sábado, 31 de janeiro de 2009

Apoio ao Investimento em Equipamentos Sociais

Novos lares para acolher mais de cinco mil idosos
Projecto com conclusão prevista até 2013


Portugal vai poder alargar a rede de lares para idosos e deficientes, medida que permitirá beneficiar mais de cinco mil pessoas até 2013.

A garantia foi dada esta sexta-feira pelo secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques, que revelou que a criação de novos lares surge ao abrigo de um programa comunitário de apoio à construção destes espaços.

Em declarações à Lusa, à margem da sessão pública sobre o «Apoio ao Investimento em Equipamentos Sociais», no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano, o secretário de Estado admitiu que, embora o prazo estipulado se estenda até 2013, a grande maioria dos espaços poderá entrar em funcionamento já em 2011.

O programa em causa, com um investimento previsto de 110 milhões de euros, 76,5 milhões dos quais provenientes do Estado e de fundos comunitários, prevê a criação de 230 novos lares para idosos e deficientes, para acolher um total de 5 400 pessoas.

As entidades interessadas em se candidatarem aos apoios financeiros, entre misericórdias e Instituições Particulares de Solidariedade Social, serão responsáveis por assegurar a restante fasquia de 33,5 milhões de euros.

As candidaturas aos fundos e a entrega do projecto de arquitectura do lar poderão ter início a partir da primeira quinzena de Fevereiro e decorrem até meados de Abril.

Apoio ao Investimento em Equipamentos Sociais

Novos equipamentos sociais: 230 lares vão acolher 5400 idosos e deficientes


2009-01-30

O Primeiro-Ministro presidiu a uma sessão sobre apoio ao investimento em equipamentos sociais, na qual foi anunciado que rede de lares para idosos e deficientes vai ser ampliada beneficiando 5400 pessoas até 2013. Na sessão, que decorreu no Porto, em 30 de Janeiro, José Sócrates reafirmou a importância do investimento público na redução dos efeitos da crise económica internacional: «O Estado está a reforçar o investimento público porque sabe que o combate à crise passa por isso, que há muitas pessoas e empresas cuja actividade depende desse investimento».

Serão construídos 230 novos lares para idosos e deficientes, num investimento global de 110 milhões de euros, dos quais 76,5 milhões de euros serão comparticipados pelo Estado e fundos comunitários, e o restante será suportado pelas entidades que se candidatarem aos apoios financeiros, nomeadamente misericórdias e Instituições Particulares de Solidariedade Social.

A apresentação das candidaturas inicia-se na primeira quinzena de Fevereiro e está aberta durante dois meses. O financiamento é feito através do Programa Operacional Potencial Humano, integrado no Quadro de Referência Estratégico Nacional, que engloba os fundos estruturais da União Europeia para Portugal.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Presidente do Governo Regional lança recado a instituições de apoio social

2009-01-18 23:25

"As nossas Santas Casas, as nossas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e os nossos centros paroquiais devem lembrar-se todos os dias de que o seu património não são os seus terrenos, as suas casas, os seus equipamentos ou o seu dinheiro. O património das Santas Casas e IPSS é um património imaterial que corresponde ao valor da dádiva que fazem em termos de promoção da dignidade humana e inclusão social".
Foi com este recado que o presidente do Governo Regional encerrou a sua intervenção, na cerimónia de lançamento da primeira pedra do futuro Centro de Actividades Ocupacionais da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo, a nascer junto à zona da carreira de São Francisco. Em jeito de reparo, Carlos César fez questão de apontar determinadas posturas que o deixam incomodado... "Não fico, muitas vezes, satisfeito quando vejo Santas Casas da Misericórdia - o que não é o caso da Vila Franca, IPSS e outras organizações disputarem com o Governo, como se fossem uma empresa, como se estivessem mais preocupadas em saber quantos terrenos têm, quantas casas os utentes lhes deixam, quanto dinheiro têm no cofre, para mostrarem à direcção anterior que têm mais dinheiro do que a que se segue", denunciou o governante. Por essa razão, o governante deixou o repto a todos que estão envolvidos neste tipo de instituições, desde os trabalhadores até aos gestores, para que tenham em consideração que o caminho a seguir é serviço em prol da dignidade humana dos que mais precisam. "Se as IPSS e Misericórdias tivessem como função fazer negócio não fazíamos protocolos nem contratos com elas", assegurou. A esse propósito, César reiterou que as políticas de reintegração e reabilitação social de pessoas com deficiência assumem, actualmente, uma importância cada vez maior, não só pelo apoio a essas pessoas mas também às respectivas famílias, sendo por isso necessário investir em infra-estruturas e outros domínios que possam dar respostas a essas situações e carências. Uma ideia subscrita pelo provedor da Misericórdia vilafranquense, António Cordeiro, que admitiu com o concelho ficará bem melhor servido em termos de apoio social. O presidente do Executivo aproveitou ainda a ocasião para lembrar que na Região já existem dezasseis CAO que apoiam quinhentos cidadãos portadores de deficiência, e que foram criados centros de atendimento e de acolhimento, que abrangem cerca de 350 utentes. No âmbito de projectos em curso, César referiu que já estão a ser criadas residências para pessoas com deficiência, havendo agora duas em São Miguel, uma na Terceira e outra no Faial, para além de estarem ainda a ser desenvolvidos serviços na área do transporte adaptado que, actualmente, já servem cerca de 150 doentes. "Falar de obra é muito simples realizá-la é algo mais complexo que exige preparação, ponderação, tecnicidade, responsabilidade e noção dos meios. Falar contra também é muito simples. Fazer a favor é, naturalmente, mais complexo e está só ao alcance daqueles que têm um empenhamento exclusivo e continuado no bem público", vincou o presidente do Governo. O Centro de Actividades Ocupacionais poderá acolher cinquenta jovens cidadãos portadores de deficiência, residentes no concelho de Vila Franca do Campo e que não estejam abrangidos pela escolaridade obrigatória, ou seja, com mais de quinze anos. Este projecto está integrado no Complexo Social de Vila Franca do Campo, que inclui uma cozinha industrial e uma lavandaria, bem como uma futura Unidade de Cuidados Continuados Assistenciais. De referir ainda que a empreitada foi adjudicada ao consórcio estabelecido entre "Construções Couto & Couto Lda e a CONDURIL – Construtora Duriense, SA". A obra, com um valor superior a três milhões de euros, será totalmente financiada pelo orçamento da Região Autónoma dos Açores, através da Secretaria Regional do Trabalho e Solidariedade Social.

Luisa Couto

AO

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

“Os Séniores com a saúde necessária à participação activa”

