limitativos da intervenção do Estado, limitações
ainda reforçadas, na perspectiva dos entrevistados, por práticas centralizadas de
negociação dos protocolos de cooperação (entre o Ministério e as Uniões) e, em alguns
casos, por negociações e acordos paralelos (pelas instâncias políticas), as quais não
favorecem (antes dificultam) a acção de acompanhamento dos CRSS a nível local.
“Há, algumas vezes, (...) situações em que decorreram negociações de acordos
paralelos à intervenção dos serviços. Portanto, há compromissos que foram
assumidos, não estando isso sinalizado em sítio nenhum e que leva, portanto, a que
haja esses litígios, às vezes, entre as instituições e os serviços operativos. (...)
Normalmente há, depois, aí intervenção, quer política, quer técnica, por vezes da
parte DGAS, outras por parte do próprio Ministério, da Secretaria de Estado que
procura equilibrar um pouco essas clivagens criadas entre os serviços e as
instituições.” (CRSS, Dirigente 5)
No caso de desrespeito pelo princípio legal de prioridade de acesso aos indivíduos ou
grupos mais carenciados, foi referido como “normal” a preferência das instituições pelos
utentes capazes de assegurar comparticipações financeiras mais elevadas. De igual modo,
parece ser considerada “normal” a impotência dos CRSS para influenciar uma outra
orientação das instituições. Os Centros limitam-se, por isso, a encontrar uma saída para as
situações não atendidas69, eventualmente pelo recurso a organizações lucrativas e supor-
69“É precisamente a população mais miserável e aí nós ficamos sem resposta porque a pessoa que vai para
lá, muitas vezes, não tem quase nada para pagar ou tem uma reforma mínima e é a única coisa que pode
dar. Não estão (as instituições) dispostas a isso, mesmo sendo nós a fazer o pedido” (CRSS, Dirigente 2)
tando os custos financeiros daí decorrentes70.
“Eles normalmente dão preferência a quem mais pode pagar, a quem tem capitações
ou família com uma capitação mais elevada. Isto é regra comum das instituições. E aí
está a nossa intervenção, que neste momento é pouco aceite. Aqui há uns anos atrás,
era exigir que houvesse 20% ou 25% da capacidade daquela Creche ou Jardim de
Infância ou Lar para aquele criança ou idoso que, na realidade, não pode pagar (...). E
mais, dão prioridade àqueles que deixam os seus próprios bens à instituição, esses
têm sempre prioridade. Se for um desgraçado que vá para lá com uma pensão de 20
contos, que é a pensão mínima que temos actualmente, isso não tem prioridade,
pode estar a necessitar muito, a não ser que a própria instituição lhe diga, ‘o senhor
deixa os seus bens à instituição; a partir daí nós recebemo-lo’” (CRSS, Técnico 2)
As situações de precaridade económica parecem ser, por vezes, usadas pelas instituições
para pressionar os serviços dos CRSS a comparticipar utentes para além da
comparticipação acordada, situação que nos foi justificada pelo facto de ser habitual, por
limitações orçamentais “fazer acordos para metade ou menos dos utentes” na expectativa
de poder rever no ano seguinte. Mas, por outro lado, considera-se que os CRSS não
podem, por razões de precaridade económica, pagar mensalidades nas instituições, além
das fixadas nos acordos celebrados.
“Por questões de precaridade económica nós não podemos estar a pagar
mensalidades nas instituições, mas eu não tenho muito a sensação que as crianças
acabem por não entrar. Não são financiadas directamente pela via da cooperação,
mas acabamos por encontrar uma qualquer medida de apoio à família... Há
estabelecimentos lucrativos, não é nada do outro mundo que numa determinada zona
exista uma creche numa instituição e exista uma outra creche lucrativa”. (CRSS,
Dirigente 6)
O compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população é outra das
obrigações que implicam directamente as instituições particulares quando subscrevem um
acordo de cooperação da Segurança Social, mas também indirectamente na medida que se
obrigam a remeter aos CRSS as informações necessárias para uma avaliação das
actividades desenvolvidas. No entanto, todos os depoimentos obtidos confirmam a
ausência de qualquer forma de avaliação qualitativa dos serviços prestados pelas
instituições, dada a impossibilidade de um acompanhamento regular das actividades desenvolvidas
pelos técnicos locais dos Centros ou porque não foram criados outros
70 No caso de idosos dependentes e sem rectaguarda familiar parece ser relativamente frequente os CRSS
custearem a sua colocação em lares lucrativos, mas não foi possível obter informação quantificada sobre
esta situação.
mecanismos de avaliação.
“Esta avaliação não tem sido feita. É uma grande falha, evidentemente e, talvez por
todas as dificuldades, as IPSS não gostam de ser avaliadas, não gostam de responder
a qualquer questionário. Vou-lhe dar um exemplo. Há dois anos atrás, a Direcção
Regional concorreu ao programa HORIZON, para lançar projectos de avaliação de
respostas sociais. (...) Um grupo da Região optou pela avaliação de Centros de Dia,
porque é uma coisa que não se faz. Tivemos de escolher duas instituições, cada uma
de nós, da nossa área, para poderem ser avaliados. Bati a algumas portas e eles
dizem que não. Não quiseram colaborar com o pretexto de que estavam com outros
investimentos, estavam virados para outras áreas, não sei quê, respostas elegantes e
simpáticas, só que a verdade é esta, não querem ser avaliados, pronto” (CRSS,
Técnico 1).
“O nosso défice de recursos humanos tem-nos levado a que muito do controlo — e
agora deixem-me utilizar mesmo a expressão controlo porque não tem sido muito
mais do que isso — seja feito por via administrativa, o que é mau. O facto de nós
termos uma multiplicidade de acções a que temos que responder, nós muitas vezes
só vamos às instituições quando temos sinais de que alguma coisa corre mal e não
devia ser assim!” (CRSS, Dirigente 3)
“Normalmente não há [regularidade no acompanhamento e avaliação da qualidade]
por inexistência de recursos humanos (...) Seria necessário criar 2 equipas
pluridisciplinares (...) E, obviamente, se eu tivesse oportunidade de constituir essas
duas equipas técnicas (...) tinha como objectivo fazer uma intervenção mais
sistemática. (...) Nós queríamos ter a possibilidade de fazer o acompanhamento das
instituições com uma frequência de três meses.” (CRSS, Dirigente 5)
De um modo geral, os Centros enfatizam a falta de recursos humanos, sobretudo as
restrições de pessoal técnico, considerando não existirem condições para assegurar os
indispensáveis apoios às instituições com acordo. A evidenciada impossibilidade de
acompanhamento directo das actividades desenvolvidas, através do contacto regular dos
técnicos locais da Segurança Social, parece não ter sido compensada por outros
mecanismos, eventualmente mais eficazes no duplo sentido de controle das irregularidades
e incentivo à melhoria qualificada dos serviços prestados aos cidadãos utentes.
A percepção das instituições abordadas, sobretudo na perspectiva dos técnicos
entrevistados, revela alguma preocupação quanto às possíveis implicações daquilo que
consideram uma certa “ausência” dos CRSS no acompanhamento e apoio das instituições,
situação que referenciam à data da última reorganização dos serviços da Segurança Social e,
em parte, atribuem às regras que são protocoladas e ao que designam “medo da União”. É
particularmente referido o efeito negativo da suspensão do acompanhamento das
instituições pelos técnicos locais, os quais, segundo as mesmas fontes, conheciam bem os
problemas e dificuldades da instituição e, por esse facto, podiam ter uma influência
positiva de aconselhamento junto das direcções das instituições. Apesar da
disponibilidade dos CRSS (aliás assinalada pelas próprias instituições) face a eventuais
solicitações da instituição, este tipo de apoio foi considerado insuficiente particularmente
por parte das instituições mais vulneráveis, por limitações de organização e
funcionamento interno, mas também pelo tipo de necessidades e população que atendem.
Relativamente aos mecanismos de tutela e cooperação, as instituições abordadas apenas
referem o envio regular (anual) do orçamento e contas e as listas de frequência, neste caso
enviadas facultativamente e, segundo alguns entrevistados, contra as orientações da União.
Esporadicamente e apenas quando directamente solicitadas, as instituição fornecem
alguma informação suplementar de carácter quantitativo, para efeitos de análise estatística.
“esses [dados] não fornecem, embora devessem fazê-lo, porque a instituição devia
ter o seu plano de trabalho, o seu plano de acção todos os anos aprovado. Aliás, são
associações que fazem planos de actividades e planos de acção e [por isso] deveriam
ser presentes ao Centro Regional. Efectivamente, a maior parte das instituições não
o faz, muitas vezes é no trabalho directo de acção social, com os assistentes sociais,
que algumas instituições apresentam o seu plano, mas como não foi tornado
obrigatório apresentar o seu plano, o plano de acção não foi feito. Penso que é uma
falha enorme: têm de apresentar contas mas o plano de acção propriamente não têm
de apresentar. Algumas vezes apresentam-no quando querem celebrar novos
acordos, alargar actividades a outros lugares. Não tem sido, realmente, procedimento
do Centro Regional pedir os planos de actividade, programas, de acção, programas
de acção” (CRSS, Técnico 1).
“Não fornecem normalmente, não querem fornecer, nem querem sequer que o Centro
Regional, que os técnicos do Centro Regional ponham questões seja sobre o que for
do funcionamento. Daí muita vez acontecer o que acontece com as instituições e
com a resposta que elas dão aos utentes. Portanto, e uma vez que não querem,
recusam-se, porque também têm técnicos (...) Eles não querem, não aceitam que
ninguém lhe faça reparos sobre o funcionamento da instituição seja a que níveis e
então, se for a nível técnico, pior” (CRSS, Técnico 2).
“Deveriam fornecer, mas não fornecem. A única coisa que anualmente as instituições
fornecem são as contas de gerência das instituições e mesmo assim temos que andar
a pedir. A pedir e, muitas vezes, em relação a algumas, com alguma insistência para
que vão fazendo as contas. Até aqui, até há um ou dois anos atrás, as instituições
eram obrigadas a enviar uma relação dos utentes que tinham. Agora não são
obrigadas a enviar-nos qualquer tipo de relação, mas são obrigadas a ter um ficheiro
actualizado e que nós em qualquer altura vamos lá e podemos verificar como é que
está a funcionar.” (CRSS, Dirigente 2)
“As IPSS fornecem muito pouco dados, mas por dois motivos. Há alguns que são
obrigados a fornecer porque senão põem em causa os acordos de cooperação e esses,
como põe em causa o acordo de cooperação, acabam por fornecer. Que remédio!
Que é as contas gerência e os orçamentos. Mesmo assim algumas IPSS já têm sido
penalizadas e ainda no ano passado tivemos uma IPSS suspensa do acordo de
cooperação muito tempo porque esteve 15 meses [sem mandar] as contas de
gerência. De qualquer forma, nós não temos tido muita capacidade para exigir porque
não temos capacidade para tratar os dados. (...) Porque competia-nos, até de certo
modo, apoiar as instituições na elaboração dos planos de actividade, apoiá-las na
elaboração dos planos, acompanhá-las e avaliar com elas. Mas aonde é que está o
pessoal para isso? Quer dizer, com 450 acordos de cooperação !” (CRSS, Dirigente
3) .
Parece certo afirmar-se que não estão criados mecanismos que garantam o cumprimento
das orientações de serviço público, seja por dificuldade das próprias instituições ou
reivindicação das organizações representativas dos seus interesses ou por incapacidade
(técnica e legal) dos serviços de tutela. Por um lado, a persistente reivindicação da
protecção legal da autonomia das instituições privadas, restringindo crescentemente o
âmbito da acção tutelar do Estado mas simultaneamente abrindo espaço (nas instituições)
a novas vulnerabilidades (técnicas ou outras), designadamente a eventual deslocação dos
objectivos de gestão para a promoção social ou política de interesses particulares de
pessoas e/ou organizações. Por outro lado, a efectiva incapacidade dos CRSS (material,
técnica, orgânica ou legal) para acompanhar o desenvolvimento da cooperação ou para
responsabilizar as instituições pelo cumprimento de normativos instituídos,
particularmente no que se refere aos serviços prestados à população.
Os mecanismos de tutela exteriores à acção dos Centros, designadamente as acções de
fiscalização efectuadas pelos serviços de Inspecção Geral da Segurança Social, ainda que
considerados eficazes na detecção de irregularidades ou fraudes (sobretudo financeiras), na
perspectiva dos entrevistados, não podem substituir o acompanhamento técnico dos
serviços locais do CRSS. A fiscalização centralizada e mais distanciada das instituições foi
considerada, pelos Centros, mais eficaz em termos de racionalização dos recursos e
efectividade das acções no controle (administrativo e financeiro) dos acordos de
cooperação, defendendo por isso uma maior regularidade e extensão. Mas por outro lado a
centralização da fiscalização retira conteúdo ao acompanhamento local da cooperação e,
simultaneamente, à eficácia do apoio técnico (salvo se solicitado pela instituição) na
medida que a aplicação das eventuais recomendações às instituições deixa de ser
fiscalizada.
“Há contudo uma área que me preocupa e isto é claramente uma área descuidada
porque não temos meios para tal. É que neste distrito há mais de 250 IPSS e
deveriam ter da nossa parte uma acção fiscalizadora que não têm. E aqui o trabalho
social tem de ser central, não para pôr em causa o trabalho que é desenvolvido
nestas instituições mas para suprir, vigiar, fiscalizar comportamentos que possam
afastar ou pôr em causa ou em risco determinados comportamentos (...) É
impossível, nesta fase, dar uma cobertura dessa natureza, além dos tradicionais e
clássicos apoios. “ (CRSS, Dirigente 1)
“E por causa da diminuição de recursos, eu considero que no apoio às instituições se
retrocedeu para aí 20 anos, porque a maneira como a equipe foi obrigada a funcionar,
de facto acho que foi um retrocesso enorme. Nós no CRSS estávamos organizados
por áreas geográficas, um técnico apoiava as instituições daquela área
independentemente do tipo de valências e agora voltou-se aos técnicos de
problemática. Uma instituição pode ter a apoiá-la vários técnicos (...) pode dar até
alguma incoerência e, por causa da diferenciação não há uma visão global, logo não se
vê a instituição como um todo.” (CRSS, Dirigente 6)
“A carga de tarefas que nos estão atribuídas e o reduzido número de elementos a
trabalhar no departamento de Acção Social impede-nos de ter uma ligação muito
próxima com as instituições, porque isso exige uma deslocação, com alguma
regularidade aos locais. (...) Só quase em situação extrema, quando temos mesmo
algum assunto que exige a deslocação à instituição. Isto infelizmente, porque houve
tempos que não era assim. Tínhamos uma relação muito próxima com a instituição e
podíamos dar-lhe o apoio técnico com alguma qualidade. Neste momento não (...).
Há instituições onde nós vamos uma vez por ano, quando há necessidade extrema
para dar andamento a algum assunto que nos é posto por escrito” (CRSS, Técnico 7)
A percepção dos dirigentes dos Centros é de que as instituições apenas cumprem aquilo
que é obrigatório: “mandam regularmente o orçamento e contas (...) porque se não
mandarem contas pode ser suspenso o acordo de cooperação” (na perspectiva dos
técnicos, também, porque não lhes tem sido solicitada outra informação). Nessa medida
também a fiscalização da cooperação tende a ser reduzida à verificação ou controle de
eventuais irregularidades dos procedimentos legais e contabilísticos ou eventuais desvios
dos acordos celebrados.
A fiscalização e acompanhamento das actividades e a sua orientação segundo as regras de
um serviço público à população ou não é feita ou fica dependente da solicitação das
instituições. A reorganização das modalidade de apoio técnico por problemática, mais
especializado e eventualmente justificado para determinados problemas, tende igualmente
a secundarizar as condições básicas de funcionamento e bem-estar dos utentes enquanto
cidadãos.
É de sublinhar, a este propósito, que a orientação pelos princípios de serviço público
parece não ser uma preocupação assumida pela generalidade dos entrevistados, nem
mesmos os modelos tipo de acordo fornecidos pelos serviços da Segurança Social lhe
fazem qualquer referência. Os acordos celebrados, a que se teve acesso, não incluem senão
algumas das cláusulas obrigatórias71, as respeitantes às valências, capacidade e lotação
estabelecida, duração e início do acordo, remetendo para a regulamentação em vigor as
situações não previstas.
Na condição de situações não previstas, estão os princípios normativos de serviço público
relativamente aos utentes, designadamente a qualidade dos serviços prestados, as
condições de bem-estar e a sua participação na vida da instituição, mas também os
normativos de serviço público relativamente aos serviços de tutela, designadamente o
fornecimento de informação para avaliação de qualidade, a facilitação das acções de
fiscalização ou os requisitos técnicos e normativos aplicáveis. Por outro lado, sendo as
normas e princípios de serviço público regulamentadas por simples despacho, não têm
carácter vinculativo (salvo para as instituições que voluntariamente se obriguem ao seu
cumprimento), o que remete para as disposições legais aplicáveis (Dec.-lei 119/83),
prevalecendo a regra da “autonomia da instituição” e o “direito de livre actuação”, em
conformidade com o carácter privado da instituição.
A tensão público/privado tem permeado as relações de cooperação das instituições com o
Estado, pese embora a aparente consensualidade das normas gerais e acordos particulares,
revelando as ambiguidades do estatuto “privado-semi-público” das Instituições
Particulares de Solidariedade Social. A ênfase na afirmação de uma ou outra das dimensões
parece ser sobretudo instrumental da orientação que se pretende imprimir à concertação
71 Segundo as Normas Reguladoras da Cooperação (Norma XVIII), “os acordos devem incluir,
obrigatoriamente, cláusulas respeitantes: a) aos fins prosseguidos pelas instituições e ás valências
abrangidas pelos acordos; b) à capacidade do equipamento ou serviço; c) à lotação estabelecida no acordo e
ao número de utentes efectivamente abrangidos; d) ao início e duração do acordo; e) à adequação dos meios
humanos, materiais e financeiros face à finalidade prosseguida pelo acordo; f) aos critérios de
comparticipação financeira dos utentes ou famílias” (despacho Normativo nº 75/92).
entre o Estado e as instituições particulares72: a) quando se trata de reivindicar apoios ou
renegociar financiamentos do Estado apela-se ao estatuto de serviço público, seja porque
as instituições desenvolvem “serviços e actividades que ao Estado incumbe
prioritariamente garantir”73 seja pela natureza dos serviços prestados e população
abrangida, designadamente indivíduos e grupos mais carenciados, ou ainda pela oferta de
emprego que garante; b) quando se pretende justificar o incumprimento das obrigações
correspondentes ou rejeitar directivas dos serviços de tutela apela-se à natureza privada da
instituição ou à protecção da Concordata (no caso das instituição constituídas
canonicamente), negando ao Estado qualquer interferência na organização e funcionamento
dos serviços.
No entanto, se se tiver em conta o peso da subvenção pública nas despesas de instalação e
funcionamento dos serviços, parece lícito configurá-las mais como extensões do Estado do
que como instituições autónomas da sociedade civil.
3.3.3. O modelo organizativo interno
O modelo organizativo das instituições está associado, no plano formal, à forma jurídica e
disposições legais sobre os respectivos órgãos sociais. O estatuto das IPSS determina
relativamente aos “corpos gerentes”, a existência de, pelo menos, um “orgão colegial de
administração” e outro com funções de fiscalização, ambos constituídos por um número
ímpar de titulares, dos quais um será o presidente” (art. 12º do Dec.-lei 119/83). As
instituições que tenham adoptado a forma associativa são ainda obrigadas à existência de
uma “assembleia geral de associados”.
Todas as instituições abordadas referem a existência dos referidos órgãos colegiais de
administração (direcção ou mesa administrativa) e fiscalização (conselho fiscal ou
definitório), além de uma “assembleia” ou “conselho” geral, reunindo o conjunto de
“associados”, “irmãos” ou “fundadores”, conforme se trate de uma associação,
misericórdia ou fundação. Ainda que em regra seja referida a duração de 3 anos para os
mandatos dos corpos gerentes e a impossibilidade da sua reeleição por mais que dois ou
três mandatos, esta determinação é normalmente flexibilizada sob a justificação da
72 “Eu acho que as IPSS nalgumas coisas comportam-se como serviços públicos, noutras comportam-se
como associações privadas (...) especialmente quando reivindicam muito ‘nós somos privados, nós
somos...!’. Discutem a intervenção do Estado; aí reivindicam muito a sua carácterística de privadas”
(CRSS, Dirigente 3).
73 Formulação do preâmbulo do Despacho Normativo 75/92.
ausência de alternativa ou sempre que a assembleia geral ou a entidade fundadora considere,
no interesse da instituição, não ser conveniente proceder à substituição dos
mesmos.
No caso das entidades religiosas ou que prosseguem fins religiosos (organizações,
instituições ou institutos) admite-se a “falta do orgão de fiscalização” e, neste caso, as
suas funções poderão ser atribuídas à entidade fundadora (art. 42º). Podem ser abrangidas
por este regime todas as instituições de natureza canónica, particularmente as fundações
instituídas por organizações religiosas e os centros sociais paroquiais (equiparados a
fundações), mas também misericórdias (associações com estatuto especial). Aquela
capacidade legalmente atribuída à entidade fundadora é exercida na prática pela função de
fiscalização do “cumprimento da lei e dos estatutos”, mas também no controle sistemático
do quotidiano da vida institucional através da presidência do órgão de direcção ou
administração, exercido por representante da propriedade dos bens patrimoniais ou por
inerência de função que ocupa na hierarquia da entidade instituidora. Nestes casos, a
“colegialidade” do órgão de administração (ou direcção) é subvertida pela precedência da
autoridade da entidade fundadora na indigitação de um presidente, através do que se
privilegiam objectivos de estabilidade institucional ou patrimonial e a hegemonia do
quadro de valores que suportam o modelo.
“Nas instituições religiosas, equiparadas a fundações (...) é completamente diferente,
até porque como sabe nos Centros Sociais e Paroquiais, o Pároco por inerência é
sempre o Presidente da Direcção, e se o Padre estiver lá 30 anos é 30 anos o
Presidente da Direcção. Enquanto que nas outras associações há duração de
mandatos, etc., podem manter-se por mais tempo, mas há pelo menos a
possibilidade de mudança” (CRSS, Dirigente 6)
“Não está prevista duração de mandatos, mas houve alterações (recentes) na
composição da Direcção, excepto no lugar de Presidente, que segundo o estatuto que
regula o funcionamento dos centros sociais paroquiais, o Presidente da Direcção será
sempre o Pároco da freguesia” (IPSS, 8)
“Segundo os estatutos (...) a duração do mandato dos corpos gerentes é de três anos
(...). Os membros dos corpos gerentes só podem ser eleitos, consecutivamente, para
dois mandatos, para qualquer órgão da Irmandade salvo se a assembleia geral
reconhecer, expressamente, que é impossível ou inconveniente proceder à sua
substituição. No nosso caso, desde a reactivação da misericórdia (em 1981), não
houve mudança no cargo de Provedor” (Misericórdia 1, Dirigente)
Ainda que a orgânica formalmente instituída aponte para a existência de uma
administração colegial, na prática parece prevalecer uma direcção monocrática, baseada
numa legitimidade de cariz ético-religioso ou no direito de propriedade patrimonial. A
própria percepção de alguns dos dirigentes e pessoal das instituições que foram
entrevistados vai neste sentido, porquanto, ao serem questionados sobre a orgânica
interna, identificaram o cargo de presidente com um órgão distinto dos formalmente
previstos.
É certo que a tradicional concentração de poder pode ser atenuada por uma delegação de
algumas das competências do presidente em mandatários ou em profissionais qualificados,
mas tal delegação parece obedecer, na perspectiva de profissionais das instituições, mais a
critérios de confiança pessoal (moral ou política) do que a exigências de profissionalismo
ou de qualificação técnica. Daí a percepção, generalizada entre os entrevistados, de um
tipo de dominação paternalista (moral e pessoal) exercida em representação da entidade
fundadora, que se faz sentir no quotidiano da vida institucional, moldando não só as
condições e relações de trabalho, mas também as relações com associados e população
utente, ou ainda permeando as relações pessoais entre todos os que prestam serviços na
instituição.
O modelo monocrático de administração parece não ser exclusivo da forma fundacional.
Mesmo instituições que adoptaram a forma jurídica de associação de solidariedade social,
designadamente as promovidas por organizações ou grupos de cariz religioso, ainda que
internamente menos diferenciadas, baseiam a sua organização interna, segundo
depoimentos recolhidos, numa concepção tradicional de autoridade, personalizada pelos
promotores da iniciativa ou “herdada” por indicação destes. Também aqui, as práticas
institucionais parecem ser sobretudo moldadas pelos quadros morais e concepções de
autoridade (e de solidariedade) dos dirigentes, em particular dos presidentes de direcção,
mais do que pela organização formal ou pelas disposições legalmente definidas para as
associações de solidariedade.
Um modelo organizativo baseado numa concepção de autoridade tradicionalmente
incontestada (e incontestável), porque legitimada por padrões ético-religiosos mais do que
pela qualificação pessoal ou competência profissional, ainda que eficaz quanto à realização
dos objectivos de estabilidade institucional e fidelidade a valores morais (ou patrimoniais),
produz simultaneamente uma organização internamente diferenciada e hierarquizada que,
por sua vez, se constitui em fonte de tensões e conflitos aos diversos níveis das relações
institucionais.
Por um lado, uma acentuada diferenciação entre a administração (personalizada e
voluntária) e a execução (profissionalizada e dependente) pode manifestar-se pela
subordinação das competências técnico-profissionais ao poder administrativo-legal, o que
elimina as possibilidades de debate interno e de abertura à participação e empenhamento
profissional.
“O problema principal é que um técnico está subordinado a um Presidente ou a um
Director de uma instituição, que não têm, muitas vezes a preparação adequada para
poder dizer que não a um técnico que tenha a especialidade. Tenho uma instituição
para a qual se disponibiliza um psicólogo um dia por semana, porque os tribunais
enviavam para lá crianças que apareciam abandonadas e que era necessário dar resposta
imediata para o internamento, para que na realidade ele pudesse colaborar no
processo educativo daqueles menores. E a determinada altura, quando o psicólogo
começa a organizar trabalho como ele tem que ser feito, segundo o plano que
pretendia traçar com os adolescentes jovens, o Presidente da instituição, pura e
simplesmente, limita-lhe o campo de acção e acabo por o mandar embora (...)
[Noutra instituição] havia uma professora que dava os seus tempos livres às
crianças, que era extremamente dedicada mas também extremamente crítica em
relação ao funcionamento da instituição, porque o que ela queria era a qualidade de
serviços, e pronto, pura e simplesmente, o Director da instituição mandou-a embora.
(...) Tudo o que seja para interrogar se isto ou aquilo está bem, não se pode. Penso
que o ponto fundamental é, na realidade, os técnicos estarem subordinados, terem o
vencimento ou o posto de trabalho dependente de um Director, ou um Presidente ou
um Provedor que não está minimamente sensibilizado para aquele tipo de actividade
(...). É a realidade nua e crua e o que tenho verificado ao longo da minha vida.
Portanto, enquanto os técnicos, sejam educadores de infância, sejam assistentes
sociais, sejam psicólogos, seja quem for, estiverem submetidos a uma Direcção,
muitas vezes caduca, sem formação, nunca haverá um trabalho de qualidade; é
impossível, também porque o técnico tem que defender o seu posto de trabalho e
então, mesmo vendo que está errado tem que dizer ‘amen’ a tudo” (CRSS, Técnico
2)
Por outro lado, um modelo organizativo que quotidianamente opõe o voluntarismo da
gestão ao profissionalismo do trabalho subordinado, ainda que informalmente atenuado
(ou reforçado) por relações pessoais ou traços da personalidade dos dirigentes em
exercício, tende a manifestar-se pela expectativa (frequentemente verbalizada) de que os
profissionais ao serviço da instituição contribuam “voluntariamente” com trabalho
adicional, além do contratado. As condições de trabalho que, em regra, as instituições
particulares, proporcionam aos trabalhadores ao seu serviço, são-lhe claramente
desfavoráveis pelos baixos níveis salariais, limitadas ou nulas possibilidades de promoção
profissional, flexibilidade e extensão do horário de trabalho, flexibilidade e polivalência de
funções. Parece esperar-se dos trabalhadores remunerados um certo “missionarismo”, ou
um voluntarismo profissionalizado, exigido como “dever moral de solidariedade” para com
a instituição, ainda que sob a justificação das limitações orçamentais ou ausência de
quadros legais mais favoráveis.
“No Centro Paroquial não têm existido problemas desse tipo. (...) O descontentamento
que existe entre os trabalhadores, mas que nem sequer é colocado à
Direcção, tem a ver com as políticas. É que, enquanto no sistema oficial a reforma é
dada após 30 anos de serviço, no particular a reforma é aos 65 anos,
independentemente dos anos que a pessoa trabalhou.” (IPSS 2, Presidente)
“Se é verdade que as mensalidades são baixas isso acaba por se repercutir nos
ordenados, nos vencimentos dos funcionários. São baixos, eu tenho consciência que
são baixos! Mas também não podemos ... E também isso é tudo negociado com as
pessoas.” (IPSS 8, Presidente)
“Os trabalhadores das IPSS são muito mal pagos. (...) Nós sabemos que essa é a
realidade, mas como as Direcções dizem que estão a pagar conforme a lei e se a lei os
mandasse pagar mais, eles pagariam. Mas aquilo é a lei (...) são tabelas que estão
aplicadas. (...) Chegam [à Direcção] através da União das IPSS.(...). Os problemas
são sempre a nível do trabalho e competência do pessoal.” (IPSS 7, Técnico)
“Um técnico que está dependente de uma instituição particular é altamente
explorado e mesmo assim, o que lhe é dito constantemente, é que há muita gente que
queira trabalhar. E o técnico, automaticamente sujeita-se, derivado à crise de
emprego que há.” (CRSS, Técnico 2)
A constatação mais consensual neste ponto é a de que existe, de facto, um problema com
as condições laborais dos trabalhadores remunerados das IPSS as quais consistem, em
geral, em níveis remuneratórios inferiores aos que, para funções congéneres, dispõem os
funcionários do sector público, e também no facto de trabalharem, em regra, mais horas
por semana e exercerem funções adicionais que não correspondem às suas qualificações
profissionais. Esta situação, tem gerado uma relação crescentemente conflitual entre os
trabalhadores das instituições e as respectivas direcções que estas tendem a minimizar e a
que os trabalhadores não têm conseguido dar uma resposta organizada.
“Nem sempre estas situações conflituais manifestam uma grande gravidade ou
sequer são como tal explícitas. Para tal facto, contribuem as condições do próprio
mercado de trabalho neste sector. Tratando-se, em regra, de trabalho pouco
qualificado ou de trabalho qualificado em que existe uma grande oferta sobretudo de
profissionais jovens e, por outro lado, a localização muito desconcentrada dos
postos de trabalho, levam a que as instituições não sintam uma grande pressão para
melhorar as condições de trabalho dos seus trabalhadores.” (CRSS, Dirigente 1).
“Temos canalizado muitos destes conflitos para a sede própria, a delegação da
inspecção do trabalho, quer ao nível da remuneração, de horários. (...) Não me parece
que tenham atingido, neste distrito, uma grande gravidade. Nunca houve uma ameaça
de greve, mas, esporadicamente, têm surgido alguns conflitos (...).Agora, há conflitos
latentes. Sabe-se que há porque as IPSS, de uma forma geral, não praticam salários
elevados e exigem um grande horário de trabalho e, às vezes, trabalho penoso,
concretamente nas instituições que têm valências de internato” (CRSS, Dirigente 3) .
Os problemas associados à generalizada precaridade das condições laborais parecem não
se manifestar em toda a sua extensão e gravidade por factores vários, desde o prestígio das
instituições envolvidas à falta de emprego nas localidades, passando ainda pela
inexistência de organizações que defendam os interesses dos trabalhadores.
“Eu acho que [os problemas] têm alguma gravidade porque o salário e as condições
de trabalho das IPSS (...) não se comparam de modo nenhum à função pública,
embora haja instituições que seguem as tabelas salariais da função pública, mas são
muito poucas. Normalmente têm uma PRT que tem vencimentos que, embora fosse
assinada há pouco tempo, são diferentes dos da função pública. O pessoal queixa-se
por isso mesmo, só que também não têm sindicato que os proteja (...) Isto é
negociado directamente pelas Uniões das IPSS e não há um parceiro (...) E depois, as
dificuldades de emprego são muitas e a pessoa sujeita-se também um bocado,
porque numa comunidade pequena ser trabalhador numa IPSS é um privilégio. (...) O
vencimento dos técnicos é extremamente baixo. Em princípio os horários são os
normais (...) mas as instituições pretendem encontrar formas habilidosas de não
pagarem horas extraordinárias ou pagar menos. (...) Contratam pessoal de noite e
têm outro pessoal contratado só para o dia. Não têm um contrato de trabalho, há
muita gente a recibo verde (...) Mas são exigentes no cumprimento dos horários, isso
são” (CRSS, Técnico 1)
Apesar da existência de relações de trabalho conflituais e sendo certamente reais as
limitações orçamentais das instituições particulares, o recurso a trabalho voluntário é
residual — em regra, só para actividades esporádicas, festas, passeios, etc. Para além dos
membros da direcção e dos restantes órgãos sociais que, aliás, não exercem funções
propriamente executivas, não foi referida a existência de outro pessoal a trabalhar em
regime de voluntariado.
“Os nossos associados não pagam cotas. Os nossos associados a única coisa que
tomam é parte activa na instituição. Os associados que temos na Cruzada tomam
parte activa nas instituições, em ajudas, em tudo, trabalhando na organização, tudo.
Uns numas coisas, outros noutras mas todos têm, estão dentro das instituições.”
(IPSS 14, Dirigente)
A razão deste facto, pode residir, em parte, na estrutura organizativa das instituições,
muito centrada nas valências e nas obrigações funcionais decorrentes dos acordos com a
Segurança Social (regularidade e requisitos técnicos da prestação dos serviços,
competência profissional e qualificação técnica do pessoal, etc.). As experiências de
envolvimento comunitário são referidas como mais favoráveis ao voluntariado, mas não foi
identificada nenhuma situação desse tipo, mesmo nas instituições promotoras ou
envolvidas em projectos locais (cinco das abordadas).
“A maior parte das instituições não têm trabalhadores voluntários. Voluntária é só a
Direcção que é o orgão dirigente (...). De resto, raramente há voluntários nas IPSS e
isso tem a ver um pouco com aquela história das valências. Para haver voluntários
tinha que haver uma instituição comunitária, ou seja, já inserida na comunidade e que
seja da própria comunidade. Não é muito a lógica das IPSS mais tradicionais. (...) Os
voluntários existem mais em organizações ou associações não institucionalizadas em
termos de serviços. Existe montes de associações culturais, recreativas e outro tipo
de actividades, que têm tudo em voluntariado, não têm mais nada que isso. (...)
