quinta-feira, 4 de março de 2010

ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES POR PARTE DE VEREADOR EM REGIME DE PERMANÊNCIA. CONSEQUÊNCIA AO NÍVEL REMUNERATÓRIO

Pareceres Jurídicos - CCDR Alentejo

TÍTULO: ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES POR PARTE DE VEREADOR EM REGIME DE PERMANÊNCIA. CONSEQUÊNCIA AO NÍVEL REMUNERATÓRIO

DATA: 09-05-2002 PARECER N.º 25/2002
INFORMAÇÃO N.º 79-DRAL/02

TEXTO INTEGRAL:

Pela Câmara Municipal de Alter do Chão foi solicitado parecer jurídico em matéria de Estatuto dos Eleitos Locais. Em concreto, é suscitada a questão de saber em que medida devem articular-se determinadas disposições legais – no caso as constantes do Artigo 6º, da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto e do Artigo 7º, número 1, alínea b), da Lei nº 29/87, de 30 de Junho – com a situação personificada por um vereador, em regime de permanência, atendendo a que em paralelo este autarca desempenha funções inerentes aos seguintes cargos:

- Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alter do Chão;
- 2º Secretário da Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alter do Chão;
- 1º Secretário do Conselho Fiscal da Associação Desportiva de Alter do Chão.

Cumpre, assim, informar.

1. O Estatuto dos Eleitos Locais encontra-se consagrado na Lei nº 29/87, de 30 de Junho e respectivos diplomas que promoveram a sua alteração(1). Regendo este estatuto, designadamente, em matéria de direitos e deveres, determinou o legislador, no Artigo 7º, os moldes da remuneração dos eleitos em regime de permanência, importando fixar a redacção das alíneas a) e b) do seu número 1.

Assim, aos eleitos que exerçam exclusivamente as suas funções com carácter de exclusividade é lhes conferido o direito ao recebimento da totalidade das remunerações legalmente previstas. Ao invés, no que se refere aos eleitos que exerçam uma profissão liberal – quando o respectivo estatuto profissional permitir a acumulação – ou qualquer actividade privada, receberão 50% do valor da base da remuneração, sem prejuízo da totalidade das regalias sociais a que tenham direito.

Constituindo importante complemento na regulação da actividade dos presidentes e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais, destaca-se a Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, a qual estabelece o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

Ora, nos termos do número 1 do artigo 6º, desta lei, os presidentes e vereadores de câmaras municipais, mesmo em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, podem exercer outras actividades. Para o efeito, devem os eleitos em causa comunicar essas actividades, quando de exercício continuado, quanto à sua natureza e identificação, ao Tribunal Constitucional e à assembleia municipal, na primeira reunião desta a seguir ao início do mandato ou previamente à entrada em funções nas actividades não autárquicas.

Por força do número 2 do mesmo artigo, esta circunstância não afasta porém outros regimes de incompatibilidades e impedimentos que, eventualmente, decorram de normas legais que disciplinem o exercício de cargos ou actividades profissionais.

2. Atendendo pois aos preceitos acabados de enunciar, devemos considerar duas premissas fundamentais. Em primeiro lugar, os presidentes de câmara e vereadores, mesmo encontrando-se em regime de permanência, podem exercer outras actividades para além das funções autárquicas. Em segundo lugar, quanto à inerente remuneração dos cargos autárquicos, esta fixa-se em 50% do valor estipulado para os eleitos em exclusividade quando estejamos perante casos de autarcas que exerçam legitimamente profissão liberal ou qualquer actividade privada.
3. Neste contexto, importa avaliar a situação concretamente detida pelo Sr. Vereador em causa. De acordo com o relato da autarquia consulente, parece não constatar-se, à partida, impedimento a que aquele eleito possa acumular as funções autárquicas com as que decorrem dos cargos de secretário, quer na Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alter do Chão, quer no Conselho Fiscal da Associação Desportiva de Alter do Chão.

Considerando as características orgânico-funcionais típicas das assembleias gerais e dos conselhos fiscais das pessoas colectivas e na medida em que tais cargos não configurem - na esteira do preconizado no Parecer nº 52/94, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República(2) - desempenhos de tarefas que possam consubstanciar, na prática, o exercício de uma actividade duradoura, permanente, habitual, estamos em crer que a assunção de responsabilidades naqueles órgãos em simultâneo com o exercício das funções autárquicas não acarretam incompatibilidades legais, nem se traduzem na redução da remuneração correspondente à qualidade vereador em regime de permanência, em virtude de assumirem manifestamente um carácter pontual ou esporádico.

Em conformidade com o focado parecer, convirá sublinhar, por outro lado, que a interpretação mais correcta do Artigo 7º, número 1, alínea b), da Lei nº 29/87, não permite inferir que pelo facto de que possamos estar perante uma actividade privada não remunerada, esse motivo seja suficiente, por si só, para garantir o direito do eleito à totalidade da remuneração de autarca.

4. O mesmo critério servirá, aliás, para aferir sobre a sua condição de Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alter do Chão. Debatendo-se a Câmara Municipal com dúvidas acerca do carácter daquela actividade, importa, a nosso ver, estabelecer uma aproximação às coordenadas que orientam a actuação do Provedor da Santa Casa da Misericórdia.