Por Maria João Quintela

A complexidade que envolve individualmente os conceitos de envelhecimento, de
velhice, de seniores, de pessoas idosas e de saúde, cultura, direito e dever é
muito vasta.
Resultando da sua própria complexidade, a interligação entre estes conceitos e a
sua componente objectiva e subjectiva, fazem entender a enorme importância, e a
real e necessária multidisciplinaridade e interdisciplinaridade da Gerontologiai.
Apesar da diferença ser a característica mais evidente do envelhecimento
demográfico, populacional e individual, na sua natureza multidimensional, estamos
ainda longe de concretizar a mudança no nosso léxico discursivo, mental e social,
demasiadamente homogeneizante.
Essa mudança obriga à assumpção da diversidade e à confrontação com os
modelos mentais que ainda hoje, frequentemente, reduzem esta temática aos
estereótipos dos fenómenos biológicos mais visíveis, das perdas progressivas de
capacidades, da doença, da dependência e, quando não raras vezes verbalizado
de forma mais ou menos contundente, de fardo social e de problema de
sustentabilidade económica.
É assim, num contexto de ambiguidade utópica que, o querer viver mais tempo
sem querer envelhecer, se confronta com a realidade pungente de uma população
crescente que teima em não morrer, que permanece independente cada vez mais
tempo, e que visivelmente não pode ser considerada um grupo homogéneo,
incómodo, difícil de gerir, e esteticamente a ser objecto de correcção cirúrgica.
Acresce que a dignidade com que a população idosa é tratada, está longe de
observar os mais elementares direitos humanos, inscritos em constituições,
legislações e declarações nacionais ou universais.
2º CONGRESSO DA PASTORAL DA SAÚDE
AO SERVIÇO DA PESSOA – CURAR E CUIDAR
Fátima, Centro Pastoral Paulo VI. 1 a 3 de Fevereiro de 2007
“A Saúde como Cultura/A Saúde como Direito e Dever” –
“Os Seniores com a Saúde Necessária à Participação Activa”
Maria João Quintela
Assistente Graduada de Clínica Geral
Coordenadora da Divisão das Doenças Genéticas, Crónicas e Geriátricas
Direcção-Geral da Saúde
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A inclusão social de pleno direito, indispensável a uma participação activa e
saudável, vacila na desagregação estratégica, na luta pelo protagonismo das
iniciativas e no constante atropelo de uma individualidade humana engolida pela
massificação, pela rotina, pela insensibilidade da ausência de um pensamento
estruturante, que responda de forma complexa, diversificada e abrangente, às
múltiplas necessidades e aos diferentes actores das respostas.
As respostas às necessidades da população que envelhece não podem reflectir a
diversidade conceptual de cada dirigente de um serviço público ou privado sobre o
envelhecimento ou a velhice.
Estas respostas têm que observar critérios mínimos de qualidade e de
competência que garantam ao cidadão que necessita desses serviços, padrões de
excelência, de confiança e de acessibilidade compatíveis com as vontades
próprias e com as disponibilidades financeiras médias da população portuguesa.
Muitos determinantes saúde dos seniores estão fora do sector estrito da Saúde,
carecendo a abrangência das múltiplas necessidades, duma visão abrangente e
integrada das respostas. Nesta matéria específica da saúde dos cidadãos mais
idosos, e das fragilidades que acompanham o envelhecimento, o resultado de
ganhos de saúde, autonomia e independência, não decorre apenas do somatório
das acções dos múltiplos intervenientes.
É preciso entender que os cidadãos têm que trabalhar, as famílias já não
conseguem desdobrar-se, não podem ou não querem, e a oferta de serviços ainda
mantém a prioridade na solução organizacional aparentemente mais fácil, de nos
reservar uma boa cama para a velhice, por muito que tentemos atingir as médias
europeias de resistir pelo menos 20 anos, à total dependência de terceiros.
Para as sociedades de hoje, para os seniores, para os envelhecimentos e as
velhices, as questões ainda se sintetizam à volta da idade cronológica, mais
propriamente a do bilhete de identidade, como elemento preponderante.
No entanto, sabemos que as múltiplas idades que cada um tem dentro de si e no
plano social, reflectem efeitos mais ou menos bem governados da ordem familiar,
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“Os Seniores com a Saúde Necessária à Participação Activa”
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Assistente Graduada de Clínica Geral
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sócio-sanitária, ambiental, económica e de planeamento integrado, que se
esgrime com o património genético e com a vontade ou possibilidade que cada um
tem de participar na sua própria saúde e na sua própria vida.ii
E é assim que a saúde ao longo da vida, a duração efectiva de vida de cada
indivíduo, a duração média de vida e a esperança provável de vida, dependem,
entre múltiplos factores, dos diferentes tipos de sociedade em que se inserem, das
épocas históricas vigentes, de ideias e de práticas de ordem cultural, de trabalho,
de alimentação, de higiene, de comportamentos e de ambientes, de intervenções
terapêuticas e do tipo de serviços disponíveis, isto é, de determinantes mais ou
menos bem governados dos modos de vida sociais ou individuais.
Neste paradigma da idade como factor preponderante de todas as decisões, não é
de espantar a manutenção do ”omnipresente síndrome do ainda”iii: “Ainda anda?,
Ainda escreve? Ainda lê? Ainda se interessa por política? Ainda gosta da vida?
Vejo que ainda consegue ler o jornal...” iv
Até Galeno via a idade avançada como “ o tempo mais “seco” da vida”...” Eles
perderam quase todo o sangue que tinham no corpo...O que é a velhice, senão o
caminho para a morte?...”
Mas o Deus chinês da longevidade, Shou, era um Deus calvo, barbudo e com
bigode, com 150 anos, segurando um pêssego na mão, significando a
imortalidadev.
Quando as pessoas pensam nos idosos, têm tendência a centrar-se, como
Galeno, sobre as modificações que se operam no corpo…o aparecimento dos
cabelos brancos, das rugas, da flacidez da pele e da diminuição da estatura...vi
As pessoas que não associam envelhecimento com actividade, esquecem-se com
frequência da dimensão do envelhecimento relacionada com o ambiente em que a
pessoa idosa vive.
Com que frequência o clínico pergunta a uma pessoa idosa que lhe aparece no
hospital pela primeira vez sobre a disposição das divisões da casa, a existência de
escadas ou de elevador, a existência de apoios na banheira ou corrimão, a
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acessibilidade às compras do dia-a-dia, a qualidade dos transportes, a dificuldade
em atravessar as ruas, a segurança e higiene do ambiente à volta da casa?vii
Muitas pessoas idosas com problemas auditivos, por exemplo, são rotuladas de
confusas e senis, em virtude das suas perguntas e respostas desajustadas. Não
se contempla o facto da diminuição da audição concorrer para o isolamento e para
as dificuldades de comunicação, atribuindo apenas à idade a causa da deficiência
ou das deficiências. No entanto, sabemos que a mais corrente causa de
hipoacúsia nas pessoas idosas é reversível, porque se resume a extrair o “rolhão”
de cera existente.viii
Do mesmo modo, culpamos a idade de todas as nossas falhas de memória, mas
não a cultivamos nem exercitamos, como qualquer outra função.
Mesmo quando doentes, desenraizados do nosso contexto vivencial, internados
numa qualquer instituição hospitalar, quem se preocupa em nos actualizar as
notícias, em nos fazer chegar um jornal, em nos envolver num atelier de memória,
em nos manter viva e actual a ligação com o mundo exterior, para não nos
sentirmos vindos do fim do mundo no dia da alta?
Se repararmos bem, a nossa memória longínqua ainda se encarrega de forma
mais ou menos razoável, de sabermos o nosso nome, talvez o número do Bilhete
de Identidade, recordar muitos acontecimentos da nossa infância.
Mas a memória recente atraiçoa-nos com mais frequência. Conseguiremos dizer
os acontecimentos das duas últimas semanas? Lembramo-nos do que foi o nosso
almoço de há dois dias, onde pusemos a chave de casa quando entrámos ontem
apressadas para fazer o jantar, largando a chave ou a carteira fora do sítio
habitual?
Não utilizámos os mecanismos da repetição e da atenção, fulcrais no processo de
memorização, mas inevitavelmente culpamos a idade, a decrepitude, a diminuição
das capacidades, como uma fatalidade sem recurso.
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Esquecemo-nos frequentemente da nossa memória sensorial, visual, que nos faz
relembrar tantas coisas ao olharmos fotografias, objectos, ao rever filmes do
nosso tempo.
Do mesmo modo, a nossa memória olfactiva quase nos permite descrever ao
pormenor os odores estimulantes dos cozinhados da nossa avó, ou salivar com a
lembrança dos sabores de vinhos que gostamos.
E que dizer da memória táctil, que nos permite recordar um nosso fiel amigo, ao
fazermos festas no pêlo macio de um cão.
Quer isto dizer, que a nossa memória são as nossas memórias, não são apenas
parametrizáveis quando nos perguntam que dia é hoje, qual é o nome do primeiro
ministro ou do presidente da república, ou se sabemos onde estamos.
É preciso contextualizar a avaliação da saúde das pessoas idosas na envolvente
situacional da pessoa, no seu sofrimento, nos seus medos e angústias ou na sua
solidão, na sua poli farmácia, na sua poli patologia, ou na sua falta de dentes.
Eu não sou a mesma velha com dentes ou sem eles, por muito que a minha idade
cronológica não mude com uma dentadura.
É pois necessário adequar as intervenções e incentivar a independência, o auto
cuidado, estimular a memória… e aprender a saber
repetir……repetir……..repetir…, com paciência. E não se pense que se nasce
com paciência, com jeito para “isto”. A paciência é uma competência que se treina.
Quem quiser cuidar bem de pessoas com falta de memória, tem que desenvolver
essas competências, para repetir ou para ter paciência, como qualquer outro
atributo de um cuidado com qualidade e com humanidade.
Cuidar com humanidade, modifica a idade com que nos sentimos, alivia-nos o
peso do sofrimento, dá-nos coragem para continuar a viver.
Cuidar com humanidade confere-nos o dever de participar no esforço de melhorar,
e é, acima de tudo, um direito que nos assiste, que promove a nossa saúde, e que
nos permite participar, seja qual for a nossa idade ou a nossa incapacidade.
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Os aspectos da comunicação, estão longe de se resumir à comunicação verbal e,
por maioria de razão, quando estamos mais fragilizados, é necessário saber
comunicar, mesmo com o silêncio. Se assim não for, corremos o risco de ser
abandonados.
É necessário construir uma abordagem educativa e centrada na pessoa. As
pessoas, mesmo num estádio inicial da doença, são poucas vezes informadas do
seu diagnóstico, são pouco implicados no processo de tomadas de decisão, no
que diz respeito aos seus cuidadosix.
Os doentes seniores, são frequentemente tidos como incapazes de serem actores
da sua própria saúde, em virtude dos défices cognitivos.
Os doentes com patologia neurodegenerativa estão, frequentemente,
aparentemente excluídos da relação de cuidados, cujo protagonismo cabe ao
actor principal.
Mas as pessoas idosas têm direito à Saúde e à Autonomia. A pessoa idosa doente
não é apenas o “doente que espera”, é actor e tem um projecto de vida.
O profissional, o prestador de cuidados, não é apenas “aquele que sabe”. É um
interlocutor e tem uma missão a desempenhar.x
Ainda hoje, as estatísticas de mortalidade são as mais utilizadas para informar
sobre o estado de saúde da população. Estas estatísticas, demonstram no
entanto, a desigualdade social perante a morte.
O que nós ainda estamos longe de saber é se juntámos efectivamente mais
qualidade de vida ao aumento de esperança de vida que se conseguiu.
Os indicadores da funcionalidade exprimem uma dimensão mais abrangente da
situação de saúde da pessoa idosa, complementares dos indicadores de
morbilidade e mortalidade. É a idade avançada, vivida com dificuldades maiores
ou menores na vida do dia a dia, mas que, com pequenas compensações, pode
traduzir-se na continuidade da independência da pessoa. São as ajudas técnicas,
os apoios, a perspectiva da capacitação, a promoção da saúde para uma
autonomia e independência o mais tempo possível, que podem fazer a diferença
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entre viver e envelhecer com saúde, ou resumir a nossa complexa orgânica
funcional ao rótulo diagnóstico de uma doença, de uma incapacidade ou de uma
dependência.
E mesmo quando não há nada a fazer, há muito para fazer. Há que cuidar, que
aliviar, que confortar, que mobilizar, que hidratar, que alimentar, que ajudar a
aceitar e a lutar.
Torna-se necessário chegar perto dos cidadãos mais frágeis e apoiar as pessoas
na comunidadexi, sem as desenraizar, sem lhes provocar adaptações impossíveis
de superar.
O “valor da vida humana”, e o “serviço à vida”, de que se fala na mensagem e na
nota de abertura deste Congresso, têm grande sentido na forma como avaliamos,
promovemos e acompanhamos a saúde ao longo do nosso envelhecimento.
Quanto vale e para que serve a vida de uma pessoa idosa na nossa sociedade?
Para que serve viver mais tempo, conquistar anos de vida, anos de vida com
saúde, se, quando doente, não me estimulam as funções remanescentes, se
irritam porque repito as coisas muitas vezes, me deixam onze horas por dia
sentado à frente de uma televisão sem som, deitado na cama sem me
mobilizarem à espera que a escara surja, meia hora de súplicas para me retirarem
a arrastadeira?
Quanto vale a promoção da funcionalidade do meu lado são, se as sequelas de
um acidente vascular cerebral deixaram marcas de imobilidade na outra metade
do meu corpo e eu não tenho quem me ajude a sair à rua ou a fazer actividade
física?
Quanto vale a confiança que depositamos em alguém, filho, filha, enfermeiro,
enfermeira, médico ou médica, assistente social ou terapeuta, que nos devolve a
esperança, nos acompanha e nos faz sentir vivos?
Quer isto dizer que é necessária uma abordagem muito para além do habitual
“paradigma de doença” e perceber o que a pessoa é ou não capaz de fazer, em
especial no seu meio habitual de vida.xii
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“Fragilidade”, significa assim, não apenas um conceito de perdas musculo
esqueléticas, cardiovasculares, metabólicas e imunológicas, mas também um
conjunto de circunstâncias, relacionadas com o declínio da actividade física, quer
por hábitos de inactividade, quer por resultado de doença.
Deste modo, a “fragilidade” distingue-se do normal processo de envelhecimento,
sendo, portanto, susceptível de intervenção e melhoria.
Mas não nos podemos esquecer que os determinantes major, predictivos de
internamento institucional são a inexistência de família, inexistência de cuidados
informais, inexistência de cuidados domiciliários e de proximidade, gravidade da
dependência e o estado civil.xiii
Compreender e Envolver a Família, constituem pois aspectos fundamentais na
interpretação do conceito de independência das pessoas idosas.xiv
A saúde é aqui considerada como um recurso da vida quotidiana e não apenas um
objectivo a atingir; trata-se de um conceito positivo que valoriza os recursos
sociais e individuais, assim como as capacidades físicasxv.
O conceito de envelhecimento activo traduz-se assim, no processo de optimização
das oportunidades para a saúde, participação e segurança, para melhorar a
qualidade de vida das pessoas que envelhecemxvi.
É muito importante, ainda, lembrar que os maus tratos às pessoas idosas só foram
reconhecidos recentemente, como um problema global.xvii
Neste contexto, o fenómeno é universal, pela sua prevalência, sabe-se que o
agressor é, em geral, conhecido da vítima, que são mais vulneráveis os muito
idosos, os que têm incapacidades funcionais, as mulheres e os pobres, que os
maus tratos ocorrem, em geral, dentro do contexto familiar e/ou da unidade em
que são prestados cuidados, e que frequentemente não são diagnosticados ou
reportados.
Os maus-tratos às pessoas idosas constituem uma violação dos Direitos Humanos
e uma causa importante de lesões, doenças, perda de produtividade, isolamento e
desespero.xviii
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Enfrentar este problema e reduzi-lo, requer uma abordagem multisectorial e
multidisciplinar, com a família e as pessoas idosas como principais e fundamentais
elementos da equipa de apoio, cuidados e acompanhamento.
Há que trabalhar juntos, com a intervenção de múltiplos sectoresxix para a saúde
dos seniores, necessária à participação activaxx:
- reduzir a pobreza
- promover os contactos sociais (ex: previne a solidão e a depressão)
- melhorar a habitação (ex: previne acidentes)
- apoiar os que vivem sós (ex: acessibilidade às compras)
- disponibilizar serviços (ex: transportes, bibliotecas, educação, lazer)
- articular com as autoridades locais (ex: para intervenções relativamente ao
frio no inverno)
- mudar mentalidades e atitudes (ex: imagens negativas do envelhecimento /
papel dos media)
Também importa reformular alguns aspectos habitualmente ligados aos custos de
saúde do envelhecimento:xxi
- A ideia de que as pessoas idosas utilizam desproporcionadamente os
recursos de saúde deve ser combatida.
- O que custa caro são as incapacidades e a pouca saúde.
- Uma boa saúde nas pessoas idosas, poupa dinheiro, permitindo utilizá-lo
noutras necessidades.
- O envelhecimento activo é um componente central de uma agenda de
desenvolvimentoxxii.
Não poderia aqui deixar de assinalar os três eixos fundamentais do Programa
Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas, editado pela Direcção- Geral da
Saúde em 2006xxiii, e que são:
- promoção de um envelhecimento activo e saudável;
- adequação dos cuidados de saúde às necessidades específicas das
pessoas idosas;
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- desenvolvimento intersectorial de ambientes capacitadores da autonomia
e independência das pessoas idosas
Queremos adaptar as respostas existentes, às novas necessidades das pessoas
idosas:xxiv
- Prevenir a Síndrome do “Chá e Torradas”
- Prevenir a Inactividade e o Tédio
- Prevenir a Solidão
- Acompanhar, nas situações de perdas e luto
- Interagir com diferentes grupos de idades
- Promover comportamentos saudáveis ao longo da vida
- Promover uma boa nutrição
Os paradigmas têm que evoluir de um envelhecimento medicalizado e passivo,
para um envelhecimento com mais saúde e participativo.
Queremos ultrapassar as barreiras do distanciamento e promover a saúde do
envolvimento, da proximidade, do acompanhamento e da promoção da autonomia,
da independência e da esperança média de vida das pessoas idosas.
Queremos promover boas práticas e deixar de ignorar as pessoas idosas,
nomeadamente as mais fragilizadas, de que a frase que se segue é
paradigmática:
“Quando vou à consulta, o médico só fala com a minha mulher. Eu sou apenas um
conjunto de palavras neurológicas, difíceis de entender”…xxv
Onde complementar informações :
- Plano Internacional de Madrid para o Envelhecimento 2002.
- Organização Mundial da Saúde (OMS). Active Ageing- A Policy Framework.
http://www.who.int/ageing/publications/active/en/index.html
- Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Recomendações para um envelhecer com
qualidade.MS, 2006. http://www.portaldasaude.pt
- Direcção-Geral da Saúde. Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas. DGS,
2006. http://www.dgs.pt
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Referências bibliográficas
i COUDIN, Geneviève. La vieillesse n’est pas une Maladie. La santé, un enjeu de société. Hors-série nº.48. Sciences Humaines.
Mars-Avril -Mai 2005.
ii PÉQUIGNOT, Henri. Vieillesses de demain. Paris, 1986.
iiiGALBRAITH, J K. Growing old gracefully. N Engl J Med 1994; 331: 484-85.
ivHORTON, Richard. Ageing today and tomorrow: Ageing Today and Tomorrow. The omnipresent still syndrome. The Lancet,Vol.350, Nº.
9085, 18 october 1997. http://www.thelancet.com/search/search.isa ,04-09-2002.
v GALBRAITH, J K. Growing old gracefully. N Engl J Med 1994; 331: 484-85.
vi HORTON, Richard. Ageing today and tomorrow: Ageing Today and Tomorrow. The omnipresent still syndrome. The Lancet,Vol.350, Nº.
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vii Cf. HORTON, Richard.The omnipresent still syndrome.The Lancet,Vol.350, Nº. 9085, 18 october 1997.
http://www.thelancet.com/search/search.isa, 04-09-2002.
viii Ross-Swain, Deborah. Yee, Patricia A. The Geriatric Resource Manual. Pro.ed. Austin, Texas, USA, 1998
ix VINCENT, Isabelle.IMANE,Latifa.La Santé de l’Homme. Construire une démarche éducative centrée sur le patient dans le cadre de la
maladie d’Alzheimer. Nº.377. www.inpes.sante.fr , 26-10-2005
xVirginia Henderson - 1897 - 1996
xi WHO/MNC/CCH/02.01, ISBN 92 4 159 017 3. Organisation Mondiale de la Santé. Des soins novateurs pour les affections
chroniques: Élements constitutifs. Rapport mondial. Http:// www.who.int/ncd/chronic_care/index.htm
xii DICKMAN, Robert. Care of the Elderly. In, RAKEL. Textbook of Family Practice. Sixth Edition, 2002
xiii Schur,D.,Whitlatch,C.J. Circumstances leading to placement: a difficult caregiving decision. Lippincotts Case Manag, 8(5):187-95 2003.
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xiv Oxford Institute of Ageing. Changing Families as Societies Age: care, independence and ethnicity. Working Paper Number WP503.
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xv Cf. WHO. Active Ageing, A Policy Framework. A contribution of the WHO to the Second United Nations World Assembly on
Ageing, Madrid, Spain, April, 2002
xvi WHO. Active Ageing, A Policy Framework. A contribution of the WHO to the second United Nations World Assembly
on Ageing, Madrid, Spain, April, 2002
xvii HUGONOT, Robert. La vieillesse maltraitée. Dunod, Paris, 1998
xviii OMS. Declaración de Toronto. Para la Prevención Global del Maltrato de las Personas Mayores. OMS, Ginébra;
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xix HelpAge International The State of the World’s Older People report. II World Assembly on Ageing. Madrid, April 2002.
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xx Cf. NHS. Department of health. National Service Framework for Older People. Modern Standards and Service Models. UK,
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xxiKALACHE, Alexandre. WHO’s Ageing and Life Course Programme. http://www.who.int/hpr/ageing
xxii The Lancet. Older people must be on the health and development policy agenda. Vol.359, Nº. 9314, 13 April 2002
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xxiii Ministério da Saúde. Direcção-Geral da Saúde, 2006. www.dgs.pt
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Gregory, S. Schwer Canning, T. Lee et J. Wise, “Cognitive bibliotherapy for depression: A meta-analysis”, Professional
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xxv Vincent, Isabelle.Imane,Latifa.La Santé de l’Homme. Construire une démarche éducative centrée sur le patient dans le cadre de la
maladie d’Alzheimer. Nº.377.www.inpes.sante.fr