Quando aparece uma instituição, aparecem muitos voluntários também a colaborar,
mas depois logo que a instituição começa a ser apoiada com comparticipações do
Centro Regional, então ‘o Estado que apoie, que pague aos funcionários’” (CRSS,
Técnico 1).
O reduzido peso do voluntariado parece ser uma das particularidades das instituições de
solidariedade portuguesas. Apenas instituições de tipo sócio-caritativo, de carácter
internacional ou integradas em organizações internacionais (de que são exemplo as Caritas,
as ACISJF e as Conferências), referem o contributo regular do trabalho de voluntários. São
organizações católicas que se propõem expressamente “assistência espiritual ou moral” (a
par da assistência dita material), com uma estrutura organizativa mais ou menos complexa
e hierarquizada, diferenciada segundo os níveis e âmbito de actuação, local, nacional e
internacional.
A nível local, a par das actividades profissionalizadas, serviços e equipamentos sociais
protocolados no âmbito da cooperação com a Segurança Social, essas organizações
desenvolvem acções assistenciais de carácter voluntário e emergencial, apoio “moral e
material” em situações de risco social grave através do trabalho de grupos de voluntários,
frequentemente associados às actividades da paróquia. Neste caso, os estímulos do
trabalho voluntário parecem ser sobretudo simbólicos, consistindo num certo
reconhecimento, numa avaliação positiva que a comunidade faz da sua actuação em
benefício dos outros.
“O voluntariado, eu penso que é mais um bluff que uma realidade. Daquilo que eu
tenho normalmente encontrado, muitas vezes os próprios dirigentes dizem que são
voluntários só para puxar os galões e para se imporem (...) Portanto, esse aspecto
do voluntariado não existe, a não ser entre pessoas já reformadas, que já têm a sua
reforma e que até vivem bem, porque se for um desgraçado com a pensão mínima
não dá... Cansou-se a vida toda, trabalhou demais a vida toda, está reformado com
uma reforma mínima e não tem condições para ser voluntário de ninguém” (CRSS,
Técnico 2).
A regularidade das obrigações exigidas pelo desempenho de actividades e funções
institucionais parece ser dificilmente conciliável com o trabalho voluntário, contrário, por
natureza, a regras e constrangimentos institucionalizados. A este nível, o reconhecimento
social e os estímulos de natureza simbólica parecem não ser suficientes para incentivar o
voluntarismo dum trabalho continuado seja em funções directivas seja em outras funções.
Mesmo o recurso a outro tipo de compensações, designadamente o acesso preferencial, e
com redução de custos, aos serviços prestados pela instituição parece não ser suficiente
para envolver os associados em trabalho voluntário, além da participação em órgãos
sociais, como no caso das misericórdias que expressamente prevêem esse tipo de
compensações. Vale a pena salientar que o trabalho voluntário é, muitas vezes, exercido de
uma forma desgastante na gestão das instituições, na angariação de recursos, na resolução
de problemas ou carências de base e, por isso, é tão difícil encontrar quem tenha disponibilidade
para assumir esse papel. Por vezes as instituições sobrevivem à custa dessas
pessoas e colapsam quando elas faltam.
Este tipo de dificuldades estão certamente na base da reivindicação das IPSS, veiculada nas
conclusões do seu IV Congresso (1995), que exigem a criação de estímulos especiais para
o voluntariado social74. Isto não retira a possibilidade de uma orientação mais egoística,
particularmente em instituições de dimensão e prestígio tradicional, em que a competição
por cargos directivos está frequentemente associada à procura de outras compensações ou
74 “Os voluntários sociais, sem quebra do princípio da gratuitidade, deverão usufruir das necessidades e
adequadas condições para o exercício da respectiva actividade, quer individual e directamente, quer no
quadro organizativo de associações de que façam parte. Nesse sentido, deve ser designadamente
proporcionada, para além de protecção social e de formação geral e específica, a cobertura dos riscos sociais
e profissionais inerentes ao exercício das acções ou tarefas que lhes cumpra realizar, bem assim como a
dispensa temporária do exercício de funções profissionais sem perda de direitos” (Conclusões do IV
Congresso das Instituições Particulares de Solidariedade Social).
contrapartidas, designadamente a legitimidade para ocupar cargos políticos ou
desempenhar papéis sociais dominantes, o alargamento ou reforço de um capital relacional
que possa produzir dividendos em termos materiais ou de estatuto social75.
3.3.4. O modelo de gestão de recursos
A gestão dos recursos, materiais e humanos, parece ser uma questão problemática para as
instituições particulares, seja por dificuldades internas de organização e administração, não
profissionalizada ou sem qualificação para a função, seja por um certo secretismo
justificado pela natureza privada da instituição, particularmente acentuado no caso das
instituições de tipo fundacional, seja ainda como forma de gestão das ambiguidades duma
autonomia dependente, em maior ou menor grau, da distribuição dos fundos públicos.
Foi constatada a impossibilidade, na generalidade das instituições abordadas, de obtenção
de dados relativos aos resultados de gestão, sob a justificação de que constam de relatório
de contas enviado para o CRSS ou, no caso das instituições de natureza canónica, porque
prestam contas à diocese, em qualquer dos casos revelador da perspectiva subjacente.
Também por parte dos CRSS´s não foi possível obter informação sistematizada sobre a
gestão dos recursos que são afectados às instituições particulares, pese embora a
prioridade que tem sido dada ao controle da gestão financeira da cooperação.
No entanto, dirigentes e técnicos entrevistados nos CRSS e nas instituições não deixaram
de manifestar as suas opiniões sobre as dificuldades e desafios que se lhe colocam para
uma optimização dos recursos existentes ou para a diversificação das suas fontes. As
opiniões expressas são igualmente indicativas do modo como as instituições concebem o
papel do Estado na redistribuição e afectação de recursos, as relações de parceria com
outras instituições ou entidades locais e, ainda, o modo como perspectivam a gestão
privada de fundos públicos. Os depoimentos recolhidos nas instituições, apontam em
regra para uma responsabilização (quase exclusiva) do Estado e dos utentes pelos custos
de organização e funcionamento dos equipamentos e serviços que administram. Sobre as
fontes de financiamento, os entrevistados situam uma repartição aproximada dos custos
de manutenção entre as comparticipações da Segurança Social (entre 60% a 75%) e as
75 “O que eu sou contra uma coisa que anda aí - as instituições ‘concubinas’, isso é que eu não quero. (...)
É uma instituição em que, por exemplo, o Presidente da Câmara, é o senhor presidente disto, daquilo, é o
senhor Presidente com gente de todos os lados (...) É o Sr. X que é Presidente da Câmara, Presidente da
Misericórdia, mais um bocadinho ... é Presidente de tudo. (...). Como há gente nos partidos que quer ir
para as instituições, agora está a dar ... Nós temos aí os riscos todos”. (Dirigente da UIPSS).
comparticipações dos utentes (entre 20% a 30%). Parece desvalorizar-se a existência, nas
instituições particulares, de recursos próprios, além da propriedade das instalações
(quando existem), mas em regra equipadas ou construídas com mais de 80% de
financiamento público (PIDDAC, subsídios eventuais e benefícios fiscais).
“Essencialmente, os recursos que a instituição dispõe são a comparticipação dos
utentes e a comparticipação da Segurança Social. Esporadicamente, podem surgir
donativos ou subsídios eventuais da Câmara ou da Junta de Freguesia” (IPSS 14,
Presidente)
“Temos um acordo com a Segurança Social para 120 crianças e recebemos uma
comparticipação para essas 120 crianças, que nos vai permitir cobrir toda a despesa
da casa. Cobre as capitações que nós fazemos e depois os valores que são atribuídos
a cada família para a estadia da criança aqui e permite-nos, de facto, ter crianças que
não pagam nada, entre 12 a 15 crianças não posso precisar, que não pagam absolutamente
nada e estão aqui o dia todo e têm exactamente os mesmos privilégios que
qualquer outra criança que aqui está.” (IPSS 16, Técnico)
“Se há coisas más nas instituições públicas também há coisas interessantes, por
exemplo, eu sei que no fim do ano eles (...) dão o subsídio, tanto quanto me
apercebo, dos maiores ... dão! Enquanto que a outras instituições dão 200 contos e a
nós deram-nos, no fim do ano, 500 contos. Pronto, se muitas vezes nós dizemos
mal, também temos que dizer bem” (IPSS 8, Presidente)
Neste último caso, dificuldades financeiras da instituição associadas ao atendimento de
famílias extremamente carenciadas, têm justificado comparticipações adicionais da
Segurança Social, nomeadamente: a) financiando indirectamente mais 15 crianças (além do
acordado), como “respostas a situações de emergência da família”; b) cobrindo outros
custos não abrangidos pelos acordos de cooperação (caso do transporte das crianças); c)
compensando as faltas ou atrasos no pagamento da comparticipação esperada de cada
criança. Segundo o Presidente da instituição, aquelas despesas não abrangidas pelo acordo
de cooperação são inicialmente assumidas pela paróquia e, por razões orçamentais, só
posteriormente saldadas (em parte) pelo CRSS, através do “fundo de socorro social” ou
por subsídios de carácter eventual que regularmente lhe são atribuídos no final de cada
ano.
Um pouco diferente a ponderação que um outro Presidente (IPSS, 2) faz da
comparticipação financeira da Segurança Social, suscitando também a procura de
subvenções complementares, mas neste caso através da autarquia.
“O Centro Regional de Segurança Social (...) subsidia com uma tabela que é nacional,
por criança, que nós utilizamos com equipamento, com as instalações, com a
alimentação ...(...) Anda a cerca de 50%.(...) Depois há a comparticipação dos pais
que é proporcional: faz-se a capitação .(...) Mas esses subsídios contam para
aqueles 50% que nós temos de ir buscar às mensalidades das crianças, aos donativos
que nos fazem e a estes subsídios eventuais que nos vêm da Câmara”.76
Neste caso parece ser da iniciativa do pároco (presidente do centro social) contactar a
Câmara Municipal para dar conta dos problemas e dificuldades da instituição, diligências
que em regra têm sido bem sucedidas, ainda que indirectamente.
“A Câmara Municipal não podendo prestar apoio financeiro directo a particulares
tem-nos apoiado indirectamente, nomeadamente através da atribuição de subsídios
às Conferências de S. Vicente Paulo para apoiar as famílias que não podem pagar os
serviços do Centro” (IPSS 2, Presidente).
Parece poder afirmar-se, na base dos depoimentos recolhidos, que as instituições de tipo
fundacional (fundadas pela Igreja ou organizações católicas) mantêm uma forte
componente caritativa no acolhimento de situações de maior carência, mas também na
personalização das relações que mobilizam para obter financiamentos adicionais ou
“donativos” regulares das entidades públicas (Centros, Câmaras ou Governo Civil) que
são concedidos às instituições de modo personalizado (na pessoa do Presidente) e
segundo o princípio da descricionaridade administrativa.
As contribuições complementares da subvenção regular da Segurança Social,
independentemente da sua origem e regularidade, são sempre referidas pelas instituições
(todos os casos estudados) como “donativos” ou ajudas esporádicas sem significado
orçamental77. Segundo os dirigentes entrevistados, os donativos recebidos são
pecuniários, em géneros alimentícios ou material e equipamentos, provêm de entidades
públicas ou (raramente) de empresas privadas, de beneméritos individuais, particulares
anónimos ou figuras públicas, de instituições particulares (com estatuto de IPSS) como o
Banco Alimentar e algumas misericórdias, ou ainda dos benefícios e isenções fiscais
legalmente concedidos. Pese embora a diversidade desses apoios, na perspectiva da gestão
das instituições parece não justificar (ou não ser conveniente) a tradução orçamental do
seu montante, sendo apenas vagamente referidos pela generalidade dos entrevistados.
76 Refira-se que nos últimos três anos, pelo menos, a instituição tem recebido um subsídio anual no valor
de 600 contos destinado à manutenção das actividades, atribuído pela Câmara Municipal.
77Apenas uma instituição (associação de moradores) apresentou a ponderação orçamental doutras
comparticipações, além das garantidas através do acordo de cooperação da Segurança Social, representando
5% das receitas os apoios esporádicos provenientes de entidades diversas.
“Apareceu aquele anónimo que nos ajudou. (...) Já nos deu algum dinheirito e
também ultimamente deu-nos o vídeo. E há outro senhor (...) que de vez em quando
nos manda para aí uns cheques. São essas pequeninas coisas que nos vão ajudando,
mais do que as instituições públicas. (...) As crianças fazem coisitas para vender.
Vão ali para o mercado ... e com esses dinheiritos fazem ... compra-se depois os
materiais para eles trabalharem.” (IPSS 8)
“Na isenção de certos impostos, essas coisas valem de muito, mas não temos a
isenção do verdadeiro imposto que devíamos ter, que é os 21% do pagamento à
Segurança Social pelas funcionárias que cada casa tem. O Centro Regional dá-nos x
por cento por acordo de cooperação e depois tira-nos 21% por cada funcionário no
estabelecimento. Agora veja só, ao fim e ao cabo porque é que nós temos de pagar
estes 21%? Isto é, se estamos isentos de certos impostos e tudo, de vários impostos
que estamos isentos, porque é que não estamos também isentos dos 21%? Estamos
ligados directamente à instituição porque é que temos de pagar estes 21%?” (IPSS
14)
Sobre a existência de rendimentos próprios, obtidos através de actividades lucrativas cujos
resultados são afectados ao desenvolvimento dos objectivos de protecção social, apenas
duas instituições referem a sua existência, designadamente uma associação de moradores e
uma organização católica internacional. No primeiro caso a sua ponderação orçamental
ronda os 15%, enquanto que, no segundo caso, se desconhece a sua importância relativa
(informação não disponibilizada porque a instituição presta contas à diocese). Também a
misericórdia, além do património de que é proprietária, dispõe de rendimentos próprios,
mas não foi possível apurar se são (ou não) afectados aos fins de segurança social.
A gestão dos recursos financeiros parece ser uma questão que as instituições particulares
abordam com grande dificuldade, seja porque ela é entendida como um mero controle
contabilístico dos acordos de cooperação, seja porque prevalece o entendimento de que é
uma questão privada, que deve ser reservada aos que detêm o direito de propriedade, seja
ainda porque a sua transparência poderia (eventualmente) pôr em causa a afirmada
autonomia da instituição. De um modo geral, os resultados económicos das IPSS são uma
matéria controversa. Quer as instituições, quer os serviços de tutela revelam insuficiente
informação sobre a situação, aparecendo pouco fundamentadas todas as opiniões,
favoráveis ou desfavoráveis, aos resultados de gestão.
“Aqui há uns anos a esta parte fizemos uma avaliação financeira das IPSS do distrito
e pouquíssimas delas davam lucros. (...). De um modo geral as nossas IPSS (no
distrito) são pobres. Obviamente que não eram tomadas em consideração, por
razões de avaliação fundamentalmente, a parte patrimonial. Podem ter um valor
enorme do ponto de vista patrimonial mas que não gera receita imediata e nesse
caso, como eu dizia há pouco, as Misericórdias têm uma situação completamente
diferente das IPSS normais. De um modo geral, aqui no distrito são pobres, embora
nalguns casos isso tem que ver mais com as valências do que propriamente com o
nível de gestão interna. Pode acontecer que valências de terceira idade por norma
gerarão melhores lucros, entre aspas, do que valências de áreas de infância ou de
outras áreas” (CRSS, Dirigente 1)
Da parte dos dirigentes das instituições parece bastante generalizada uma certa
preocupação de ocultar resultados positivos78, receando que isso possa prejudicar as
possibilidades de apoios suplementares, ou eventualmente pela dificuldade em justificar
“poupanças” obtidas à custa da precaridade das condições de trabalho e da qualidade dos
serviços prestados. Parece que a lógica subjacente à gestão dos acordos de cooperação da
Segurança Social, mais centrada na normalização das respostas e critérios de gestão
financeira, tem informado toda a organização e objectivos de gestão interna das instituições,
mesmo ao nível da gestão dos projectos que promove cujos objectivos são
frequentemente deslocados para a obtenção de recursos financeiros e controle
administrativo-burocrático das actividades.
Conforme se reconhece, designadamente por técnicos dos CRSS, a gestão dos projectos da
instituição tende a ser moldada pela organização de valências, daí resultando que certas
medidas ou programas mais inovadores sejam usados, na prática, como meras valências,
como acontece, por exemplo, com o PAII - Programa de Apoio Integrado a Idosos79.
“As instituições fizeram projectos, mas só pensaram no financiamento. Vamos ter
mais dinheiro e a possibilidade de alargar o ‘apoio domiciliário’. (...) Só que o PAII
não tem esse objectivo, o objectivo é complementar aqueles apoios e ir de encontro
às necessidades do idoso na sua própria comunidade e tentar dinamizar a própria
vizinhança, os amigos, as pessoas que vivem perto do idoso de forma a que esse
idoso esteja apoiado e a instituição só vai complementar. As instituições interpretaram
isto, algumas delas, como realmente mais uma valência, mais um acordo, é como
se fosse mais um acordo com o Centro Regional e efectivamente não é isso”. (CRSS,
Técnico 1).
Por parte dos gestores das instituições, a apreciação que lhes foi solicitada relativamente
ao envolvimento em projectos e parcerias (mais ou menos institucionalizadas) sugere uma
78 Em alguns casos, havia mesmo uma informação anterior, obtida em contactos informais, que sugeria a
existência de reservas significativas, mas que não foi possível confirmar nas entrevistas aos Presidentes das
instituições, mesmo quando directamente questionados sobre o assunto.
79 Criado por despacho conjunto dos ministros da Saúde e do Emprego e Segurança Social, de 20 de Julho
de 1994, D.R, nº 166 - II Série.
certa minimização destas iniciativas no âmbito do seu programa de acção. Elas são
frequentemente referidas pelos entrevistados como “exteriores” ou com uma gestão
autónoma que escapa ao seu controle directo. Os Presidentes entrevistados, ainda que
revelando diferentes perspectivas, tenderam a valorizar os projectos como mais um
recurso (sobretudo financeiro) que, eventualmente, pudesse constituir-se factor de
melhoria ou ampliação das serviços tradicionais. Simultaneamente só muito genericamente
referiram vantagens, na perspectiva da instituição, das parcerias institucionalizadas,
enquanto que as correspondentes dificuldades ou insucessos foram, em regra, remetidos
para os outros parceiros envolvidos.
“As parcerias com instituições nacionais ou estrangeiras são normalmente muito
positivas porque em geral não se põe a questão da autonomia. Ainda que a
instituição possa ter vantagens nas relações de parceria, nomeadamente pelos apoios
financeiros que normalmente estão subjacentes, é fundamentalmente a comunidade
local que ganha com este tipo de iniciativas.” (IPSS 280, Presidente).
“Há uma abertura muito boa, eu acho que sim que é muito positivo. Quanto mais
não seja até pela convivência que temos com as outras instituições. Não ficamos,
não vivemos isolados e nem estamos a querer fazer rivalidades. Acho que é bom as
pessoas se congregarem para o mesmo... Porque ao fim e ao cabo queremos o bem
das crianças e queremos que as crianças, tanto quanto possível, estejam ao mesmo
nível.” (IPSS 8, Presidente).
Neste caso todas as dificuldades são atribuídas aos serviços públicos, porque
“desconhecem os problemas da instituição”, aos autarcas locais porque distantes dos
eleitores ou com tendência para “politizar as relações com a instituição”, ou ainda a outras
organizações privadas não lucrativas, neste caso por falta de recursos humanos.
“Há sempre vantagens nas relações de parceria e de cooperação com qualquer
entidade. As instituições devem ser cooperantes e não concorrentes para melhor
responder às necessidades locais.” (Misericórdia 1, Dirigente).
Também neste caso as dificuldades ou inconvenientes das relações de parceria parecem ser
mais facilmente identificáveis e sempre encaradas na óptica da instituição: alguma
“burocracia e apoios financeiros insuficientes” (organismos públicos); “dependência
muitas vezes da cor política do dirigente” da instituição; relações que “podem politizar as
instituições” (autarquias); e competição concorrencial entre as (outras) instituições
particulares.
80 Instituição que refere não ter experiência de participação em parcerias institucionalizadas.
Ainda que a generalidade das instituições desenvolva projectos de intervenção comunitária
(apenas 3 referiram não ter experiência de gestão ou participação em projectos), que
requerem o suporte de parcerias institucionalizadas com esse objectivo, apenas um dos
dirigentes entrevistado centrou a sua apreciação na natureza destas parcerias e na sua
relação com os interesses e necessidades das comunidades locais.
“As principais dificuldades do trabalho em parceria (...) é que o trabalho de parceria
às vezes, embora a gente diga que é de parceria, não é de parceria real, quer dizer não
é uma parceria verdadeira, é uma colaboração pontual (...) para projectos que nós
desenvolvemos ou projectos que outras entidades desenvolveram. (…) Quando nós
desenvolvemos um projecto em parceria com outras entidades ... que têm
competências diferentes, têm funções diferentes, esse projecto é um projecto que
cobre mais necessidades das pessoas e responde a mais solicitações” (IPSS 6).
Por parte dos CRSS reconhece-se a dificuldade de as instituições promoverem projectos
de intervenção comunitária, em grande parte porque as direcções muito ciosas do poder
que detêm na administração das valências tradicionais têm dificuldade em “deixar caminhar
a instituição” e também porque é mais fácil gerir um equipamento social do que trabalhar
com comunidades.
“Não é por acaso que algumas parcerias no âmbito dos projectos duram enquanto
duram os projectos. Depois, as instituições viram-se para o seu próprio umbigo, a
trabalhar dentro da sua casinha. Neste momento estamos a preparar um acordo de
cooperação no âmbito de um projecto que não é muito habitual fazer, um acordo
bilateral entre a Segurança Social e uma instituição para tentar que (...) os parceiros
dum projecto continuem a ter de se ‘aturar’ através de um protocolo de cooperação,
em que cada um dá uma parte e que de facto o todo só se consegue pela participação
de cada um deles. (...) De facto a experiência foi tão positiva em termos de projecto
que de facto é uma pena terem feito aquele investimento e depois acabar o projecto e
voltar ao mesmo. Pode atingir-se mais em termos da qualidade dos serviços, mas as
nossas instituições ainda não estão muito vocacionadas para trabalhar em parceria,
são parcerias um bocado artificiais. (...) Quando acontece uma coisa grave e é preciso
ter o aval da chefia máxima tudo fica parado... Provavelmente vai ser muito difícil
romper com isso.” (CRSS, Dirigente 6).
Um outro aspecto importante para a elucidação do modelo de gestão dos recursos das
instituições particulares é o modo como tem sido gerido o factor trabalho (dependente ou
voluntário), em termos quantitativos e, sobretudo, qualitativos. Parece não ser
preocupação da gestão, nas instituições abordadas, a questão da adequação e qualificação
dos recursos humanos necessários ao incremento de resultados mais satisfatórios em
termos da qualidade dos serviços prestados.
Apenas uma instituição, responsável pelo funcionamento de uma rede significativa de
equipamentos sociais, refere dificuldades em termos de pessoal qualificado para os
serviços que se propõe assegurar. “Repare, há instituições que não têm o pessoal
adequado, não têm o pessoal todo que é preciso.” (IPSS 14). Diferentemente, a apreciação
dos CRSS sugere o incumprimento (pelas instituições) das acordos de cooperação, em
matéria das exigências protocoladas quanto ao quadro de pessoal.
As instituições subscritoras de acordos de cooperação obrigam-se a “assegurar a existência
dos recursos humanos adequados ao bom funcionamento dos equipamentos e serviços”
(Despacho Normativo 75/92). Todavia esta obrigação é, de imediato, flexibilizada na
reinterpretação transcrita nos acordos de cooperação celebrados entre as instituições
individuais e o CRSS. Em regra, a avaliar pelos acordos de cooperação subscritos pelas
instituições abordadas, apenas é protocolado o seguinte: “A Instituição compromete-se a
desenvolver esforços no sentido de contratar o pessoal considerado, qualitativa e
quantitativamente, necessário ao adequado funcionamento do equipamento” (Acordos de
Cooperação).
Na percepção dos serviços de tutela, relativamente a esta questão verifica-se alguma falta
de cumprimento por parte das instituições, também pela possibilidade acordada de uma
gestão flexível dos recursos humanos, o que parece revelar uma atitude algo demissionária,
não só dos gestores da instituição mas também dos dirigentes dos CRSS, no que se refere
aos compromisso assumidos em matéria de recursos humanos.
“Um acordo de cooperação pode interpretar-se como ‘faço se quiser’. Eu penso que,
fundamentalmente, há muitos desvios e falsas interpretações destes acordos. As
instituições não se vinculam muito às cláusulas dos acordos porque as cláusulas são
muito genéricas e, de facto, de interpretações dúbias. Mesmo o quadro de pessoal é
referido nos acordos e tem que ter o pessoal mínimo, mas muitas vezes este lado não
é respeitado sequer. Muitas vezes, nós próprias, como técnicas, quando apoiamos
instituições, [dizemos] ‘o vosso quadro de pessoal deveria ter esta unidade, esta e
esta, para dar apoio a isto e isto’, mas as instituições admitem se quiserem, se não
quiserem não admitem. Tem havido uma condescendência, digamos, muito grande
com as IPSS nesse aspecto. E depois apresentam as dificuldades financeiras (...) e o
Centro Regional diz ‘não podem ter, não podem’, e acabou e não se exige” (CRSS,
Técnico 1).
A gestão do quadro de pessoal parece ser mais ditada por uma prioritária redução dos
custos do que por objectivos de valorização do factor trabalho na qualificação técnica e
humana dos serviços prestados à população.
“No que diz respeito aos lares de menores, as Instituições Particulares não têm tido
muito cuidado com as recomendações técnicas. (...) As crianças que estão nos lares
de menores são crianças ou que não têm família ou com família que não tem
capacidade para exercer as suas funções parentais, por isso é que lá estão os
meninos. (...) No que diz respeito aos idosos, a mesma coisa. É que os idosos
também são outra camada da população, de certo modo, indefesa. A área dos
internatos é a que mais nos preocupa, dos menores ou dos idosos. (...) Estamos a
fazer um esforço e aí temos já alguns aliados nesse sentido, nomeadamente por parte
das IPSS e da União das IPSS, para colocar pessoal qualificado nos lares” (CRSS,
Dirigente 3).
Parece igualmente revelador duma gestão exclusiva ou prioritariamente orientada para a
redução dos custos, uma certa insensibilidade, ou mesmo oposição, das Direcções das
IPSS aos critérios técnicos de actuação dos seus profissionais, particularmente quando
envolve maiores encargos financeiros. Tal como alguns técnicos a formularam, a questão
surge da prioridade que muitas Direcções conferem aos resultados económicos da
instituição em detrimento da qualidade dos serviços por ela prestados, mesmo quando não
esteja em causa a sobrevivência económica da instituição, chegando mesmo, em alguns
casos, a excluir os profissionais que questionem o funcionamento da instituição em termos
de qualidade dos serviços prestados.
“Eu tive uma instituição que me dizia que havia uma educadora que era de facto
excepcional e eu disse, vamos segurar esta educadora por tudo quanto ela é, que ela
de facto é formidável. A determinada altura, mandam-na embora. A base do
problema estava precisamente em que ela fez o seu programa de trabalho,
apresentou o material que era preciso adquirir para ela poder desempenhar o seu
papel e levar a bom termo o programa que tinha elaborado. A instituição mandou-a
embora porque ela estava a ser muito exigente e no outro dia, assim no café, ouve-se
dizer que a instituição não tinha dinheiro para comprar o material. Mas o
funcionário que estava com a actividade de contabilista, a determinada altura sai-se
com esta de que a instituição tinha cerca de 90 mil contos capitalizados. (...)
Portanto, isto dá um bocado a imagem de qual é o objectivo das instituições
particulares. É o lucro, eu penso que é o lucro” (CRSS, Técnico 2).
No mesmo sentido, ainda que menos explicitamente formulada, a preocupação expressa
por alguns dos técnicos das instituições ao sugerir (aos CRSS) a necessidade de maior
“exigência no recrutamento de pessoal qualificado (de gestão e técnico). Devia haver um
regulamento para o processo de selecção e recrutamento de pessoal e limitação do poder
da Direcção para admitir sem qualificação” (Técnico, IPSS 13)
A questão da qualificação do pessoal, ainda que se constitua preocupação dos técnicos e
da própria União, parece não constituir problema para a generalidade dos dirigentes das
instituições, que não o identificam e como tal não inscrevem qualquer plano de formação
para o pessoal (remunerado ou voluntário) no quadro das suas prioridades de gestão.
Mesmo instituições de maior dimensão, como é o caso das misericórdias, assinalam que a
instituição “não possui dados relativos à formação profissional dos recursos humanos”,
ainda que, na entrevista realizada, tenha sido referido, que as amas e as técnicas de serviço
social por vezes têm acções de formação promovidas pelo CRSS e que as educadoras de
infância também vão por vezes a acções de formação promovidas pelos serviços do
Ministério da Educação.
Na perspectiva da União, a questão dos recursos humanos parece ser também uma
preocupação das instituições associadas, ainda que se refira que estas solicitam apoio
sobretudo para questões jurídicas ou de fiscalidade, o que parece igualmente indicativo da
centralidade do controle administrativo-financeiro na gestão interna das instituições e das
suas relações com o Estado.
“Ao nível dos distritos já se tentou que cada secretariado fosse assessorado (...).
Estamos agora a fazer a primeira experiência com educadoras de infância, cada
secretariado ter uma educadora para ter um núcleo de apoio às instituições
existentes. Está agora a começar. Nós na Direcção nacional temo-nos valido de
dirigentes voluntários, de instituições, nós temos a figura dos mandatários .... para as
diversas coisas (...) É de facto, elas (as instituições) quererem mais apoio, da parte
jurídica pedem-nos imenso, a parte da fiscalidade, nós deveríamos ter um reforço
para poder dar resposta. Porque as questões grandes da União têm sido objecto de
assembleia geral, o nosso processo é um processo de uma grande participação
(Dirigente da UIPSS).
As relações com o Estado, quando analisadas na óptica da gestão dos recursos, tendem a
ser perspectivadas de modo diferente por dirigentes ou pelos técnicos das instituições. Os
dirigentes entrevistados, com responsabilidade de gestão, enfatizam sobretudo os apoios
de natureza financeira, designadamente quanto ao valor das comparticipações e, também,
quanto ao regime de financiamento uniformizado para todas as instituições, independentemente
das suas particularidades.
“No geral, a relação tem sido bastante positiva. (...). No entanto, os apoios
principalmente de ordem financeira são insuficientes. (...) Os acordos nem sempre
correspondem às necessidades da comunidade e o apoio domiciliário é exemplo disso
mesmo.(Misericórdia 1, Dirigente)
“Eu só digo é que muitas vezes esse subsídio não chega, não vem e devia vir. Talvez
não haja nas localidades alguém que veja as necessidades mais prementes daquela
instituição, e que não seja preciso a própria instituição pedir. Eu vou-lhe dar um
exemplo, as comparticipações. Tanto é dado para um sector rico, como para um
sector pobre, e isso está errado. Isto podia ser colmatado se quando uma instituição
pedisse um subsídio para obras justificadas se visse: esta é a instituição que tem em
média ... não precisa do subsídio ou precisa do subsídio só de 30%; aquela que é
mais carenciada e nós estamos a dar a mesma comparticipação esse não, dou 80% ou
100% (...) Repare nós [a instituição] até tem um âmbito maior do que a própria
misericórdia, e as misericórdias são muitíssimo mais apoiadas do que nós, apesar de
termos muito mais trabalho, temos equipamentos num lado e noutro (...) O acordo
de cooperação é igual mas devia haver compensações para essas instituições (as que
têm crianças sem pagar ou com comparticipações muito baixas), sem ser preciso
pedir (...) para ficarmos em igualdade de circunstâncias” (IPSS 14)
Os técnicos e (raramente) alguns dirigentes centram a sua apreciação nas exigências de
ordem técnico-normativa e na respectiva fiscalização pelos CRSS.
“O relacionamento pessoal com os técnicos é muito bom. No plano institucional, o
Centro tem medo de interferir, de pedir contas às instituições, tem medo de
‘ameaças da União’ e devia exigir-lhe uma atitude mais responsabilizada. A União
afirma-se com autoridade para exigir tudo, a prestação de contas é entendida como
‘querem mandar em nós’. Na relação com a Segurança Social, não há dificuldades a
assinalar, apenas demora na obtenção de pareceres sobre propostas apresentadas. O
Centro devia fazer um apoio sistemático às instituições, devia fazer a avaliação da
qualidade dos serviços. Devia exigir maior responsabilidade no desempenho das
exigências técnicas” (Técnico, IPSS 13)
“Acho que há coisas que falham. (...) Nós temos a tutela do Centro e quase nunca
vimos, quer dizer, o Centro está lá e nós estamos aqui. (...) Não existe proximidade.
Devia haver uma maior aproximação e devia haver por parte das técnicas do Centro,
também, uma maior percepção dos problemas das IPSS (...) Às vezes são leis, são
só coisas escritas em que elas vêm aqui e dizem ‘vocês têm que cumprir aqui, assim
e assado’ e cada dia eu tenho que ter x metros quadrados para eles e não se
apercebem da realidade e dos conflitos, dos problemas verdadeiros que existem nas
IPSS.(...) E uma das coisas mais flagrantes e isso é importante (...) é como é que o
CRSS não se apercebe que as leis que servem para os infantários das zonas urbanos,
não se apercebem que não servem para os infantários das zonas rurais, tal como a
atribuição das mensalidade, é uma coisa que não cabe na cabeça de ninguém!” (IPSS
7)
“Nós prestamos anualmente contas à Seg. Social (...). Com a Segurança Social as
dificuldades são ao nível de informação; (...) é mais de ordem de comunicação do que
outra coisa .(...) A modalidade de fiscalização que tem sido utilizada pelo CRSS só
se efectivou este ano devido ao programa INTEGRAR em que o Coordenador (...)
do CRSS se deslocou 2 ou 3 vezes para consultar os dossiers.(...) Existe mais uma
colaboração com o CRSS que tem sido mais nisto, quando é detectado um problema,
situação de carência, comunica-se à técnica de serviço social no sentido de poderem
resolver a situação (...) Não há tutela da Segurança Social em relação a nós” (IPSS
16)
Os CRSS reconhecem, por seu lado, a impossibilidade de financiar em função da qualidade
dos serviços prestados, o que também não estimula a orientação das instituições para uma
qualificação dos recursos humanos e, simultaneamente, favorece uma gestão centrada na
organização e controle dos acordos tipificados.