Assim, cabe referir o estabelecido no Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, o qual aprovou o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social. Sendo que no seu Artigo 2º, número 1, alínea e), prevêem-se as irmandades da misericórdia como uma das formas que podem assumir aquelas instituições.

Ao nível dos corpos gerentes determina-se, no número 1 do Artigo 18º, que o exercício de qualquer cargo nestas instituições é gratuito podendo, no entanto, justificar o pagamento de despesas dele derivadas; traduzindo a excepção a esta regra, consagra o número 2, do mesmo artigo, a possibilidade de remuneração destes cargos “quando o volume do movimento financeiro ou a complexidade da administração das instituições exijam a presença prolongada de um ou mais membros dos corpos gerentes (...) desde que os estatutos o permitam.”.

Daí que a matéria do exercício de cargos nos corpos gerentes em organizações religiosas com actividade na área da solidariedade social – nas quais se enquadrará, estamos em crer, o cargo de provedor da misericórdia – e bem assim o regime de competências respectivo devam constar dos estatutos da instituição em causa, conforme decorre do Artigo 46º, do Decreto-Lei 119/83.

5. Nestes termos, julga-se que o acervo de competências que esteja cometido ao provedor da misericórdia (aqui se equacionando provavelmente a superintendência na administração, a orientação dos serviços da instituição)(3) e, fundamentalmente, o modo do exercício prático desse cargo constituirão os indicadores adequados quando se pretenda reflectir sobre o desempenho, em simultâneo, desta actividade com as funções de vereador.

Somos assim a considerar que a existência ou não de consequências ao nível remuneratório do cargo de vereador, estará dependente da determinação em concreto, da actividade do referido provedor. Nesta perspectiva, ainda que possa admitir-se que o exercício do cargo de provedor possa não ter um carácter de “actividade profissional privada” ou de “forma de ganho de vida” (conforme sustentação aduzida na comunicação da autarquia consulente), a verificação negativa destes pressupostos não é auto-suficiente para afastar a aplicação do Artigo 7º, número 1, alínea b), da Lei nº 29/87.

Com efeito, na medida em que este desempenhe o seu cargo na misericórdia com inequívoca regularidade e permanência, tendo como inerente a exigência da sua disponibilidade para com aquela instituição por períodos de tempo (mais ou menos precisos, mais ou menos prolongados), para presidir às normais e plenas tarefas de administração, conduz-nos, salvo melhor entendimento, a admitir que a exclusividade do exercício de funções autárquicas está posta em causa.

Esta consideração implica – tal como foi preconizado, nesta matéria, pela Auditoria Jurídica do então Ministério do Planeamento e da Administração do Território(4) - que lancemos mão da formulação legal imposta pelo número 1 do Artigo 7º, da Lei nº 29/87: não havendo exclusividade, aplica-se o regime previsto na alínea b), nos termos do qual o Sr. Vereador em questão receberá 50% do valor da base da remuneração.

Em consonância com esta interpretação, saliente-se, por sintomática que é, a argumentação expressa no já aludido Parecer nº 52/94, da Procuradoria Geral da República, no sentido de que “...o exercício cumulativo de actividades privadas, regulares e permanentes (ainda que não remuneradas), não deixa de afectar a dedicação e disponibilidade com que desejavelmente os eleitos locais devem exercer as funções autárquicas.”. Como corolário deste entendimento convém registar que o mesmo parecer consagra, em conclusão, a circunstância de os eleitos que exerçam funções autárquicas em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, que acumulem com actividade privada, permanente e regular, não remunerada, apenas terem direito a receber 50% da remuneração normal correspondente àquelas funções.

Afigura-se-nos, pelo exposto, podermos concluir pelo seguinte:

1) Na medida em que assuma um carácter pontual ou esporádico, o exercício - em simultâneo com as funções de vereador em regime de permanência – de cargos em órgãos sociais de pessoas colectivas, tais como assembleias gerais ou conselhos fiscais, não implicam a redução da remuneração de autarca [a que se refere o Artigo 5º, número 1, alínea b), da Lei nº 29/87, de 30 de Junho].

2) Sem prejuízo de mais adequado entendimento, haverá lugar à redução assinalada no número anterior quando – perspectivada a acumulação das funções autárquicas com as de Provedor de uma Santa Casa da Misericórdia – se verifique tratar-se de actividade privada (ainda que possa não ser remunerada), permanente e regular, cujo desempenho não permita, em concreto, o exercício exclusivo do mandato de eleito local.

Este é, salvo melhor opinião, o meu parecer.


(1) Lei nº 97/89, de 15 de Dezembro; Lei nº 1/91, de 10 de Janeiro; Lei 11/91, de 17 de Maio; Lei 11/96, de 18 de Abril; Lei nº 127/97, de 11 de Dezembro; Lei nº 50/99, de 24 de Junho; Lei nº 86/2001, de 10 de Agosto.
(2) Publicado no Diário da República, II Série, Nº 217, de 18-9-96.
(3) Circunstâncias que deverão encontrar-se expressamente previstas nos estatutos (v.g. compromisso) da referida Santa Casa da Misericórdia.
(4) Parecer veiculado na Informação nº 7/94 (versando a matéria de remuneração dos eleitos locais que exerçam actividade privada), o qual foi objecto de homologação por parte de Sua Exª o Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território em 8-3-94.

RELATOR: Luís Manuel Rosmaninho Santos