A formação gerontológica na Europa

Maria de Lourdes Quaresma


«Quer estejamos face ao processo de envelhecimento ou às consequências do avanço em idade sobre a situação das pessoas (estado de saúde, implicações psicológicas, papel e lugar na sociedade) encontramo-nos diante de fenómenos complexos e multifactoriais, combinação de interacções entre o “dado pessoal” e o ambiente exterior, entre factores individuais e colectivos.
O estudo destes fenómenos diz respeito a um grande número de disciplinas biologia, filosofia, ética, psicologia, psico-sociologia, ciências médicas, e também epidemiologia, sociologia, economia, história, direitos, ciência política.»
Henriette Gardent

1. A gerontologia social é uma área científica de formação recente.

O envelhecimento humano e a velhice foram, durante muito tempo e quase exclusivamente, objectos de estudo da medicina. A partir de meados do sec xx um outro questionamento é construído. As alterações demográficas verificadas durante o seculo findo, produzidas no contexto das profundas transformações sociais e económicas que atravessam as nossas sociedades, levantam novas questões.

A procura do saber sobre as interdependências entre o envelhecimento humano e social, designadamente ao nível do impacto dos fenónemos do envelhecimento nas estruturas familiares, na economia, na protecção social, no direito, nas representações sociais sobre a vida, a morte e a velhice, nas práticas culturais, na relação com o tempo, deu lugar à construção de uma área transdisciplinar do conhecimento a que chamamos Gerontologia Social.

Os seus territórios apresentam uma diversidade e complexidade crescentes. O envelhecimento da sociedade e de cada um de nós revela-se profundamente interpelante e desafiante, pelo que transporta de novo, na reciprocidade da relação sociedade/sujeito. Os ganhos em anos de vida entrosam-se em novos comportamentos, estilos de vida, expectativas e valores, com repercussões nas formas de viver e experienciar as diferentes fases do ciclo de vida, e nas formas de sociabilidade e convivência.Vivemos mais anos, mais anos com elevado nível de autonomia, de capacidades, potencialidades de realização pessoal e de intervenção na sociedade, ao mesmo tempo que se alterou o ciclo de vida pela crescente dessincronização entre o percurso das idades, inerentes ao processo de desenvolvimento humano, e o trajecto socio-profissional.

Estudos desenvolvidos, em especial a partir dos anos 60 do sec .XX, têm procurado identificar, apreender as alterações no ciclo de vida consequentes ao seu substancial alongamento e ao reposicionamento das diferentes fases do seu percurso. O constante recuar do marcador de idade de passagem à velhice – somos velhos cada vez mais velhos – o recuar da morte, distanciando-a da experiência humana, induz mudanças na relação com a morte (LALIVE d’ÉPINAY,1994), ao mesmo tempo que a percepção da forte probabilidade de chegar a uma idade avançada produz alterações na relação com a vida e o futuro KOHLI e MAYER (1986),IMHOF,1986. A multiplicidade sincrónica dos papeis e dos estatatutos, associada à heterogeneidade das situações gerada neste contexto de mudança, dá lugar à explosão das singularidades, indutoras de novos comportamentos face ao envelhecer e à velhice. Os tempos da vida alteram-se pela mudança do sentido do tempo no percurso de vida dos indivíduos. Novos modelos emergem a par da tendência para a cronologização do percurso das idades, com marcadores do ciclo de vida.(A.GUILLEMARD,1995). Podemos afirmar que os seniores de hoje são a primeira geração a experienciar viver uma idade adulta prolongada, marcada pela coexistência de identidades multiplas. É um dado novo poder ser simultaneamente filho, neto, pai, avô, professor e aluno, ajuda/apoio para outro e ajudado/apoiado por outros. A gestão dos papéis no tempo e a própria gestão do tempo na gestão das idades, apresentam-se com dados novíssimos da nossa experiência humana.

Por outro lado, e a par desta tendência reestruturante do viver em sociedade, coexistem fortes desigualdades entre as gerações, por género e por território. O envelhecimento da população, com o “envelhecimento do envelhecimento” (a progressão mais rápida dos grupos do topo da pirâmide etária) emerge como ganhos num continuum temporal, mas apresenta fortes descontinuidades e desigualdades sociais. As condições de vida das gerações mais velhas, em que as mulheres estão sobrerepresentadas, são maioritáriamente mais desfavoráveis. Viver no interior empobrecido é factor negativamente associado à situação de envelhecimento destas gerações. Isolamento e/ou solidão, habitat inadequado, dificuldades de comunicação/perda de autonomia, dificuldades de acesso a serviços de qualidade e adequados à promoção de autonomia e ao desenvolvimento pessoal, (des)igualdade de oportunidades de participação na vida social, económica e cultural constituem outros factores de diferenciação negativa, especialmente evidentes entre os mais velhos. As desigualdades sociais determinam desigualdades perante a vida e a morte, condicionando a maior ou menor exposição aos riscos de mau envelhecer. Como revelam alguns estudos, pessoas com elevado nível de educação estão duas vezes mais representadas na categoria dos autónomos do que os outros ( resultado de uma investigação realizada por K.Pérès e P.Barberger-Gateau, 2001).Em Portugal, a maior representação das valorações negativas, em termos de auto-percepção da situação de saúde, nas pessoas idosas sem escolaridade ou com baixo nível de escolaridade, é também indicativa dessa relação.

O envelhecimento/ganhos em anos de vida integra, assim, a reflexão sociopolítica no domínio do direito inclusivo - direito a envelhecer - pela não segregação pela idade, pelo género, pelas capacidades ou incapacidades; direito ao conhecimento e reconhecimento do sujeito na singularidade do seu percurso, da sua história, do seu projecto.

“Nesta batalha do novo milénio contra a exclusão, já não é suficiente criar condições idênticas de acesso aos bens e aos direitos.É fundamental reinventar a justiça da proporcionalidade e da equivalência, de que falava Grócio no ec XVII”, Paula Guimarães, 2002.