“Financiar em função da qualidade do serviço não temos feito isso, infelizmente,
mas devíamos fazer. Mas lá está, não temos sequer possibilidade legal de o fazer.
Não temos possibilidade legal de o fazer porque de acordo com o protocolo assinado
entre o Senhor Ministro e a União das Instituições Particulares de Solidariedade
Social, das Misericórdias e das Mutualidades, esse protocolo que tem sido assinado
anualmente com essas entidades é que define as regras do jogo quanto ao
financiamento às IPSS por acordos de cooperação. Nós financiamos em função das
valências e do número dos utentes e não em função da qualidade” (CRSS, Dirigente
3).
A gestão dos recursos das instituições parece ser moldada sobretudo pela lógica da
redução dos custos do trabalho, a par de uma acentuada dependência dos financiamentos
públicos. Parece poder afirmar-se que não tem sido prioridade dos gestores das
instituições nem a qualificação dos recursos humanos, nem a diversificação das fontes de
financiamento, nem a rentabilização dos recursos próprios. Isso justificará, eventualmente,
a orientação da União para a criação de assessorias técnicas, como anteriormente referido
para apoiar as suas associadas, e também o papel que se propõe na negociação de
oportunidades de rentabilizar os recursos das instituições.
“Por exemplo, nós conduzimos uma campanha de gestão de seguros, a União fez a
campanha necessária, fizemos um concurso entre as várias seguradoras e venceu
uma. Depois foi feito um estudo - instituições que estavam a pagar 600 contos de
seguros, com um estudo prévio que eu fiz, passaram a pagar 300 contos. Havia uma
lesão de 50% o que era para elas (as instituições) uma forma de poupar dinheiro
(elas são as destinatárias) e a União como intermediadora disso também tinha uma
percentagem. Era uma forma de economia social que reverte em 1ª instância para elas
e ficámos também nós com uma parte. Essa forma está testada e está a ser
experimentada. Temos agora aí uma outra que é fundos de investimento, temos
também uma outra acção porque há quem tenha a ideia do banco solidário, mas ....eu
costumo dizer em vez de um Banco Solidário, eu prefiro a estabilidade de um banco.
Nós vamos tentar, estamos a ver fundos de investimento, temos que trabalhar com
bancos, estudar as entidades bancárias e a União vai fazer o ponto da situação. Pode
ser uma via de as instituições pouparem porque tudo o que fizermos nunca é para a
Direcção Nacional, é em primeiro lugar para as nossa associadas. O projecto tem que
ir para elas, elas têm de ser as primeiras beneficiárias disso … e uma pequena
percentagem para a União” (Dirigente da UIPSS).
3.4. A relação das instituições particulares com os cidadãos
Neste último ponto, aborda-se a questão da relação das instituições com os cidadãos que
utilizam os seus serviços. Recorda-se, a propósito, que a hipótese de partida era a de que
as instituições particulares, no contexto em que têm de funcionar, sofrem um processo
complexo de descarácterização que tende a afastá-las progressivamente dos seus
objectivos de serviço aos mais necessitados e a separar os interesses dos cidadãos dos
seus interesses próprios enquanto instituições.
Começa-se por rever esta concepção de serviço pressuposta pela legislação que regula a
actuação das instituições particulares, para, de seguida, se analisar os resultados do estudo
das relações entre as instituições e os utentes relativamente às instituições por ele
abrangidas.
Em 1979, a lei dispunha que “as instituições assumem responsabilidades sociais e
jurídicas perante a sociedade e o Estado e perante os beneficiários” (art. 5º do Dec.-lei
519-G2/79). Esta disposição legal, que obrigava as instituições particulares a responder
perante a sociedade em geral e perante os cidadãos “beneficiários” (utentes ou,
eventualmente, outros), foi posteriormente suprimida na reformulação do estatuto das
IPSS (Dec.-lei 119/83).
Passa a consagrar-se, a partir de então, a preferência dos direitos dos beneficiários
relativamente aos da instituição, associados ou fundadores, ao mesmo tempo que a
reafirmação da autonomia da instituição como entidade privada, desobrigando formalmente
as IPSS de responsabilidades sociais ou jurídicas perante a sociedade e o Estado.
Esta restrição do âmbito das responsabilidades das instituições perante a sociedade parece
traduzir-se, na prática, para as instituições estudadas, numa relação que apenas considera
uma categoria de cidadãos — os associados ou fundadores — com direito de participar a
todos os níveis da vida institucional, reservando para os utentes um papel de mero
“beneficiário”, sem outro direito que não seja o de “respeitar” as regras instituídas. Quando
questionados sobre as relações com os cidadãos, os dirigentes das instituições
consideram, em regra, os “associados” e os “utentes” como categorias distintas de
cidadãos e, consequentemente, objecto de abordagem diferenciada por parte da instituição
e, raramente, se referem à população em geral ou às comunidades em que estão inseridas as
suas instituições.
A abordagem das relações com os cidadãos parece ser uma questão bastante arredada das
preocupações da gestão das instituições, de modo que nunca aparece inscrita como
orientação dos seus programas de acção. Apesar disso, o modo como a questão é abordada
pelos entrevistados revela algumas diferenças entre as instituições de natureza canónica e
as de natureza civil, não só pelo tipo de vínculos que congregam os cidadãos que
contribuem para a instituição (associados, fundadores ou irmãos) como também pelo tipo
das relações que estes estabelecem com as populações locais.
A. No caso das instituições de natureza canónica — centros sociais paroquiais,
misericórdias e organizações católicas — foi colocada uma maior ênfase no envolvimento
dos cidadãos formalmente designados de “associados” através de processos formais de
informação e decisão e, por vezes, também pela participação mais directa na vida da
instituição através do desempenho de tarefas específicas (voluntariamente) ou exercício de
funções directivas. No entanto, conforme se trate de um centro social paroquial
(equiparado a fundação), duma misericórdia ou associação católica, as relações com os
“associados” reflectem perspectivas um pouco diversas.
Nos centros sociais todas as relações parecem ser mediadas e centralizadas na pessoa do
pároco (presidente), não sendo em nenhuma destas instituições valorizado outro
envolvimento dos “associados” (fundadores ou membros da administração da paróquia)
além do desempenho das tarefas directivas distribuídas, em regra por delegação ou
indicação do presidente.
“Aliás eu estou aqui na coordenação do patronato (por indicação do Presidente),
mas os membros da Direcção — um presidente, um vice-presidente, um secretário,
um tesoureiro, e três vogais —, são pessoas que também fazem parte da Comissão
de Fábrica de Igreja, portanto que estão na administração da própria paróquia.”
(IPSS 16)
No caso da misericórdia, as relações com os “associados” (irmãos) estão internamente
institucionalizadas e desenvolvem-se segundo regras formais de participação,
designadamente através de: a) reuniões (assembleias) ordinárias e reuniões especiais ou
extraordinárias sempre que há problemas ou questões a tratar; b) acesso informação escrita
sobre assuntos diversos e acesso regular (mediante pedido do interessado) às actas das
reuniões, orçamento e relatório de contas, ou outros documentos internos (Dirigente,
Misericórdia 1)
No caso de uma outra associação católica (delegação de organização internacional) as
relações são menos formalizadas e parece ser mais ampla a participação dos “associados”,
sendo referido com particular ênfase o trabalho voluntário indiferenciadamente prestado a
qualquer nível de desempenho da instituição (não apenas em funções directivas, como na
generalidade dos casos estudados).
Se considerarmos os cidadãos em geral, populações ou comunidades locais, a questão da
participação ou não se coloca (quando a instituição tem um âmbito de acção não
delimitado geograficamente, como no caso da associação católica internacional) ou não é
considerada grave porque perspectivada unidireccionalmente na base duma
“incontestável” superioridade ético-religiosa da instituição (ou idoneidade moral dos seus
promotores) e, consequentemente, de uma pressuposta aceitação consensual da
população, genericamente considerada beneficiária.
Em regra, a relação da instituição com a população não se distingue (ou é restringida) às
relações paroquiais, quer sejam mediadas através do pároco e outros elementos da
administração da igreja ou através dos grupos de voluntariado organizado cuja acção é
integrada no âmbito das actividades da paróquia (conferências de S. Vicente de Paulo,
grupos de catequese ou outros). Menos frequentemente (vg. IPSS 8) foi referida a
mediação dos serviços públicos locais nas relações entre a instituição e a população, mas
apenas ao nível da informação e encaminhamento para os serviços da instituição. Para
além disso, as relações da instituição com as comunidades locais são perspectivadas como
mera comunicação unidireccional, enformada pela autoridade moral da igreja na pessoa do
pároco e dos paroquianos que de uma forma ou outra são elementos activos da igreja, o
que eventualmente pode ser indicativo da anterioridade dos interesses e vontade dos
fundadores.
“há sempre uma informação que o pároco faz nas suas homilias e uma divulgação
quanto às vagas. Antes de fazermos o acordo para a valência do ATL, o pároco teve
a preocupação de divulgar quer a nível das reuniões de conselho paroquial, quer a
nível das próprias homilias - nós não estamos isolados do conjunto todo da
paróquia” (IPSS 16).
Noutros casos, parece ser dada como adquirida a legitimidade social da instituição
independentemente da sua adequação às necessidades e expectativas da população local ou
da organização e funcionamento das actividades. Então, a aceitação e integração da
população beneficiária é considerada como natural e inquestionável.
“Se as pessoas aderem e as actividades têm vindo a ser alargadas é porque a
população gosta e a instituição está a funcionar bem (...) Porque há uma grande
aderência da população às actividades da Santa Casa, a instituição tem vindo sempre
a alargar as suas valências” (Misericórdia 1, Dirigente)
B. Nas instituições de tipo associativo e de natureza civil, apesar do seu valor
“patrimonial” residir na própria associação, enquanto núcleo agregador e mobilizador do
capital humano e relacional dos seus associados, as relações com os associados são, em
geral, restringidas às exigências estatutárias de apreciação formal do orçamento e contas e,
mais esporadicamente, à participação nos actos eleitorais. Em regra, não são referidos
processos de envolvimento dos associados na vida da instituição, além das formais
assembleias gerais, reconhecendo-se uma certa dificuldade em implicar os cidadãos na vida
da instituição, para além do pagamento das cotas, o que se reflecte designadamente na
reduzida rotatividade dos dirigentes e menor democraticidade das decisões internas, na
prática centralizadas na pessoa do presidente.
Apenas as instituições que, pela sua dimensão ou prestígio local, podem oferecer uma
compensação simbólica (eventualmente ascensão social ou política) aos cidadãos
implicados nos cargos directivos, não referem dificuldades quanto à mobilização e
participação dos associados nos cargos directivos. Nas restantes, é sobretudo referida,
com apreensão, a “dificuldade de os associados perceberem a dinâmica da instituição e em
participarem” e o problema da sucessão dos dirigentes.
Parecem constituir excepção, no conjunto das instituições de tipo associativo, aquelas
originadas em iniciativas locais, promovidas através de organizações de base ou de grupos
com forte envolvimento comunitário. Nestes casos, não existe ou está esbatida a
tradicional diferenciação entre os que contribuem (com bens ou trabalho) e os que
usufruem (supostamente os únicos beneficiários). Relativamente à participação dos
associados na vida social da instituição, são referidos como frequentes, além dos processos
formais de participação nas assembleias gerais, outros momentos de debate mais
abertos e informais, designadamente encontros ou reuniões para apreciação de problemas
específicos, organização de actividades ou outras questões de interesse para a instituição.
“Além da prestação anual de contas aos associados, através do relatório de contas e
actividades, muitas vezes ao longo do ano as questões financeiras ou outras são discutidas
e os associados pronunciam-se sobre os vários assuntos” (IPSS 6).
Relativamente às comunidades locais onde este tipo de instituições actua, parece não
haver um envolvimento especial, designadamente através de informação ou de auscultação
da população relativamente a eventuais necessidades a atender ou expectativas
relativamente ao papel das instituições. Excepcionalmente, apenas quando se iniciam
novas actividades ou se cria um novo serviço, é feita uma divulgação pública nos locais
habitualmente frequentados pela população. As instituições envolvidas em projectos
comunitários e parcerias com outras associações locais e autarquias, em regra, valorizam
esse trabalho também pelas possibilidades de uma maior proximidade com as populações
locais.
Apesar disso, as instituições, quando questionadas quanto aos desafios futuros, raramente
referem questões internas da instituição, salvo nos casos em que têm projectos a aguardar
desenvolvimento. Em regra, tendem a enfatizar propostas relativas a uma maior adequação
das respostas (criadas ou a criar) às necessidades e problemas da comunidade em que
estão inseridas. Quanto a novas iniciativas, as sugestões apresentadas apontam para um
maior envolvimento e participação dos cidadãos e, sobretudo, para que os promotores
tomem como prioridade as necessidades sociais e humanas das populações locais.
C. Apesar de existirem diferenças entre as instituições estudadas, designadamente quanto
à sede do poder de decisão, aos associados (condição a que qualquer cidadão pode aceder)
ou aos fundadores (condição reservada aos detentores da propriedade patrimonial), no que
se refere às relações com os utentes tais diferenças parecem não ser significativas.
Na prática, não só os utentes estão afastados de todas as decisões, designadamente das
que directamente se lhes referem, como, em regra, as instituições não referem a existência
de processos orientados para a sua participação e envolvimento na vida da instituição. De
igual modo, parece não ser feito qualquer esforço pela instituição para detectar as
situações mais carenciadas com vista a uma intervenção prioritária dos seus serviços. Em
regra, considera-se suficiente a informação que espontaneamente é divulgada pelos
próprios “utilizadores” dos serviços, sendo referido pela generalidade das instituições que
“a população chega à instituição espontaneamente ou por informação de outros utentes”.
Nos serviços e equipamentos sociais para a infância, a relação com a família reveste
normalmente um carácter informal e realiza-se através dos contactos diários entre o
pessoal responsável pela entrega ou recepção das crianças e os pais. Tal como no caso dos
idosos, apenas a identificação de situações-problema justifica um contacto mais estreito
com a família e, eventualmente, visitas domiciliárias, desconhecendo-se contudo qual o
tipo de questões ou dificuldades que esta abordagem suscita. Em várias instituições foi
referida a realização de reuniões de pais, com periodicidade variável (anual, semestral ou
trimestral) e sempre promovidas pelas educadoras no âmbito do projecto pedagógico. No
entanto, uma programação limitada a objectivos pedagógicos, ainda que importante para a
implicação dos pais no processo educativo da criança, parece não ser suficiente para
suscitar a participação a outros níveis da vida da instituição. “Os familiares só vêm na
altura das festas.(...) Há reuniões de pais, mas pouco participam. Neste momento estão a
ser pouco participadas o que é pena” (IPSS 7).
Por outro lado, parece poder afirmar-se que eventuais tentativas dos pais para uma
participação mais activa na organização e funcionamento interno da instituição, são mal
recebidos ou desmobilizados pelos dirigentes, particularmente nas instituições de natureza
canónica, conforme foi reconhecido pelos seus dirigentes.
“O tipo de questões mais frequentes mas que não podem ser consideradas conflitos
acontecem geralmente no início do ano com os pais das crianças. Alguns consideram,
por exemplo, que estão a pagar mais do que aquilo que deveriam efectivamente
pagar, outros que as crianças deveriam ter mais actividades como a piscina. Em
qualquer dos casos, no entanto, não tem havido problemas porque os pais
rapidamente compreendem as razões da instituição” (IPSS 2, Dirigente).
“Os únicos problemas que surgem é, por exemplo, quando uma educadora sai ou
muda de sala e os pais não aceitam muito bem. No entanto, rapidamente se habituam
à nova educadora. Um outro problema que costuma surgir diz respeito às questões
financeiras. Como os apoios são insuficientes a instituição tem de pedir a
colaboração dos utentes. Estes, em regra geral, consideram sempre que estão a pagar
mais do que aquilo que deveriam efectivamente pagar” (Dirigente de Misericórdia, 1)
No conjunto dos serviços para a terceira idade, apenas uma das instituições abordadas
destaca o envolvimento regular de alguns dos idosos no desempenho de trabalho efectivo,
ainda que nada seja dito quanto às condições do seu desempenho e, consequentemente não
fica claro em que medida se constituiu factor autonomia e realização pessoal dos utentes
ou um meio de reduzir os custos com pessoal.
“A nível dos idosos temos uma participação muito activa. Temos aqueles que não
podem fazer nada, já estão num estado, mesmo de dependência física, mesmo em
relação a nós (...) Esses realmente participam só a nível de conversas e de dialogar
connosco. E depois temos os outros que participam em outras actividades, temos já
ali uma pequena exposição de trabalhos feitos por idosos. (...) Temos grande ajuda
nas tarefas (...) cuidam dos jardins, jardinagem e temos pessoas que passam a ferro e
cuidam da lavandaria. Não temos que passar a ferro, põem a mesa” (IPSS 7)
Relativamente aos utentes em lista de espera, em regra não foi referida qualquer tipo de
intervenção da instituição no sentido de ajudar a resolver o problema. Apenas dois casos
referem manter o contacto com as famílias para eventuais vagas na instituição e, sempre
que possível, para informar sobre a existência de outros serviços e proceder ao
encaminhamento das situações.
D. A avaliação por parte dos CRSS das relações entre as instituições e os cidadãos
utentes parece ser pouco favorável. Em geral, considera-se que nem sempre fica
assegurado o respeito pelos utentes e suas famílias e que é problemática a proximidade
dos serviços às necessidades da população abrangida.
“Acho que há uma relação ainda infelizmente distante e muitas vezes temos
necessidade de chamar a atenção para os dirigentes das IPSS quando se planeiam
actividades. ‘Nós estamos a fazer actividades para os outros!’ Porque há muitas
vezes este discursos é uns e outros. Os dirigentes consideram os utentes ‘os outros’
a quem vão prestar um serviço, não se julgam todos na mesma comunidade (CRSS,
Dirigente 3)
“Eu não faço uma apreciação muito positiva dessa proximidade, acho que não.
Muitas vezes é essa a razão que leva a que haja intervenção dos serviços. (...) Há
muitas direcções que até instituem sistemas de hereditariedade e até às vezes
familiares... “ (CRSS, Dirigente 5).
“Os utentes, os familiares, digamos, os utilizadores são cidadãos, têm direito à
informação e têm direito até a falar, porque temos tido aí casos, situações,
esporádicas evidentemente, mas que utentes que foram expulsos, houve ordem de
expulsão, foi decidida expulsão precisamente porque reclamou. Efectivamente
depois tiveram que ser readmitidos... Acho que têm de ser consciencializados, tanto
as Direcções como o próprio pessoal, de que o utente é um cidadão, que pode
manifestar-se e que deve ser informado em tudo aquilo que lhe diz respeito e ao
próprio familiar, não é?” (CRSS, Técnico 1).
Na perspectiva dos técnicos de Acção Social, a organização dos serviços de acordo com as
valências empobrece a relação com os utentes porque tende a subestimar o conhecimento
do meio social e, por isso, arrisca-se a atacar apenas aspectos particulares das
necessidades das famílias e não os contextos mais gerais em que se geram essas
necessidades.
“Não há um conhecimento do contexto do utente (...) Para conhecer o contexto
social em que o utente [se insere], nomeadamente, para conhecer uma criança, para
conhecer um idoso, tem que se conhecer exactamente quem é a família, donde
provém, onde é que ela se inseria, que tipo de actividade tem, como é que ela se
relaciona no meio, tudo isto... A instituição perde um pouco isto, provavelmente
está mais preocupada com o funcionamento da própria instituição, com as regras lá
dentro, se tudo funciona bem, se a comida é a horas, se a alimentação é boa, se a
higiene é boa, se o pessoal trata bem as crianças (CRSS, Técnico 1)
Este tipo de organização parece moldar particularmente o discurso e as práticas dos
dirigentes entrevistados das instituições, de tal modo que na sua apresentação sobre as
actividades da instituição manifestam uma clara tendência para se limitarem ao conjunto de
respostas típicas, abrangidas pelos acordos de cooperação. Só quando directamente
interpelados, eles referem outros serviços à população (lavandaria, serviço de refeições
com possibilidade de entrega no domicílio, atendimento ou encaminhamento de casos
sociais, entre outros), ou o particular envolvimento da instituição em projectos de
intervenção de orientação comunitária.
Excepcionalmente, são valorizadas actividades não incluídas no âmbito das valências
tradicionais, orientadas para uma abertura da instituição às comunidades locais,
designadamente: a) as que visam uma aproximação a necessidades e interesses de sectores
de população não abrangidos pelos serviços regulares, actividades de carácter esporádico
(sócio-culturais, recreativas ou outras) que envolvem a participação alargada dos cidadãos;
b) as que visam “reduzir o isolamento dos utentes da instituição, actividades esporádicas
organizadas na base de um intercâmbio inter-institucional” (IPSS 5)
No mesmo sentido, é de sublinhar a centralidade que foi atribuída ao envolvimento de uma
instituição (IPSS 6) em acções de desenvolvimento local, considerando-se mesmo que o
principal efeito positivo da obtenção do estatuto de IPSS foi a possibilidade da instituição
se candidatar a um programa comunitário. No âmbito do projecto promovido pela
instituição, o dirigente entrevistado inscreve todas as actividades actualmente
desenvolvidas pela instituição.
“são as actividades que têm a ver com o projecto, as actividades que têm a ver com a
animação de jovens e as actividades que tem a ver com (...) As actividades (do
projecto) têm duas vertentes fundamentais: a animação comunitária que consiste em
trabalhar 13 freguesias no sentido de, numa primeira fase, realizar reuniões
comunitárias, onde são convidados os principais líderes associativos, autarcas,
líderes informais na freguesia com eles se estabelecem quais as principais
necessidades, os principais objectivos (...) Depois, através da comissão da freguesia
que é a comissão que vai dar procedimento à concretização destes objectivos, à
solução de algumas necessidades também ao longo do ano, através do projecto. (...)
Nós vamos ajudar as freguesias a resolver e a atingir algumas destas metas, vamos
ajudá-las no sentido de elas olharem para os seus recursos (...) mobilizarem os
recursos. (...) Não é nós substituirmos as pessoas locais, mas concretizarmos as
tarefas com elas” (IPSS 6)
E. Na perspectiva dos cidadãos, recolhida esta através das entrevistas às famílias em
situação de risco social, a proximidade das instituições às necessidades locais parece ser
problemática, como já foi referido anteriormente.
Por um lado, a proximidade geográfica das instituições particulares de solidariedade social
pareceria torná-las mais acessíveis ao conhecimento e à procura por parte dos cidadãos e
famílias carenciados. No entanto, apenas 12% dos cidadãos inquiridos nos cinco terrenos
da pesquisa tinham recorrido a este tipo de instituições, solicitando apoio social de diversa
natureza — prestação de serviços (apoio domiciliário e outros) ou ajudas materiais
(financeiras ou outros bens). Um quarto desses cidadãos considera que o problema que
justificou o pedido não foi resolvido pela instituição a que recorreu.
Por outro lado, se considerarmos o testemunho das famílias entrevistadas no âmbito da
pesquisa e tomando por referência um dos terrenos localizados em meio urbano (Tormes),
verificou-se que cerca de metade dos agregados entrevistados haviam recorrido a
instituições particulares de solidariedade social da área de residência. Da análise das
diversas entrevistas parece poder concluir-se que as instituições não respondem às situações
de maior carência ou vulnerabilidade social existentes na área onde actuam ou, quando
o fazem, as respostas oferecidas são de grande precaridade e manifestamente insuficientes
face à natureza das necessidades a atender.
Refira-se, a propósito, que existem situações problemáticas, dentre os agregados
entrevistados, que não encontraram resposta para os seus problemas nas instituições
locais. As deficiências identificadas a nível local, estando associadas à insuficiente
capacidade de resposta (em termos quantitativos ou qualitativos) dos serviços locais e à
respectiva inadequação às necessidades e condições de vida da população, permitem
também ilustrar o modo como as instituições particulares perspectivam a sua relação com
os cidadãos. Dois parâmetros parecem carácterizar essa relação: uma selectividade
relativamente aos cidadãos e às necessidades a atender (que potencialmente exclui as
situações de maior vulnerabilidade social) e uma responsabilidade social restritamente
entendida (isto é, não abrangendo senão os cidadãos incluídos).
4. A PROTECÇÃO SOCIAL PELO ESTADO
O estudo do papel da sociedade na protecção social obriga ainda a uma análise mais
circunstanciada do modelo e da orgânica do sistema público da Segurança Social e,
designadamente, das funções mais recentemente desempenhadas junto ou na relação com
as iniciativas particulares no campo mais restrito da Acção Social. As implicações que
decorrem da forma como se estrutura a acção estatal e das respostas que oferece para o
enfrentamento dos riscos sociais, tanto daquelas que organiza autonomamente, como
daquelas que se traduzem no apoio a outros provedores, mais ou menos institucionalizados,
exigem um aprofundamento particular.
A análise a que se procedeu baseou-se em fontes documentais e em entrevistas aos
Directores de Serviços e Técnicos dos Centros Regionais de Segurança Social. Estas
visaram conhecer, por um lado, as perspectivas dos entrevistados acerca da orgânica e
orientações gerais vigentes no quadro da Segurança Social e, em particular, da Acção
Social; e, por outro, as orientações e práticas dos serviços de Acção Social quanto ao
papel e modo de funcionamento das iniciativas particulares, nomeadamente das
Instituições Particulares de Solidariedade Social por si tuteladas81.
Para além dos resultados a que se chegou nessa análise, serão ainda feitas referências gerais
à perspectiva dos cidadãos e das IPSS sobre os serviços e orientações da Segurança Social,
a partir do inquérito e das entrevistas efectuadas a utilizadores desses mesmos serviços e
a dirigentes e técnicos das instituições, sem prejuizo do que já ficou referido sobre o
assunto e com mais detalhe em pontos anteriores.
4.1. Evolução recente dos serviços de Segurança Social e Acção Social
Como se referiu anteriormente (supra 3.1), apesar das iniciativas tomadas no início dos
anos 70, com o duplo propósito de parificar alguns níveis de protecção social existentes
em países europeus (que começava a merecer a atenção dos decisores de política) e,
simultaneamente, de aliviar as crescentes tensões que minavam o regime político às portas
de 1974, o que vigorava era um sistema incipiente de Previdência e de Assistência
81 De uma forma geral, as pessoas que na altura das entrevistas ocupavam cargos directivos tinham sido
investidas nessas funções pouco tempo antes, o que limitou de certo modo os resultados das entrevistas.
marcados ainda pela lógica do papel supletivo do Estado. A par de uma insuficiente
provisão (em número de eventualidades cobertas e de população abrangida) claramente se
mantinha a separação entre medidas e estruturas para grupos contribuintes e grupos não
contribuintes (o que negava, na prática, a pretendida e legalmente prevista articulação da
Previdência e da Assistência sob a designação da Segurança Social).
Com o eclodir da Revolução de Abril, diversas alterações foram introduzidas entre 1974 e
1976. Entre os principais objectivos contavam-se: a) criar um sistema integrado de
Segurança Social em que esta passa a ser considerada como um direito de toda a
população; b) melhorar e alargar o esquema de prestações existentes (vg. melhoria do
abono de família e sua extensão aos desempregados); e c) criar novas medidas e alargá-las a
outros grupos sociais (vg. instituição da pensão social e do subsídio de desemprego).
Uma nova estrutura orgânica foi iniciada em 1977 (Dec Lei 549/77) visando promover,
por um lado, a descentralização dos serviços (com a criação de Centros Regionais de
Segurança Social de âmbito distrital), por outro lado, a desconcentração do poder de
decisão (para os serviços distritais) e finalmente, a unificação (ou integração) de serviços e
competências paralelas até então sediadas na Assistência e Previdência. Além dos
propósitos de descentralização e de integração, são legalmente estabelecidas estruturas de
participação que visam concretizar a intervenção dos destinatários na realização dos fins
do sistema, através da presença de associações sindicais e outras organizações
representativas de interesses locais ou de grupos sociais específicos.
A década de 80 traz consigo novas alterações, tendo sido marcada por um conjunto de
iniciativas legislativas e de medidas fundamentais para a consolidação do sistema. A Lei de
Bases aprovada pela Assembleia da República (Lei 28/84) e a criação de um regime não
contributivo, definido como esquema de prestações de Segurança Social atribuídas sob
Nalguns casos, elas já desempenhavam outras funções nos mesmos serviços e, por essa razão, a limitação
apontada foi menor.
condição de recursos e financiadas pelo orçamento de Estado (Dec.-lei 160/80) constituem
os dois pilares das mudanças deste período.
O diploma de 1980 surge da necessidade de rever e restringir o então recém-instituido
sistema mínimo de protecção social garantido a todos os cidadãos (Dec. Lei 513-L/79).
Tratava-se de uma medida que corporizava o compromisso político (constitucionalmente
afirmado) da condição irrestrita do princípio da universalidade, tomado enquanto
componente essencial para a edificação de um Estado de bem-estar. De salientar que dentre
as prestações incluídas no pacote de medidas deste designado regime não contributivo,
fazem parte (para além do abono de família, subsídio de aleitação, abono complementar
para crianças e jovens deficientes, pensão de orfandade, pensão social, suplemento para
grandes inválidos) as chamadas prestações de apoio social, consagrando, assim, o acesso a
formas de protecção social em espécie (serviços e equipamentos sociais). Registe-se que
estas formas de protecção são consagradas sob um triplo critério condicional: a) a condição
de recursos, b) a disponibilidade dos equipamentos sociais existentes ou a criar e c) a
comparticipação financeira dos designados beneficiários. Pode ler-se neste dispositivo uma
intenção simultaneamente expansiva (a nível do consagrado legalmente) e restritiva da Segurança
Social, o que pode bem traduzir a influência que a negociação já em curso para adesão
de Portugal à CEE pode ter significado na adopção de lógicas diversas, mas ambas cumprindo
o regime de prova em que o país se encontrava: elevar o padrão de protecção social
e, ao mesmo tempo, seguir uma lógica de selectividade como, então, se estava já a verificar
nos países centrais.
A Lei Orgânica de 1984 constitui, até à actualidade, o documento legislativo mais
estruturador da Segurança Social. De facto e não obstante as alterações que foram sendo
concebidas (e nalguns casos implementadas), só em 1984 a Assembleia da República
aprova uma lei-quadro que consubstancia os princípios ordenadores do sector. Poderia
mesmo dizer-se que o faz pela necessidade de enquadrar medidas existentes embora num
contexto claramente direccionado para a progressiva delimitação do papel do Estado. Deste
ponto de vista trata-se de um diploma tardiamente consolidador dos progressos na
Segurança Social, mas, ao mesmo tempo, enunciador das restrições que o ambiente recessivo
e liberalizante vinham anunciando. Esta lei consagra o direito à Segurança Social
(constitucionalmente afirmado desde 1976) e estabelece os princípios por que se regerá o
sistema: a universalidade, unidade, igualdade, eficácia, descentralização, garantia jurídica,
solidariedade e participação (artº 5). O percurso subsequente da Segurança Social virá a
afirmar o carácter de mera afirmação de intenções desta legislação, uma vez que princípios
centrais como os da universalidade e participação (tão caros à filosofia constitucional e aos
objectivos definidos para o sistema) se viram, na prática, substituídos por orientações
selectivas face ao acesso aos benefícios e restritivas face à representação dos (alguns)
interessados.
Para além dos princípios definidos, três outros aspectos relevam neste diploma: a) a
consolidação de dois regimes de protecção, contributivo e não contributivo, tomando como
critério distintivo a existência de contribuição para o seguro obrigatório; b) a consagração
do direito dos cidadãos à designada Acção Social integrando esta a tradicional Assistência
com a responsabilidade adicional (além da prevenção e especial protecção aos grupos mais
vulneráveis) de suprir as insuficiências de conteúdo dos regimes previdenciários; e c) a
regulação do financiamento prevendo-se duas fontes principais de receitas: o Orçamento
Geral do Estado e as contribuições do trabalho.
Refira-se que nos regimes existem duas componentes que se distinguem quanto aos
fundamentos do direito à prestação e às formas de financiamento: o regime geral
financiado pelas contribuições privadas e regido por um princípio de justiça comutativa
(dar o seu ao seu dono) e o regime não contributivo — financiado pelo Estado e regido por
um princípio de justiça distributiva (dar a quem tem necessidade). O objectivo
fundamental deste último é o de “realizar a protecção em situação de carência económica
ou social não coberta efectivamente pelo regime geral” sob condição de prova de recurso
(Hespanha 1997).
A Acção Social fica afirmada neste texto legal como uma medida cujas prestações por um
lado serão tendencialmente personalizadas (i.e. regidas pelo princípio da descricionaridade
administrativa) e por outro a integrar progressivamente no campo de aplicação material do
regimes (i.e. consolidadas como direitos, e não meras expectativas, de evidente proximidade
com as prestações do regime não contributivo — igualmente financiadas pelo
OGE e sujeitas à condição de recursos). Não fora a criação recente do Rendimento
Mínimo Garantido (Lei 19-A/96 de 29 de Julho de 1996) e poderia afirmar-se o absoluto
incumprimento na tradução das iniciativas do âmbito da Acção Social em prestações
similares às dos direitos subjectivos consagrados pelos regimes.
Uma outra particularidade a destacar com base nesta legislação resulta do reconhecimento
da existência, na composição da Segurança Social, de dois blocos de prestações —
pecuniárias e em espécie —, englobando estas últimas a prestação de serviços e
equipamentos sociais, ambos inscritos ou orientados para a titularidade de direitos. Ao
admitir que “a concessão de prestações em espécie pode ser feita directamente pelas
instituições de Segurança Social ou através de outras entidades particulares sem fins
lucrativos” (artº 14 da Lei 24/84), a lei-quadro, em análise, reforça o procedimento de
contratualização, ao mesmo tempo que introduz um mecanismo atípico no processo de
reconhecimento e efectivação de direitos sociais. O desenvolvimento subsequente do
papel desempenhado pelas instituições particulares tem sido quase em exclusivo pela via
da compra de serviços prestados, mais do que pela complementaridade face à sua
iniciativa directa (entenda-se autónoma).