“Estamos perante “o tremor de terra da idade “, gerador de alterações profundas nas mentalidades e nas instituições (P.Wallace, Agequake, cit. In “Le Nouveau Troisième Âge”, Claude Vimont, 2001)

2.- Da formação em gerontologia social

A implementação de políticas e de práticas sustentadas no conhecimento, e no desenvolvimento da capacidade interpretativa, compreensiva e reflexiva da realidade, fazem apelo à aquisição de conhecimentos e saberes, e à (re)construção teórica nos diferentes territórios do envelhecimento, numa dialéctica interactiva na qual se inscrevem os diferentes projectos formativos em gerontologia social.

A necessidade de formação em Gerontologia Social é hoje, largamente partilhada pelos decisores, interventores e promotores, aos vários níveis. A sua oportunidade e interesse revela-se particularmente importante a partir do incremento das respostas sociais, num contexto de elevado indice de envelhecimento, com o aumento do nº das pessoas muito idosas, (o grupo 80 e mais anos representa 3,6% do total da população), ao qual se associa, embora numa relação não directamente proporcional, um maior nº de situações que exigem mais cuidados, mais apoios no quotidiano. Apoios à promoção/recuperação da autonomia, numa lógica que entendemos dever ser de questionamento da categorização da velhice dependente, contrariando a dicotomia autonomia/dependência. Referimo-nos às situações de incapacidade geradas por doenças físicas, por estados demenciais e por deficiência mental, estas últimas até há pouco arredadas dos progressos da longevidade, mas hoje abrangidas pelos ganhos de longevidade. Podemos considerá-las como as que mais requerem “qualificação da intervenção em termos da organização de serviços e de práticas, num paradigma de actuação diferente do habitualmente usado tanto na abordagem curativa e dos serviços de saúde como nas formas de protecção social” Baptista Diniz, 2002 . No entanto, a sua heterogeneidade e complexidade, em oposição à homogeneização categorial que tem estado subjacente às políticas de protecção social da dependência, levanta sérias questões conceptuais e filosóficas, políticas e interventivas. Os territórios da dependência, ainda que não esgotem as necessidades de formação em gerontologia, balizam substancialmente os projectos formativos. A complexidade das situações e o sofrimento humano que as acompanham, exigem saberes pluridisciplinares que informem a intervenção multidisciplinar e intersectorial. Neste sentido, a dependência constitui uma área de reflexão privilegiada na construção do conhecimento e dos saberes sobre o envelhecer nas sociedades contemporâneas. Em torno dela (re)encontramos a necessidade de afirmar a primazia do sujeito, o debate sobre o direito a envelhecer, os preconceitos e as representações sociais sobre a vida, a velhice e a morte.
Profissionalizar, qualificar, são palavras chave deste processo, «ultrapassando os lugares comuns, as certezas das aquisições profissionais das diferentes especialidades, construindo um ambiente de troca de “interrogações entre as disciplinas e os vários domínios de intervenção» (PITAUD, 2002)

3 Ojectivos da formação em gerontologia social

Formar para uma intervenção compreensiva

A formação em gerontologia social, no âmbito da pós-graduação em gerontologia social do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, tem como grande objectivo contribuir para a fundamentação de Uma intervenção compreensiva, centrada na pessoa que envelhece, no seu contexto, em especial quando em situação de necessidade de ajuda. Parte de um quadro de referência que rejeita a imputação ao factor idade do que apenas é resultado de factores externos ao indivíduo, e bem assim da tendência à “naturalização” das situações problema em função da idade ( “é muito idoso”, “está acamado, é natural....não há nada a fazer”), relevando a importância das condições de adaptabilidade do meio às necessidades das pessoas, de forma a favorecer o desenvolvimento das suas próprias capacidades de adaptação. A recentragem no sujeito reforça a necessidade de capacitação para a análise das condições concretas de existência, enquanto factores causais de défices, de rupturas, ou mesmo de mudanças qualitativas nos processos de adaptação que caracterizam os processos de envelhecimento humano .

Profissionalizar, qualificar, são palavras chave deste processo, «ultrapassando os lugares comuns, as certezas das aquisições profissionais das diferentes especialidades, construindo um ambiente de troca de “interrogações entre as disciplinas e os vários domínios de intervenção» (PITAUD, 2002)

Mas, a qualificação de que falamos não se confina à aquisição de conhecimentos técnico-científicos essenciais ao saber porquê, como e quando intervir. Ela abrange o desenvolvimento de competências axiológicas ao nível da escuta, da comunicação, do respeito pelo direito de cada indivíduo ser sujeito da sua própria vida, mesmo quando esta é afectada por limitações, dificuldades e até incapacidades para se bastar no quotidiano. Ou seja, procura-se que a formação se inscreva num ambiente de aprendizagem científica e técnica, mas também de enriquecimento das competências pessoais, balizadas por uma conduta ética, estruturante de uma cultura gerontológica, factor de mudança das atitudes e dos comportamentos, nas relações interpessoais e no ambiente institucional. Orienta-se em função de diferentes territórios : do conhecimento, das problemáticas e das políticas, considerando que estas, seja na concepção, na implementação e na operacionalização, em especial no âmbito da saúde e da intervenção social, são cada vez mais apelativas de formação específica e especializada. O caso da política de cuidados continuados, em curso, é disso exemplo: exige-se formação adequada para as diferentes categorias profissionais, entre as quais para os profissionais de serviço social que integram as equipas de cuidados. E, embora a legislação não obrigue para o exercício das suas funções, os profissionais que dirigem estabelecimentos e serviços constituem o maior grupo participante na formação pós-graduada, exprimindo a necessidade de aprofundar conhecimentos e especializar-se nesta área, na procura de “como” desenvolver uma outra relação com as pessoas e de “como” construir a vida institucional como espaços de vida.

Assim sendo, e a par desta necessidade, no actual contexto das políticas de protecção social da velhice, novos objectivos se desenham com a inevitável e desejável evolução das políticas de velhice versus políticas de envelhecimento que tenham em conta o continuum de existência dos indivíduos. A formação de hoje, importa afirmá-lo, constitui um factor estratatégico dessa evolução ao contribuir para a construção do conhecimento de como se envelhece nas nossas sociedades, o que será essencial para que políticas de envelhecimento sustentado se inscrevam no quadro de uma nova geração de políticas sociais na lógica do desenvolvimento sustentado.

4. O projecto formativo

A formação em Gerontologia Social parte do capital do conhecimento científico sobre o envelhecimento, mas não pode deixar de integrar o capital de experiência dos profissionais que trabalham neste sector.

Constitui-se, assim, como oportunidade de transformação da acção em conhecimento, contribuindo também para que cada um construa e partilhe o seu próprio conhecimento.

O projecto da pós-graduação em Gerontologia Social do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa foi construído na óptica da transdisciplinaridade e está estruturado em torno de referenciais do conhecimento multidisciplinar, neste domínio:

§ epistemológicos, conceptuais - envelhecimento, velhice, idoso, pessoa idosa, reformado, velho, necessidade, autonomia, dependência;
§ biopsicológicos – processos de envelhecimento dos indivíduos;
§ demográficos – envelhecimento social
§ sociológicos - condições de vida, representações sociais de velhice, cultura, identidade, modos de vida, sociabilidades, habitat;
§ filosóficos –ética, a morte e o fim da vida;
§ políticos – políticas sociais, protecção social, protecção dos direitos das pessoas idosas;
§ interventivos –comunicação, inter-relação, escuta, re-conhecimento, preservação da autonomia;
§ territórios de intervenção gerontológica –organizações, estabelecimentos, serviços, projectos.

Os conteúdos formativos estão agrupados em quatro módulos, numa lógica de construção do quadro de referência teórico, facilitadora da sua apreensão em função de diferentes territórios da intervenção:

§ Envelhecimento e Sociedade
§ Conhecer a pessoa idosa
§ Políticas de protecção social
§ Intervenção Gerontológica e territorialização da intervenção

Em termos metodológicos, a nossa experiência formativa assenta num modelo participativo, na procura de um ambiente propício à troca de experiências, à reflexividade sobre as práticas, á inovação para adequar, singularizar, “(des)estandardizar” a intervenção, e para orientar a mudança das organizações, em especial do meio institucional. Este último constitui um eixo de grande importância, dado que o aumento significativo dos estabelecimentos de apoio às pessoas idosas não foi acompanhado da necessária qualificação dos profissionais que neles asseguram os cuidados a pessoas com problemas cada vez mais complexos, o mesmo acontecendo com os técnicos que orientam técnicamente o funcionamento desses serviços. Neste sentido, a pós-graduação em Gerontologia Social do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, ao integrar três seminários no seu ciclo de estudos, orienta dois deles em função destas problemáticas : Dependência e Instituição e Projecto de Vida.

“O projecto institucional é constituido pelo projecto de estabelecimento, que define as grandes orientações para acolher com qualidade as pessoas idosas, e pelo projecto de vida que tem directamente a ver com a vida dos residentes no quotidiano...”Gérard Brami, 2000


5. Formar para cuidar

No contexto que acabamos de referir, a formação para o cuidar assume uma importância central. A garantia de acesso a cuidados cientifica e tecnicamente sustentados constitui um imperativo ético e político, pela partilha dos bens que constituem o património científico, técnológico e cultural das nossas sociedades, no respeito pela cidadania plena.

Com a formação para cuidar pretende-se promover a profissionalização e a qualificação da intervenção, valorisando o desenvolvimento de capacidades de escuta, de empatia, assente em princípios éticos de respeito pelo outro, numa filosofia de intervenção em que o cuidar integra a procura de sentido para a acção, latente ou expressa pelos que intervêm e cuidam, reconhecendo que essa busca é tanto mais estruturante quanto mais tiver em conta que, através desse cuidar, o outro procura também o sentido para a sua vida, o valor que lhe é reconhecido, os laços que porventura lhe faltam.(Bernard Ennuyer), 2002

As situações de dependência sendo as mais exigentes no cuidar, são as que mais requerem “aptidões técnicas não apenas no campo biomédico como nos campos psicológico, espiritual, antropológico, social e ético, o que constitui um enorme desafio para as escolas de saúde e de acção social que têm a responsabilidade de formar e actualizar profissionais que pretendam trabalhar ou trabalhem nesta área das ciências humanas, que ultrapassa as fronteiras das ciências da saúde” Baptista Diniz, 2002.

O desenvolvimento de capacidades para conhecer e reconhecer uma pessoa idosa, através de uma relação de não dominação , de escuta , com o distanciamento necessário a uma intervenção profissional e no questionar constante dos seus limites na base da ética e dos direitos, são os eixos da reflexão formativa no sentido do preparar para o cuidar.

A integração de um seminário sobre Intervenção Profissional, no plano de estudos da pós graduação de que falamos, tem como objectivo contribuir para o desenvolvimento da reflexividade sobre as práticas, em especial as que mais directamente se inscrevem no território do cuidar. Seis anos de história desta experiência têm-nos demonstrado a pertinência desta filosofia de abordagem.

6.- algumas considerações finais

A formação em Gerontologia Social, como decorre do exposto, constitui uma exigência e necessidade das sociedades contemporâneas.

A construção de políticas de velhice e de envelhecimento que garantam o direito a envelhecer com dignidade e segurança, a definição de estratégias orientadas para a prevenção dos riscos e para a redução/eliminição dos efeitos nefastos de situações de precariedade física, mental e/ou social com que as pessoas se podem confrontar na velhice, o acompanhamento dos percursos de envelhecimento na lógica da inclusão dos adultos de todas as idades num processo de desenvolvimento sustentado das nossas sociedades, enquadra-se nas recomendações de diferentes organizações internacionais, neste domínio. Entre estas, a OCDE ( 2002), define quatro eixos para as políticas no âmbito do envelhecimento: prevenção; detecção precoce de problemas, concentrando-se nas fases críticas da existência; maior liberdade de escolha e maior responsabilização de cada um face ao seu próprio futuro; implementação de serviços de melhor qualidade. Políticas que, tendo em conta o continuum da existência, intervenham nas idades mais jovens a partir do conhecimento sobre a génese dos processos de envelhecimento, sabendo-se que as políticas têm efeitos no futuro dos indivíduos.O que constitui uma ruptura com os parâmetros etários com que temos trabalhado as questões do envelhecimento, abrangendo outros patamares do percurso de vida. Poderemos falar, então, de mudança de paradigma de análise da problemática do envelhecimento: ao nível dos conceitos,(idoso, pessoa idosa,reformado, 3ªidade, velho, dependência,) da construção dos objectos de análise, das metodologias de intervenção.’

Acompanhamos alguns autores quando referem que “A idade já não exprime uma situação objectiva, caracterizada por uma posição exterior ao sistema produtivo e pela situação física” Durandal,J.P.,2003

Mudar o paradigma resulta, necessariamente, numa maior exigência dos projectos formativos, a todos os níveis e, bem assim, na importância da integração das questões do envelhecimento nos currícula escolares. A par do investimento/ incentivo à investigação sobre o envelhecimento, como factores estruturantes do conhecimento, essenciais à sustentação da formação profissional graduada e pós-graduada. A qualificação dos recursos humanos constitui, sem dúvida, uma estratégia incontornável face ao imperativo ético de garantir intervenção qualificada, na base do saber mais para conhecer melhor os problemas, as necessidades reais, as expectativas, as estratégias de inserção das pessoas que envelhecem, nos seus contextos. O que é indissociável também de uma política de recursos humanos para esta área, exigente, realista, estratégica, centrada no conhecimento e para o conhecimento do homem que envelhece, nos seus sítios, na sociedade, no mundo que construíu e o constrói. Sabendo que o envelhecimento é um fenómeno estruturante das nossas sociedades.

Bibliografia

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DINIZ,J.ALEXANDRE,(2002),Formação e Intervenção em Situações de Dependência, Revihsta Futurando,Dezembro,2002
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GUIMARÃES, PAULA, (2002), Uma Estrada de Tijolo Amarelo, Formação e Intervenção em situações de dependência, Revista Futurando, Dezembro, 2002
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PÉRÈS, K, BARBERGER-GATEAU, Évolution de l’incapacité entre 75-84 ans, 2001
PITAUD, PHILIPPE (1999), in Gérontologie Sociale: pour une éthique de la formation, Editions Érès, Pratiques du champ social.
QUARESMA, MARIA LOURDES, (1999), in Envelhecimento e Acção Social, Profiss, Ministério do Trabalho e da Solidariedade

Envelhecimento e saúde: um problema social emergente

Autor: Prof. Rosa Maria Lopes Martins

Como já vem sendo amplamente referido pela comunicação social, o nosso país,à semelhança de outros, está a passar por uma rápida transição demográfica, caracterizando-se esta por um aumento progressivo e acentuado da população adulta e idosa. São tendências pesadas com fortes implicações estruturantes, mas uma das principais consequências desta transformação dá-se a nível do sector da saúde.

A insuficiência de dados sobre o estado de saúde e o grau de autonomia das pessoas idosas em Portugal, bem como a sua diferenciação por regiões, obriga a proceder a um diagnóstico de situação, a par de medidas concretas que aceleram e melhorem as formas de intervenção necessárias.

É de facto desejável conhecer e compreender melhor a realidade da saúde e envelhecimento da população portuguesa, quer no presente, quer no futuro, de forma a promover novas e melhores abordagens preventivas, curativas e de continuidade de cuidados.

Os conhecimentos científicos actuais sobre a importância da promoção da saúde ao longo da vida, para prevenir ou retardar situações de doença ou dependência, sobre os factores de risco e as doenças mais frequentes nas pessoas e sobre o seu impacto nos cuidados de saúde exigem a definição de linhas orientadoras para a manutenção de um envelhecimento saudável, a promoção da autonomia e a melhoria da intervenção dos prestadores de cuidados.

Não há dúvida que o envelhecimento da população revela-se como uma tendência positiva, que está intimamente ligada à maior eficácia das medidas preventivas em saúde, ao progresso da ciência no combate à doença, a uma melhor intervenção no meio ambiente e, sobretudo, à consciencialização progressiva de que somos (nós) os principais agentes da nossa própria saúde.

Nesta perspectiva, devemos considerar que as pessoas idosas são o primeiro recurso para a promoção da sua própria saúde e, por isso, torna--se necessário encorajá-las a participar neste processo.

Já sabemos que as pessoas não envelhecem todas da mesma maneira. A par dos factores genéticos que determinam muito do processo, há que realçar que não é igual envelhecer no feminino ou no masculino, sozinho ou no seio da família, casado, solteiro, viúvo ou divorciado, com filhos ou sem filhos, no meio urbano ou no meio rural, na faixa do mar ou na intelectualidade das profissões culturais, no seu país de origem ou no estrangeiro, activo ou inactivo (Ministério da Saúde, 1998).

É um facto constatável a que Portugal não foge, na medida em que o envelhecimento da população portuguesa não se manifesta de forma homogénea em todo o território.

Os fortes movimentos migratórios externos e internos têm deixado mais envelhecido o interior com a migração das gerações mais jovens para o estrangeiro e no território nacional, para os grandes centros urbanos do litoral (Ministério da Saúde,1998).

As características mais importantes do envelhecimento humano são, pois, a sua individualidade e diversidade, e estas características apresentam reflexos bem acentuados no estado de saúde.

Em nossa opinião, esta é uma regra básica que deve estar subjacente a todas as políticas de saúde a instituir.

Paralelamente às transformações demográficas, tem também havido uma transição nos perfis da saúde no nosso país, que se caracteriza por uma diminuição da mortalidade materno-infantil, e por um aumento de mortalidade por enfermidades complexas e mais onerosas, típicas das faixas etárias mais avançadas.

Se o início e as etapas do envelhecimento assentam em alterações estruturais e funcionais suficientemente significativas e evidenciáveis, as causas e a natureza do processo estão ainda longe de se considerarem esclarecidas.

O envelhecimento tem início relativamente precoce no final da segunda década de vida, perdurando por longo tempo pouco perceptível, até que surjam no final da terceira década as primeiras alterações funcionais e/ou estruturais. Admite-se como regra geral, que ocorre a cada ano a partir dos trinta anos de idade perda de 1% da função.

O ritmo de declínio das funções orgânicas varia não só de órgão para órgão, como também entre idosos da mesma idade. Tal facto justifica a impressão de que o envelhecimento produz efeitos diferentes de uma pessoa para a outra.

ALTERAÇÕES ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS

O envelhecimento diferencial envolve preferencialmente os órgãos efectores e resulta de processos intrínsecos que se manifestam a nível dos órgãos, tecidos e células:
Assim, a pele envelhece mais rapidamente que o fígado.
As complicações vasculares afectarão o sistema cardíaco principalmente.
A arteriosclerose acumulada por má alimentação, pelo stress e contaminação bacteriana, poderá ocorrer mais cedo ou mais tarde, de acordo com hábitos prevalecentes e resistência orgânica.
Seja qual for o mecanismo e o tempo de envelhecimento celular, este não atinge simultaneamente todas as células e, consequentemente, todos os tecidos, órgãos e sistemas.

Cada sistema tem o seu tempo de envelhecimento, mas sem a interferência dos factores ambientais há alterações que se dão mais cedo e se tornam mais evidentes quando o organismo é agredido pela doença.

Diz Ermida (1999), que a "diminuição de função renal em cerca de 50% aos 80 anos - condiciona a farmacoterapia do idosos", "as alterações orgânicas a nível das mucosas digestivas, são determinante frequente de problemas nutricionais"; "as alterações a nível de arquitectura dos ossos, a dismetabolia cálcica, propiciam fracturas frequentes"; a "diminuição da água intracelular (perda de 10 a 15% aos 80 anos) torna o idoso extremamente sensível aos desequilíbrios hidroelectrolíticos"; e o "aumento da massa gorda favorece a obesidade com todo o seu cortejo de consequências".

A nível do sistema nervoso, existe fundamentalmente perda de neurónios substituídos por tecido glial, a diminuição do débito sanguíneo, com consequente diminuição da extracção da glicose e do transporte do oxigénio e a diminuição de neuromodeladores que condicionam a lentificação dos processos mentais, alterações da memória, da atenção, da concentração, da inteligência e pensamento .

Para além de tudo isto, temos ainda a considerar as diminuições orgânicas e funcionais, que originam significativas alterações na forma e na composição corporal com o decorrer dos anos. Talvez as condições mais relevantes a ter em consideração para a sobrevivência do idoso e para a sua qualidade de vida sejam, no entanto, a diminuição da sua reserva fisiológica e a consequente dificuldade na reposição do seu equilíbrio homeostático quando alterado.

As modificações fisiológicas que se produzem no decurso do envelhecimento resultam de interacções complexas entre os vários factores intrínsecos e extrínsecos e manifestam-se através de mudanças estruturais e funcionais.

ENTIDADES PATOLÓGICAS MAIS FREQUENTES NOS IDOSOS

As alterações de estrutura e as perdas funcionais ocorrem em todos os órgãos e sistemas do corpo humano. No entanto, para Berger (1995), os principais problemas de saúde dão-se a nível de sistema nervoso central, aparelho locomotor, sistema cardiovascular e sistema respiratório.

Num relatório publicado recentemente pelo Ministério da Saúde sobre "Principais problemas de saúde dos idosos", dizia-se: "… há inevitavelmente entidades patológicas que são mais frequentes nos idosos, no entanto, e entre elas, destacam-se as demências, até pelas suas consequências e dependência ".

A sua prevalência embora baixa (5%) vai aumentando com a idade (20% acima dos 80 anos), salientando-se duas formas:
A degenerativa ou doença de Alzheimer (de evolução mais dramática).
A de multi-enfartes ou arteriopática.
Esta última durante muitos anos foi relacionada com arteriosclerose, quando, de facto, a única ligação estabelecida é com a história pregressa de hipertensão arterial.

Para Hoeman (2000), viver mais tempo aumenta as probabilidades em 80% de contrair uma ou mais doenças crónicas, bem como limitações físicas incapacitantes. Acrescenta que em muitos casos é difícil de distinguir se se trata de alterações decorrentes do processo de envelhecimento ou se são manifestações patológicas.

De qualquer modo, os principais efeitos do processo de envelhecimento e/ou doença crónica manifestam-se aos níveis:
Cardiopulmonares;
Musculo-esqueléticas;
Cutâneos;
Neurológicos;
Padrões do sono;
Função intestinal;
Função geniturinária;
Função hepática;
Renais;
Endócrinos.

Existe de facto uma relação estreita entre incapacidades e idosos, mas para Zimmerman e cols., as três condições mais frequentes dessas incapacidades em pessoas com mais de 65 anos são: artropatias, hipertensão arterial sistémica e cardiopatias, numa relação de prevalência de 47,2%, 41,4% e 30,4%, respectivamente.

Deve ser ressaltado que a presença de múltiplas afecções associadas na mesma pessoa (situação frequente nos idosos) aumenta a probabilidade de incapacidade para uma ou mais actividades de vida diária (AVD).

Estas incapacidades, no entender de Fedrigo (2000), estão a tornar--se cada vez mais prevalentes e têm importância crucial, na medida em que não têm diagnóstico de resolutividade rápida e absorvem grandes quantidades de recursos materiais e de profissionais especializados (nomeadamente de reabilitação).

Os problemas de saúde considerados "típicos da terceira idade", e que apresentam uma alta taxa de prevalência, foram denominados por Bernard Isaacs como os "gigantes da geriatria" e de entre eles destaca:
Incontinência urinária;
Instabilidade postural e quedas;
Imobilidade;
Demência;
Delirium;
Depressão.

Além dos défices de carácter físico e intelectual anteriormente descritos, com o envelhecimento podem verificar-se modificações nas reacções emocionais; acúmulo de perdas e separações, solidão, isolamento e marginalização social.