A década de 80 sofreu a influência do período de preparação para a adesão à CEE, em
contexto de crescimento económico. Sumariando, de entre os aspectos mais significativos
das mudanças no âmbito da Segurança Social contam-se a tendência para o
condicionamento do acesso a benefícios e o crescente estímulo a esquemas
complementares de protecção. designadamente no campo das pensões de reforma. Do
ponto de vista financeiro, a criação do Fundo de Estabilização Financeira bem como a
unificação dos descontos para a Segurança Social e para o Fundo de Desemprego
(materializada na taxa social única) constituiram medidas que anunciaram a crescente importância
dos problemas do (des)emprego e a necessidade de rentabilização das
contribuições arrecadadas. O objectivo desde então prosseguido de adaptar o sector
produtivo às exigências da construção do mercado único, justifica as medidas
implementadas em áreas tão diversas quanto o subsídio de desemprego, as reformas
antecipadas por motivo de desemprego, o apoio explícito às reestruturações, as políticas
activas de emprego e a formação profissional (Marques, 1997:30).
No domínio da Acção Social, a influência da Europa comunitária teve nos designados
projectos de luta contra a pobreza um campo de particular expansão. À data da adesão,
decorria o II Programa Europeu Anti-Pobreza (iniciado em 1984), que Portugal viria a
integrar com onze projectos. O impacto da participação nesse programa foi extremamente
relevante, designadamente pelo facto de se terem adoptado práticas de intervenção
orientadas por projectos de base territorial ou centrados em grupos alvo, desafiando, assim,
a lógica mais comum aos serviços assistenciais baseada na administração individual ou
familiar dos problemas. Tratando-se de projectos experimentais, esperava-se, sobretudo,
que as aquisições viessem a ter valor ilustrativo para outras formas de intervir e analisar.
Sublinhe-se que, no início destes projectos, as entidades e serviços públicos constituíram,
quase em exclusivo, os proponentes e os promotores, uma situação que veio a reverter-se,
mais tarde, em função de uma explícita preferência pelos parceiros privados (exacerbada
hoje pela inviabilidade de projectos de iniciativa pública).
4.2. A Orgânica Actual dos Centros Regionais de Segurança Social
A orgânica dos Centros Regionais de Segurança Social foi revista em 199382, após quinze
anos de vigência em que importantes mudanças ocorreram quer no plano interno do
próprio sector (criação de novos serviços, implantação de equipamentos, etc.) quer no
plano externo das envolventes que condicionam a operatividade dos centros (implantação
de outros serviços ao nível da região com quem aqueles necessariamente interagem).
Com a revisão, visava-se, entre outros objectivos, reduzir o número de Centros Regionais
e desconcentrar a administração (Preâmbulo do Dec.-lei 260/93), não só para “garantir
maior eficácia à gestão dos regimes de Segurança Social e ao exercício da Acção Social,
82 Através do Dec.-lei 260/93, de 23 de Julho.
assegurando melhor aproveitamento dos recursos humanos e técnicos, e reduzir custos de
administração”, como para “promover e facilitar a articulação intersectorial de esforços e
medidas operativas a nível regional, contando, além dos da sede, com o contributo
relevante dos serviços de âmbito sub-regional e local, constituindo esta a principal
inovação do sistema”.
Um tanto paradoxalmente, uma reestruturação que se apresentava com intuitos
descentralizadores, “projectando-se abertamente no objectivo de aproximação daquele
sistema [de segurança social] a toda a população” veio retirar funções até aí dispersas
pelos dezoito serviços distritais (doravante, sub-regionais), concentrando-as em serviços
intermédios, verdadeiras instâncias de coordenação à escala regional.
Na nova repartição de competências, as funções de orientação, de gestão e de apoio cabem
aos serviços regionais (artº 16) e as de natureza executiva cabem aos serviços sub-regionais
(artº 17). Ainda que a prática de delegar competências nos directores de serviços subregionais
tenha corrigido em parte este problema83, a verdade é que os serviços distritais
se viram despojados de decisão autónoma em domínios importantes de actuação e os
cidadãos viram aumentada a malha burocrática dos serviços84.
Em regra, esta alteração foi acompanhada da redução do pessoal (designadamente, do
pessoal técnico) a nível das sub-regiões limitando ainda mais a capacidade de resposta e
sobrecarregando alguns sectores (designadamente chefias de departamentos e secções).
Nalguns casos, os serviços sub-regionais continuam a integrar na prática sectores que, na
nova orgânica, cabem à Região e que, portanto, funcionam em articulação directa com esta.
As alterações de competências afectaram também o relacionamento entre as Direcções
Gerais e os Centros Regionais, pela colisão de interesses que geraram. Em consequência
verificaram-se algumas situações de mal-estar (CRSS, Dirigente 2). Actualmente os efeitos
não se fazem sentir tanto quanto no início porque houve uma delegação de competências
do próprio CRSS na pessoa do director da sub-região, delegação essa que se traduz numa
maior autonomia do serviço (CRSS, Técnico 5).
83 As delegações de competência vieram permitir, nomeadamente, a celebração de acordos de cooperação.
Como um dirigente afirma “Se não tivesse saído a delegação de competências, então, isto teria sido o caos”
(Dirigente 2 CRSS).
84 A distância geográfica provoca demoras em determinadas decisões e distanciamento dos problemas, no
sentido em que “uma decisão tomada na cidade sede da região não tem em conta necessariamente todas as
variáveis que podem ser observadas e só as que podem ser transmitidas”, conforme reconhece o Director de
um Serviço Sub-Regional (CRSS, Dirigente 4).
“Para além da atribuição das competências ser pouco clara, quer as competências de
um ou de outro, ainda não se encontraram os caminhos da especificidade... A
tendência é entrar no domínio um do outro. O Serviço Regional devia ter funções
normativas, mas como é que pode ter funções normativas se essa competência é da
DGAS? Para além de que, e eu posso falar disto porque estive na região, para muitas
coisas eles são um perfeito empata. Basta ter que passar por lá as coisas, mais um
patamar, que é uma perda de tempo, porque a decisão não vai por ali...Vai pela
DGAS ou pela Secretaria de Estado. Portanto conforme está é um grande empata”
(CRSS, Dirigente 6)
O modo como se processou esta alteração de competências tem merecido as maiores
críticas, designadamente a de que ela não foi precedida de estudos de reorganização dos
circuitos funcionais e de distribuição dos recursos humanos.
“O Serviço Sub-Regional (...) que é o maior da região, não tem os serviços
informatizados, não tem um único técnico de informática (...). O serviço operativo
só tem um técnico de organização e modernização administrativa, só tem um técnico
de planeamento e assim, sucessivamente, estando todos os outros recursos humanos
a este nível concentrados na região. Isto causou, desde logo, uma perturbação enorme
porque nunca se [definiu] um trabalho por projectos, para transformar a estrutura
existente na estrutura actual (...) É muito difícil a função de planeamento e
acompanhamento de execução das directrizes traçadas, porque há níveis que se
atropelam, que causam depois curto-circuitos ou em relação às quais é impossível a
qualquer dirigente fazer o acompanhamento até à execução final daquilo que foi
decidido para o Serviço Sub-regional. (...) Aquilo que é o nosso timing não tem nada
a ver com o timing da região, porque estes serviços não estão minimamente preocupados
com o timing dos serviços operativos (...) Isto tem implicações terríveis
nomeadamente na área da acção social porque a questão se prende com os acordos
de cooperação por um lado e com os investimentos em PIDDAC por outro (...) Há
prioridades que são definidas a nível governamental mas a nível da minha sub-região
eu não consigo definir essas prioridades. Tanto me faz dizer que é prioritário fazer
isto ou aquilo porque como a apreciação depois dos processos para inclusão em
PIDDAC tem que ter o aval da divisão de instalações e equipamento, depende é das
prioridades que eles tiverem na apreciação dos processos. (...) Eu não tenho
possibilidades de corrigir a execução [do PIDDAC] porque não tenho engenheiros,
não tenho arquitectos, não sou eu que pago às IPSS, não sou eu que faço fiscalização
de obras, portanto não posso de facto ter nenhuma intervenção. Isto voga ao sabor,
quer da intervenção da região, quer das próprias IPSS e enfim é outro
estrangulamento que eu tenho. (...) Além do mais isso dá uma imagem um bocado
destroçada e desarticulada dos serviços” (CRSS, Dirigente 5).
Existe a opinião generalizada de que se torna necessária uma nova revisão da estrutura
orgânica, quer para ajustar melhor a distribuição das competências entre Regiões e Subregiões,
quer para aprofundar as virtualidades da descentralização:
“A grande reforma que se pretenderia e se espera que venha a ter eco no Governo
era esta: o máximo de delegação de responsabilidades para Directores reservando aos
orgãos regionais o planeamento e a coordenação das grandes áreas e competências
técnicas muito específicas de âmbito regional, deixando tudo o mais para as sub-regiões
que são de facto quem lida de perto com este tipo de problemáticas” (CRSS,
Dirigente 1).
A proximidade aos problemas das comunidades parece justificar que se atribua mais
importância ao papel dos técnicos dos serviços locais. É, pelo menos, nesse sentido que
alguns se pronunciam:
“Vamos criar cerca de 6 pólos ou 7 a nível do distrito, com uma divisão mais
equilibrada do que até agora. (...) Distribuir os técnicos pela população de uma
forma mais equilibrada e com condições logísticas para que os técnicos possam,
realmente, fazer todo esse trabalho (...) O que se pretende agora é que nesses pólos
que vamos criar pelo distrito, uma pessoa tenha viatura, fax, telefone, informática,
que estejam realmente habilitados a poderem fazer um trabalho com outra dinâmica e
outra possibilidade de, mais rapidamente, atender a situações” (CRSS, Dirigente 2)
A nível de recursos humanos, os Serviços sub-regionais carácterizam-se por uma
concentração de efectivos na sede e por uma relativamente elevada média etária. As subregiões,
estando entretanto obrigadas a responder a mais questões e em menos tempo,
sofrem da falta de pessoal.
“Aqui há pessoal a menos, nomeadamente pessoal técnico, para executar as novas
medidas de política. Houve muita gente que saiu (...), não houve renovação de
quadros. Saiu gente, saíram funcionários para a reforma e não foram substituídos (...)
Tem havido algumas soluções provisórias para resolver o problema, nomeadamente
a possibilidade de contratar técnicos de serviço social, psicólogos e sociólogos, mas
são pessoas que ficam em situação precária e que vamos lá ver se as coisas
funcionam ! (....) Julgo que [o desajustamento entre a estrutura orgânica e a acção]
vai ser ultrapassado com a saída da próxima lei orgânica.” (CRSS, Dirigente 5).
“Por outro lado a burocracia também aumentou um pouco ultimamente pelo facto de
a região ter passado para... e que se traduz, por exemplo, na morosidade dos acordos
de cooperação. Essa situação contudo não depende das pessoas mas da própria
orgânica interna da Segurança Social” (Dirigente de Misericórdia, 1).
Quanto aos órgão consultivos — os Conselhos Regionais e as Comissões Sub-regionais
— a sua intervenção é praticamente nula nas áreas estudadas. Numa delas, o Conselho não
funciona por dificuldades que só podem ser superadas por via legislativa e a Comissão
Sub-regional não funciona alegadamente por atraso na homologação pelo Secretário de
Estado da lista dos representantes indicados pelas instituições85.
4.3. As práticas de actuação da Segurança Social
As prestações da Acção Social podem ser de natureza pecuniária ou em espécie, ou seja,
sob a forma de equipamentos e serviços. De entre as primeiras é de referir, por um lado,
as prestações extraordinárias de apoio a pessoas e famílias em situação de carência
económica ou social, que os CRSS podem atribuir tendo em conta a prova da falta de
recursos do destinatário e a capacidade financeira dos serviços; e, por outro, o subsídio
extraordinário de apoio às IPSS destinado a fazer face a situações em que os meios financeiros
disponibilizados pelos acordos se revelam insuficientes.
As prestações em espécie correspondem a serviços ou a equipamentos, em diferentes
áreas do risco social (valências) prestados por estabelecimentos oficiais ou instituições
particulares que são reconhecidas no quadro do sistema de segurança social.
Destinando-se a Acção Social a prevenir situações de carência, disfunção e exclusão social
e, simultaneamente, a fomentar a integração comunitária, na prática ela tem assumido
preferencialmente uma função reparadora, em detrimento do desenvolvimento daquela
função preventiva (Neves, 1993:124).
A atribuição das prestações da Acção Social, diferentemente da das prestações dos
regimes, assenta num princípio da oportunidade e não num direito subjectivo do cidadão
utente86. A oportunidade refere-se quer à situação particular de risco deste — a falta de
85 O atraso é atribuído ao facto de estar eminente a aprovação de um novo regime orgânico que pretende
alterar o regime dos órgãos consultivos. A falta de nomeação parece não ser uma falta desta gestão.
Também a anterior mantivera a Comissão Sub-regional a funcionar sem que os seus membros tivessem
sido nomeados pelo Secretário de Estado, o que tornava nula a existência legal deste órgão. “Tentei suprir
esta questão criando uma existência própria mas até agora não tive resposta nesta matéria” (CRSS,
Dirigente 1) Quanto ao papel a desempenhar pela Comissão, o mesmo Dirigente admite que ela deveria ter
algum papel fiscalizador e de programação em termos de plano de actividades, mas o maior interesse,
quanto a si, reside no acesso directo à informação e ao diálogo entre as partes.
86 Não obstante, é perfeitamente defensável configurar um direito à assistência social dependente da
verificação de certas condições pessoais e da disponibilidade de recursos. A ser assim, um direito à Acção
Social pode ser exercido judicialmente contra o Estado pelo indeferimento arbitrário ou subjectivo de uma
prestação assistencial. A Lei de Bases (1984), ao considerar que as prestações de Acção Social tendem, com
o tempo, a converter-se em prestações de regimes, pressupõe não só a centralidade dos direitos às prestações
meios tem de ser comprovada — quer à disponibilidade de recursos por parte dos
serviços da Acção Social — estatais ou outros.
Tratando-se, inevitavelmente, de recursos limitados, o seu uso implica uma avaliação de
oportunidade da situação a contemplar que envolve um juízo sobre o nível de prioridade a
que corresponde essa situação.
A imprevisibilidade das situações coloca particulares dificuldades em orçamentar as
despesas da Acção Social, sendo usado, em regra, um procedimento prático que consiste
em orçamentar por referência às despesas dos anos anteriores. Por outro lado, a
atipicidade das situações e o seu carácter personalizado impede uma regulamentação
estrita das condições de atribuição o que explica a necessidade de uma maior intervenção
do aparelho técnico/administrativo da Acção Social para o enquadramento das situações.
A descricionaridade administrativa, podendo ser casuística e arbitrária, apoia-se cada vez
mais em critérios práticos, decorrentes da experiência acumulada de intervenção a nível
local, e eventualmente transformados em critérios de serviço, sancionados por órgãos
administrativos de nível superior (Neves, 1993:57 e ss)87.
Relativamente ao sector do investimento, existem orientações da DGAS quanto à
utilização dos fundos do PIDDAC que vão sendo revistas anualmente, em função de um
conjunto vasto de razões. Na percepção dos técnicos, essas razões vão desde as
necessidades que estão por cobrir ou o diagnóstico sobre os problemas sociais existentes,
até ao partido que está no poder.
“Para 1997, por exemplo, a primeira prioridade foi dada às obras destinadas a apoiar
deficientes (..). Este ano, em termos de orçamento programa continua a prioridade
com a deficiência, mas também para as áreas dos idosos, para a de luta contra a
pobreza, e para projectos do quadro comunitário de apoio” (CRSS, Técnico 5).
A nível das Regiões e Sub-regiões existem também intervenções prioritárias que podem
coincidir ou não com as emanadas da DGAS.
“Em termos das respostas da acção social e dos equipamentos, há uma priorização
feita a nível da deficiência, nomeadamente doentes profundos e à parte dos idosos
num sistema de Segurança Social como, em geral, o alargamento do Estado-Providência. Em certo sentido,
esta filosofia esteve presente na criação do Rendimento Mínimo Garantido que, apesar de constituir uma
prestação “intuitu personae”, é configurado como um verdadeiro direito.
87 Existe uma prática de distribuir a competência decisória em certos domínios com implicações
financeiras de acordo com o estatuto hierárquico. Assim, para a atribuição de subsídios eventuais foram
estabelecidos os seguintes limites: Directores das Sub-regiões até 300 000 escudos; Chefe de Divisão da
Acção Social até 100 000 escudos e técnicos de serviço social até 10 000 escudos (CRSS, Dirigente 1).
em situação terminal, que é também um problema que se vem colocando cada vez
com mais gravidade. E por outro lado também em relação às crianças em risco,
portanto todo aquele tipo de serviços que têm que ver com acolhimentos
temporários. (...) E uma outra área que é importante, são os idosos que estão nos lares
lucrativos e em relação aos quais têm de ser criadas respostas imediatas por
necessidade de encerrar os lares lucrativos, pela má resposta, ou pelas insuficientes
condições em que os mesmos estão colocados” (CRSS, Dirigente 5)
Em geral, reconhece-se a dificuldade em elaborar planos de intervenção de médio prazo,
dada a evolução rápida dos problemas da sociedade. No actual momento a grande
prioridade em termos de Acção Social parece ser o Rendimento Mínimo Garantido, uma
vez que a medida pode representar um importante factor de desenvolvimento e, por seu
turno, veio favorecer a coordenação das acções dos serviços locais pertencentes a
diferentes Ministérios (Segurança Social, Saúde, Educação, Emprego, etc.) e às autarquias
e também de outras instituições não governamentais. É importante realçar que a
introdução da política do RMG trouxe consigo uma nova filosofia de intervenção que
aproxima os técnicos da sociedade e, portanto, constitui uma ocasião para alterar as
mentalidades dentro dos serviços e para estimular o trabalho em rede e as solidariedades
que integram a ideologia profissional de muitos quadros técnicos dos CRSS.
Apesar de ser um sector de difícil regulamentação e programação, a Acção Social tem
suscitado, da parte da DGAS e do Ministério, a definição de algumas prioridades ou
orientações que se pretende que os serviços regionais sigam. Por exemplo, em matéria de
apoio à população idosa, uma orientação recente procura priorizar a assistência
domiciliária relativamente a outras soluções que impliquem a separação do idoso da sua
família ou da sua residência, tal como o internamento em lares.
4.3.1. Domínios de intervenção exclusiva dos Centros
A Acção Social está cada vez mais a ser assumida por instituições estranhas aos CRSS,
sejam elas as IPSS´s ou outras, como as autarquias ou as organizações não
institucionalizadas. Existem domínios de actuação, contudo, que continuam a ser
desenvolvidas em exclusivo pelos Centros e que interessa conhecer.
Por um lado, existe um deles — o sector da reabilitação de deficientes — que não tem
encontrado resposta fora do sector público de assistência. Por outro lado, existem
instrumentos de actuação que os Centros guardam ciosamente na sua competência, como é
o caso dos subsídios eventuais.
“Há uma área que é nossa e que as IPSS não têm de facto que é a reabilitação. (...)
Não conheço nenhuma IPSS que assegure isso, asseguram outras respostas no
âmbito da deficiência, mas não a reabilitação, mas não estou a ver outras de facto.
(...) Em termos de subsídios eventuais nós atribuímos em exclusivo, quer dizer, não
há ninguém que atribua subsídios eventuais a famílias carenciadas ou a agregados
familiares. [Trata-se de uma área que se] virá a reduzir, porque os subsídios
eventuais passarão a ser complementaridades do rendimento mínimo garantido. Só
que há (...) uma faixa grande da população, que não são os excluídos, são os
remediados, são os pobres para os quais é muito importante a atribuição dos
subsídios eventuais.(...) Complementamos muito as fracas pensões dos regimes e
sobretudo talvez na área da saúde, em que sejamos um complemento que é
exclusivamente também nosso. Nós pagamos muitos medicamentos, muitas
próteses, muitos internamentos, muitas comparticipações na área da saúde, sobretudo
na terceira idade, na população mais idosa e que vive apenas da sua pensão de
reforma” (CRSS, Dirigente 5).
4.3.2. Conhecimento da realidade e planeamento da intervenção
As entrevistas realizadas a técnicos e dirigentes mostraram claramente que não existem
levantamentos sistemáticos e actualizados que permitam carácterizar o risco social à
escala local, das freguesias e dos concelhos, alegadamente, por falta de recursos.
O conhecimento que existe da realidade é incompleto e pessoal, no sentido em que, não
existindo a obrigação de o reduzir a forma escrita e o tornar acessível a quem quer, esse
conhecimento acaba por ficar confinado aos técnicos com experiência de terreno.
“Temos algum conhecimento, mas não é o conhecimento que nós gostaríamos de ter.
O diagnóstico não é tão perfeito como nós entendiamos que devia ser até pelas
verbas que são investidas. É evidente, por exemplo, se me aparecesse aqui uma
instituição que queria agora criar uma creche de 100 crianças em [localidade
identificada], eu dizia não pode ser. E não dizia que não pode ser porque sou
teimosa, não. Dizia que não pode ser porque tenho alguns dados que me levam a
dizer porque não, não é? Claro que nós jogamos com o Censo, jogamos com a mãode-
obra feminina, eu estou a falar aqui a propósito da infância.” (...) “Não há um
planeamento como deve haver, exaustivo. Não há... Eu não tenho o retrato, digamos
assim, para pôr a questão, eu não tenho um retrato bem nítido, com a nitidez que
nós gostaríamos de ter das 200 e tal freguesias do distrito neste momento. Está um
bocadinho desfocado...” (CRSS, Dirigente 2)
“Ao nível da sub-região há um trabalho técnico. Nomeadamente a maioria dos
técnicos que existem aqui já tem largos anos e houve sempre aqui um trabalho de
dividir técnicas por concelhos. Neste momento ainda temos uma distribuição
geográfica, infelizmente não com a cobertura desejada. Já não é possível ter uma
técnica por concelho embora as autarquias e outras instituições também tivessem
admitido pessoal técnico o que minimiza esta questão. Há um trabalho já longo feito
pela maioria das técnicas desta casa por concelho e, portanto, não direi se é de uma
forma ordenada, se está tudo bem feito, se está tudo metido no computador, mas há
visão clara de eventuais bolsas de exclusão mais sentidas nos concelhos” (CRSS,
Dirigente 1).
“Uma resposta rápida: não existe nenhum levantamento” (CRSS, Dirigente 3)
Alguns critérios técnicos, baseados em estudos não sistemáticos nem actualizados,
permitem fundamentar as decisões, por exemplo, de criar uma nova valência num dado
local. No entanto, faltam sociólogos e psicólogos para apoiar o trabalho de terreno
realizado por técnicos de serviço social que se desdobram em mil e uma actividades.
A nível sub-regional, os serviços de Acção Social participam na elaboração de planos de
actividades, mas estes normalmente não são cumpridos dada a falta de meios. Os planos
obedecem a certas directrizes superiormente estabelecidas e às prioridades definidas
localmente, em função dos problemas detectados e há que reconhecer que, hoje em dia,
existe uma maior consciência das limitações de trabalho e financeiras quando se elabora um
plano88.
“Embora tenhamos aqui um gabinete de apoio técnico, ainda não conseguimos pôr
em prática todos os instrumentos necessários para fazer um bom plano de
actividades. O que acontece — e isto não é exclusivo deste serviço público — é que
a pressão a que os serviços estão sujeitos mal lhes permite ter tempo para planear e
para avaliar. Ou seja, tudo neste caso é superficial e não tenho os meios necessários,
quer humanos, quer técnicos, quer de tempo fundamentalmente para realizarmos um
plano de actividades com cabeça, tronco e membros e aquilo que possamos
realmente avaliar” (...) “Embora haja um plano de actividades, ele é quase indicativo
mas depois a avaliação não surge e é quase algo para encher o formulário legal do que
propriamente para fazer uma avaliação séria e um trabalho seguro sobre o mesmo”
(CRSS, Dirigente 1).
88 “Já houve tempo em que se fizeram planos de actividade que eram lindíssimos, mas nós no final do ano
sentíamos uma enorme frustração porque não tínhamos tido tempo para realizar as tarefas (..)O
departamento de Acção Social fez um plano de actividades para 1997 em que só para novas iniciativas nós
precisávamos de 400 mil contos. Claro que quando nos disseram ‘não têm 400 mil, têm 240 mil’ nós
tivemos que adaptar o plano das nossas actividades às restrições financeiras. Por conseguinte, há um
conjunto de dados que têm de ser jogados no momento do plano de actividades” (Técnica CRRS).
“Não existem estudos, socorremo-nos das estatísticas que são muitas vezes fictícias,
que não estão actualizadas atempadamente, para fundamentar os investimentos. Era
tudo um bocado de acordo com a dinâmica...” (CRSS, Dirigente 3).
“Temos [planos de actividades]. Não tão bem elaborados como eu gostaria que
fosse. Devido realmente às dificuldades que temos. Não vale a pena estar a elaborar
grandes planos e depois não ter aplicabilidade por falta de alguns recursos (CRSS,
Dirigente 2).
A ausência de planos gerais de actividade inviabiliza, na prática, a realização de uma
avaliação mais rigorosa das actividades. Para certas iniciativas, nomeadamente as que se
inserem em orçamentos-programa, são preparados relatórios trimestrais de execução
simplificados, isto é, em que apenas se dá conta se a acção foi executada, retardada, adiada
ou suspensa e das respectivas razões. Na Acção Social fazem-se relatórios apenas relativamente
a algumas actividades planeadas anualmente e uma reduzida avaliação:
“Não temos [relatórios de execução]. Isso é uma falha grande que temos. É uma falha
grande que temos porque mesmo no acompanhamento pontual, como eu falei ainda
há bocado, devia haver uma avaliação e não temos tido hipóteses de fazer isso”
(CRSS, Dirigente 2).
“Faz-se alguma avaliação, mas não é uma avaliação... isto mais uma vez porque
quando nós devíamos estar a fazer a avaliação já estamos a fazer o programa do ano
seguinte e já estamos a responder aos serviços de acção financeira porque aconteceu
não sei o quê”. (CRSS, Dirigente 2)
“Os planos, quanto a mim, são demasiado vagos nos seus objectivos, o seu
cumprimento fica sempre dependente do critério do observador” (CRSS, Dirigente
3).
O que podemos concluir destes depoimentos ? Para além das limitações de meios,
generalizadamente invocadas, o que se torna mais flagrante é a reduzida interiorização, por
parte dos responsáveis, da importância de dispor de instrumentos rigorosos que permitam
fundamentar as decisões e avaliar os resultados da actuação dos serviços. Nem a afirmação
do reconhecimento da necessidade de dispor de planos, relatórios e estudos parece
mobilizar os responsáveis dos serviços para o conseguir, tornando-se patente a atitude de
conformismo perante a situação.
4.3.3. Colaboração com serviços dependentes de outros Ministérios
A colaboração com serviços dependentes de outros ministérios reveste a maior parte das
vezes carácter informal, isto é, raramente assume a forma de protocolo. Em geral, essa
colaboração tem vindo a aumentar, mas nota-se ainda uma enorme dependência de relações
interpessoais entre quem está à frente dos serviços que, frequentemente, não se subordinam
a uma lógica estritamente funcional.
No plano informal, são sobretudo os técnicos de terreno que conseguem fazer avançar a
cooperação inter-institucional, por entre os escolhos do imobilismo, da indiferença e das
rivalidades que pontuam as relações entre os diferentes serviços do Estado.
“Durante muito tempo havia um grande esforço da parte dos técnicos. Por
conseguinte, os técnicos da Segurança Social, os da Saúde e os do Emprego
entendiam-se muito bem entre eles, mas os técnicos não têm poder de decisão. Se as
chefias de topo também não se entenderem, a cooperação não se faz. Quer dizer,
faz-se ao nível técnico, mas quando é preciso tomar decisões aí começa já a falhar. E
o sinal veio hoje, por exemplo, da reunião com as autarquias e da reunião que
estamos a fazer com os representantes... Hoje começa a haver muito mais cooperação
entre os serviços e articulação entre os serviços, também ao nível da gestão dos
serviços. E penso que isso é um salto qualitativo para... Realmente os serviços
começaram a trabalhar de uma forma diferente e de uma forma mais articulada.”
(CRSS, Dirigente 2)
“Não estou muito preocupado com o futuro porque verifico que a maioria das
autarquias começou também a ter uma grande sensibilidade para as áreas da Acção
Social (...) e estão a colocar técnicos de serviço social nos seus quadros (...) Agora já
se estabelecem relações entre as técnicas das câmaras municipais, outras instituições
e nós mesmos” (CRSS, Dirigente 1).
Hoje a prática de colaboração interinstitucional no domínio da protecção social é cada vez
mais corrente e começa a desenvolver-se mesmo uma cultura de cooperação ainda
recentemente desconhecida. Para isso contribuíram decerto os diversos projectos de
intervenção local que exigiam a participação de diversos parceiros com actividade no
terreno. Os aspectos positivos desta nova atitude das instituições são comummente
reconhecidos.
“E eu acho que é mais saudável assim. Primeiro as pessoas entendem-se. Depois
então vamos pôr isto no papel. Porque se nós fizermos um protocolo para ninguém
cumprir, não vale a pena fazer o protocolo. Então vamos começando a cumprir e
depois, então, vamos formalizar isto. Estamos a começar assim. Se calhar é melhor,
até porque as pessoas não se conheciam e agora começam-se a conhecer cara a cara.
Eu, por exemplo, sei que havia Presidentes de Câmaras que não sabiam quem era o
Director do Serviço Regional, e o Director do Serviço Regional não conhecia os
Presidentes de Câmaras! Agora que se conhecem fisicamente é mais fácil, a seguir,
fazer o protocolo. (...) Eu penso que há uma cultura diferente que está a nascer dentro
dos serviços. Aliás, isto é uma fatalidade porque se não for assim a gente não vai
a lado nenhum, não é?” (CRSS, Dirigente 2)
4.3.4. Recursos humanos e técnicos
O esvaziamento dos serviços é o aspecto mais referido pelos responsáveis e pelos
técnicos. Num dos serviços sub-regionais estudado, só nos últimos quatro anos saíram
cerca de 130 funcionários, o que tornou a situação insustentável:
“Se não se refrescar o sistema dificilmente conseguimos alcançar as metas. E a
pressão, as metas cada vez são maiores. Este ano tivemos o RMG, as prestações
familiares selectivas, o plano Mateus, tudo em épocas muito próximas e está a exigir
um esforço tremendo dos funcionários” (CRSS, Dirigente 1).
Existe uma consciência muito clara de que o pessoal técnico não consegue dar resposta aos
pedidos que lhe são dirigidos.
“O departamento de acção social neste momento tem um número de pessoal muito
restrito e de facto, há dificuldades mesmo no apoio a algumas instituições que
pedem o nosso apoio mas que ele é limitado. Portanto, não temos pessoal suficiente
para isso” (CRSS, Técnico1).
Em outro distrito, com 19 concelhos e cerca de 700 000 habitantes, o sector de Acção
Social conta com 35 técnicos (dos quais 30 são técnicos de serviço social).
“A carga de tarefas que nos estão atribuídas e o reduzido número de elementos a
trabalhar no departamento de Acção Social impede-nos de ter uma ligação muito
próxima com as instituições, porque isso exige uma deslocação, com alguma
regularidade aos locais. (...) Só quase em situação extrema, quando temos mesmo
algum assunto que exige a deslocação à instituição. Isto infelizmente, porque houve
tempos que não era assim. Tínhamos uma relação muito próxima com a instituição e
podíamos dar-lhe o apoio técnico com alguma qualidade. Neste momento não (...) À
medida que os técnicos se foram reformando ninguém os substituiu. Neste momento
temos 4 técnicos no quadro a trabalhar no terreno, por todo o distrito e, portanto, é
humanamente impossível. Há instituições onde nós vamos uma vez por ano, quando
há necessidade extrema para dar andamento a algum assunto que nos é posto por escrito”
(CRSS, Técnico 5).
A perspectiva de entrada de um número elevado de novos técnicos para apoiarem a
execução do Rendimento Mínimo Garantido (RMG) dificilmente alterará este quadro,
porquanto o RMG é muito consumidor de recursos humanos e dificilmente permitirá que
esses técnicos possam ser deslocados para outras actividades. Inclusivamente, numa fase
inicial prevê-se que os técnicos da Acção Social apoiem a integração e formação específica
dos recém-chegados, o que não deixará de se reflectir nas rotinas de trabalho desses
técnicos. É preciso não esquecer que o universo dos beneficiários do RMG é apenas uma
(pequena) fracção do dos beneficiários da Acção Social89.
Existe a preocupação de conferir, apesar de tudo, uma certa polivalência a este pessoal:
“O que estamos a tentar na Sub-região (...) — embora se reconheça que nesta fase é
tudo para o RMG — é que de algum modo estes novos técnicos tenha uma função
mais generalista, ou seja, não olhem só para o RMG mas estabeleçam aquilo que a
Acção Social necessite, nomeadamente a nível dos concelhos (...) isto é, não poderão
descurar outras problemáticas da Acção Social” (CRSS, Dirigente 1)
Nalguns sectores, a falta de recursos humanos é particularmente sentida. É o caso dos
acordos de cooperação e das IPSS que têm vindo a aumentar e relativamente aos quais se
reconhece não haver qualquer possibilidade de fazer um acompanhamento sério.
“Há contudo uma área que me preocupa e isto é claramente uma área descuidada
porque não temos meios para tal. É que neste distrito há mais de 250 IPSS e
deveriam ter da nossa parte uma acção fiscalizadora que não têm. E aqui o trabalho
social tem de ser central, não para pôr em causa o trabalho que é desenvolvido
nestas instituições mas para suprir, vigiar, fiscalizar comportamentos que possam
afastar ou pôr em causa ou em risco determinados comportamentos das crianças,
dos idosos ou de outros. (...) É impossível, nesta fase, dar uma cobertura dessa
natureza, além dos tradicionais e clássicos apoios. Também a este nível poderá haver
algumas alterações em termos futuros” (CRSS, Dirigente 1)
“Mensalmente este serviço vai pagar, pelas instituições, cerca de meio milhão de
contos. Meio milhão de contos mês. Essa dinâmica é como uma faca de dois gumes.
Por um lado as pessoas e as instituições avançam, criam equipamentos e avançam
com a construção de equipamentos, mas por outro lado, obrigam a respostas e,
muitas vezes, oficialmente são difíceis de dar” (CRSS, Dirigente 2).
4.3.5. Margem de autonomia dos técnicos de Acção Social
89 Basta considerar as recentes estimativas sobre o universo da pobreza em Portugal, para comprovar a
afirmação (MQE, 1996).
Precisamente porque o tipo de actuação no terreno que carácteriza as práticas da Acção
Social não obedece a regras muito rígidas, as respostas possíveis são dificilmente
estandardizáveis, a urgência da resposta é quase sempre elevada e o número de técnicos é
reduzido em face das necessidades, torna-se desejável por razões operacionais que os
técnicos de Acção Social possam gozar de uma razoável margem de autonomia de decisão
no desempenho das suas funções. Se bem que a autonomia técnica dos profissionais de
serviço social seja, em regra, reconhecida (o que não quer dizer necessariamente que seja
respeitada), este tipo de autonomia funcional não o é suficientemente.
“Em termos de trabalho, em termos de competência técnica e de opinião técnica, têm
a autonomia toda, obviamente. A restrição em termos de deferimento dessas ajudas
(...), o técnico faz a proposta, consoante os casos, faz a proposta que entende,
junto, neste caso, da chefe de divisão da Acção Social. A chefe da divisão da Acção
Social tem determinada autonomia em que pode directamente deliberar e despachar e
a partir daí tenho eu” (CRSS, Dirigente 1:11).
“Historicamente há um pouco a ideia de que o chefe é que despacha financeiramente.
Já fiz delegação de competência no chefe de divisão e estaria até disponível para
avançar com plafonds até ligeiramente maiores mas o que se verifica é que as pessoas
não querem esta responsabilidade financeira e preferem que o chefe defira esses
montantes. É uma tradição da administração publica. O grau de autonomia pareceme
suficiente e eu não abdico de ouvir os técnicos” (CRSS, Dirigente).
A questão da distinção entre competência técnica e competência de decisão tem relevância
quando analisada à luz de uma estrutura organizativa e funcional dos serviços que assenta
numa dualidade essencial: ela integra um corpo profissional com uma competência técnica
socialmente reconhecida fora da instituição e um corpo de administradores com uma
competência de gestão económica, financeira e política. O que pode acontecer é que razões
que relevam deste segundo domínio de competências — razões de ordem económica,
financeira ou política — se sobrepõem a razões técnico-sociais.
Nas entrevistas, procurou-se detectar situações em que critérios técnicos tivessem entrado
directamente em conflito com critérios administrativos e políticos e em que, portanto, a
questão das competências estivesse em causa. Tratando-se de um domínio sensível da
prática dos serviços, há a consciência de que se ficou aquém do que importaria conhecer
sobre o assunto, uma vez que as respostas traduzem, de parte a parte, uma enorme
cautela.
Segundo o Director de uma das Sub-regiões estudadas não se verificou no seu mandato nenhuma
situação em que um parecer negativo do técnico tivesse sido desatendido e apenas
um em que um parecer positivo do técnico foi mandado reavaliar por envolver um
montante de financiamento considerado manifestamente exagerado. Por sua vez, um dos
técnicos entrevistados, afirmou:
“O serviço deu-nos sempre margem para podermos actuar junto da instituição,
procurar criar na instituição e a prova é que temos tido um bom trabalho e até uma
boa relação sempre com as instituições e pessoas. Não tenho memória de conflitos a
esse nível” (CRSS, Técnico 5).
4.4. A relação dos serviços de Acção Social com os cidadãos
Embora esta questão das relações entre os serviços e seus utentes já tenha sido abordada a
propósito dos resultados do inquérito aos cidadãos com contacto com o sistema de
protecção social (supra, 2.1.) e às famílias em risco social (supra, 2.2) justifica-se que ela
seja retomada para a circunscrever ao domínio da Acção Social dos CRSS.
4.4.1. As trajectórias dos cidadãos no interior dos serviços
Se se restringir a análise aos pedidos que não se configuram como subsídios (apenas 1/4 do
total dos pedidos) e se assumir que aí se contêm os casos de contacto com os serviços de
Acção Social, os resultados a que se chega assumem reduzida relevância estatística dado o
número limitado de casos.
Ainda assim, alguns resultados permitem detectar a existência de um tipo de relação com
os serviços diferente quando se trata de obter ajuda assistencial ou prestações sociais:
— A proporção dos pedidos que não foram atendidos no primeiro contacto foi muito
superior (mais do dobro) nos casos de ajuda assistencial em relação aos de prestações
sociais (16,8% contra 7,7%);
— A falta de “boa vontade” do funcionário constitui uma razão muito mais forte para
explicar a recusa do pedido nos casos do primeiro tipo (26,3% contra 17,9%),
enquanto que a consciência de “não ter direito” se apresenta menos forte (21,1%
contra 38,5%).
— A “boa vontade do funcionário”, como razão atribuída para a resolução imediata do
primeiro pedido, foi também muito mais elevada nos casos de ajuda assistencial
(15,9% contra 4,4%); enquanto que a razão “ter direito” foi muito mais baixa (24,4%
contra 43,4%)
— A resolução “apenas parcial” do problema verificou-se em 35,5% nos casos de ajuda
assistencial, contra 6,5% nos casos de pedidos de prestação social.
De acordo com estes dados, essa relação implicaria, por parte dos utentes da Acção Social,
uma representação das ajudas como produto da boa vontade dos serviços e uma baixa
consciência do direito a ser assistido e saldar-se-ia, em geral, por uma menor capacidade
dos serviços de Acção Social de resolverem os problemas.
4.4.2. A informação aos cidadãos
Um aspecto importante na avaliação da actuação dos Centros tem a ver com a informação
que é prestada aos cidadãos sobre os apoios concedidos pelo Estado e com a forma como
essa informação é disponibilizada.
Quanto a esse aspecto, a informação recolhida resultou não só das entrevistas a dirigentes
e a técnicos dos CRSS mas ainda das respostas ao inquérito aos cidadãos com contacto
com o sistema e das entrevistas a cidadãos em risco. Procurou-se, designadamente, saber
se existe, por parte dos Centros, alguma prática restritiva da difusão da informação
relativamente a programas escassamente dotados de financiamento.
Previsivelmente, a imagem que se colhe da primeira fonte de informação (entrevistas ao
pessoal dos Centros) contrasta com a que se colhe do inquérito e das entrevistas aos
cidadãos. Segundo os dirigentes, embora se reconheça que a informação é ainda
insuficiente, os cidadãos acabam por conhecer as ajudas quanto mais não seja depois de
“baterem às várias portas”. Por sua vez, nega-se qualquer ocultação de informação ou
negligência na divulgação de programas de apoio a cidadãos em risco, mas aponta-se, a
propósito, as consequências negativas da divulgação de medidas para as quais não existe
depois suficiente capacidade de execução.
“Considero que a informação que se presta aos cidadãos sobre os apoios concedidos
pelo Estado é ainda insuficiente. Claro, quem necessita de apoio vai sempre batendo
em todas as portas e acaba por se informar. [Sobre a existência de limitações à
informação] de momento não existe nenhuma orientação nesse sentido, se bem que
há sempre situações em que a excessiva divulgação levou as IPSS a um dinamismo
que excedeu todas as expectativas, como é o caso do ‘INTEGRAR’ e excedeu
também os orçamentos. Às vezes deveriam existir orientações para limitar, mas não”
(CRSS, Dirigente 3).
“Não há limitação nenhuma, o que, realmente, tem criado aí situações que há muita
procura e depois não há resposta. (...) Todas as instituições têm perfeito
conhecimento, pela nossa parte. São devidamente informadas. Aos cidadãos talvez
não chegue” (CRSS, Dirigente 2)
“Temos no nosso orçamento verbas para atender esses casos [subsídios eventuais].
Temos todo um esquema montado e um manancial de ajuda, muitas vezes talvez não
seja muito divulgado, mas as pessoas muitas vezes não sabem ou não conhecem os
acessos, os meios directos que têm” (CRSS, Dirigente 2)
Os dados do inquérito mostram que, para a maioria dos inquiridos, a ocorrência, no
agregado familiar, de um acontecimento produtor de risco não corresponde
necessariamente à procura dos serviços e à obtenção de um apoio de assistência social e
que, em parte, esta discrepância resulta do desconhecimento dos apoios concedidos pelo
sistema. Apesar de se tratar de pessoas que tinham já tido um contacto com o sistema,
ainda assim, a percentagem de inquiridos que afirmou desconhecer algum dos apoios ou
prestações existentes para um dos problemas que atingiu o seu agregado é de 6,3%, sendo
que 10% “pensa que não tem direito” aos benefícios, embora não tenha procurado
informação que lhe permita confirmar este facto (vd. supra, 2.1.6.).
A imagem que nos é dada pelos cidadãos entrevistados é ainda mais expressiva. Como já
vimos anteriormente, grande parte da população carenciada desconhece os seus direitos
como cidadãos, muitas das regalias sociais que estes indivíduos poderiam usufruir não são
pura e simplesmente reivindicadas (vd. supra, 2.2.4.).
Mais, é frequente desconhecer-se os serviços que podem prestar apoio em caso de
necessidade, sendo que esse desconhecimento é tanto mais provável quanto mais os
indivíduos estejam isoladas ou distantes dos serviços.
5. CONCLUSÕES
5.1. Os cidadãos e o risco social
Em termos muito gerais, pode dizer-se que um sistema de segurança social protege dos
riscos sociais que à luz das concepções políticas, sociais e culturais de cada conjuntura,
sejam considerados relevantes. Mesmo quando existam normas constitucionais, como no
caso português, que asseguram a protecção para certos tipos de riscos expressamente
enunciados, a natureza e o âmbito da protecção efectuada podem variar muito ou podem
não existir mesmo quaisquer medidas destinadas a dar aplicação a tais normas.
Resultam daqui duas consequências que se pretendeu valorizar no presente estudo:
primeiro, a de que podem existir riscos sociais importantes que não estejam a ser
contemplados — ou não estejam a ser contemplados adequadamente — pelo sistema de
segurança social; segundo, a de que a protecção do risco contemplada pelo sistema, através
de medidas adequadas, pode não chegar efectivamente aos cidadãos que dela careçam.
Tomando a eventualidade destas duas consequências como hipóteses a investigar, foram
escolhidas as populações de cinco zonas do país, distintas pelas suas carácterísticas socioeconómicas,
para testar a adequação do sistema às situações reais de risco (vd. supra 1.2.).
Primeiro, foi inquirida uma amostra de cidadãos, que se sabia terem tido contacto recente
com o sistema de segurança social, sobre os seus problemas, os pedidos que dirigiram ao
sistema e a protecção recebida deste. Depois, foram entrevistadas famílias com problemas
sociais graves, acerca do modo como enfrentaram esses problemas e acerca das ajudas
(institucionais ou não) mobilizadas para o efeito.
Importa considerar que as particularidades do Estado-Providência português e dos agentes
implicados na concepção e execução das políticas públicas perpassam e são reforçadas ao
longo do estudo efectuado. Assim, a fragilidade do Estado-Providência convive com a
fragilidade das formas mais ou menos institucionalizadas de solidariedade social, apesar da
expressão numérica destas. Parte desta convergente fragilidade consiste na relação que se
tem estabelecido entre a natureza e alcance do sistema provisional (através da sua
pluralidade de agentes e respectivas práticas) e uma concepção mitigada de pobreza e
exclusão social, que basicamente se faz equivaler a privação material, secundarizando mais
ou menos explicitamente as dimensões da autonomia e do poder (Friedman, 1996; Costa,
1998). É este o contexto onde se deverão enquadrar as trajectórias dos cidadãos em risco
social e as respostas das instituições.
5.1.1. As respostas institucionais e as trajectórias dos utentes
Os dados do inquérito revelaram que existe um conjunto relativamente circunscrito de
problemas que concentram a grande procura do sistema de segurança social. São eles a
doença, a invalidez, a maternidade e o desemprego (todos acima dos 10% e totalizando
cerca de dois terços dos problemas, em geral, recenseados). Outros problemas ou formas
associadas de manifestação destes problemas parecem ficar de fora do sistema e, adiantando
já uma conclusão retirada da análise das entrevistas, precisam de uma resposta
adequada à sua complexidade porque se relacionam estreitamente com situações de
pobreza e exclusão persistentes.
A resposta mais corrente: uma ajuda financeira
Dado que o contacto com o sistema da segurança social implica transformar o problema do
indivíduo ou do seu agregado num pedido efectivo de apoio junto dos serviços, o inquérito
revela também que os indivíduos utilizam o sistema sobretudo para obter ajuda financeira.
Mais, verificou-se que esta tendência para traduzir os problemas em pedidos de subsídios
é extensiva à maioria das situações que levam os indivíduos a procurar apoio.
Dos dados recolhidos, pode concluir-se que o tipo de problemas que as pessoas apresentam
como motivo para procurar o apoio do sistema e o tipo de pedidos que fazem
junto dos serviços são reveladores de um sistema que existe sobretudo para dar resposta
aos que conhecem razoavelmente o seu funcionamento.
Respostas parciais para problemas globais
Por seu turno, quando se confronta a informação obtida, nos mesmos terrenos de inquirição,
através do inquérito e através das entrevistas aprofundadas, sobressai nitidamente o
contraste entre os problemas sociais que afectam as populações e aqueles que as levam a
procurar o sistema (ver supra ponto 2.2.). Perante a complexidade dos problemas que
afectam a vida dos cidadãos, os serviços apenas conseguem dar respostas parcelares, concretizadas
em pedidos de “subsídios” ou “serviços” específicos, não tendo capacidade
para apoiar as famílias de uma forma global, permitindo-lhes ultrapassar situações de
pobreza e exclusão social.
A ajuda estatal na primeira linha da procura
Pormenorizando um pouco mais os resultados obtidos, verifica-se que os Centros
Regionais de Segurança Social são, dentre os organismos do sistema, os mais procurados
em primeiro lugar para resolver o problema (em cerca de 70% dos casos). Das “outras
instituições” que têm um papel importante na resolução dos problemas e no posterior
encaminhamento para o sistema de Segurança Social, destacam-se as ligadas ao sistema de
saúde.
Sobre este tema do primeiro recurso escolhido pelas pessoas, detecta-se uma tendência
para a procura dos serviços (e do conhecimento das suas funções) se fundar sobretudo em
processos informais de acesso à informação, e não na intervenção dos próprios serviços
junto da população.
A eficácia das resposta
O inquérito revelou que a maioria dos pedidos foi atendida no primeiro contacto e um
terço ficou a aguardar resolução na instituição, mas uma percentagem ainda significativa de
pedidos (11,2%) não foi atendida. A eficácia da resposta dos serviços parece depender do
tipo de pedido que os indivíduos fazem. Os pedidos que são atendidos no primeiro
contacto são sobretudo os pedidos de subsídios, que, em geral, correspondem à reivindicação
de um direito.
Esta carácterística de funcionamento do sistema revela a sua tendência para responder,
principalmente, aos utilizadores que conhecem os seus direitos e sabem exactamente o que
pedir quando se dirigem aos serviços, em detrimento de uma capacidade para dar resposta
a situações de necessidade de apoio social que não se concretizem em benefícios
standardizados e imediatamente reconhecíveis pelo sistema.
Uma baixa expectativa dos utilizadores
Relativamente aos resultados do contacto com os serviços a maioria dos inquiridos
“conseguiu o que pretendia”. Quando se analisam as razões apresentadas para estes
resultados ou, no caso inverso, para o não atendimento, denota-se a presença de uma
concepção dos serviços em que não prevalecem os direitos de cidadania, mas sim uma
lógica de relações interpessoais entre funcionários e indivíduos que “pedem” favores.
É necessário sublinhar que a coincidência entre a resolução do problema e a satisfação do
pedido feito aos serviços, que é aqui revelada, está também relacionada com as
expectativas iniciais dos utilizadores. Como se viu, a maioria dos inquiridos quando se
dirige aos serviços tem sobretudo como objectivo obter um subsídio ou ajuda financeira,
pelo que, uma vez satisfeito este objectivo, a maioria considera o seu problema resolvido.
Os resultados do inquérito revelam ainda que a alternativa para a resolução dos problemas
através do recurso ao sistema formal de protecção social reside sobretudo nas capacidades
individuais e nas redes informais de solidariedade. A maioria dos inquiridos que não
obteve uma resposta favorável para o seu problema resolveu-o pelos seus próprios meios,
contou com a ajuda da família ou de conhecidos e apenas uma minoria muito reduzida encontrou
resposta numa outra instituição.
Uma avaliação positiva do sistema
Independentemente das razões por que o fazem, de um modo geral, a avaliação que os
inquiridos fazem do sistema é positiva, para qualquer dos itens considerados
(“atendimento”, “rapidez” e “papelada”), sendo largamente maioritária a percentagem dos
que avaliam com “bom” ou “regular” a prestação dos serviços.
Dentre os resultados que mais penalizam os processos de resposta dos serviços
encontram-se sobretudo os que se referem à morosidade da resposta. Ao mesmo tempo
sobressai uma avaliação positiva do “rosto humano” do sistema.
5.1.2. O risco social e as estratégias de enfrentamento
Os resultados anteriores, colhidos de uma amostra de utilizadores do sistema, clarificamse
ao serem confrontados com os resultados das entrevistas, feitas nas mesmas zonas, a
cidadãos colocados em situação de risco social agravado.
A complexidade das situações e a diversidade dos problemas
A primeira nota que ressalta da análise das entrevistas a estes cidadãos é o facto de a
maioria dos respectivos agregados viver situações de risco social extremamente complexas
que não permitem isolar um evento ou factor de risco. Pelo contrário, estas famílias
apresentam trajectórias de vida que combinam uma multiplicidade de problemas sociais,
como a precaridade económica provocada pelo desemprego e pelos baixos rendimentos
monetários, as más condições de habitação ou as deficientes condições de saúde.
Trata-se de famílias que não apresentam apenas um problema, mas antes congregam
diversos factores de risco, que se alimentam continuamente, contribuindo para a manutenção
de situações de exclusão social. Para além da multiplicidade de problemas é
assinalável também a sua diversidade. Incluem-se entre os mais correntes — e
generalizados a praticamente todos as zonas estudadas — os baixos rendimentos, a precaridade
do emprego e o desemprego, as más condições de habitação, os baixos níveis de
escolaridade, as debilidades da saúde, o alcoolismo e a toxicodependência, a instabilidade
familiar, o encargo com dependentes e o isolamento social.
Em geral, conclui-se que a grande maioria das pessoas entrevistadas tinha já atrás de si um
passado de pobreza. Nas histórias de vida destas famílias, a pobreza e a exclusão social
reproduz-se ao longo das gerações, sem que exista capacidade de as superar. Na ausência
de qualquer investimento na escolaridade e na qualificação profissional, resta para estas
famílias, de pais para filhos, entrar precocemente no mercado de trabalho para ocupar as
posições mais desqualificadas, o emprego precário e sem regalias sociais.
Pobreza rural e pobreza urbana
Mais uma vez encontramos, neste ponto, algumas divergências relativamente ao contexto
urbano e rural. Embora a trajectória de pobreza seja comum, as comparações relativamente
às situações passadas divergem.
Enquanto nos meios rurais a pobreza do passado é referida como bastante mais dura do
que a de hoje — os padrões de reprodução situavam-se nos limites da sobrevivência—,
pelo contrário, em meio urbano, grande parte da população entrevistada diz que nunca
conheceu tempos tão difíceis como os de agora, ou porque os rendimentos diminuíram, ou
porque surgiram novos problemas que vieram aumentar as despesas, nomeadamente
problemas de saúde e toxicodependência.
Enquanto a pobreza das famílias aldeãs se relaciona hoje claramente com um quadro de
envelhecimento (baixas pensões de reforma, problemas de saúde e de dependência e
problemas de isolamento), a da população urbana advém das transformações do espaço
urbano e das novas dinâmicas económicas (desaparecimento de certas actividades
industriais e pequenas oficinas tradicionais, novos empregos sem correspondência com as
carácterísticas e qualificações profissionais da população local mais desfavorecida) e
manifesta-se no desemprego e na precaridade do emprego, nas condições de habitação, nos
baixos níveis de escolaridade, no alcoolismo, na toxicodependência e na instabilidade
familiar.
Estratégias comuns de enfrentamento
Da análise das entrevistas sobressai, a par dos problemas acima descritos, a capacidade
destas famílias ultrapassarem condições de vida extremamente adversas. Perante situações
de extrema precaridade material e de exclusão social, a população estudada revela, por um
lado, um imenso conformismo perante situações dramáticas do ponto de vista económico
e social e, por outro lado, uma enorme capacidade para enfrentar e superar essas situações.
Algumas das principais estratégias desenvolvidas pelas famílias para fazer face aos
problemas que enfrentam quotidianamente passam pelo alargamento da jornada de
trabalho e pela diversificação das fontes de rendimento (incluindo o aproveitamento do
trabalho infantil), por uma redução drástica das despesas e dos consumos, pelo
accionamento de redes de entreajuda e de solidariedade e pela utilização das mais diversas
modalidades de ajuda institucional. Em geral, essas estratégias são usadas cumulativamente
e, mesmo assim, dificilmente permitem eliminar o risco da perpetuação das situações de
carência, precisamente porque significam também uma enorme fragilização da condição
física, mental e social daqueles que as desenvolvem.
Os limites da “sociedade-providência”
É importante sublinhar que a "Sociedade-Providência" apresenta também as suas enormes
limitações. Pela descrição das práticas de entreajuda nestas populações, torna-se evidente,
por um lado, a sua fragilidade e precaridade e, por outro lado, a oportunidade de controle
social que proporcionam e a conflitualidade que geram no interior das relações sociais em
contextos marcados pela extrema pobreza.
Acresce que para muitas destas pessoas há uma clara consciência de que os familiares e
vizinhos também são gente pobre e por isso também não podem esperar deles grande
capacidade de ajuda.
Os limites da ajuda institucional
No domínio da protecção social institucionalizada, as entrevistas permitiram detectar
pessoas que não estão a aceder a direitos sociais que lhes são devidos, verificar o desconhecimento
que existe dos serviços sociais locais, identificar os obstáculos que se
levantam para aceder aos serviços, bem como compreender, face às situações de privação,
qual o valor e o impacto dos bens e serviços que recebem.
Ao desconhecimento dos direitos e das regalias sociais de que as pessoas podem usufruir
acresce o sentimento pessoal de vergonha que, frequentemente, as pessoas experimentam
pela sua condição de pobreza extrema e que as impede também de pedir ajuda. Mostram
resistência em pedir ajuda porque isso significa uma confirmação da sua desqualificação
social e sentem-se humilhadas. São obrigadas a provar a sua pobreza e, mesmo assim, não
têm garantida a assistência necessária.
O desconhecimento e a falta de transparência e arbitrariedade dos critérios utilizados pelas
instituições produzem uma expectativa bastante negativa e uma falta de confiança nos
seus serviços. Torna-se, neste contexto, incompreensível para as pessoas quais as
necessidades elegíveis; porquê umas e outras não, porque variam mesmo em situações
idênticas, como se uns merecessem e outros não.
A decisão de atribuição ou não de subsídios parece não depender da avaliação das
consequências que acarreta, não só para os próprios, como no conjunto dos agregados.
Assim, as decisões adquirem um grau de subjectividade que as torna numa questão
privada, não pública, dependente dos valores e das interpretações dos técnicos que as
tomam, o que faz com que as pessoas atribuam a decisão à vontade, ou não, do Assistente
Social. Juntam-se, ainda, os sentimentos de falta de confiança nos serviços e nos técnicos
pela perda de privacidade e atropelos à confidencialidade.
É preciso ter a consciência de que os serviços de assistência social podem estar a
contribuir para a reprodução do individualismo na população, ao conceberem a pobreza
como um problema de cada pobre ou ao favorecerem um sentimento de competição entre
os assistidos na avaliação que fazem de quem é mais necessitado e de quem é menos
necessitado. A desconfiança encontrada nos assistidos é claramente fortalecida por dois
factores que não têm propriamente a ver com os serviços de Acção Social, mas que têm
consequências também para esta. Em primeiro lugar, há a ausência de respostas em duas
áreas essenciais para o bem-estar das pessoas: a área de emprego e a área de habitação,
existindo em ambas uma completa desconfiança na actuação das instituições responsáveis.
Em segundo lugar, muitas pessoas referem claramente as manipulações e jogos políticos a
que estão sujeitos. Recebem promessas que nunca se realizam, contando já com uma nova
visita uma vez que se aproximam as eleições.
Assim, uma exploração das necessidades e serviços por parte dos políticos pode resultar
não apenas num forte desacreditar da política, mas também dos serviços a eles associados
e provocar ainda em muitas pessoas uma desmobilização e apatia perante as eventuais
possibilidades de mudança.
5.2. A protecção social pela sociedade civil
Analisada a relação dos cidadãos com o sistema público de segurança social e,
designadamente, os pedidos e as respostas que esta relação suscita e os problemas que
dificilmente são resolvidos através dela, o estudo passou a avaliar o papel das
organizações da sociedade civil na produção de respostas alternativas às do sistema
público, integrando essa avaliação no contexto mais amplo das relações entre os diferentes
sectores de produção de bem-estar. Baseou-se, para isso, em entrevistas a dirigentes e
técnicos das organizações recenseadas nas zonas de estudo, em monografias de algumas
dessas instituições e em entrevistas a dirigentes e técnicos dos serviços de Acção Social
dos Centros Regionais de Segurança Social com actuação nessas zonas.
No actual contexto, pode dizer-se que a relação entre os quatro grandes sectores de
produção de bem-estar — a saber a) o sector informal da família e comunidade; b) o sector
lucrativo em que bens e serviços sociais são oferecidos por organizações de mercado; c) o
sector formalizado das organizações voluntárias privadas; e d) o sector público dos
serviços do Estado — viu-se alterada por uma tendência para a autonomia local, a
descentralização, a desregulação e o direito de escolha dos cidadãos.
Em face disto, a questão que se coloca é a de saber se as instituições privadas não
lucrativas são capazes de enfrentar a magnitude dos problemas sociais num Estado-Providência
mais descentralizado e de dispor de recursos como aqueles que até agora têm sido
garantidos aos serviços públicos.
A diversidade das formas organizativas
A verdade é que o sector simultaneamente não governamental e não lucrativo — também
designado de terceiro sector — se apresenta sob uma grande diversidade de formas,
relativamente às quais se torna inadequado concluir genericamente pela sua incapacidade
de desempenhar, de uma forma sustentada, um papel alternativo ao do Estado-
Providência.
O principal trunfo de algumas dessas formas consiste precisamente na sua versatilidade de
actuação, a qual lhes permite um ajustamento fácil e rápido à particular natureza dos
problemas e à particular condição dos destinatários. Esta versatilidade parece estar
directamente relacionada com o grau de informalidade e de espontaneidade que assumam
as iniciativas particulares mas, por isso mesmo, torna-se difícil compatibilizá-la com os
níveis de certeza e de organização a que nos habituou a protecção social institucionalizada.
Ora, numa discussão sobre as formas e as agências de protecção mais adequadas às
condições que teremos de enfrentar no futuro, faz todo o sentido analisar os trunfos e as
debilidades de cada uma das formas que existem na nossa sociedade, nomeadamente
daquelas que têm desempenhado um papel mais saliente, como é o caso das Instituições
Particulares de Solidariedade Social.
A questão da natureza das instituições particulares
Apesar de as IPSS terem identidade jurídica própria e serem autónomas relativamente ao
Estado e de, muitas delas, terem mesmo uma história de vida independente anterior ao seu
reconhecimento por este, a verdade é que, em termos gerais, elas estão fortemente
marcadas, na sua configuração social e no seu funcionamento, por uma relação
indissociável com o Estado.
Neste sentido, é notório o afastamento do perfil de uma IPSS portuguesa do perfil das
instituições mais autónomas que existem noutros países, e mesmo entre nós, a que damos
o nome de organizações de voluntariado social, de organizações não lucrativas ou de
organizações não governamentais. Sinteticamente pudemos constatar que as nossas IPSS
se afastam de tal perfil basicamente pelo facto de combinarem uma fraca presença de
trabalho voluntário, com uma relativamente acentuada governamentalização dos seus
meios materiais e humanos e com uma estratégia de gestão dos recursos mais orientada
pelas regras de sobrevivência económica do que pelas necessidades da população utente.
A autonomia das instituições particulares face ao Estado passa sobretudo pela sua independência
económica e pela sua capacidade de gerar recursos próprios. Na maior parte das
instituições estudadas verificou-se que essa capacidade era muito reduzida e que, quase
sempre, a fonte de recursos alternativos ao financiamento estatal consistia em
comparticipações dos utilizadores. Nos casos em que existiam outras fontes de
financiamento, elas eram de importância reduzida e consistiam em um dos seguintes tipos:
rendimentos de bens próprios, rendimentos de actividades para mercado ou produto de
dádivas de terceiros.
Nos casos do primeiro tipo encontram-se, em geral, as misericórdias e as fundações que
possuem patrimónios geradores de rendas. No entanto, deve ser sublinhado que a
existência de um património próprio não implica necessariamente que os rendimentos por
ele gerados sejam total ou parcialmente afectados às finalidades de protecção social
acordadas com o Estado.
Nos casos do segundo tipo encontram-se todas as instituições que mantêm certas
actividades lucrativas que permitem gerar os fundos necessários para cobrir orçamentos
deficitários. Esta estratégia tornou-se muito popular nalguns países, como nos EUA, mas
não é isenta de riscos pelo facto de as actividades de mercado poderem vir a perder
dinheiro ou de o objectivo de fazer lucros poder vir a sobrepor-se aos objectivos primários
da organização e chegar mesmo a interferir com o próprio funcionamento interno desta; ou
ainda de poder desencadear um efeito negativo nas contribuições dos patrocinadores. De
qualquer modo, existem pre-condições para que esta solução seja possível e uma das mais
importantes é dispor, dentro da instituição, de pessoas capazes de se dedicarem a
actividades de mercado com uma atitude empresarial.
Finalmente, nos casos do terceiro tipo, verifica-se uma muito desigual capacidade de as
instituições angariarem recursos, tanto mais que a recolha de fundos se tornou numa
actividade profissional. São as organizações maiores que conseguem maiores campanhas e
iniciativas de relações públicas, sem que as mais pequenas possam conseguir competir.
Saliente-se ainda que os níveis elevados de responsabilidade financeira exigem formas de
contabilidade e de sofisticação insuportáveis para muitos voluntários.
Uma autonomia muito relativa
Segundo a generalidade dos dirigentes entrevistados, a autonomia das instituições não é
afectada pelo facto de serem comparticipadas pelo Estado. Os Centros exercem um certo
controlo sobre as instituições mas, mesmo assim, os estatutos dão a possibilidade de
exercer a acção social com muita autonomia. Na retórica oficial, os Centros não têm os
meios nem a vontade de controlar a actuação das IPSS. Esta opinião é, de certo modo,
compartilhada pelos técnicos que foram entrevistados, embora a sua presença no terreno e
o contacto mais directo com as instituições lhes dê do problema uma visão um pouco diferente.
Existe o receio de que, com a liberalização da tutela, as instituições passem a orientar-se
predominantemente para o apoio da população com mais recursos e, portanto, a deixar de
fora aquela que não garante às instituições um rendimento seguro (risco de
remercadorização) ou de que reduzam a qualidade dos serviços prestados (risco da
desqualificação). Apesar de não se tratar de um receio generalizado a todas as instituições,
existe uma certa desconfiança acerca das reais motivações ou das competências dos
gestores das IPSS, relacionada, em parte, com algumas más experiências referidas pelos
dirigentes e técnicos dos CRSS entrevistados.
A questão da dependência das instituições face ao Estado tem sobretudo a ver com os
apoios financeiros que ele lhes concede e com as obrigações que em contrapartida elas
assumem.
Pensada para contribuir para o alargamento da área de actuação e o melhoramento dos
serviços das instituições, a concessão dos apoios pressupunha a existência de um mínimo
de condições económico-financeiras por parte dessas instituições, designadamente, a
existência de receitas próprias. No entanto, a grande maioria das IPSS vive quase
exclusivamente dos subsídios acordados com o Estado e evidencia, por isso, uma grande
vulnerabilidade financeira.
Neste contexto, vê-se claramente que as instituições procuram reforçar colectivamente a
sua posição negocial face ao Estado, por diferentes meios: ideologizando a
imprescindibilidade do seu papel, concentrando o esforço negocial nas Uniões das IPPS’s
e das Misericórdias, procurando actuar cada vez mais em parcerias para não aparecerem
isoladas face ao Estado, ou recorrendo a programas autónomos para diversificar as suas
receitas. As mais desafogadas, designadamente aquelas que dispõem de um razoável
património próprio — como é, em geral, o caso das Misericórdias ou das fundações —
mostram ter uma conduta mais independente face ao Estado e também, talvez por isso,
um menor envolvimento em actividades inovadoras de captação de recursos ou em
programas especiais patrocinados pelo Estado.
Neste jogo de poderes, o grupo das instituições pertencentes à Igreja ocupa uma posição
privilegiada, uma vez que lhe é reconhecido um estatuto especial que lhes permite
furtarem-se a algumas obrigações de tutela. Paralelamente, no plano das relações informais,
nota-se um particular constrangimento por parte da administração pública da segurança
social para contrariar os excessos da autonomia de algumas instituições da Igreja que
entram em choque com regras básicas da cidadania social.
A necessidade de diversificar as fontes de financiamento
As comparticipações do Estado destinadas a subsidiar as despesas correntes de
funcionamento dos equipamentos ou serviços desenvolvidos pelas instituições e os seus
montantes são fixados anualmente por protocolo entre Ministro e as Uniões
representativas das instituições.
Este sistema não é isento de críticas. O facto de as comparticipações serem uniformes e,
portanto, não atenderem nem às particulares condições de cada instituição (e,
designadamente, à respectiva capacidade económica e financeira) nem à situação socioeconómica
dos utentes, gera iniquidades e perversões na ajuda do Estado, tais como a não
admissão da população mais necessitada, a falta de estímulo para desenvolver certas
respostas e a diversidade das tabelas de comparticipação familiar.
A falta de recursos alternativos às formas e fontes tradicionais de financiamento — as
comparticipações do Estado, as contribuições dos utentes e os rendimentos de
patrimónios fundados — continua a ser o grande factor limitativo da promoção do
desenvolvimento social.
Um dos efeitos da institucionalização das políticas sociais do Estado-Providência foi
precisamente o progressivo descomprometimento dos cidadãos pelas suas obrigações
sociais à medida que o Estado se ia assumindo como o grande organizador das solidariedades
colectivas. Por isso, os cidadãos sentem que a protecção social é a função do Estado
e dificilmente aceitam contribuir com outros recursos para além dos impostos que pagam.
Esta recusa em contribuir mais alargadamente para a protecção social não corresponde
propriamente a um qualquer atrofiamento das responsabilidades sociais ou morais dos
indivíduos que esteja a emergir, mas a uma verdadeira escolha racional do cidadão perante
a oferta de bens públicos. É que noutras circunstâncias e noutros domínios (iniciativas
locais de carácter cultural, recreativo, desportivo ou religioso) elevados montantes
monetários ou em espécie continuam a ser fornecidos numa base puramente voluntária,
conforme comprovaram vários dos informantes privilegiados entrevistados.