As principais características do envelhecimento emocional são: redução da tolerância aos estímulos, vulnerabilidade à ansiedade e depressão, sintomas hipocondríacos, autodepreciativos ou de passividade, conservadorismo de carácter e de ideias, e acentuação de traços obsessivos (Souza, e cols. 1996).



Considerando os aspectos mencionados, fica claro que, apesar da senescência ser um processo natural com o aumento da idade, aumenta a probabilidade do aparecimento de entidades patológicas, cuja hierarquia é variável para os diversos autores.

Principais problemas de saúde dos idosos

Sistema Nervoso Central
Demências

Doenças neurológicas

Padrões de sono

Delírium

Depressões

Aparelho Locomotor
Limitações físicas incapacitantes

Artropatias

Imobilidade

Instabilidade postural / quedas

Reumatismos

Sistema Cardiovascular
Arteriosclerose

Hipertensão

Cardiopatias

Sistema Respiratório
Afecções pulmonares

Sistema Urinário
Incontinência

Perturbações renais

Apesar de uma importante parcela deste grupo etário relatar estar bem de saúde e de se verificar alguma variabilidade de opinião relativamente às alterações mais prevalentes nos idosos, persiste a ideia que a maioria dos problemas de saúde são de carácter crónico e que, portanto, vão perdurar 15, 20 ou mais anos.

Outra ideia comum, e que tem sido confirmada por vários estudos, é que em relação a outras faixas etárias os idosos consomem muito mais do nosso sistema de saúde e que este maior custo não tem revertido em seu benefício.

Isto leva-nos a pensar que o modelo existente de assistência aos idosos não se adequa à satisfação das suas necessidades. Os problemas de saúde dos mais velhos, além de serem de longa duração, requerem pessoal qualificado, equipas multidisciplinares, equipamentos próprios e exames complementares mais esclarecedores.

O conhecimento desta problemática permite-nos perceber que os clássicos modelos de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação, não podem ser mecanicamente transportados para os idosos sem que significativas e importantes adaptações sejam executadas.

Nesta perspectiva, torna-se urgente que as instituições promotoras de saúde se organizem no sentido de responder adequadamente às necessidades de saúde da população idosa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, Louise – Cuidados de enfermagem em gerontologia. In BERGER, Louise ; MAILLOUX-POIRIER, Danielle – Pessoas idosas: uma abordagem global. Lisboa: Lusodidacta, 1995. ISBN 972-95399-8-7. p. 11-19.

BERGER, Louise ; MAILLOUX-POIRIER, D. M. – Pessoas idosas: uma abordagem global. Lisboa : Lusodidata, 1995. ISBN 972-95399-8-7.

ERMIDA, José Gomes – Avaliação demográfica compreensiva. Temas Geriátricos. Lisboa : Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia. Vol. 1, (1995).

FEDRIGO, Claudia R. A. M. Fisioterapia na terceira idade – O futuro de ontem é a realidade de hoje [online]. Available from World Wide Web: <http://www.fisiohoje.fst.br/

As gerações mais idosas. Lisboa : INE, 1999.

HOEMAN, Sirley P. – Enfermagem de reabilitação: aplicação e processos. 2ª ed. Lisboa: Lusociência, 2000. ISBN 972-8383-13-4.

PORTUGAL. Direcção Geral da Saúde – Estudo da qualidade de vida do idoso: aplicação de um instrumento de avaliação: relatório. [Lisboa] : Direcção - Geral da Saúde, 1995.

PORTUGAL. Ministério da Saúde – Os mais velhos: relatório de actividades. Lisboa : Ministério da Saúde, 1998.

SOUZA, Fernando P. [et al.] – Sobrevoo: da autogénese passando pela infância e detendo-se na velhice. Rev. Psicofisiologia. 2 (1), 1998. ]

PARA UM ENVELHECIMENTO ACTIVO: DESCOBRIR NOVOS CAMINHOS

I JORNADA –
CSP, Fátima, 3 de Junho de 2005
Projecto de Vida – A Vida Continua a Ter Sentido

Carla Ribeirinho, Assistente Social e Docente da licenciatura em Serviço Social na Universidade Lusófona de humanidades e Tecnologias

A sociedade actual encontra-se perante uma situação contraditória: por um lado confronta-se com o crescimento em massa da população idosa, fruto do aumento da esperança média de vida, e por outro lado, omite-se ou adopta atitudes preconceituosas sobre a velhice, retardando assim uma efectiva implementação de medidas que visem minorar situações de dependência.
Netto e Ponte (2002:9), são peremptórios em afirmar que
“Não é justo, não é humano somente prolongar a vida dos que já ultrapassaram a fase de homens adultos, quando se não lhes dá condições para uma sobrevivência digna. Sob este aspecto não há dúvida ao se afirmar que é melhor acrescentar vida aos anos a serem vividos do que anos à vida precariamente vivida.”.

Tal afirmação aponta para a necessidade de promoção da qualidade de vida em simultâneo com a ampliação da expectativa de vida.

Também o número de profissionais de várias áreas, a dedicarem-se à intervenção junto de pessoas idosas, tem aumentado consideravelmente, fruto da progressiva consciencialização de que se trata de uma população com características e particularidades muito próprias, que exigem um aprofundamento e actualização de conhecimentos específicos nesta matéria.

Ao longo da vida, a personalidade do indivíduo está submetida a uma série de perturbações, uma vez que o seu próprio meio externo sofre também profundas modificações. Tal justifica, desde já avançar com a perspectiva de que, nas pessoas idosas, a maioria dos problemas ligados ao envelhecimento não são causados pela diminuição das funções cognitivas. São sobretudo outro tipo de problemas, como a perda de papéis, as diversas situações de stresse, a doença, o cansaço, o desenraizamento, e outros traumatismos que vão dificultar a adaptação das pessoas idosas. Para ultrapassar estas situações, o indivíduo terá de reequacionar os seus objectivos pessoais, de forma a adaptar-se, conservando a sua auto-estima, para continuar a viver com o melhor bem-estar possível.
A velhice é, sem dúvida, uma etapa especialmente intensa de perdas afectivas (Garcia, 2002), ou seja, de perda de papéis ao longo dos anos de forma progressiva, mas inelutável (filhos que saem de casa, reforma, viuvez, etc.) “O indivíduo que era competente, bem sucedido e independente, pode tornar-se dependente e impotente para enfrentar a relação quer com a família, quer com a sociedade em que se encontra inserido.” (P. Fernandes, 2002:26)
Tal exige uma mobilização de energia com vista ao ajustamento ao novo universo de sociabilidades (Levet, 1998:36).
Por outro lado, dá-se também a perda de pessoas próximas, como o cônjuge, amigos, familiares ou colegas, ou seja, de pessoas importantes no meio afectivo e de relação, que podem provocar stresse à pessoa idosa por diversos motivos, entre os quais a previsão da sua própria morte que se avizinha (P. Fernandes, 2002:26).

Por outro lado, a fase etária da vida aqui em análise é caracterizada por uma diminuição das capacidades físicas, psicológicas e sociais, e se não for acompanhada por um estímulo efectivo às capacidades da pessoa idosa, mantendo o seu papel social como pessoa ‘capaz, com vista à manutenção das suas possibilidades de desenvolvimento, conduzirá a um ciclo de vida negativo, levando o indivíduo a adoptar um papel de doente e dependente.

Hall et al. (1997:39,40) apresentam esta ideia esquematicamente, de uma forma bastante explícita, e que nos pode ajudar a reflectir melhor sobre esta questão.







Figura 2 – O ciclo de vida negativo: um ciclo vicioso de doença no idoso

Figura 3 – O ciclo de vida positivo

Fonte: Hall et al., (1997:39,40)

É óbvio que não podemos generalizar este encadeamento, pois este é influenciado pela história de cada indivíduo e pelo seu meio sócio-cultural. Tal significa, numa análise mais aprofundada, que a “engrenagem” negativa é evitável, e a positiva desejável (Levet, 1998:40).
Purificação Fernandes (2002:33), também defende que os idosos que consideram a velhice como um fenómeno natural, dão mais sentido à vida, sendo mais felizes e implicando-se mais no seu meio e na sociedade. Tal passa pelo auto-reconhecimento de aspectos positivos (tais como um sistema de valores estável, sensatez, etc.) e de determinadas vantagens (diminuição da responsabilidade e do trabalho, abertura de espírito, etc.).
“Se o indivíduo não conseguir mobilizar energia suficiente para ultrapassar as suas deficiências físicas, ir-se-á refugiar na doença e em maleitas de toda a natureza.” (Levet, 1998:40)
Também em termos intelectuais se dá esta evidência, pelo que Levet afirma mesmo que o cérebro humano só se gasta se não for utilizado. Ao longo de toda a existência assimilamos novos conhecimentos, novas formas de fazer e criar, graças à nossa capacidade de aprendizagem (Ibid.).
Contudo, não podemos afastar desta reflexão a importância dos factores psico-afectivos, dado que as questões da aprendizagem não se podem reduzir a factores intelectuais. Há que ter em linha de conta a importância e centralidade das necessidades e dos desejos em toda a experiência humana, ou seja, a importância da motivação como “motor”/“alavanca” para a mobilização das capacidades intelectuais.
De qualquer forma, Levet (Ibid.) reafirma que o essencial é lembrarmo-nos que no domínio intelectual se perde pelo não uso e não pelo abuso: “O exercício intelectual é indispensável à vida mental, e a sua penúria, a falta de estimulação do pensamento, têm efeitos devastadores, qualquer que seja a idade dos indivíduos.”
Também Purificação Fernandes, afirma que se corre o risco de que as pessoas idosas se tornem “incapazes”, não apreciando e assumindo os valores positivos da velhice, se não se alterar esta imagem dominante que as sociedades cultivam. “A sociedade tem de compreender que a integração social dos idosos é o caminho para lhes reduzir a dependência, preservar a auto confiança e contribuir de forma positiva para a prosperidade da mesma.” (2002:32)
Tal não significa escamotear que é um facto que o envelhecimento pode acarretar situações de fragilidade e dependência, mesmo em pessoas que têm uma atitude positiva em relação à sua vida. O que queremos asseverar, é que um indivíduo mesmo portador de uma doença, poderá sentir-se saudável, desde que seja capaz de desempenhar funções e actividades, capaz de alcançar expectativas e desejos, ter projectos, enfim, de se manter activo no seu meio, ou seja, ter alguma função social que lhe proporcione uma boa qualidade de vida.
A realidade a que assistimos, em muitos casos, é a existência de um declínio do padrão de vida, acompanhado, por vezes, de muitas privações, após a ruptura (muitas vezes drástica) com a actividade laboral. Deste modo, a maioria das reflexões/abordagens acerca da relação pessoa idosa–sociedade, é feita através da “... lupa económica do sistema de produção. Os valores de reflexão, de meditação, de sabedoria, e as potencialidades que se vão forjando com o avanço em idade, não são tomadas em consideração; pior que isso – a maior parte das vezes não são mesmo reconhecidas.” (Levet, 1998:8).
É então como se o desaparecimento da função de produção marcasse uma perda de utilidade social, sentida pelo reformado e confirmada pela sociedade que prescinde destes indivíduos, independentemente da sua aparência ou competência para o trabalho, estabelecendo assim a sua entrada “oficial” na velhice.
É neste sentido que a reforma favorece o isolamento social, a inactividade e a depressão, uma vez que a retirada do mundo do trabalho independentemente da sua vontade, gera no indivíduo um sentimento de falta de importância, utilidade e auto-estima, sobretudo numa sociedade onde o estatuto da pessoa idosa está ligado ao trabalho e à rentabilidade. Há autores que chegam a afirmar que a reforma estimula a consciência do envelhecimento. Como se não bastasse, ela ocorre num ponto do ciclo de vida em que a capacidade adaptativa está mais limitada.
Por outro lado a imposição da reforma, sem alternativa de ocupação útil, uma vez que normalmente esta não é devidamente preparada, leva frequentemente à inactividade que, por sua vez, gera deficiência, limitação funcional e dependência.
De salientar que cada indivíduo é uma realidade, sendo que a idade da reforma, (entendida no sentido de “deixar de trabalhar”), tem repercussões diferentes em cada um, o que quer dizer que, se por um lado existem idosos que após a reforma continuam a ter uma vida social activa, por outro lado, a realidade mostra-nos que a maioria acaba por “cair” na inactividade e no desinteresse.
Efectivamente, a maioria das pessoas idosas tem uma fraca participação na sua comunidade, o que gera sentimentos de solidão e desvalorização, com repercussões quer ao nível da integração sócio-familiar quer do nível da saúde física e psíquica. De facto, as fracas condições de vida em que a maioria da população idosa portuguesa vive, induzem-na a uma fraca mobilidade e a um consumo passivo de serviços que lhes são oferecidos sem alternativas de escolha. A pessoa idosa é frequentemente dissuadida da actividade e persuadida à inércia quase vegetativa, sendo-lhe assim vedado o acesso à participação e intervenção nas decisões que lhe dizem respeito como membro activo da sociedade.
Se por um lado temos como certo que a idade da velhice é incerta e flutuante segundo os indivíduos, por outro, verificamos que a sociedade e as suas instituições inscrevem e balizam por idades, o “compasso” de cada um de maneira uniforme, e tal acontece ao longo de toda a vida: a idade de entrar para a escola, a idade da maioridade, a idade da reforma, etc., isso acontece obviamente por imperativos de ordem social, política e económica, mas não tem em consideração a pessoa no seu processo de desenvolvimento, nem as suas capacidades.
A idade funciona como um “cutelo”, cortando sem contemplações a organização do tempo, os recursos e as relações sociais, acentuando-se o vazio social.