As instituições particulares podem desempenhar um papel importante na dinamização das
ajudas voluntárias, desde que promovam o envolvimento dos cidadãos na sua actividade
social, organizem respostas adequadas às necessidades mais sentidas no meio local e se
orientem claramente para prestar serviços de qualidade àqueles que mais necessitam. Isto
implica que algumas instituições, mais funcionarizadas, tenham de reorientar a sua acção,
combinando solidariedade com justiça social, gestão eficiente com respeito pela vontade
dos utentes, profissionalismo com participação voluntária, direcção esclarecida com
participação democrática.
Por fim, o trabalho voluntário realizado à luz destes princípios precisa de receber da
comunidade estímulos, materiais e simbólicos, traduzindo a avaliação positiva que esta faz
do trabalho em benefício dos outros. Sendo, muitas vezes, exercido de uma forma
desgastante na gestão das instituições, na angariação de recursos, na resolução de
problemas ou carências de base, torna-se hoje em dia muito difícil encontrar quem tenha
disponibilidade para assumir esse papel. Uma função importante do Estado consiste
precisamente em dar à comunidade um sinal de reconhecimento dessas pessoas à custa das
quais, muitas vezes, as instituições sobrevivem.
A lógica espontânea do aparecimento de novas instituições
Só nos últimos seis anos foram registadas 800 novas instituições, o que comprova decerto
um elevado dinamismo do sector privado social mas não deixa de mostrar também a forma
algo arbitrária e descoordenada como se processam as iniciativas da sociedade civil.
Quando se analisa de onde partem essas iniciativas, é forçoso concluir que o sector
público da segurança social de há muito que deixou de ser o seu principal promotor.
Reconhece-se mesmo não existir dinamismo próprio para fomentar a criação de IPSS em
meios em que elas seriam necessárias, nem um procedimento de rotina para a avaliação da
oportunidade da sua eventual criação.
A história da nossa política assistencial neste século revela a tendência, variável ao longo
do tempo mas sempre presente, para o poder político condicionar a liberdade da acção
social colectiva e ser muito selectivo nas iniciativas que se propõe favorecer. Nalguns
períodos, a preocupação regulatória por parte do Estado foi muito evidente, enquanto
noutros, como no presente, o Estado aparenta aceitar uma maior autonomia da iniciativa
societal. E diz-se aparenta porque essa aceitação não significa que deixe de operar aquela
mesma tendência, na medida em que as iniciativas da sociedade só têm verdadeiramente
condições de se desenvolver quando enquadradas em estruturas dominadas por certos
sectores sociais a quem o Estado se permitiu delegar, expressa ou tacitamente, certas
funções de controlo. É o caso, designadamente, das estruturas ligadas à Igreja Católica que,
como é sabido, têm uma enorme influência em, pelo menos, duas das três principais
uniões que federam e representam as instituições de solidariedade social. É com elas que o
Estado concerta as grandes linhas da política assistencial e em quem delega parte das suas
funções de tutela e de apoio. Mesmo que a conceitualização porventura mais correcta das
relações entre o Estado e a Igreja não corresponda a uma ideia de delegação de poderes —
mas sim de real influência sobre o poder político derivada de uma autoridade, riqueza e
prestígio que a Igreja detém numa sociedade reduzidamente secularizada — as conclusões
seriam as mesmas.
Relativamente às iniciativas ligadas a movimentos populares ou de natureza não
confessional surgidos sobretudo depois de 1974 o seu número é elevado e parecem estar
mais sintonizados com a filosofia de aprofundamento da cidadania social contida nos
textos legais. Em grande parte elas correspondem à expressão de uma nova cultura de
participação e de uma ideologia política de democracia popular surgidas do derrube da
ditadura e inspiradas nos projectos da esquerda socialista. No entanto, quando se tem em
conta as facilidades atribuídas às instituições que gozem de um estatuto religioso, é fácil
verificar que elas têm de suportar uma situação relativamente desfavorecida. Em certa
medida, o facto de se invocarem direitos sociais e não meras normas éticas de solidariedade
ou gestos de benevolência torna estas iniciativas mais interpelantes do sistema social e
político e, portanto, mais difíceis de controlar. As instituições designadas de socio-caritativas,
pelo contrário, questionam muito menos o poder do que as consciências individuais
e, por isso, se tornam menos ameaçadoras para a administração.
De acordo com os testemunhos dos dirigentes e dos técnicos dos Centros os problemas
mais importantes relativos à criação de novas instituições dizem respeito a:
— falta de informação básica e actualizada sobre as necessidades locais e falta de pessoal e
de meios adequados a realizar estudos de viabilidade. Por esse facto as decisões são, em
regra, insuficientemente fundamentadas e limitam-se a uma verificação da legalidade
formal das instituições, pelo que o controlo dos requisitos substantivos não funciona;
— falta de planeamento na constituição das instituições, decorrente da falta de
informação básica mas também da sobreposição de lógicas localistas de actuação ou da
necessidade de afirmação social e política por parte dos promotores. Por esse facto,
chegam a constituir-se e a solicitar o apoio dos Centros instituições sem qualquer
viabilidade ou justificação do ponto de vista técnico;
— oportunismo político de responsáveis partidários ao fomentaram ou darem cobertura
à constituição de instituições sem condições para funcionarem normalmente,
designadamente com falta de meios. Foram referidas situações de deficiências graves de
equipamento e falta de pessoal técnico qualificado. A manipulação eleitoral dos
benefícios da segurança social tornou-se uma prática corrente e cria um particular mal
estar aos técnicos dos Centros que têm de fundamentar a posteriori a legalidade ou a
oportunidade das iniciativas ajudadas.
A imagem que o Estado tem das instituições
A avaliação que os dirigentes e técnicos dos Centros fazem, em termos gerais, da actuação
e do papel das IPSS no sistema de protecção social é muito ambivalente.
Por um lado, reconhecem-lhes importantes aspectos positivos, dentre os quais se
salientam o colmatar das lacunas da acção do Estado, a maior proximidade ao meio social
dos assistidos e a grande economia de meios na produção dos seus serviços. Por outro,
apontam a falta de recursos humanos qualificados, a reduzida orientação dos serviços para
a população mais necessitada e as deficientes condições de trabalho do seu pessoal como
aspectos muito negativos da actuação das IPSS.
Numa avaliação média de nove aspectos pre-seleccionados, os dirigentes dos Centros que
foram entrevistados desclassificaram nitidamente na actuação das IPSS a sua capacidade
de angariar recursos próprios e a autonomia funcional atribuída aos seus profissionais,
mantendo a um nível relativamente baixo quase todos os outros aspectos.
Quando comparada a actuação destas instituições com a dos estabelecimentos de função
similar dependentes do Estado, a opinião dos dirigentes e técnicos, baseando-se em vários
parâmetros, é francamente mais favorável à dos segundos. A principal justificação dada
reside no facto de os estabelecimentos dependentes disporem, em regra, de um orçamento
e de um quadro de pessoal adequados ao tipo e dimensão dos serviços prestados.
Já quando avaliam a actuação dos estabelecimentos congéneres pertencentes a
organizações com fins lucrativos, a comparação é claramente mais favorável à actuação das
IPSS, principalmente no que respeita às valências da infância e da terceira idade.
A imagem que as instituições têm de si mesmas
Sendo certo que, dada a diversidade de formas, contextos de actuação e domínios de
intervenção, dificilmente existirá uma representação identitária comum a todas as
instituições, é, contudo, recorrente no discurso dos dirigentes o realçar de certos atributos
que carácterizam a actuação das instituições e marcam também as fronteiras com a
actuação de organizações congéneres públicas ou privadas de mercado.
No seu testemunho, o Presidente da UIPSS refere como primeiro atributo que qualifica,
pela positiva, e orienta toda a actuação das instituições, o imperativo da solidariedade.
Outros atributos, como a condição de não-governamentalidade, a pertença ao sector da
economia social ou da acção social, são considerados atributos negativos que apenas
permitem distinguir a actuação das IPSS da dos restantes sectores da protecção social.
É basicamente, em função deste atributo que a maioria dos dirigentes fundamentam o
dever de apoio do Estado às instituições e, mesmo, a delegação nestas de importantes
responsabilidades até agora assumidas por ele (no mesmo sentido, vd. Capucha, 1996:41).
A par da actuação solidária, os outros atributos mais invocados consistem na flexibilidade
da gestão, na proximidade aos problemas da população, na rapidez das respostas, na
reduzida carga burocrática, na humanização dos cuidados e na economia de recursos.
Reconhecer a importância destes atributos, não significa, contudo, um juízo definitivo
acerca da actuação das instituições, uma vez que à retórica da solidariedade não
corresponde necessariamente, como se viu, um desempenho conforme no plano das
respectivas práticas de actuação.
Um acompanhamento cada vez mais distanciado e uma fiscalização complacente
O acompanhamento técnico das instituições registou também alterações. Anteriormente à
reforma da orgânica dos CRSS de 1993, os técnicos locais acompanhavam a instituição
desde a sua formação, dando apoio técnico mas também fiscalizando a sua actividade.
Visitavam as que se encontravam em situação mais crítica para procurar encontrar
soluções ou aquelas em que se desencadeavam conflitos de trabalho para mediar a
negociação entre as partes.
A nova orientação vai no sentido de reduzir a intervenção dos Centros na vida das
instituições e, por isso, se procura que as deslocações dos técnicos só se verifiquem
quando solicitadas pelas instituições. Por sua vez, a fiscalização passou a ser feita
directamente pelas regiões e, se bem que esta alteração tenha vindo a diminuir a
ambiguidade da relação dos técnicos com as instituições, ao separar as suas funções de
acompanhamento das de controlo, a verdade é que ao ter-lhes retirado estas últimas, a
fiscalização do cumprimento dos acordos e das normas legais e técnicas ficou muito
dificultada ou deixou de se fazer.
Os mecanismos usados para controlo são de diferente natureza. Por um lado, existe uma
fiscalização de base documental que incide sobre os documentos que as instituições são
obrigadas a apresentar (mapas periódicos de frequência dos estabelecimentos, orçamento e
contas anuais) e, por outro, existe uma fiscalização directa sobre os próprios estabelecimentos,
através da visita de técnicos à instituição, mas, devido à falta de recursos
humanos, este último meio é pouco utilizado, a não ser em caso de denúncia. Paralelamente,
os serviços da Inspecção Geral da Segurança Social visitam anualmente, em cada
distrito, um certo número de instituições com o mesmo objectivo de controlar a legalidade
de actuação dessas instituições.
A avaliação que os dirigentes e técnicos dos Centros fazem do cumprimento pelas IPSS
das principais obrigações instituídas pelo Despacho 75/92 que regula os acordos é
bastante negativa. Assim, e no que respeita ao fornecimento de dados para avaliação das
actividades desenvolvidas, a que se refere a al. f) da norma XVI, referem que, em geral,
nem as instituições fornecem esses dados, nem tais dados lhe são solicitados. As razões
apontadas para o incumprimento consistem basicamente tanto na falta de vontade, como
na falta de meios, mas reconhecem que as mesmas razões podem explicar a exagerada
complacência dos Centros face a esse incumprimento.
No que respeita ao cumprimento das cláusulas estipuladas nos acordos e às
recomendações técnicas dos serviços, a que se refere a al. h) da norma XVI, verifica-se
também alguma falta de cumprimento por parte das instituições. O facto de as cláusulas
serem demasiado genéricas é apontado como prestando-se a favorecer o incumprimento,
pelas diferentes formas de interpretação a que dá azo. É o que se passa relativamente aos
quadros de pessoal, onde apenas algumas exigências mínimas são estabelecidas nos acordos
e, mesmo essas, muitas vezes não são cumpridas. Também aqui se reconhece existir
uma grande condescendência dos Centros perante as situações de violação.
Se se considerarem as obrigações de tutela também à luz do regime instituído pelo
Despacho 75/92, verifica-se que nenhuma avaliação regular da qualidade dos serviços
prestados pelas IPSS (al. c) da norma XVI) é feita pelos Centros. A recusa das
instituições a deixarem-se avaliar e, mais uma vez, a falta de meios por parte dos Centros
constituem o maior impedimento, ainda segundo os depoimentos dos dirigentes e técnicos
entrevistados.
Em todo o caso, regular o financiamento em função da qualidade dos serviços, conforme
foi sugerido por vários, parece não ser legítimo em face dos termos dos protocolos entre o
Ministério e a UIPSS que fazem depender o montante dos financiamentos apenas do tipo
de valências e do número de utentes e não da qualidade dos serviços prestados.
Perante este quadro de razoável incumprimento das obrigações de parte a parte e,
designadamente, da condescendência do Estado, não admira que os casos de suspensão ou
cessação de acordos por violação das cláusulas acordadas ou das normas legais aplicáveis
sejam diminutos, tal como foi constatado nos distritos estudados. Um défice de cultura
política universalista e a ausência de um aparelho de Estado sólido e imparcial na
administração das suas próprias regras permitem explicar que os serviços se possam desvincular
das suas funções de controlo ou manter uma actuação discricionária e particularista
nesse domínio. Para alguns autores esta fraqueza dos serviços (um Estado brando)
principalmente em termos do profissionalismo e da autonomia constituiria mesmo um
traço comum às administrações burocráticas dos Estados-Providência do Sul da Europa
(Ferrera, 1996:30).
O risco de funcionarização das instituições
O facto de produzirem serviços da mesma natureza, para o mesmo tipo de pessoas, numa
orientação igualmente não lucrativa e mediante formas de organização burocráticas
aproxima inevitavelmente as instituições privadas das instituições públicas.
Do ponto de vista juridico-formal pode dizer-se que as diferenças são mesmo assim
profundas em virtude de as primeiras serem geridas autonomamente de acordo com a
vontade dos seus fundadores ou associados e as segundas serem geridas na dependência de
um estatuto de ordem pública estranho à vontade de quem as gere. No entanto, em termos
substantivos por vezes tem-se dificuldade — e designadamente, os utilizadores sentem
essa dificuldade — em distinguir o modelo organizativo e funcional de uma IPSS e o tipo
de relações do seu pessoal com os utilizadores dos das instituições públicas. O regime de
horários, as regras de funcionamento, o regulamento de uso dos serviços, os processos de
selecção dos utentes e até o regime de sindicalização dos profissionais são idênticos aos
dos serviços públicos.
Mas o indício mais forte do processo de funcionarização das instituições privadas consiste
na supremacia que o corpo técnico e administrativo foi ganhando relativamente ao
universo dos associados e dos cidadãos utentes em virtude das crescentes exigências de
profissionalização dos cuidados e de optimização dos recursos. Como mostra um autor
inglês “quanto mais o sector voluntário se burocratiza e envolve na prestação de serviços,
mais elevada é a probabilidade de se tornar menos acessível, inovador e diverso”
(Carpenter, 1994:80).
Há que reconhecer que a relação distante que intercede muitas vezes entre os dirigentes
das instituições e os utentes, tal como foi testemunhado por alguns dos entrevistados,
decorre em grande medida do défice de cultura de cidadania que se verifica em
praticamente todos os sectores da sociedade portuguesa e do consequente superavit de
cultura clientelar, responsável por uma representação social do assistido como sendo um
cliente a quem é concedido um favor em troca da sua atitude de deferência ou lealdade.
O regime de subsidiarização das instituições pelo Estado, pela necessidade que criou
nestas de se organizarem por forma a respeitarem as finalidades públicas ligadas à
produção de serviços de protecção social, contribuiu também para aprofundar aquele
processo de funcionarização. É que o peso das fontes externas de financiamento afecta
decisivamente a influência que os utilizadores têm na tomada de decisões na organização.
Se estes pagam apenas uma pequena parte do custo total do serviço, a preocupação em satisfazer
as vontades dos financiadores mais do que das pessoas que recebem os serviços
torna-se o comportamento previsível das direcções (Wheelen e Hunger, 1995).
Finalmente, os casos de alguns estabelecimentos dependentes do Estado que foram
entregues em regime de gestão privada a IPSS mostram que as mudanças funcionais, pelo
menos na óptica dos utentes, não foram sensíveis. Vale a pena reflectir, a propósito desta
política de “privatização” dos serviços de protecção social, nos resultados que ela
produziu em Inglaterra depois de 1990: aumento da insegurança financeira; aumento do
peso burocrático e da papelada; reforço do poder dos profissionais relativamente aos
voluntários; perda de competitividade das pequenas organizações; aumento da comercialização
e do comportamento concorrencial; concorrência usada para reduzir os custos
(Flynn, 1996:58 e ss.)
Por tudo isto, as IPSS evidenciam um conjunto de traços que as distinguem facilmente de
instituições voluntárias e de finalidade não lucrativa que encontramos noutros países: uma
actuação menos baseada num dever cívico de solidariedade do que numa atitude de
caridade ou de benevolência; uma fraca presença de pessoal em regime de voluntariado;
uma ligação mitigada à comunidade; uma gestão não participada pelos utentes e pouco
atenta aos seus interesses, uma forte dependência financeira do Estado.
Uma ligação mitigada à comunidade
Existindo diferenças formais entre as instituições estudadas, no que se refere às relações
que se estabelecem com os utentes essas diferenças parecem, contudo, não ser
significativas.
Na prática, não só os utentes estão afastados de todas as decisões, designadamente das
que directamente se lhe referem, como, em regra, as instituições não referem a existência de
processos orientados para a sua participação e envolvimento na vida da instituição. De
igual modo, parece não ser feito qualquer esforço pela instituição para detectar as
situações mais carenciadas para integração preferencial nos serviços em funcionamento.
Também a apreciação que os CRSS fazem das relações das instituições com os cidadãos
parece corroborar esta afirmação. Em geral, considera-se que nem sempre fica assegurado o
respeito pelos utentes e suas famílias e que é problemática a proximidade dos serviços às
necessidades da população abrangida. Na perspectiva dos técnicos de Acção Social, a
organização dos serviços das instituições segundo o modelo das valências empobrece a
relação com os utentes ao seleccionar e actuar apenas sobre uma parte dos problemas destes
e ao subestimar o conhecimento do meio social em que se geram tais problemas.
Este tipo de organização parece moldar particularmente o discurso e as práticas dos
dirigentes entrevistados das instituições, de tal modo que na sua apresentação sobre as
actividades da instituição manifestam uma clara tendência para se limitarem ao conjunto de
respostas típicas, abrangidas pelos acordos de cooperação.
Na perspectiva dos cidadãos entrevistados, ressalta a conclusão de que, em geral, as
instituições não respondem às situações de maior carência ou vulnerabilidade social
existentes na área onde actuam ou, quando o fazem, as respostas oferecidas são de grande
precaridade e manifestamente insuficientes face à natureza das necessidades a atender.
Assim, o modo como as instituições particulares perspectivam a sua relação com os
cidadãos parece carácterizar-se por uma selectividade relativamente aos cidadãos e às
necessidades a atender que potencialmente exclui as situações de maior vulnerabilidade
social e por uma responsabilidade social entendida de uma forma restrita, isto é, não
abrangendo senão os cidadãos incluídos.
O papel das iniciativas não institucionalizadas
A ausência de uma garantia de um padrâo de "vida decente" a todos os cidadãos atribui a
estas iniciativas um valor de resposta de emergência às situações de pobreza e, neste
âmbito, podem ser consideradas um complemento do actual quadro de assistência social
pública.
Por outro lado, ao designar de não institucionalizadas estas iniciativas, mantém-se uma
certa ambiguidade dado que não se regem exclusivamente pela lógica do dom. Apesar de
formalmente orientadas por fins sociais e humanitários, estas iniciativas distinguem-se das
práticas de entre-ajuda e de protecção informal da sociedade-providência até pelas
comparticipações que recebem do sector público e pelo poder social que detêm. Aliás, a
relação entre estas iniciativas e as da sociedade-providência pode tornar-se, de certo modo,
antagónica, no sentido em que quanto menor for a capacidade material da sociedadeprovidência
entre grupos desfavorecidos, maior ou mais necessária pode ser a intervenção
das iniciativas não institucionalizadas.
As características de grande informalidade e de reduzido peso burocrático permitem um
tipo de intervenção que, para além das finalidades próprias, representa um complemento
no actual quadro de assistência. Dada a precaridade destas iniciativas, vê-se mal que elas
possam assumir um estatuto central no sistema de protecção social, mas isso não implica
que o seu papel de complementaridade não deva ser mais valorizado e apoiado.
Um primeiro trunfo importantíssimo consiste na capacidade de resposta a situações de
urgência que tais iniciativas revelam. Esse papel foi devidamente assinalado pelos
responsáveis dos CRSS que reconheceram os problemas do peso das estruturas burocráticas
da assistência pública para situações desse tipo. Por outro lado, a elevada
proximidade e a forma directa de relacionamento com a população em risco, permite a este
tipo de iniciativas desempenhar um papel importante e igualmente reconhecido de
detecção e encaminhamento dos casos de grande necessidade social.
Estas duas funções justificam só por si não só uma política de estímulo ao aparecimento e
à manutenção destas formas não institucionalizadas de protecção social, como a sua
integração em programas de desenvolvimento social e comunitário. Até aqui os Centros e
as autarquias têm-se limitado a atribuir-lhes subsídios, não estabelecendo com elas
quaisquer programas. Dado o carácter esporádico, pouco consolidado e descoordenado
com que estas iniciativas se apresentam, a constituição de parcerias e de estruturas de
coordenação da acção local, dentro de objectivos comummente partilhados, parece de todo
desejável.
A questão da articulação de iniciativas locais merece ser considerada. Tratando-se de uma
questão melindrosa por envolver a própria autonomia das organizações, ela deve pautar-se
por alguns princípios básicos decorrentes do modelo de regulação social instituído. Uma
relação saudável entre as instituições implica, em primeiro lugar, o respeito pela identidade
e carácterísticas de cada uma delas e pelo direito de livre envolvimento em acções comuns.
Em segundo lugar, implica uma concertação estratégica destas acções na base das
competências específicas de cada organização. Em terceiro lugar, implica uma intervenção
do Estado — central e local — nos termos acima expostos; isto é, não como um simples
parceiro, mas sim como o garante do respeito pelos princípios gerais e normas
estabelecidos para o desenvolvimento social. Convém salientar que, para que não se
constituam em factor de controle social e moralização, as respostas assistenciais não
institucionalizadas devem pressupor a existência de um compromisso político com a
satisfação universal de um padrão básico de necessidades.
O levantamento das necessidades e dos recursos a nível de cada comunidade deve ser
considerado um instrumento imprescindível para a actuação ao nível local e uma base para
a articulação das iniciativas. Por isso deve ser encarado como uma prioridade pelos
Centros e pelas autarquias a quem poderá caber a responsabilidade última pela sua
preparação e manutenção actualizada. Cremos que, neste domínio, as estruturas locais de
aplicação do Rendimento Mínimo Garantido poderão, em boa parte, contribuir para a
resolução do problema da falta de conhecimento rigoroso das condições sociais ao nível
das comunidades e para desempenhar aquele papel.
5.3. Os serviços de segurança social
A orgânica dos CRSS e a experiência de descentralização
A consolidação do sistema público de protecção social instituído após a restauração do
regime democrático deu-se nos anos 80, com a criação de um regime não contributivo,
definido como esquema de prestações de Segurança Social atribuídas sob condição de
recursos e financiadas pelo OGE (Dec.-lei 160/80) e com a aprovação da Lei de Bases da
Segurança Social (Lei 28/84).
Após quinze anos de vigência em que importantes mudanças ocorreram quer no plano
interno do próprio sector, quer no plano externo das envolventes que condicionam a sua
operatividade, a orgânica dos Centros Regionais de Segurança Social foi revista em 1993.
Um tanto paradoxalmente, uma reestruturação que se apresentava com intuitos
descentralizadores, movida pelo objectivo de aproximar o sistema de segurança social de
toda a população, veio retirar funções aos serviços mais descentralizados de nível distrital,
para as concentrar nos Centros Regionais de nível territorial mais elevado (NUTS II). Não
tendo sido precedida de estudos de reorganização dos circuitos funcionais e de distribuição
dos recursos humanos, a reestruturação dos CRSS parece ter-se saldado numa perda de
operacionalidade do sistema (menor capacidade de decisão dos serviços periféricos,
aumento da cadeia burocrática, maior afastamento dos cidadãos relativamente aos centros
decisores) sem se ter conseguido assinaláveis melhorias em termos da coordenação e
planeamento da acção.
Acresce que esta alteração foi acompanhada de uma redução do pessoal (designadamente,
do pessoal técnico) a nível das sub-regiões, tendo contribuído, por isso, ainda mais para
uma limitação da capacidade de resposta dos serviços e para uma sobrecarga de alguns
sectores em particular (designadamente o das chefias de departamentos e secções).
Parece, assim, tornar-se necessária uma nova revisão da estrutura orgânica, quer para
ajustar melhor a distribuição das competências entre Regiões e Sub-regiões, quer para
aprofundar as virtualidades da descentralização. Por outro lado, os órgãos consultivos
previstos na lei — os Conselhos Regionais e as Comissões Sub-regionais — devem ser
definitivamente instalados e postos a funcionar normalmente.
Os princípios normativos e as práticas de actuação
Foi detectado, em diversos domínios, um afastamento notório entre as práticas dos
serviços e os princípios, regras e pressupostos estabelecidos nos diplomas que regulam a
actuação da administração pública de protecção social. Referiremos, aqui, apenas alguns
desses domínios que foram referidos nas entrevistas.
Um primeiro diz respeito às finalidades de prevenção do risco por parte da Acção Social.
Destinando-se esta a prevenir situações de carência, disfunção e exclusão social e,
simultaneamente, a fomentar a integração comunitária, na prática ela tem assumido
preferencialmente uma função reparadora, em detrimento do desenvolvimento daquela
função preventiva.
Um outro domínio problemático da actuação dos serviços tem a ver com os critérios de
atribuição das prestações da Acção Social. Diferentemente das prestações dos regimes, a
atribuição destas assenta num princípio da oportunidade referido quer à situação particular
do cidadão — a falta de meios tem de ser comprovada — quer à disponibilidade de
recursos por parte dos serviços. Tratando-se, inevitavelmente, de recursos limitados, o
seu uso implica uma avaliação de oportunidade da situação a contemplar que envolve um
juízo sobre o nível de prioridade a que corresponde essa situação. Por outro lado, a
atipicidade das situações e o seu carácter personalizado impede uma regulamentação muito
estrita das condições de atribuição e contribui para a emergência de uma prática de
atribuição casuística e arbitrária, sujeita às maiores suspeições. Importa, por isso, fixar
critérios práticos, decorrentes da experiência acumulada de intervenção a nível local, e
transformá-los em critérios de serviço, sancionados por órgãos administrativos de nível
superior.
Um terceiro domínio relaciona-se com a frequência de alteração das funções do pessoal.
Em virtude do processo de ajustamento da actuação dos Centros às mudanças políticas e
aos novos instrumentos de intervenção, essas alterações têm como efeito uma reduzida
estabilidade nos postos ocupados pelos funcionários, sobretudo em certas categorias
como a do pessoal técnico, e, daí, um conhecimento menos seguro das situações de
terreno. Foram referidos, a propósito, alguns casos em que a substituição dos técnicos não
foi precedida de uma passagem de informação o que, não existindo em geral relatórios ou
outros registos da actuação, é praticamente inevitável.
Um quarto domínio, respeita ao défice de informação rigorosa sobre a realidade em que se
tem de intervir e, portanto, ao não cumprimento das obrigações que os diplomas que
estabelecem as estruturas orgânicas dos Centros instituiram com esse objectivo. As
entrevistas realizadas a técnicos e dirigentes mostraram claramente que não existem
“levantamentos sistemáticos e actualizados” que permitam carácterizar o risco social à
escala local, nem “estudos tendentes a equacionar respostas” para os problemas
específicos das zonas, nem “inventariação das necessidades e dos recursos existentes”,
nem “diagnóstico das situações de exclusão e carência social”, nem a maior parte dos
instrumentos de análise e de intervenção que compete aos serviços criar — tudo,
alegadamente, por falta de recursos.
Para além das limitações de meios, generalizadamente invocadas, o que se torna mais flagrante
nisto tudo é a reduzida interiorização, por parte dos responsáveis, da importância
de dispor de instrumentos rigorosos que permitam fundamentar as decisões e avaliar os
resultados da actuação dos serviços.
Finalmente, o problema da falta de cooperação com outros serviços. Em termos gerais, a
prática revela uma total ausência de coordenação das acções dos diversos serviços
pertencentes a diferentes Ministérios que actuam localmente (designadamente, aos
Ministérios da Solidariedade e Segurança Social, Saúde e Qualificação e Emprego). A este
propósito, é importante realçar que os Projectos de Luta contra a Pobreza e, mais
recentemente, o Rendimento Mínimo Garantido têm contribuído, de alguma forma, para a
implantação de uma nova filosofia de intervenção que aproxima os técnicos das diferentes
instituições e, portanto, têm proporcionado uma ocasião para alterar as mentalidades
dentro dos serviços e para estimular o trabalho em rede ou em parceria (Pereirinha, 1996).
5.4. A relação Estado-sociedade civil e os novos padrões de regulação social
As políticas sociais desenvolveram-se ao longo dos últimos anos em Portugal de uma
maneira descoordenada, ao sabor de pressões sociais e políticas e sem uma orientação
claramente definida. Por seu turno, a integração europeia teve um impacto positivo mas
reduzido na racionalização e harmonização das políticas sociais, até porque a UE hesita
perante o aprofundamento de uma política social europeia.
A natureza do Estado-Providência português — caracterizado por uma elevada autonomia
do Estado relativamente à sociedade civil, por uma baixa organização dos interesses da
sociedade civil, pelo peso de uma atitude benevolente relativamente aos administrados e
por uma elevada carga burocrática — não favorece uma reforma profunda das políticas
públicas apta a atribuir aos actores colectivos e às suas instituições o papel central
desempenhado até aqui, em exclusivo, pelo Estado.
As próprias instituições da sociedade civil portuguesa — carácterizadas pela sua
debilidade organizativa, pela ausência de uma cultura de cidadania e pela tradicional
dependência relativamente ao Estado — têm dificuldade em assumir a sua parte nas
responsabilidades sociais, assumindo uma postura ambígua de reivindicar para si a
iniciativa em matéria de protecção social e, ao mesmo tempo, de exigir do Estado que
continue a suportar os encargos e os riscos dessa iniciativa.
Se o discurso das instituições sobre as responsabilidades que cabem ao Estado e a elas
próprias é ambíguo, a sua postura reivindicativa face ao Estado parece ser ainda mais
estranha se se tiver em conta que elas recebem deste a maior parte das suas receitas e
atingiram um nível de dependência que as torna mais parte do Estado do que da sociedade
civil.
Dada a elevada heterogeneidade social da sociedade portuguesa e as complexas
interrelações clientelares entre as suas componentes, o processo de privatização do
Estado-Providência comporta diversos riscos. Por um lado, existe o risco de a
transferência, para instituições particulares de solidariedade social, de certas funções que
eram desempenhadas por instituições públicas ou por serviços dependentes não significar
uma autêntica mudança, em termos da qualidade dos serviços ou da relação com os
utentes, como se verá mais adiante. Por outro lado, existe o risco de interesses privados
conseguirem hegemonizar esse processo através de um discurso anti-estatista e antisolidarista,
cunhado por uma lógica individualista e de mercado, que deixará
inevitavelmente à margem a população de baixos recursos.
Dados os riscos apontados, as formas de regulação estatal que se seguem à fase do Estadoprodutor
directo de protecção social não implicam necessariamente a redução do papel do
Estado, mas sim a sua reorientação para outras funções que façam dele um verdadeiro
Estado-Providência activo apto a garantir a não discriminação entre indivíduos, grupos
sociais, gerações e regiões e, ao mesmo tempo, a assegurar uma dinâmica combinada de
socialização, descentralização e autonomização do social.
Ao invés da lógica clássica de estatização do social, a nova modalidade de intervenção
reguladora do Estado distinguir-se-á pela socialização do debate sobre as questões centrais
das políticas sociais, não deixando os interesses corporativos abafar esse debate, por uma
maior participação dos cidadãos na condução dos serviços públicos de protecção social,
combinando as normas de competência técnica e de qualidade com o primado da
orientação para os cidadãos em risco e pela promoção da auto-suficiência das organizações
da sociedade civil e da inovação socio-económica, dobrando as resistências dos notáveis e
evitando a burocratização das ajudas.
6. ANEXOS
ANEXO 1
FAMÍLIAS ENTREVISTADAS. PRINCIPAIS PROBLEMAS E APOIOS
CASAL DA GIESTA


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
1 4 50-100 Financeiros - única fonte é o vencimento do marido
que é incerto em virtude de trabalhar por conta
própria. Perda de salário da mulher e aumento das
despesas.
Saúde - mulher deixou de trabalhar devido a doença
de natureza psicológica e com poucas hipóteses de
recuperar, já foi a uma Junta de Invalidez e ficou
apta.
Família - os irmãos do marido ajudaram na
construção da casa; a sogra tem agricultura e dá-lhes
muitos géneros.
Segurança Social- a mulher em 4 anos sem trabalhar
recebeu 6 meses de baixa.
2 6 100-200 Saúde - mulher tirou uma mama por cancro e não lhe
é permitido fazer esforços, tem 52 anos e a Junta de
Invalidez considerou-a muito nova para ser
reformada.
Segurança Social- a mulher por alguns períodos tem
conseguido receber subsídio de baixa por doença.
Filhas têm passe de transportes públicos gratuito
para frequentarem a escola
3 2 0 Saúde - doença do marido com perda de
rendimentos e aumento de despesas; doença da mãe
provocou trabalho acrescido.
Emprego - precaridade de emprego do marido
limitou o acesso a subsídios.
Morte (da mãe) - perda de rendimentos.
Segurança Social - Recebe pontualmente as
“Baixas”. Por vezes recebe dinheiro para comprar os
medicamentos; antes da mãe falecer recebia 8 contos
mensais por tratar dela.
Médica de Família - quando tem os medicamentos
oferece- os.
4 3 50-100 Saúde - mãe idosa a viver com 2 filhas deficientes
por Paralísia Cerebral sempre muito preocupada com
o futuro das filhas quando ela morrer, recusa
interná-las porque não confia que sejam bem
tratadas.
Segurança Social - recebe subsídio de grande
invalidez para as filhas e a pensão de sobrevivência
dela.
Filhos – (vivem independentes) ajudam com
géneros alimentícios e encarregam-se das obras de
conservação e melhoria da casa.
5 2 ? Saúde - mulher mastectomizada por cancro da mama,
não pode trabalhar. Marido deixou de trabalhar por
doença na coluna. Ainda não recebem qualquer
subsídio a não ser “Baixas” pontuais.
Segurança Social - recebem “Baixas” pontuais.
Mulher refere ter sido apoiada psicológicamente pela
Liga Portuguesa Contra o Cancro.