Feita esta reflexão, analisemos agora qual é a imagem social da velhice.
Ser idoso, por si só, não deveria ser um facto negativo e preocupante.
Ao longo da história da humanidade, o status das pessoas idosas foi alvo de diversas concepções, por vezes extremas: desde a gerontocracia à eliminação ou auto-eliminação, ou seja, desde o prestígio e poder à inutilidade e carga social.
Actualmente, ainda prevalece a visão tradicional da pessoa idosa como alguém inútil, isolado, em declínio biológico e mental, marcado por um tempo linear, com problemas de saúde e, na maioria das vezes, dependente física e economicamente de alguém – imagem estigmatizante de “espera pela morte”:
“... imagem negativa e pejorativa associada a velho/velhice. Velho é traste, problema, ônus [sic], inutilidade; velhice é doença, incapacidade, dependência, perda, impotência. Velho é uma pessoa que atrapalha as outras, alguém que perdeu o direito à dignidade, à sobrevivência, à cidadania. A imagem (...) é a de uma pessoa encurvada, de bengala, quase cega, surda e gagá.” (Paschoal, 2002a:41)

No cenário actual, a maior parte dos sinónimos da palavra “velho” carregam uma conotação depreciativa. O “velho” é normalmente considerado como ultrapassado, antigo, primitivo, senil, etc., condição que contribui para a manutenção de estereótipos, mitos e ideias pré-concebidas relativamente à velhice, sobretudo numa sociedade que exalta os valores da juventude. E esta cadeia de representações negativas conduz ao que Micael Pereira designa de retorno à situação de “… menino incapaz de decidir por si. Incapaz não necessariamente pelo estado das suas faculdades, mas incapaz porque lhe foi retirada a legitimidade social para o fazer.” (Pereira, 2002a:8).

De facto, habituámo-nos de tal forma a encarar o envelhecimento sob uma perspectiva de inactividade, de inutilidade social, de dependência, que temos dificuldade em pensá-lo com base em outros referenciais que não aqueles ligados a “perdas” ou a “déficits”.
Também Micael Pereira (2002a:8) problematiza esta visão negativa, afirmando: “Ser idoso acaba por ser uma designação de posição social, sinal de que assume um leque determinado de papéis, todos eles de dependência, sem autonomia, sem orientação da acção, sem capacidade de fazer o que entende, de tomar iniciativas.”
Os mitos e estereótipos, ou seja, a visão preconceituosa e negativa que prevalece na nossa sociedade, estão muitas vezes associados ao desconhecimento do processo de envelhecimento, e são reproduzidos frequentemente, sobretudo nos meios de comunicação social, o que leva a um reforço constante de que envelhecer é por si só um problema. “A sociedade está a fornecer aos idosos um ‘filtro negro’ que lhes inibe a percepção de aspectos positivos e assim a velhice torna-se num período traumatizante e negativo.” (P. Fernandes, 2002:32) e como dizia Einstein, é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito. É neste sentido que é absolutamente necessário o “... resgate da dignidade e da cidadania do idoso, derrubando o preconceito que marginaliza o velho, restabelecendo os seus direitos de cidadão…” (Netto e Ponte, 2002:9).

Como é que estas alterações afectam a vida das pessoas idosas em termos de satisfação das suas necessidades humanas? Uma das possibilidades de análise pode basear-se na teoria da motivação de Abraham Maslow (1970), na componente das necessidades humanas.
Segundo este psicólogo, as necessidades estão organizadas e dispostas em níveis, numa hierarquia de importância e de influência, representada numa pirâmide, ou seja, as necessidades estariam hierarquizadas em cinco níveis, onde a ascensão a um nível superior exige obrigatoriamente a satisfação de um nível anterior.
Assim, na base da pirâmide estão as necessidades mais básicas (fisiológicas), e no topo as necessidades mais elevadas (auto-realização).

Figura 4 – Necessidades humanas (A. Maslow)










Fonte: A. Maslow, 1970

Esta contextualização teórica das necessidades humanas é de absoluta pertinência, pois quando abordarmos a dimensão dos cuidados às pessoas idosas, este enquadramento é fundamental para perceber em torno de que tipo de necessidades se organizam esses cuidados.

OS FUNDAMENTOS DA DEPENDÊNCIA
A autonomia pode ser entendida como a capacidade de decisão e de comando e independência como capacidade de realizar algo com os seus próprios meios.
Estamos, pois, perante um conceito amplo, traduzindo a condição de o indivíduo se poder relacionar com outros de forma igualitária, numa relação sujeito-sujeito, e com base no mútuo respeito.
As alterações funcionais que decorrem do processo de envelhecimento, associadas à maior prevalência de doenças crónicas, podem efectivamente conduzir à deterioração da habilidade de manutenção da independência. É este o motivo apontado para que as pessoas idosas, em número e intensidade, sejam proporcionalmente mais dependentes do que as jovens.
De facto, a manutenção da qualidade de vida está intimamente ligada à autonomia e independência.
A autonomia é a capacidade e/ou o direito que um indivíduo tem de ele próprio escolher os actos e os riscos que pode correr. Em relação à perda de autonomia, esta será precisamente o contrário de autonomia, isto é, a incapacidade e/ou interdição de o indivíduo escolher ele próprio as regras da sua conduta, bem como a orientação dos seus actos e os riscos que pode correr. Trata-se de um comportamento do indivíduo em relação a si mesmo, como autor responsável pelas suas leis e pelo sistema de valores que presidem às suas atitudes. Quase despercebidamente, utilizámos aqui um outro conceito que merece alguma atenção: o de incapacidade, que é a restrição na execução de uma actividade da vida diária. Mas, deve registar-se que a incapacidade pode ser compensada com o uso de artefactos ou adaptações, conforme o grau funcional do indivíduo. Tal parte do pressuposto de que a incapacidade não é um “rótulo”, ela deve ser modulada e dentro de um espaço de tempo ser temporária ou definitiva, progressiva, estabilizada, regressiva ou compensada.
É frequente encontrar também na bibliografia o termo independência que significa alcançar um nível aceitável de satisfação das necessidades, através de acções adequadas que o indivíduo efectua por si mesmo, sem a ajuda de outra pessoa.

No que diz respeito à dependência, esta é definida como a incapacidade do indivíduo para adoptar comportamentos ou executar por si mesmo, sem a ajuda de terceiros, acções que lhe permitam alcançar um nível aceitável de satisfação das suas necessidades.
Ser dependente, por ser idoso ou por outros motivos, passa pelo facto de o indivíduo não poder realizar sem ajuda as principais actividades da vida diária, quer sejam físicas, psicológicas, económicas ou sociais.

Importa ainda acrescentar que a dependência pode ser total ou parcial, temporária ou permanente.

Pode-se considerar que uma pessoa é autónoma quando decide e conduz a sua vida por si mesmo, ou seja, actua com liberdade. De forma mais aprofundada, podemos dizer que autonomia é a capacidade e/ou direito de uma pessoa escolher por si mesma as regras da sua conduta, a orientação dos seus actos e os riscos que se encontra disposta a assumir. Efectivamente, o que aqui importa acentuar é que mesmo que uma pessoa idosa seja dependente (a não ser que a dependência seja total), não deve por isso deixar de ser autónoma.

É possível encontrar nestas definições aspectos comuns: que a dependência começa precisamente quando começam a diminuir de forma acentuada algumas capacidades no desempenho de tarefas diárias; que nas pessoas idosas, a dependência assume alguns contornos particulares, uma vez que esta resulta de factores como a redução das capacidades físicas ou psicológicas, insegurança económica, isolamento, solidão, dependência de familiares e/ou de outro tipo de suporte social, como já tivemos oportunidade de analisar anteriormente. Nesta linha de pensamento, abordar a situação de dependência, implica analisar o contexto situacional no qual ela ocorre, ou seja, perceber se se trata de uma pessoa em situação de isolamento e solidão, com ou sem suporte social, entre outros factores que provocam ansiedade e stresse ao indivíduo, resultando numa conjuntura de desequilíbrio.



Gráfico 1 – Envelhecimento funcional









Fonte: Adaptado de Paschoal (2002b:315)

Para este autor, desde o nascimento que as pessoas vão desenvolvendo as suas capacidades até aos 20/30 anos, quando se atinge o auge da capacidade funcional. A partir daí, o desempenho funcional do ser humano vai-se deteriorando pouco a pouco, consequência do processo natural do envelhecimento. É, pois, um processo lento, mas inevitável e universal. Pois não existe vacina contra o envelhecimento.
Como vimos, a trajectória deste declínio pode ser afectada por uma série de factores endógenos (como por exemplo a constituição genética) e exógenos (meio ambiente, hábitos e estilos de vida, contexto sócio-económico, etc.).
Uma inclinação mais brusca desta linha de declínio funcional, pode dar-se em situações de crise, como por exemplo uma doença ou um acidente.
É neste sentido que Paschoal afirma que num determinado nível se situa o limiar da incapacidade, ou seja, acima desse limiar as pessoas vivem de forma independente e abaixo dele vivem dependentes. Por outro lado, as pessoas podem adiantar ou atrasar a chegada a esse limiar. Quando esta é atrasada, a morte pode ocorrer antes que a incapacidade aconteça.
Não obstante, envelhecer sem incapacidade, preservando a autonomia, é um factor indispensável para a manutenção da qualidade de vida.
Esta perspectiva proposta por Paschoal (2002b), vem reforçar a ideia da singularidade do processo de envelhecimento, que varia em função de um conjunto de factores, podendo fazer deslocar a curva do declínio funcional.
É importante, contudo, fazer apelo à reflexão proposta por Fontaine (2000:150): “… as relações existentes entre a idade, a hereditariedade, os estilos de vida e os riscos de doença devem ser concebidos de forma dinâmica e não mecânica.”
Esta centralidade atribuída ao life style (Veras, 2003), é importante nesta nossa reflexão sobre a questão da dependência na designada terceira idade, pois como afirma Paúl (1996) há uma certa responsabilidade de cada pessoa no seu próprio destino, embora esta responsabilidade seja relativa, tendo em conta todas as dimensões do contexto concreto de cada indivíduo.