6 3 ? Morte (do marido) por acidente de trabalho, ela
ficou com 9 filhos para criar, a companhia de
seguros apenas lhe deu 60 contos.
Saúde -sofre de Bronquite Asmática e tem que levar
oxigénio em casa.
Madrinha (onde estava como criada de servir) -
quando casou deu-lhe um barracão para morar.
Quando o marido morreu recebeu 60 contos.
A filha e genro trouxeram-na para viver com eles.
7 1 49 Saúde - marido esteve acamado em casa e a mulher
tratou dele até à morte. Nos contactos com o
hospital (HUC) sentiu-se sempre mal tratada,
principalmente, pelo Serviço Social que nem sequer
lhe ajudou a comprar a cama articulada e o colchão
Segurança Social - já após a morte do marido
recebeu 3 meses de subsídio de grande invalidez
para tratar dele. Recebe a reforma dela e a pensão do
marido.
Filha - comprava as fraldas para o pai.
Junta de Freguesia - ele tinha sido tesoureiro e
deram-lhe um pedaço de terra no cemitério para ele
ser enterrado.
IPSS - há um ano recebeu 1 caixote de mercearia,
mesmo sem ter pedido.
9 4 < 50 Saúde - marido sofre de Alcoolismo Crónico e de
Diabetes.
Filhos - mais velho é Deficiente Motor, o do meio
morreu por acidente-atropelamento. A mais nova é
trabalhadora estudante.
Vizinhos – quotizaram-se para pagarem as despesas
do funeral do filho.
Têm desconto no telefone devido à doença do
marido.
Junta de Freguesia - por vezes dá mercearias.
Filha - recebeu bolsa de estudo no 1º ano e no 3º
ano que está a frequentar do curso de Serviço
Social.
Indemnização pela morte do filho que deu para
comprarem a casa onde moram
10 6 170 Saúde – a mulher tem Cataratas com cegueira no
olho direito e grande diminuição de acuidade visual
à esquerda.
Financeiros - marido recebe uma reforma de 50
contos e ainda trabalham terras para tirarem sustento
para a casa. Filha e netos vivem com eles, genro
trabalha na construção civil em Lisboa.
Segurança Social - mulher recebe pontualmente as
“Baixas”.
Genro - paga a água e o telefone.
11 3 < 50 Saúde - mulher sofre de Doença Degenerativa do
Sistema Nervoso Central, está há 10 anos paralisada
da cintura para baixo, só se desloca em cadeira de
rodas.
Companheiro faz trabalhos esporádicos.
Esta união foi mal aceite na aldeia, o homem é
considerado malandro, pelo que não são apoiados.
Segurança Social - mulher teve direito à cadeira de
rodas e subsídio de grande invalidez e a abono
complementar.
Irmã da mulher - veste a filha e trata das roupas deles
(lava e passa) .
Junta de Freguesia - 1 vez por ano dá mercearias.
12 2 42 Saúde - mulher sofre de Doença Mental. Segurança Social - recebem metade do subsídio de
grande invalidez, da mãe do marido de quem tratam
a meias com outro filho; mulher recebe
pontualmente “Baixa”.


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
13 5 50-100 Saúde - marido sofre de Esquizofrenia.; mulher -
sofre de Depressão. Recusa internar o marido numa
instituição “tenho medo que o tratem mal”.
Filho - Toxicodependente
Irmãos da mulher - acolhem a irmã e os filhos
quando o marido tem crises e os põe fora de casa,
dão-lhe dinheiro e comida frequentemente.
Serviço Social do Hospital - tem arranjado os
tratamentos do marido e providencia o seu
internamento nas alturas de crise.
Segurança Social - casal recebe subsídio de
invalidez.
14 4 50-100 Morte (marido) que trabalhava numa fábrica de
azulejos. Na altura o filho mais velho estava
empregado e ajudava a mãe para criar os mais
novos, só que foi mobilizado para ir para Angola e
a mãe ficou só com os outros 3 filhos pequenos.
A filha mais nova divorciou-se e veio viver com os
dois filhos para a casa da mãe.
Tem uma nora que cortou relações com ela porque
não concorda com o acolhimento que ela deu à
filha.
Presidente da Junta de Freguesia era afilhado dela e
arranjou-lhe a licença para iniciar o comércio.
Segurança Social - recebe reforma 31 contos.
15 2 60 Saúde – dois membros do casal doentes. Segurança Social - os filhos há 5 anos juntaram-se e
inscreveram a mãe pagando as quotas dos anos
anteriores, depois foi estando de “Baixa” até ficar a
receber subsídio de invalidez. Marido pensionista.
16 4 100-200 Saúde - marido sofre de Alcoolismo desde que
esteve em Angola na guerra colonial.
Habitação – casa inacabada.
Financeiros - estão a pagar o empréstimo que
contrairam para casar o filho.
Durante 10 anos acolheram o pai do marido e este
dava-lhes o dinheiro da reforma.
Centro de Recuperação de Alcoólicos - o marido já
recebeu apoio por duas vezes
Segurança Social - mulher recebe pontualmente as
“Baixas”.
17 4 100-200 Mau relacionamento do casal - divórcio.
Marido - emigrou para o Luxemburgo, tinha muitas
dividas e não ajuda a mulher a criar os dois filhos.
Irmãos - ajudaram no divórcio e pagam a despesa
das crianças em roupa.
18 3 55 Mulher vivia com os pais em Lisboa e engravidou a
1ª vez aos dezassete anos os pais puseram-na na
rua. Mãe solteira teve oito filhos, deu os primeiros 6
para adopção e ficou com as 2 raparigas, uma tem
18 anos e a outra 1 ano.
Ocupação da mulher - prostituição justificada pela
falta de emprego.
Filha mais velha tem emprego precário em bares à
noite.
Pai - paga a renda da casa.
Caritas Diocesana - ofereceu-lhe emprego precário
(bordadeira).
IPSS - ofereceu o infantário para colocar a filha mais
nova durante o dia. Estão a tratar de conseguir o
RMG.
Segurança Social - recebeu uma vez 15 contos e
mais duas vezes 10 contos, para comprar alimentos.
19 2 < 100 Saúde - marido doente com artroses nos joelhos, foi
reformado e aguarda há três anos ser chamado para
operação no HUC.
Não referem ajudas.
20 4 42 Morte - filho mais velho aos 5 anos foi vítima de
atropelamento e faleceu.
Marido - aos 17 anos sofreu acidente de trabalho e
foi-lhe amputada uma perna.
Mulher - grande instabilidade emotiva.
Primo - ajudou a fazer a casa.
Segurança Social - de 2 em 2 anos recebe o dinheiro
para mudar a prótese. Recebe pensão de invalidez -
30 contosMulher recebe pontualmente as “Baixas”.
Recebe subsídio de grande invalidez para tratar da
sogra.
Recebe subsídio escolar para comprar os livros dos
filhos.
FLOR DE MALVA


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
1 4 50-100 Financeiros - devem dinheiro a pessoas amigas e a
estabelecimentos comerciais.
Habitação - não têm água nem saneamento, a
cozinha está incompleta (sem banca), a casa de
banho só tem sanita, têm apenas um quarto onde
dorme o casal com o filho, enquanto o sogro da
entrevistada dorme num "celeiro" (num divã) fora de
casa.
Saúde - alcoolismo do sogro; a entrevistada é
doente dos rins e não pode trabalhar.
Familiares - a entrevistada tem uma outra filha que,
por deliberação do tribunal, por não ter boas
condições de habitabilidade, está entregue à avó
materna, que a trata mal. A filha sofreu uma tentativa
de violação aos 5 anos. Existem problemas
conjugais entre o casal motivados pelas más
condições da habitação em que vivem e
consequente falta de intimidade. O sogro é
alcoólico e por vezes torna-se violento.
Segurança Social - o sogro recebe uma pensão de
velhice; recebeu subsídio de nascimento e aleitação
aquando do nascimento do filho e agora recebe
abono de família; o marido teve um acidente de
mota e recebeu "baixa" durante 2 meses.
Câmara Municipal - paga o almoço, tempos livres e
ginástica do filho na pré-primária; a assistente social
já lhes deu roupa para o filho.
Familiares - o sogro paga a renda da casa, luz,
alimentação da criação e contribui para a alimentação
da casa.
Vizinhos e amigos - dão-lhes roupas.
Comércio local - no talho e na mercearia facilitam-lhe
o pagamento.
2 4 < 50 Financeiros - têm dívidas (obras na casa, compras de
electrodomésticos, etc.).
Habitação - casa própria inacabada.
Saúde - acidente de trabalho do marido e problemas
de saúde daí resultantes (aumento de despesas em
médicos e medicamentos; limitação de acesso a
trabalhos mais pesados).
Emprego - ela está desempregada. Tirou um curso de
auxiliar de educadora de infância promovido pelo
Centro de Emprego e enquanto o esteve a frequentar
não recebeu subsídio social de desemprego e nunca
recebeu a remuneração prevista para o curso, bem
como o respectivo certificado. Ele tem tido
empregos precários, não só devido aos problemas e
saúde, como também dada a idade e baixo grau de
instrução (4ª classe).
Relações familiares - dão-se mal com os filhos mais
velhos do marido que não aceitaram o actual casamento
do pai.
Segurança Social - receberam uma vez um subsídio
de precaridade e também algum vestuário. Ela recebe
subsídio social de desemprego. Recebeu subsídio
de nascimento e de aleitação aquando do
nascimento da filha e recebe abono de família das
duas filhas. Ele já recebeu por 3 vezes subsídio de
desemprego.
Cruz Vermelha - géneros alimentícios no Natal e
Páscoa e financiam medicamentos.
Conferências de S. Vicente de Paulo - há alguns
anos ajudavam duas vezes por mês com géneros
alimentícios.
IPSS local - a filha frequenta gratuitamente o
infantário, sendo as deslocações também gratuitas.
Por vezes dão algum vestuário e no Natal ajudaram
com géneros alimentícios.
Centro de Saúde - isentos do pagamento de
consultas e exames médicos e, por vezes, o médico
dá-lhes amostras de medicamentos.
Escola Primária - a filha de 9 anos almoça todos os
dias na escola gratuitamente e tem subsídio escolar
para os livros.
Familiares - a irmã dela já lhes emprestou dinheiro e
a filha mais velha do marido por vezes dá vestuário
à irmã mais nova.
Comércio local - no talho e na padaria facilitam o
pagamento.
Amigos - vestuário, alimentação e outras coisas
(fogão, porta para a casa,...]
3 2 N/ têm
rendim.
fixo
Financeiros - a entrevistada não tem rendimento de
trabalho fixo (trabalha algumas horas quando lhe
pedem, como empregada de limpeza e na
agricultura), é mãe solteira e tem a seu cargo um
filho menor (17 anos).
Habitação - a casa tem boas condições mas a
entrevistada não tem condições para pagar a renda.
Emprego - precaridade do emprego da entrevistada.
Relações familiares - tem tido relações mal sucedidas
com vários homens (de que resultaram 2 filhos de
pais diferentes) que lhe originaram problemas como
a perda de habitação, de ajudas,...
Segurança Social - paga a renda de casa através da
atribuição de um subsídio, em princípio durante 2
meses. Recebe abono de família do filho.
Cruz Vermelha - géneros alimentícios duas vezes
por mês e financia medicamentos.
Conferências de S. Vicente de Paulo - ajudaram na
Páscoa com géneros alimentícios e vão iniciar um
auxílio mais regular (géneros, roupa e cama).
Câmara Municipal - paga metade do transporte
escolar do filho.
Ajuda do comércio local - Facilitam o pagamento.
Escola Secundária - O filho tem subsídio escolar
(paga metade dos livros, do transporte escolar e do
almoço).
Centro de Saúde - estão isentos do pagamento de
consultas e exames médicos por ela estar inscrita no
Centro de Emprego.
Amigos e vizinhos - dão-lhe géneros alimentícios,
vestuários e outras coisas. Alguns já lhe deram
alojamento em situações problemáticas.
Igreja - o Padre tem auxiliado, actuando como
intermediário em situações como na ajuda das
Conferências de S.V.P ou no possível futuro emprego
como cantoneira da Câmara.


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
4 2 50-100 Saúde - ela é muito doente (problemas originados
pelo acidente que sofreu- atropelamento- e epilepsia),
tem dificuldades de locomoção e, como tal, não
pode trabalhar e está reformada por invalidez (tem
apenas 44 anos).
Relações familiares -é mãe solteira ( o filho tem 17
anos), o pai do filho abandonou-a na igreja.
Segurança Social - ela recebe uma pensão de
invalidez.
Conferências de S. Vicente de Paulo - em tempos
ajudaram com géneros alimentícios uma vez por
mês.
IPSS local - no passado ajudavam-na com
alimentação, dando-lhe todos os dias o almoço.
Centro de Saúde - isenta do pagamento de
consultas e exames médicos por estar reformada.
Amigos e vizinhos - os donos da casa onde vive
são seus vizinhos e cobram muito pouco pela renda
de casa. A entrevistada apenas dá uma pequena contribuição
para a água e para a luz. Além disso, por
vezes, emprestam-lhe dinheiro e dão-lhe
medicamentos. Outros vizinhos e/ou amigos, por
vezes, emprestam-lhe dinheiro.
5 4 50-100 Habitação - a casa onde vivem é deles e tem boas
condições, mas o terreno em que foi construída tem
outros proprietários.
Saúde - ela é alcoólica e sofre de perturbações
mentais. Ele tem uma úlcera nervosa.
Relações familiares - ela quando bebe torna-se
agressiva, parte coisas em casa, trata mal o marido e
os filhos
Emprego - ela trabalha na agricultura por conta de
outrém (trabalho irregular e esporádico).
Relações familiares - a mãe dele esteve a viver com
eles durante algum tempo. O marido maltrata-a fisicamente
por ela ser alcoólica e como tal, foi viver com
o filho. Mas também houve desentendimentos com
o filho e a nora e ela voltou para casa.
Segurança Social - pensão de velhice dele e abono
de família dos dois filhos.
Cruz Vermelha - géneros alimentícios 2 vezes por
mês; há algum tempo atrás pagou uns óculos para o
marido.
Conferências S.V.P. - quando a filha era bebé
davam-lhes leite.
IPSS local - fez-lhes a casa onde vivem, incluindo
todas as despesas inerentes como electricidade,
água, etc., e ainda lhes deram algumas coisas para a
casa. Pagam a luz todos os meses. O filho frequenta
os tempos livres, almoça e lancha lá gratuitamente.
Dá-lhes o jantar já confeccionado todos os dias
(úteis). Quando ela esteve internada para fazer uma
laqueação das trompas, a filha ficou na residencial
da IPSS.
Centro Paroquial - a filha frequenta o infantário e
paga apenas o abono de família e, quando estão
com mais dificuldades financeiras, não pagam.
Escola Primária - Subsídio escolar para os livros do
filho.
Centro de Saúde - isentos de pagamento de
consultas e exames médicos
Familiares, amigos e vizinhos - dão-lhes vestuário.
Comércio local - Facilitam-lhes o pagamento.
6 5 N/ têm
rend. fixo
Habitação - não têm água canalizada nem
electricidade, a casa de banho é fora de casa e só tem
uma sanita. A casa é muito antiga e não está em
boas condições. Têm apenas 3 quartos, o casal
dorme num e os 3 filhos dormem no outro. A casa é
arrendada e o senhorio pô-los em tribunal.
Emprego - ele ganha à hora e faz o que lhe aparece
(corta pinheiros, trabalha nas obras, etc.).
Conferências S.V.P. - géneros alimentícios uma vez
por mês.
Cruz Vermelha - leite quando o filho era bebé.
Centro de Saúde - não paga consultas.
Tribunal - não pagam ao advogado porque ele tirou
um atestado de pobreza na Junta de Freguesia.
Vizinhos - costumam dar alguns géneros
alimentícios e roupa para os filhos.
Familiares - a mãe dela dá roupa para os filhos e uma
tia dá alguns géneros alimentícios.
Comércio local - facilitam o pagamento.
7 10 N/ têm
rend. fixo
Financeiros - rendimento irregular. O marido morreu
quando estavam a fazer a casa, tendo ficado cheia de
dívidas que ainda está a pagar.
Habitação - casa inacabada, sem electricidade nem
água, sem casa de banho, apenas 2 quartos para um
agregado tão numeroso.
Emprego - uma das filhas, com 16 anos, deixou de
estudar e está desempregada.
Relações familiares - os filhos não se dão bem com
ela nem com o companheiro. Tem alojado em casa
pessoas (algumas da família) que lhe têm causado
graves problemas (cortes de luz, água).
Segurança Social - pensão de viuvez dela, pensão
de sobrevivência e abono de família de 2 filhos e
abono não contributivo do filho mais novo.
IPSS local - os filhos passaram a frequentar a
instituição durante todo o dia, onde além de fazerem
as refeições, tomam banho, lavam-lhes a roupa e frequentam
os tempos livres gratuitamente, inclusive
as deslocações.
Escola Primária - subsídio escolar para os filhos.
Centro de Saúde - isenta do pagamento de
consultas e exames médicos.
Amigos - vestuário


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
8 6 50 - 100 Habitação - a casa tem boas condições mas tem falta
de espaço, só tem 2 quartos e os 3 filhos dormem
juntos num. Como a entrevistada tem problemas de
saúde e muita dificuldade em se locomover, tem
problemas por viver num primeiro andar.
Saúde – ela teve paralisia infantil, o que a
impossibilitou de ter uma vida profissional, visto
ter muitas dificuldades em andar. Um dos filhos também
é doente, foi operado e gastam muito dinheiro
com ele em medicamentos. Os 3 filhos do marido
são deficientes.O marido teve um acidente de
trabalho e está de "baixa".
Relações familiares - dificuldades de relacionamento
com os 3 filhos do marido.
Segurança Social - ajudou-os uma vez atribuindolhes
um subsídio de 10.000$00. Pensão de
invalidez dela, abono de família dos 5 filhos,
abono complementar a jovens defecientes dos 3
filhos. Paga o colégio de um dos filhos. O marido
está de baixa.
Cruz Vermelha - ajuda com géneros alimentícios e
financiando medicamentos.
Conferências S.V.P. - deram-lhes cobertores e no
passado chegaram a dar-lhes géneros alimentícios e
medicamentos.
Centro Paroquial - apenas cobram o abono por o
filho andar no infantário.
IPSS local - não cobra nada pela frequência, almoço
e deslocação dos filhos.
9 6 50-100 Saúde - tem uma filha (27 anos) deficiente mental,
uma filha (de 24) e dois filhos (de 22 e 21 anos)
com um pequeno atraso mental . O marido (que
faleceu há 4 anos) era alcoólico.
Habitação - vivem numa habitação social, com boas
condições mas com pouco espaço para um agregado
de 6 elementos (3 quartos).
Familiares - durante 5 anos viveram em casa de um
tio que tentou abusar sexualmente das filhas. O
marido maltratava-a a ela e aos filhos. Tem uma filha
solteira de 24 anos a viver com ela juntamente com
um filho, porque o marido foi preso.
Segurança Social - ela recebe: reforma por invalidez
e pensão de viuvez, pensão social de invalidez da
filha mais velha, pensão de sobrevivência do filho
mais novo, abono complementar a jovens
deficientes de 2 filhos. Cerca de uma vez por ano recebe
um subsídio de aproximadamente 20.000$00.
No passado, pagaram-lhe o colégio dos filhos, a
renda de casa, um subsídio de 3 em 3 meses e ainda
lhe davam roupa de cama.
Conferências S.V.P - ajuda com géneros
alimentícios e leite para o neto de 3 em 3 semanas .
Cáritas - deu-lhe uma vez alimentos.
Cruz Vermelha - Dá géneros alimentícios
esporadicamente, sobretudo no Natal e na Páscoa.
Amigos - dão-lhe mercearia e vestuário e emprestamlhe
dinheiro.
10 7 <50 Habitação - casa arrendada, de construção precária,
sem água canalizada, electricidade e casa de banho,
apenas com 2 divisões (quarto e cozinha).
Saúde - ele é doente e esteve de "baixa" durante 3
anos, não sabendo se lhe vão atribuir uma pensão
de invalidez. Um dos filhos (27 anos) é surdomudo.
Alcoolismo dela e de um filho (que está
preso).
Emprego - carácter esporádico do trabalho dela
(trabalha umas horas na agricultura quando lhe
pedem).
Problemas nas relações familiares - quando ela bebe
o marido maltrata-a. O filho que está preso,
alcoólico e toxicodependente, maltratava o pai e
partia coisas em casa.
Segurança Social - pensão social de invalidez do
filho, até há 2 meses o marido recebeu "baixa"
(durante 3 anos), aguardando a pensão de invalidez.
Cruz Vermelha - ajudou com géneros alimentícios
no Natal.
Conferências S.V.P. - no passado ajudaram tratando
de tudo para que o filho fosse para o colégio e
dando-lhes roupa de cama e dinheiro para a gasolina
da motorizada para poderem ir buscá-lo.
Igreja - o Prior da Paróquia ajudou-os na altura em
que ele foi operado a uma hérnia, pagando-lhes a
renda de casa durante cerca de 4/5 meses.
11 6 50-100 Saúde - ela é diabética e anda numa cadeira de
rodas. Um dos filhos teve um acidente e não pode
trabalhar.
Emprego - a nora está desempregada.
Habitação - casa de banho só com sanita.
Segurança Social - ela e um filho (27 anos) estão
reformados por invalidez, ela recebe pensão de
viuvez e abono de família de 3 netos.
Conferências S.V.P. - ajudam de 15 em 15 dias com
géneros.
IPSS local - emprestaram-lhe a cadeira de rodas.
Cruz Vermelha - ajudaram só uma vez com géneros
alimentícios.
Escola Primária - os netos têm subsídio escolar para
os livros e almoçam todos os dias gratuitamente na
escola.
Centro de Saúde - ela, o filho e a nora estão isentos
de pagamento de consultas e exames médicos.A
insulina é-lhe fornecida gratuitamente.
Amigos - géneros alimentícios, dinheiro, vestuário.
Comércio local - Facilitam o pagamento.
12 3 100-150 Habitação - habitação clandestina. Não tem água
canalizada, electricidade e a casa de banho só tem
sanita e lavatório. Quando chove, entra água dentro
de casa.
Saúde - o marido (já falecido) era alcoólico e
maltratava-a a ela e aos filhos. Ela tem problemas de
bronquite.
Emprego - ela trabalha na agricultura, à hora,
quando aparece trabalho (rendimento irregular).
Segurança Social - pensão de viuvez dela, pensão
de sobrevivência da filha.
IPSS local - fizeram-lhe a casa de banho e pagaram
todas as despesas. A filha trabalha lá e traz todos os
dias comer confeccionado para o jantar dela e da
mãe.
Conferências S.V.P.- no Natal ajudam com géneros
alimentícios. No passado, ajudaram com medicamentos
e exames médicos.
Cruz Vermelha - no Natal costumam ajudar com
géneros alimentícios.
Centro de Saúde - ela e a filha estão isentas do
pagamento de consultas e exames médicos.
Amigos - vestuário.
Comércio local - facilitam o pagamento.


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
13 3 N/ têm
rend. fixo
Saúde - o casal teve um acidente de motorizada e
como consequência, ela já foi operada várias vezes e
anda numa cadeira de rodas.
Relações familiares - o marido é alcoólico, trata-a mal
e tem uma amante (de quem tem filhos).
Santa Casa da Misericórdia - emprestaram-lhe a
cadeira de rodas.
Visitadoras de doentes - foram visitá-la e deram-lhe
1000$00.
Conferências S.V.P. - no passado, com géneros
alimentícios.
Centro de Saúde - ela está isenta de pagamento de
consultas e exames médicos (atestado de pobreza).
Amigos e vizinhos - Géneros alimentícios, comer
confeccionado, dinheiro, etc.
14 7 < 50 Habitação -só tem água fria e a electricidade está
ligada à casa do irmão que quando se zanga a
desliga. Tem apenas 2 quartos.
Emprego - ela trabalha esporadicamente.
Relações familiares - o marido foi morto pelo irmão
dela. Ele maltratava-a e aos filhos. Há cerca de 3
anos viveu com um homem mas desentenderam-se e
ela mandou-o embora. Estava grávida e ele não a
ajuda a sustentar a filha.
Segurança Social - pensão de viuvez, pensão de
sobrevivência dos 5 filhos do marido, abono de
família dos 6 filhos. Uma vez atribuiu-lhe um
subsídio de 20.000$00.
IPSS local - dão-lhe diariamente o comer já
confeccionado, fruta e leite.
Conferências S.V.P - ajudam mensalmente com
géneros alimentícios, financiam medicamentos e, no
início do ano lectivo, na compra de algum material
escolar e com livros usados.
Cruz Vermelha - géneros alimentícios no Natal.
Escolas - os filhos têm subsídio escolar que paga
metade do valor dos livros e um dos filhos tem
transporte e alomoço gratuito.
Amigos e vizinhos - géneros alimentícios e
vestuário.
Comércio local - facilitam o pagamento.
15 6 50-100 Habitação - habitação social, com más condições,
casa de banho só com sanita, 3 quartos e um anexo
de madeira construído no pátio.
Emprego - ela trabalha na agricultura ou a fazer
serviço doméstico quando aparece alguma coisa.
Relações familiares - uma filha, alcoólica, faleceu há
3 anos. Más relações com esta que era solteira e teve
5 filhos. Criam dois deles. Um dos filhos que vive
com eles esteve preso.
Segurança Social - pensão de velhice dele, abono
de família da neta.
Conferências S.V.P. - ajudaram no Natal com
géneros alimentícios. No passado pagaram-lhe
metade da renda de casa.
Escola Preparatória - a neta tem um subsídio escolar
que paga a totalidade dos livros e almoça na escola
gratuitamente.
Centro de Saúde - ela e o marido estão isentos do
pagamento de consultas e exames médicos.
Amigos - vestuário para a neta.
16 5 ? Habitação - só têm água fria, casa de banho só com
sanita, um único quarto. Iniciaram obras (quartos e
casa de banho) mas não têm dinheiro para continuar.
Saúde - dois filhos são deficientes mentais. Ela é
doente e não pode trabalhar.
Emprego - ele é marinheiro e está desempregado
Segurança Social - ajudou uma vez através da
atribuição de um subsídio de 60.000$00. Abono
de família dos 3 filhos e abono complementar a
jovens deficientes dos 2 filhos.
Conferências S.V.P.- ajudam mensalmente e no
Natal com géneros alimentícios, financiam
medicamentos e encaminham-nos para serviços de
apoio.
Câmara Municipal - ajudou na compra de material
escolar para os filhos.
IPSS local - dois dos filhos frequentam-na
gratuitamente (tempos livres, almoço e lanche). Um
deles trabalha nas oficinas da instituição e recebe
10.000$00/mês.
Centro de Saúde - ela e os 2 filhos deficientes estão
isentos do pagamento de consultas e exames médicos.
Família - a casa onde vivem é dos pais deles e não
pagam renda.
Amigos, conhecidos, professores - vestuário,
material escolar.
17 6 50-100 Saúde - o filho (13 anos) tem problemas do foro
psiquiátrico e já se tentou suicidar 3 vezes, estando
a ser acompanhado pelo serviço de psiquiatria do
hospital e pela Reinserção Social. A filha (10 anos)
ficou perturbada psicologicamente depois de ser
assediada sexualmente pelo pai e esteve a ser
apoiada pelo serviço de psiquiatria do hospital.
Emprego - ela teve vários empregos temporários.
Relações familiares - o primeiro homem com quem
viveu maltratava-a. O marido (de quem está
divorciada desde Janeiro de 97) tentou assediar
sexualmente a filha e também a maltratava.
Segurança Social - recebe abono dos 4 filhos.
Quando a filha era bebé pagaram 2 meses a uma ama
e depois de ter ido para a IPSS local pagaram algum
tempo a mensalidade. Ajudaram-na uma vez a pagar
uma conta de electricidade. Recentemente deram-lhe
um subsídio de 30.000$00. Os filhos vão para
colónias de férias gratuitamente.
Conferências S.V.P - ajudam a pagar a renda de
casa.
Cruz Vermelha - ajudam pelo Natal e Páscoa com
géneros alimentícios e financiam medicamentos.
IPSS local - os 2 filhos mais novos frequentam os
tempos livres, almoçam e lancham gratuitamente,
desde que ficou desempregada.
Escolas - os filhos têm subsídio escolar que paga
parte dos livros e um deles almoça no ciclo
gratuitamente. Uma das filhas está num colégio interno
e só paga o abono.
Família e Amigos - ajudam-na com despesas e
vestuário.


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
18 4 50-100 Saúde - está grávida e a gravidez é considerada de
risco (está de "baixa" até ao parto).
Relações familiares - dá-se mal com a mãe (por isso
saiu de casa muito nova) e tem recebido maus tratos
dos homens com quem tem vivido. É mãe solteira ,
3 filhos morreram num incêndio, perdeu contacto
com outro (está com o pai) e deu uma filha para
adopção. Tem ainda 3 filhos a viver com ela. A mais
velha (9 anos) tem problemas de aprendizagem.
Segurança Social - abono não contributivo dos
filhos. Está a receber "baixa".
Conferências S.V.P. - géneros alimentícios de 3 em
3 semanas. No passado pagavam-lhe a renda de casa
mas o dinheiro era financiado pela Câmara.
Cruz Vermelha - géneros alimentícios de 15 em 15
dias e medicamentos.
IPSS local - ajudam-na a pagar a renda de casa. Dois
filhos frequentam os tempos livres, almoçam e
lancham gratuitamente. Dão-lhe diariamente o jantar
já confeccionado.
Centro Paroquial - a filha mais nova frequenta
gratuitamente o infantário.
Escola Primária - dois filhos têm subsídio escolar
que paga os livros na totalidade.
Câmara - pagou-lhe a renda durante um tempo
através da atribuição de um subsídio às
Conferências S.V.P.
Centro de Saúde - isenção de pagamento de
consultas e exames médicos.
Família - géneros alimentícios.
Comércio local - facilitam o pagamento.
19 6 150-200 Financeiros - têm o filho, a nora e 2 netos a viver
com eles, representando um grande acréscimo nas
despesas.
Emprego - a nora está desempregada e o filho
também esteve muito tempo sem trabalhar.
Saúde - ela é doente há vários anos e está de
"baixa". A neta tem vários problemas de saúde.
Familiares - o marido saiu de casa durante 6 anos
devido aos problemas com os filhos e por ter o
vício do jogo; o filho (toxicodependente) esteve
preso duas vezes.
Conferências S.V.P. - géneros alimentícios e
esporadicamente, medicamentos.
Centro Paroquial - quando se atrasa com o
pagamento do infantário da neta, eles facilitam.
Cruz Vermelha - quando esteve de "baixa" durante
muito tempo, deram-lhe géneros alimentícios no
Natal e leite para a neta quando era bebé.
Centro de Saúde - isenção do pagamento de
consultas e exames médicos.
20 2 nenhum Habitação - vivem nuns currais de uma casa sem as
mínimas condições de habitabilidade; a casa é
emprestada e por vezes têm problemas com os
donos; não têm água, electricidade, casa de banho,
cozinha.
Emprego - estão ambos desempregados; trabalham
esporadicamente na agricultura por conta de outrém.
Cruz Vermelha - ajudam mensalmente com géneros
alimentícios.
Familiares - por vezes vão comer a casa da mãe dela.
GUIÃES


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
1 4 50-100 Financeiros - pediram um empréstimo para pagar a
casa e estão com dificuldades em pagá-lo, apesar de
ambos estarem empregados (a mulher é operária
têxtil e o marido trabalha na construção civil (por
conta de outrem)
Nenhum
2 2 0 Habitação – casa sem condições (não tem água nem
casa de banho).
Saúde - marido (alcoolismo, diabetes); mulher
(úlcera).
Emprego - ambos estão desempregados (a mulher
praticou durante algum tempo uma forma de
prostituição consentida pelo marido).
Relações familiares – problemas devido ao
alcoolismo dele.
Segurança Social - receberam subsídio de
desemprego durante 18 meses.
Ajuda da população (esmolas, roupas e alimentos).
PJF - indicou-lhes a Cruz Vermelha que lhes deu
roupas e alimentos.
Assistente social da CM - orientou-o para que
pedisse uma reforma.
Centro de Dia do Concelho - ajuda-os no Natal.
3 4 50-100 Saúde - mulher tem anemia, sendo às vezes
internada e não podendo trabalhar.
Emprego - instabilidade por parte do marido
(trabalha na construção civil por c. outrem, ganha
ao dia e nem sempre tem trabalho). Ela é operária
têxtil.
Ajuda dos vizinhos.
4 1 < 50 Saúde - entrevistado tem perturbações psicológicas.
Emprego – está desempregado.
Tio - a nível financeiro.
IPSS concelhia.- Curso de Calçado Tradicional
5 3 < 50 Saúde - todo o agregado tem problemas de saúde,
ele sofre de perturbações psicológicas e de gastrite
nervosa, ela sofre de depressões (neurose) e tem um
mioma, e o filho tem um sopro no coração.
Emprego - marido não tem emprego porque não
quer trabalhar e ela está desempregada.
Insucesso escolar - do filho devido a problemas
emocionais.
Relações familiares - bastantes discussões e por
vezes, violência física.
Ajuda dos vizinhos (alimentos e guarda do filho
quando ela tem que ir trabalhar).
IPSS concelhia.- a mulher é formanda do Curso de
Calçado Tradicional
Segurança Social – abono de família
6 4 50-100 Saúde - marido (alcoolismo e doença nos pulmões).
Emprego - desemprego do marido. A mulher e a
filha são empregadas fabris.
Relações familiares – problemas devido ao
alcoolismo dele.
Segurança Social – marido recebe baixa.
7 6 < 50 Habitação - sem casa de banho e sobreocupação do
espaço.
Saúde - mulher sofre de perturbações psicológicas.
Emprego - desemprego do marido que deixou de
trabalhar devido à doença da mulher (tratar dos
filhos). Ela é doméstica.
Relações sociais - conflitos com uma vizinha.
Insucesso escolar dos filhos.
Segurança Social – quando a mulher esteve doente,
o marido recebeu baixa durante 2 meses mas depois
deixou o emprego. Recebe abono de família dos
filhos.
IPSS - Ele é formando do Curso de Calçado
Tradicional
8 2 <50 Saúde - do entrevistado (alcoolismo e perturbações
psicológicas) e da mãe (coluna e derrame).
Emprego - instabilidade no emprego do
entrevistado e desemprego actual.
Segurança Social – a mãe recebe uma pensão de
invalidez.
9 12 <50 Habitação - casa em ruínas e com espaço exíguo (3
quartos e uma sala).
Saúde - entrevistado (alcoolismo e consequente
acidente de motorizada que o deixou com uma deficiência
numa perna tendo já sido submetido a várias
intervenções cirúrgicas).
Emprego - desde o acidente, ele está desempregado.
Mais ninguém trabalha na família.
Relações sociais – problemas com vizinhos.
Segurança Social – a mãe do entrevistado recebe
uma pensão de invalidez. Recebe abono de família
de uma filha que ainda é estudante.
IPSS - ele é formando do Curso de Calçado
Tradicional
10 4 50-100 Habitação - casa emprestada, com casa de banho
incompleta e sem esgoto.
Emprego - o marido trabalhava numa fábrica que
faliu há 2 anos e desde aí que não trabalha; a
mulher também trabalhava numa fábrica mas como
era longe e o único meio de transporte que possuía
era uma motorizada que a prejudicava em termos de
saúde (hérnia discal), deixou o emprego.
Relações sociais – más relações com os vizinhos
(que afirmam já terem ultrapassado).
Segurança Social – o marido recebeu o subsídio de
desemprego e agora vai passar a usufruir do
subsídio social de desemprego. A mulher recebeu o
subsídio de desemprego durante mais de um ano
mas actualmente não tem qualquer rendimento.
Abono de família
Os filhos têm subsídio escolar, recebem uma refeição
gratuita na escola e não pagam o transporte.
11 4 50-100 Saúde - o marido é inválido (acidente de viação) e
não pode trabalhar; a mulher teve de ser operada ao
útero e nessa altura não pôde trabalhar (não auferiam
qualquer rendimento). Ela é operária.
Familiares - a mãe dele dá-lhes mercearia.
Segurança Social – Recebem abono de família dos
filhos.
12 6 50-100 Habitação - espaço exíguo para um agregado de 6
elementos, a casa necessita de obras (entra água
quando chove).
Saúde - a mulher sofre de problemas de ossos.
Emprego - um dos filhos está desempregado, o
marido não tem emprego estável (trabalha aos dias a
limpar árvores) e ela é doméstica.
Familiares – tia dá-lhes roupa.
13 2 50-100 Habitação - casa de banho incompleta e casa
degradada.
Saúde - o marido está cego e a mulher tem
problemas intestinais e de estômago (várias vezes
internada).
Segurança Social – o marido recebe uma reforma de
invalidez e a mulher uma pensão de velhice.
14 4 N/ têm
rend. fixo
Saúde - o marido é alcoólico e uma das filhas tem
epilepsia.
Financeiros - vivem da venda de produtos que
cultivam, o que não lhes dá para pagar as prestações
para a Casa do Povo.
Recebe subsídio escolar (livros e transporte)
Segurança Social – abono de família das filhas.
15 4 < 50 Habitação - não tem água canalizada.
Saúde - a mulher tem problemas de intestinos e
ovários, o marido é alcoólico.
Relações familiares – problemas devido ao
alcoolismo do marido.
Segurança Social – ambos os membros do casal
recebem uma pensão de invalidez.
Ajuda de vizinhos.
Familiares - filha e madrinha ajudam com dinheiro e
alimentos.
16 5 < 50 Habitação - sobreocupação do espaço.
Saúde - da mãe (trombose) e do pai (artrose).
Emprego- a entrevistada é viúva e está
desempregada há 14 anos (altura em que a fábrica
onde trabalhava faliu).
Segurança Social – o pai recebe uma pensão de
velhice e a mãe uma reforma de invalidez.
17 4 50-100 Habitação- a casa onde vivem é emprestada
(cunhado) e necessita de obras.
Emprego- o marido não tem vencimento fixo e ela é
doméstica.
Centro de Saúde e farmacêutica - leite e papa para a
bebé.
Familiares - sogra (alimentos, fraldas e obras) e cunhado
(empresta-lhes a casa e financia algumas
obras).
18 4 50-100 Saúde - o marido é doente (foi operado 2 vezes ao
coração) e não pode trabalhar.
Emprego - desemprego da entrevistada e de uma
filha (à procura de 1º emprego).
Segurança Social – a entrevistada recebe subsídio
de desemprego e o marido é reformado por invalidez;
abono de família do filho.
A filha está a fazer um curso de formação
profissional (IEFP).
Subsídio escolar (alimentação e transporte)
19 3 100-150 Habitação - espaço exíguo (a filha de 2 anos dorme
com os pais); já tiveram várias casas (ordens de
despejo por falta de pagamento).
Saúde - a entrevistada tem problemas de diabetes e
obesidade e o companheiro tem problemas psicológicos
e hábitos alcoólicos, às vezes excessivos.
Emprego - ambos têm empregos instáveis.
Relações sociais - devido a conflitos que ele tem
com a justiça (furto) e falta de pagamento de rendas
de casa.
IPSS - emprestou-lhes dinheiro para pagar a renda
da casa, comprar um aparelho para leitura de glicémias
(a SS atrasou-se no pagamento) e aquisição
de óculos. Ela está a fazer um curso de calçado artesanal
promovido por essa instituição e financiado
pelo IEFP e o marido está a trabalhar na CM em
serviços de exterior (limpeza, pequenas obras) no
âmbito do Programa de Ocupação a Carenciados
(POC) que tem por base o RMG. Também através do
RMG, ele está a ter apoio psicoterapêutico regular.
Cruz Vermelha - alimentos.
Familiares - pais dela e amigos (roupas, pagamento
adiantado de serviços).
Associação de Beneficência da sede de Concelho
aceitou a filha no Jardim de Infância sem qualquer
pagamento.
Segurança Social - recebe abono de família e após o
nascimento da filha esteve a receber durante 3 meses
um subsídio de 50000 c./mês.
20 4 < 50 Habitação - a casa onde vivem está em ruínas, não
tem casa de banho, nem água.
Financeiros- o marido suicidou-se e ela (doméstica)
ficou sem qualquer rendimento e com dívidas.
Familiares- um primo emprestou-lhe dinheiro para
pagar o funeral do marido, ajudou-a a resolver o
problema das dívidas do marido, pagou-lhe algumas
vezes a Casa do Povo e a electricidade, dá-lhe
alimentos.
Vizinhos- dão-lhe dinheiro e géneros em troca de
serviços prestados.
Câmara Municipal - paga a alimentação dos filhos
no Centro de Dia da IPSS.
Segurança Social - Recebe abono de família e uma
pensão de sobrevivência.
SANDOFIM


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
1 7 100
(incerto)
Financeiros - baixos rendimentos
Habitação – casa em obras, sem água canalizada
nem casa de banho
Saúde – muitos problemas do filho mais novo, que
provoca muitas despesas
Abono família, subsídio de nascimento e aleitação
Segurança Social - eceberam durante algum tempo
ajudas em alimentos da Cáritas
2 8 40 Financeiros - baixos rendimentos, agregado amplo
Habitação – casa clandestina
Saúde – a mulher tem problemas de saúde devido
às más condições de trabalho que teve e a um
acidente grave que sofreu; hoje está incapacitada
para o trabalho; os filhos têm tido vários problemas
de saúde
Relações familiares - uma das filhas do casal
abandonou a casa e deixou as duas filhas; o genro
é alcoólico e maltratava a mulher; a mulher cuida da
mãe inválida
Nenhum
A mulher desconhece os direitos relativos à
Segurança Social, disseram-lhe que não tinha
direito a reforma. Depois do acidente recebeu 6
contos do seguro
3 11 100-150 Financeiros - baixos rendimentos, agregado amplo
Relações familiares - é a segunda ligação para os
dois e ambos têm vários filhos do anterior casamento;
a mulher tem 4 filhos de uma relação
anterior que abandonou porque o companheiro era
alcoólico, não trabalhava e maltratava a família,
nessa altura passou por profundas situações de
privação
Saúde - os filhos, de cada um e de ambos, têm tido
graves problemas de saúde e sofrido diversos
acidentes; a filha solteira tem um filho deficiente
com 3 anos, do qual têm que cuidar
Emprego - o marido deixou de trabalhar devido a
problemas de saúde
Segurança Social - abono de família, abono complementar,
subsídio de apoio a terceira pessoa
Pediram ajuda a uma instituição para adquirir uma
cadeira para o neto deficiente
Desconhecem os direitos relativos à Segurança
Social, não recebem pensão de reforma ou invalidez
4 5 30 Financeiros - baixos rendimentos; as 5 pessoas
vivem da reforma da avó da mulher
Habitação - a casa precisa de obras e não tem casa
de banho
Emprego - ambos os membros do casal estão desempregados
Segurança Social - recebem o subsídio de aleitação
Cáritas – deu-lhes comida mas queixam-se da
qualidade e da quantidade dos produtos
A mulher diz que desconhece os direitos relativos à
Segurança Social
5 4 18 Financeiros - baixos rendimentos; a mulher ficou
viúva com 4 filhos menores, hoje vivem da pensão
de viuvez
Saúde – ela tem graves problemas devido a um acidente
de trabalho e o filho também
Emprego - ela está desempregada devido aos problemas
de saúde; o filho mais velho trabalha mas
está quase sempre de baixa
Segurança Social - pensão de viuvez
6 5 120 Financeiros - baixos rendimentos
Habitação - vivem numa casa da cerâmica com
muito pouco espaço
Relações familiares - a mulher é viúva, o marido era
alcoólico e maltratava-a; a nora é ainda adolescente,
tem uma criança pequena que nasceu prematura e
tem problemas de saúde
Segurança Social - pensão de viuvez; abono de
família e subsídio de aleitação
8 5 130 Financeiros - baixos rendimentos; tiveram que
pagar uma multa de 100 contos pelo envolvimento
do marido num acidente
Emprego - o marido está desempregado
Habitação - vivem numa casa da cerâmica em
bastante mau estado e sem casa de banho
Saúde - um dos filhos sofre de bronquite asmática e
tem que ser assistido em Coimbra
Segurança Social - abono de família e subsídio de
nascimento e de aleitação
Cáritas - roupas
Subsídio de acção escolar
9 4 100
(incerto)
Financeiros - baixos rendimentos
Habitação - casa clandestina, casa de banho ainda
incompleta
Nenhum
10 6 120 Financeiros - baixos rendimentos
Desemprego
Relações familiares - instabilidade das uniões
conjugais.A entrevistada tem 3 filhas de 2 uniões
diferentes; abandonou os dois companheiros
porque eram os 2 “vagabundos”, nenhum deles
contribui para o sustento das filhas que têm tido
diversos problemas de saúde; foi viver com os pais
depois de ter suportado condições de habitação
muito más; está novamente grávida e desempregada.
Tem problemas com os irmãos por os pais a
ajudarem
Nenhum
11 5 90 Financeiros - baixos rendimentos
Emprego – mulher desempregada
Habitação - vivem no bairro da cerâmica numa casa
muito degradada, sem água nem casa de banho
Segurança Social - abono de família e subsídio de
nascimento e de aleitação
12 4 35 Financeiros - baixos rendimentos
Relações familiares - o casal vai divorciar-se
Saúde - mulher está doente e incapacitada para o
trabalho; o filho mais velho é toxicodependente e
emigrou para fugir “às companhia”; o filho mais
novo tem problemas de epilepsia e é assistido em
Coimbra regularmente
Nenhum
13 4 100 Financeiros - baixos rendimentos
Habitação - casa clandestina, arrendada, degradada,
sem casa de banho
Emprego – a mulher está desempregada vive com a
filha e o genro, está a criar uma criança com 3 anos
que foi abandonada na sua casa quando tinha 3
meses
Morte - morreu um filho com 17 anos, há 3 anos
Nenhum
O filho morreu num acidente de trabalho mas não
recebeu nenhuma indemnização, foi o patrão que
pagou o funeral
15 4 65 Financeiros - baixos rendimentos
Habitação - a casa pertence ao pai da mulher que
está emigrado, a casa está inacabada e degradada
Emprego - precaridade do emprego do marido: tem
trabalho de forma intermitente, já teve uma experiência
(curta) de emigração na Alemanha
Relações familiares – é a segunda ligação da
mulher, que tem uma filha da primeira, o que tem
levantado problemas com a família
Saúde - a filha mais nova tem epilepsia e necessita
de internamentos
Nenhum
A mulher tem dúvidas sobre os direitos relativos às
prestações familiares, devido à instabilidade de emprego


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
16 5 70-75 Financeiros - baixos rendimentos Habitação -
Relações sociais e familiares - o pai da mulher
morreu quando ela tinha 12 anos e aos 14 anos
teve que sair de casa “para ajudar a mãe”, esteve
numa rede de prostituição, aos 17 anos teve a primeira
filha, o companheiro da altura tentou vender
a criança mas ela conseguiu recuperá-la pagando 90
contos; quando se juntou com o actual companheiro
teve muitos problemas com um cunhado
que na altura vivia com eles; agora alojam uma irmã
dele
Saúde - a mulher teve um acidente grave e em
consequência perdeu a memória, sente-se incapacitada
para trabalhar
Segurança Social - abono de família
A mãe da mulher ajuda
Vizinhos - dão roupa
Banco de Leite, Cáritas e “Irmãs” - dão roupa e
alimentação
17 4 110-120 Financeiros - baixos rendimentos
Habitação - más condições de habitação
Saúde – problemas dos dois membros do casal
Nenhum
18 5 44 Financeiros - baixos rendimentos
Saúde – invalidez do marido
Habitação - casa clandestina, inacabada, espaço
exíguo, casa de banho no exterior sem esgotos
Relações familiares - viveram 10 filhos em 17 anos,
morreram 2 de acidente; hoje só um vive com os
pais, já criaram alguns dos netos
Segurança Social - pensão de invalidez
19 3 60 Financeiros - baixos rendimentos
Desemprego
Habitação - casa arrendada, não tem água nem casa
de banho e muito más condições de habitabilidade
Saúde – a mulher teve um acidente grave, em
consequência ficou incapacitada para o trabalho; O
companheiro teve um acidente de trabalho o ano
passado e esteve sem trabalhar
Relações familiares - é o segundo casamento da
mulher, o primeiro marido foi assassinado, 3 anos
depois foi viver com o companheiro actual
Segurança Social - pensão de viuvez
O homem teve um acidente de trabalho o ano
passado e não recebeu qualquer subsídio
20 8 160 Financeiros - baixos rendimentos; agregado amplo
Habitação - casa arrendada, muito velha e em mau
estado, só é habitável devido a um grande esforço
de conservação, utilizam plástico para revestir o
telhado e as paredes
Emprego - precaridade do trabalho do marido
Saúde - precária da mulher devido às más
condições de trabalho que teve como forneira,
nunca mais trabalhou. Filhos têm problemas de. O
irmão da mulher que vive com eles tem um braço
amputado em consequência de um acidente de
trabalho
Insucesso escolar
Segurança Social - pensão de sobrevivência da mãe
da mulher
Cáritas
IPSS - as crianças comem na cantina
Banco de Leite - um litro de leite por dia
21 9 170 Financeiros - baixos rendimentos; tiveram o
ordenado em atraso durante vários meses,
Habitação - construiram a casa num terreno do pai
da mulher, a partir de um curral que lá existia
Emprego - precaridade do trabalho do marido,
agora a mulher está de licença de parto
Relações familiares – é o segundo casamento da
mulher; o anterior marido era alcoólico e maltratavaa
e aos dois filhos; viveu em casas sem condições e
passou fome até conhecer o actual marido. Têm 7
filhos, os dois últimos foram “uma surpresa” e
vieram “piorar a vida” porque impedem a mulher de
trabalhar
Segurança Social - abono família
Conhecidos - dão roupa
IPSS - Serviço de creche
Acção escolar - transporte e subsídio para livros
22 9 200 Financeiros - baixos rendimentos; 7 filhos, todos
menores dependentes
Habitação - vivem numa casa da fábrica de cerâmica,
espaço exíguo, sem água, nem luz nem casa de
banho - utilizam a da fábrica
Saúde - a mulher tem “problemas de nervos”, os
filhos têm problemas de saúde
Insucesso escolar
Segurança Social - abono de família
Pessoas amigas - dão roupas
23 8 160 Financeiros - baixos rendimentos
Habitação - casa da fábrica de cerâmica, têm apenas
um quarto, uma sala e uma cozinha para 8 pessoas
Saúde - os filhos têm tido vários problemas de
saúde que têm implicado muitos gastos
Segurança Social - abono família
Comunidade - tem ajudado com dádivas em roupa
e alimentação
Farmacêutico - fia os medicamentos
IPSS - serviço de creche
Autarquia - fornece o passe para dois dos filhos
estudantes


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
24 5 100 Financeiros - baixos rendimentos
Habitação - casa arrendada, foram construindo a
partir de uns currais, não tem água nem casa de
banho, tem luz “puxada” de um vizinho
Emprego - precaridade do emprego do marido e dos
filhos, a mulher trabalhou sempre na agricultura
nunca fez descontos para a Segurança Social
Nenhum
Apesar de já terem estado desempregados diversas
vezes nunca receberam subsídio de desemprego
25 9 70 Financeiros - baixos rendimentos, agregado amplo
Habitação - 2 quartos e uma sala para 9 pessoas,
não tem água canalizada
Relações familiares - a mulher era mãe solteira e
casou com este marido porque ele ficou viúvo e
procurou alguém para casar; quando casaram não se
conheciam
Emprego – precaridade: o marido tem sucessivos
empregos, a mulher é doméstica e trabalha na
agricultura, às vezes “faz umas horas”
Segurança Social - abono de família
Pessoas conhecidas - às vezes dão roupa
Uma vizinha - dá alimentação
TORMES


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
1 6 < 50 Financeiros - baixos rendimentos (curso de
formação que a mulher frequenta); familiares a cargo
sem apoio institucional (marido toxicodependente);
dívidas; filhos a viver com outros familiares.
Habitação – casa sem água, sem cozinha, nem casa
de banho); sobreocupação.
Saúde - toxicodependência do marido.
Emprego - ambos os membros do casal estão
desempregados; precaridade de trabalho (passado de
trabalho sem direitos).
Isolamento social.
Segurança Social - medicamentos, curso de
formação, pagamento da creche há um ano.
Junta de Freguesia - habitação, equipamentoinfância.
Centro de Apoio a Toxicodependentes
Familiares – pai dá ajuda financeira.
2 7 < 50 Financeiros - baixos rendimentos; familiares a cargo
sem apoio institucional (crianças); recurso a actividades
marginais ('puxar a luz', recolher papel velho);
não frequência de equipamentos/serviços (filhos)
para evitar despesas.
Habitação - auto-construção (barraca), casa de banho
só com retrete, ratos, cobras.
Saúde - toxicodependência de um irmão e
deficiência de outro.
Emprego - mais do que um elemento do agregado
está desempregado ; precaridade de trabalho
(rendimentos instáveis e passado de trabalho sem
direitos).
Segurança Social - medicamentos, curso de
formação, abono de família, irmão deficiente recebe
reforma do pai, mãe recebe uma reforma de um
homem com quem viveu antes do marido.
Junta de Freguesia - habitação, medicamentos.
Centro de Reabilitação - frequência do irmão
deficiente.
Projecto Luta Contra a Pobreza - curso de
formação/bolsa.
Familiares, Vizinhos e pessoas amigas/conhecidas -
dinheiro ou alimentos
3 6 100-150 Financeiros - baixos rendimentos para a dimensão
do agregado; familiares a cargo sem apoio institucional
(doentes/toxicodependentes); dívidas,
recurso a penhora.
Habitação - auto construção (anexos); más
condições (casa de banho e cozinha fora de casa).
Sobreocupação.
Saúde – toxicodependência; filho seropositivo.
Emprego - mais do que um elemento do agregado
está desempregado; precaridade de trabalho
(passado de trabalho sem direitos).
Segurança Social - medicamentos, subsídio de risco
social, subsídio por toxicodependência.
Câmara Municipal - aguarda ajuda quanto a
habitação-
Junta de Freguesia - aguarda ajuda quanto a
habitação, medicamentos.
Projecto Luta Contra a Pobreza - Espaço Jovem:
convívio, apoio nos estudos.
Pessoas amigas/conhecidas - dinheiro.
4 2 52 Financeiros - baixos rendimentos; dívidas.
Habitação - más condições (sem casa de banho e
água canalizada, ratos).
Emprego - desemprego de um dos elementos do
agregado (mulher); precaridade de trabalho (passado
de trabalho sem direitos)
Câmara Municipal - aguarda ajuda quanto a
habitação.
Junta de Freguesia - aguarda ajuda quanto a
habitação.
Familiares, Vizinhos - géneros alimentícios,
dinheiro, veneno para ratos.
5 5 54600 Financeiros - baixos rendimentos; família totalmente
dependente da Segurança Social; dívidas; recurso a
actividades marginais (biscates, apanhar uvas).
Habitação - más condições (cozinha fora de casa,
sem água nem saneamento).
Emprego - ambos os membros do casal estão
desempregados.
Relações sociais - isolamento social.
Segurança Social - Abono de família, dinheiro,
alimentos, roupa.
Junta de Freguesia - Aguarda ajuda quanto a
habitação.
Centro de Emprego - subsídio de desemprego dele.
Vizinhos, pessoas amigas/conhecidas - dinheiro,
alimentos, roupas.
6 3 Nenhum Financeiros - sem rendimentos; recurso a actividades
marginais (prostituição).
Habitação - sem casa de banho, sem água e saneamento,
ratos.
Saúde - ele é toxicodependente e seropositivo.
Emprego - ambos os membros do casal estão
desempregados; precaridade de trabalho (passado de
trabalho sem direitos).
Segurança Social - medicamentos, subsídio de risco
social.
Junta de Freguesia - escola do sobrinho,
medicamentos, aguarda ajuda quanto a habitação.
IPSS (fora da freguesia) - ATL.
Sopa dos Pobres - leva comida para casa.
Legião da Boa Vontade - géneros alimentícios
durante 3 meses.
CAT
Vizinhos e família - alimentos.
7 4 Nenhum Financeiros - sem rendimentos; familiares a cargo
sem apoio institucional (crianças). Recurso a
actividades marginais (biscates); não frequência de
equipamentos/ serviços para evitar despesas (filhos);
filhos a viver com outros familiares.
Habitação - água e luz cortadas, entra água, ratos.
Sobreocupação (dormem todos na mesma cama).
Saúde - ele é toxicodependente .
Emprego - estão ambos desempregados; precaridade
de trabalho (passado de trabalho sem direitos).
Isolamento social.
Segurança Social - medicamentos, abono de família.
Junta de Freguesia - aguarda ajuda quanto a
habitação.
Legião da Boa Vontade - mercearia todos os meses.
CAT
Familiares e vizinhos - a mãe dele dá-lhe o passe e
os vizinhos dão-lhe alimentos.
Comércio local - o café facilita-lhe o pagamento.
8 1 < 50 Financeiros - baixos rendimento; pessoa totalmente
dependente da Segurança Social; dívidas; recurso a
actividades marginais (prostituição e 'vigarice').
Saúde - seropositivo
Relações sociais - isolamento social.
Segurança Social - subsídio de Risco Social.
Câmara Municipal e Junta de Freguesia - está à
espera que lhe arranjem uma casa mais barata.
Hospital - medicamentos.
9 9 ? Financeiros - baixos rendimentos; familiares a cargo
sem apoio institucional (crianças); dívidas; recurso a
actividades marginais (biscates); não frequência de
equipamentos/serviços para evitar despesas.
Habitação - más condições.
Saúde - deficiência de um cunhado (16 anos).
Emprego - mais do que um elemento do agregado
está desempregado (a mulher, o marido e o pai do
marido). Precaridade de trabalho (rendimentos instáveis
e passado de trabalho sem direitos).
Relações sociais - isolamento social.
Segurança Social - medicamentos, leite para os
filhos, abono da cunhada (10 anos) e do cunhado
deficiente.
Junta de Freguesia – equipamento infância.
Centro de Reabilitação - cunhado
“Irmãzinhas” - géneros alimentícios
Vizinhos - géneros alimentícios
10 7 < 50 Financeiros - baixos rendimentos; familiares a cargo
sem apoio institucional (crianças); dívidas, recurso a
penhora; recurso a actividades marginais ('puxar a
luz', biscates); não frequência de equipamentos/
serviços para evitar despesas; filha a estudar à noite
para tomar conta dos irmãos durante o dia.
Habitação - auto-construção (barraca); humidade,
ratos.
Saúde - doença (ele sofreu um acidente de trabalho
que lhe afectou um braço).
Emprego - desemprego de um dos elementos do
agregado; precaridade de trabalho (rendimentos
instáveis e passado de trabalho sem direitos).
Segurança Social - precaridade (água, luz, dívidas),
encaminhamento para clube de emprego.
Câmara Municipal e Junta de Freguesia - aguardam
ajuda quanto a habitação.
Projecto Luta Contra a Pobreza - Clube de Emprego.
Familiares - a mãe dele empresta-lhe dinheiro.
11 11 75 Financeiros - baixos rendimentos. Familiares a cargo
sem apoio institucional (crianças e deficientes).
Família totalmente dependente da Segurança Social.
Pessoa idosa a apoiar financeiramente os familiares.
Pessoas idosas, reformadas, a trabalhar.
Habitação - aAuto construção (anexos). Más
condições. Sobreocupação.
Saúde - deficiência de uma filha (Paralisia cerebral).
Emprego - mais do que um elemento do agregado
está desempregado. Precaridade de trabalho
(passado de trabalho sem direitos)
Segurança Social - medicamentos, leite, 2 pensões
de velhice (tias-avós).
Câmara Municipal - aguardam ajuda quanto a
habitação.
Família - pessoas idosas a tomar conta de familiares.
Vizinhos - dinheiro.
12 3 ? Financeiros - familiares a cargo sem apoio
institucional (cria um neto, filho de pais
toxicodependentes e tem a mãe em casa com
dificuldades de locomoção). Família totalmente
dependente da Segurança Social. Pessoa idosa a
apoiar financeiramente os familiares.
Saúde - ela é doente dos nervos.
Relações familiares - ela expulsou a filha e o genro
de casa porque devido à toxicodependência
maltratavam-na.
Segurança Social - pensão social e uma parte da
pensão do marido e pensão da mãe (do marido),
abono do neto.
Família - pessoa idosa a tomar conta de familiares: a
entrevistada tem 68 anos e toma conta da mãe com
90 anos, e do neto com 4 anos.


Pessoas
Rend.
mensal
(contos)
Problemas Apoios
13 5 S/ rend.
fixo
Financeiros - baixos rendimentos; recurso a
actividades marginais ('puxar a luz'); filha a viver
com uma cunhada.
Habitação - auto-construção (barraca), más
condições (casa de banho fora de casa, sem água,
pulgas).
Saúde - doença de uma filha (doença crónica num
rim).
Emprego - precaridade de trabalho (rendimentos
instáveis).
Segurança Social - medicamentos, abono de família
de 2 filhos.
Câmara Municipal - aguardam ajuda quanto a
habitação.
Junta de Freguesia - Aguardam ajuda quanto a
habitação, equipamento-infância.
Familiares - dinheiro.
14 1 50-100 Financeiros - a entrevistada é totalmente dependente
da Segurança Social; apoia financeiramente os familiares
e, por isso, continua a trabalhar.
Saúde - toxicodependência de um neto que esteve a
viver com ela e que agora foi para casa dos pais; ela
sofre de doença nervosa.
Segurança Social - recebe reforma de invalidez dela e
a pensão do marido (falecido).
IPSS local - às vezes vai lá comer.
15 6 50-100 Financeiros - baixos rendimentos; familiares a cargo
sem apoio institucional (marido idoso e filha
deficiente); não frequência de equipamentos/serviços
para evitar despesas.
Habitação - sem casa de banho.
Saúde - deficiência de uma filha de 46 anos
(acamada); doença de outra filha, com 40 anos
(fígado) que não pode trabalhar; marido paralítico.
Emprego - precaridade de trabalho (rendimentos
instáveis).
Relações sociais - isolamento social.
Segurança Social - apoio domiciliário (higiene da
filha mongolóide) 2 reformas (casal idoso), subsídio
mensal vitalício filha mongolóide.
Família - pessoa idosa a tomar conta de familiares.
Seminário (Pão para Pobres).
Comércio local - facilitam o pagamento.
16 7 ? Financeiros - baixos rendimentos.
Habitação - casa de banho só com retrete.
Saúde - deficiência da neta (23 anos): paralisia
cerebral, abandonada pela mãe, a entrevistada (65
anos) tem dificuldades de locomoção.
Emprego – desemprego de um filho (30 anos).
Precaridade de trabalho (rendimentos instáveis).
Relações sociais -isolamento social.
Segurança Social - pensão de velhice, pensão de
viuvez, neta deficiente recebe pensão.
Centro de Paralisia Cerebral
Família - dinheiro (filhos)
17 2 31 Financeiros - baixos rendimentos; recurso a
actividades marginais por parte do filho que tem 42
anos (biscates).
Habitação - más condições (casa de banho só com
sanita, humidade).
Saúde – doença da entrevistada (nem consegue
cozinhar).
Emprego - precaridade de trabalho (rendimentos
instáveis).
Relações sociais - isolamento social.
Segurança Social - reforma da entrevistada (75
anos).
Comércio local - a farmácia às vezes 'fia' os
medicamentos.
18 1 57 Financeiros - baixos rendimentos; pessoa totalmente
dependente da Segurança Social; dívidas, recurso a
penhora; recurso a actividades marginais ('puxar a
luz').
Habitação - auto-construção (barraca), sem água
canalizada.
Saúde - só tem um rim e faz diálise.
Relações sociais -isolamento social.
Segurança Social - reforma da entrevistada (72
anos), Apoio Domiciliário (refeições).
Câmara Municipal - aguarda ajuda quanto a
habitação.
Cruz Vermelha - deram-lhe um colchão.
Pessoas amigas/conhecidas - quando esteve doente
('zona') davam-lhe comida.
19 4 ? Financeiros - baixos rendimentos.
Habitação – casa em ruínas, entra chuva, ratos,
cobras, sem casa de banho nem água canalizada;
sobreocupação.
Emprego - desemprego da entrevistada; precaridade
de trabalho (passado de trabalho sem direitos).
Relações sociais - isolamento social.
Segurança Social - a mãe da entrevistada (48 anos) é
reformada por invalidez.
Câmara Municipal - aguarda ajuda quanto a
habitação.
Associação de Moradores - equipamento.
20 3 50-100 Financeiros - baixos rendimentos; familiares a cargo
sem apoio institucional (idosos); recurso a
actividades marginais (biscates).
Habitação - auto-construção (barraca), sem casa de
banho, ratos, chove dentro de casa.
Saúde - a entrevistada é epiléptica; a mãe da
entrevistada está acamada.
Emprego - desemprego do marido; precaridade de
trabalho (rendimentos instáveis).
Relações sociais - Isolamento social.
Segurança Social - apoio domiciliário (higiene), a
entrevistada é reformada por invalidez (51 anos), a
mãe da entrevistada (82 anos) é reformada.
Câmara Municipal - aguardam ajuda quanto a
habitação.
Junta de Freguesia - alimentos na Páscoa e Natal.
Vizinhos e Família - dinheiro, roupa.
ANEXO 2
LISTA DA LEGISLAÇÃO REFERENCIADA
Dec.-lei 31 666 de 22 de Novembro de 1941 - Regulamentação da Assistência Social
Lei 1 998 de 15 de Maio de 1944 - Organização das actividades de Assistência Social
Dec.-lei 35 108 de 7 de Novembro de 1945 - Reorganização dos serviços de Assistência
Lei 2 115 de 18 de Junho de 1962 - Reforma da Previdência
Lei 2 120 de 19 de Julho de 1963 - Princípios orientadores da Saúde e Assistência
Dec.-lei 446/70 de 23 de Setembro de 1970 - Regulamentação da Saúde e Assistência
Dec.-lei 413/71 de 27 de Setembro de 1971 - Organização do Ministério da Saúde e
Assistência
Dec.-lei 584/73 de 6 Novembro de 1973 - Alteração da denominação do Ministério das
Corporações e Previdência Social e do Ministério da Saúde e Assistência
Dec.-lei 460/77 de 7 de Novembro - Processo de reconhecimento de utilidade pública
Dec.-lei 549/77 de 31 de Dezembro - Regula o Sistema de Segurança Social
Dec.-lei 513-L/79 de 26 de Dezembro - Esquema mínimo de protecção social
Dec.-lei 519-G2/79 de 29 de Dezembro - Estatuto das Instituições Privadas de
Solidariedade Social
Dec.-lei 160/80 de 27 de Maio - Regimes de Segurança Social
Despacho Normativo 387/80 de 31 de Dezembro - Normas reguladoras de cooperação
entre os Centros Regionais de Segurança Social e as Instituições Privadas de
Solidariedade Social
Dec.-lei 347 /81 de 22 de Dezembro - Estatuto das Associações de Socorros Mútuos
Dec.-lei 58/81 de 30 de Dezembro - Regula o funcionamento das Associações de Socorros
Mútuos
Dec.-lei 441-A/82 de 6 de Novembro - Cooperativas de ensino que prosseguem fins de
solidariedade
Dec.-lei 119 /83 de 25 de Fevereiro - Estatuto das Instituições Particulares de
Solidariedade Social
Portaria 778 /83 de 23 de Julho - Registo das Fundações de Solidariedade Social
Lei 28 /84 de 14 de Agosto - Lei de Bases da Segurança Social
Dec.-lei 185/85 de 29 de Maio - Extinção da Junta Central das Casas do Povo
Dec.-lei 402/85 de 11 de Outubro - Dispensa de escritura pública antes do registo na
DGAS
Despacho Normativo 12/88 de 12 de Março - Normas reguladoras dos acordos de
cooperação entre os CRSS e as IPSS
Dec.-lei 30/89 de 24 de Janeiro - Regime de licenciamento e fiscalização dos
estabelecimentos com fins lucrativos que exercem actividades de apoio social
Despacho Normativo 67/89 de 26 de Julho - Condições de instalação e funcionamento dos
lares com fins lucrativos de apoio a idosos
Despacho Normativo 96/89 de 21 de Outubro - Condições de instalação e funcionamento
dos centros de actividades de tempos livres com fins lucrativos
Despacho Normativo 99/89 de 27 de Outubro - Condições de instalação e funcionamento
das creches com fins lucrativos
Dec.-lei 72 /90 de 3 de Março - Código das Associações Mutualistas
Portaria 860/91 de 20 de Agosto - Regulamento do registo das IPSS do âmbito do
Ministério da Educação
Despacho Normativo 75/92 de 20 de Maio - Normas reguladoras dos acordos de
cooperação entre as IPSS e a Segurança Social
Dec.-lei 260/93 de 23 de Julho - Organização e gestão dos CRSS
Portaria 499/95 de 25 de Maio - Candidatura para comparticipação na realização de obras
em equipamentos de acção social
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