Envelhecer com sucesso é uma alternativa possível à perspectiva determinista do envelhecimento associado à dependência, à doença, à incapacidade, à depressão. Um conjunto de esforços articulados entre as diversas áreas do saber, permitirão uma associação entre o aumento da esperança de vida e uma boa qualidade dessa mesma vida, com autonomia e integração/participação na sociedade e na família, aproveitando as capacidades individuais das pessoas idosas.

Ao abordarmos aqui o problema da dependência, não pretendemos traçar um perfil eminentemente negativo do processo de envelhecimento, mas sim mostrar que esta fase da vida é marcada por mudanças profundas que culminam, por vezes em situações que necessitam de determinado tipo de intervenção.
(…)
É neste sentido que surge a importância da intervenção social, através da qual se tem procurado, ao longo dos tempos, actuar de forma a responder às necessidades da população idosa.
Contudo, esta actuação caracterizou-se, durante muito tempo, por ser essencialmente remediativa e curativa, tendo-se investido pouco numa perspectiva de prevenção de situações conducentes à aceleração ou degradação do processo de envelhecimento, ou na promoção de condições que permitam a integração sócio-familiar das pessoas idosas e a sua participação activa na comunidade.
Neste sentido, a intervenção social nesta problemática justifica-se dada a profunda interacção entre as vulnerabilidades sociais e os contextos de mudança na sociedade.
“… o objectivo essencial da protecção social da dependência (…) é a criação de condições que contribuam para garantir, a cada um, quaisquer que sejam as circunstâncias, o direito a ser sujeito da sua própria vida. Reconhecendo que para além dos deficits, há os adquiridos, os ganhos, um capital de vida que os mais anos proporcionaram. ” (Quaresma, 2004:40)


Uma vez que se reconhece que as doenças crónicas associadas às alterações relacionadas com a idade são progressivas, o trabalho a desenvolver nestas situações deverá ser no sentido de promover o maior nível de independência possível, ao longo do continuum da existência.

Como tivemos já oportunidade de analisar, existem de facto, muitas pessoas idosas fragilizadas que não conseguem satisfazer as suas necessidades básicas, devido ao seu estatuto social diminuído e oportunidades reduzidas de interacção e suporte, baixa auto-estima e por outro lado, com poucas oportunidades de escolha de serviços e cuidados de saúde devido a uma diminuição do acesso físico e económico.
Tal conjuntura, demanda a necessidade de uma avaliação especializada para identificar os sinais precoces de problemas potenciais, nomeadamente ao nível da mobilidade, baseada no princípio-chave de promoção do funcionamento independente o mais possível, como condição de sucesso a longo prazo, por forma a evitar uma potencial “cascata de calamidades”.
A competência dos profissionais para avaliar, planear, oferecer intervenções precoces e rápidas, e identificar os factores que para além da incapacidade, inibem a gestão e a manutenção da saúde a longo prazo, contribui para a melhoria dos resultados.
De facto, as múltiplas variáveis físicas, económicas, psicológicas e sociais associadas ao envelhecimento exigem que a avaliação de cada situação seja feita com o máximo de rigor.
A própria natureza dos programas e serviços limita as pessoas idosas e promove a dependência. Na realidade, “Não raras vezes, assistimos a uma desvalorização das necessidades do idoso, por se acreditar que estas se limitam a certas prioridades fisiológicas, como, por exemplo, a alimentação, o vestuário, o alojamento, os cuidados de saúde e a higiene.” (Pimentel, 2001:76)
Desta forma, são esquecidas as necessidades sociais, afectivas e sexuais, sendo mesmo, muitas vezes, reprimidas. Tal passa, em muitos casos, pela falta de sensibilização dos agentes institucionais para a especificidade da experiência de cada indivíduo, tendo este de viver de acordo com normas restritivas.
Então, as palavras-chave da intervenção junto das pessoas idosas deverão ser a promoção da autonomia, da afectividade e da convivência.

Micael Pereira (2004b:85), recorda-nos a temática da resiliência, entendida como a capacidade de o indivíduo se recuperar após uma enfermidade, trauma ou stresse, e citando Manciaux, diz-nos que a resiliência “Implica vencer as provas e as crises da vida, isto é, resistir-lhes primeiro e superá-las depois, para continuar a viver o melhor possível. Resiliar é rescindir um contrato com a adversidade.”
No entender de Pereira (Ibid.), a resiliência é grandemente favorecida por um ambiente interactivo, e consubstancia-se na capacidade de resistir, de refazer, de retomar a vida fazendo frente às suas adversidades.
No fundo, ser resiliente, segundo este autor, é ser capaz de superar as nocividades e de continuar a viver o melhor possível. De qualquer forma, ela está sempre aliada à procura de amor, à vontade de viver e à busca do sentido da vida, e para tal, muitas vezes é necessária a ajuda de alguém que ajude a dar sentido a esse projecto de vida.
Micael Pereira, neste sentido, defende que é importante que em todas as idades se tenha horizonte e expectativas de futuro, afirmando: “Quando não temos horizonte (…) caímos numa situação de anomia, de depressão, de ausência de interesse na vida, que é dramática e nos aproxima das situações de ‘hospitalismo’”(Ibid.:78).

missão do profissional é ajudar as pessoas a criarem uma maneira de viver com sentido para elas, e compatível com a sua situação, independentemente da sua condição física ou da natureza da sua afecção. O objectivo não é que o profissional diga ao utente o que ele deve fazer, mas dar-lhe liberdade para que ele decida sobre a sua situação;
“Calar-se para permitir ao outro ouvir-se a si mesmo, sugerir em vez de persuadir ou até impor, são características essenciais a uma prática subtil, verdadeiramente profissional, profundamente imbuída de consideração pela humanidade singular desse outro ser humano. Reconhecer a dignidade absoluta desse outro (...) é recusar-se a desumanizá-lo, pensando por ele, substituindo-se a ele; é permitir-lhe que seja ou que volte a ser ele mesmo o criador da sua história de vida.” (Hesbeen, 2003:XV).

(…)
Essas estratégias passam pelo reforço da auto-estima, da promoção das sociabilidades e do incentivo ao estabelecimento de um projecto de vida.

Importância de criar um ambiente em que a pessoa idosa se sinta reconhecida e escutada, e em que esta possa exprimir as suas emoções positivas e negativas.

Tal desígnio baseia-se na convicção de que todos os seres humanos precisam de comunicar. Deste modo, a criação de um ambiente interactivo, permite que a vida se torne potencialmente mais interessante, porque partilhada. As práticas gerontológicas deverão, então centrar-se no “…reforço dos laços comunicacionais”.

É, então, imprescindível uma abordagem fenomenológica que privilegie a experiência subjectiva da pessoa, implicando que o conhecimento que se tem do outro surge a partir da compreensão do seu quadro de referências. Tal requer uma não-directividade, que passa por acreditar que o indivíduo tem dentro de si amplos recursos para alterar o seu auto-conceito, as suas atitudes e os seus comportamentos, ou seja, acreditar na autonomia e capacidades da pessoa, no seu direito de escolher qual a direcção a tomar, bem como assumir as responsabilidades dessas escolhas.
A não-directividade é, antes de mais, uma atitude em direcção ao utente. É uma atitude pela qual o profissional deve recusar a tendência de indução do utente para uma qualquer direcção, ou de levá-lo a pensar, sentir ou agir de determinada forma.
Esse pressuposto articula-se com outro conceito central da perspectiva rogeriana: a aceitação positiva incondicional, que se traduz pela aceitação incondicional da pessoa por parte de outra, tal como ela é, sem juízos de valor ou críticas a priori (Rogers, 1975).
Esta aceitação tem por base a compreensão empática do utente, entendida como a “… capacidade de se imergir no mundo subjectivo do outro e de participar na sua experiência, na extensão em que a comunicação verbal ou não verbal o permite. É a capacidade de se colocar verdadeiramente no lugar do outro, de ver o mundo como ele o vê”. (Gobbi et al., 1998: 45).
No nosso entender, esta concepção é central na intervenção social em geral e na intervenção gerontológica em particular, uma vez que radica na importância de entrar no universo perceptivo do outro, sem julgamentos, tomando consciência dos seus sentimentos, sem no entanto deixar de respeitar o seu ritmo, para que o indivíduo, neste caso a pessoa idosa, se sinta não apenas aceite, mas também compreendida na sua globalidade.
Todas estas dimensões são valorizadas através do estabelecimento de uma relação de ajuda que favoreça o desenvolvimento e um melhor funcionamento, de forma a enfrentar melhor a vida.
A relação de ajuda é uma luta quotidiana contra todas as dependências que possam surgir até ao fim da vida (e que, como vimos, podem ser de ordem física, psicológica e/ou social).
Em suma, os conceitos-chave que aqui apresentámos em linhas gerais são: respeito, confiança, aceitação, autenticidade e tolerância, e que nos parecem fundamentais nesta área. E para ajudar de forma adequada, o profissional deve saber e acreditar que o utente, independentemente da natureza do seu problema, é o centro do processo de intervenção.

Reconhecemos que esta concepção não está isenta de grandes dificuldades de aplicação nos contextos concretos de trabalho. Por isso somos levados a questionar: Será que as estruturas institucionais que temos propiciam esta centralidade da pessoa no processo de intervenção? Até que ponto os serviços se organizam com a pessoa idosa e em função dela e não apenas para ela, ou em função de outros critérios?

reposição da centralidade do sujeito enquanto actor - as pessoas idosas precisam de assumir o seu próprio destino nas suas mãos. Aos profissionais envolvidos neste trabalho é requerido que estimulem, com verdade, com exigência e coragem as pessoas idosas - levar as pessoas a sério, estimula-las a tomarem-se a sério a si próprias, sendo quem são, tendo a idade e a capacidade que têm, sem se apagarem, sem se tornarem menores, sem se diminuírem.”

A centralidade do sujeito passa por não o encarar apenas como um receptáculo de bens, serviços e estímulos - Crítica severa à tendência para reduzir a pessoa idosa em situação de necessidade de ajuda, a um objecto de cuidados, desvalorizando ou negando a sua qualidade de sujeito de relação.
Johnson (2003:42), no seguimento da sua argumentação sobre o protagonismo da pessoa idosa, faz uma crítica aos equipamentos de apoio social que se organizam como um “puzzle” já construído, onde as pessoas/utentes têm de se encaixar. A centralidade do sujeito requer uma mudança de perspectiva: o “puzzle” é a pessoa, sendo a instituição que tem de encaixar os seus serviços naquilo que forem as necessidades por preencher. E acrescenta: “Se não direccionarmos as nossas práticas para aquilo que as pessoas podem, querem e sonham ser e fazer, nunca saberemos o que é efectivamente trabalhar com pessoas, isto é, intervir centradas no cliente.” (Ibid.). Tudo isto requer, no seu entender, uma visão ecológica e holística da realidade.

Face a este conjunto de reflexões que temos desenvolvido até aqui, podemos afirmar que a intervenção junto das pessoas idosas deve ser global, encarando-as nos seus aspectos físicos, psicológicos e sócio-culturais. É de tal forma complexa e multifacetada a problemática do envelhecimento que nos sugere o já referido modelo de abordagem ecológica.
A intervenção deverá, efectivamente, ajudar a pessoa idosa a estabelecer novas formas de relação com o meio, respeitando a sua experiência de vida e permitindo a expressão dos seus potenciais.

Raguénès (1998a), sustenta que a principal preocupação gerontológica deve ser estimular a pessoa idosa para manter uma actividade física e intelectual, dentro das suas possibilidades e tendo em conta as suas especificidades individuais, numa perspectiva de prevenção de consequências negativas do processo de envelhecimento.


Em suma, o plano individual de cuidados deve ser:
- Individualizado de acordo com a situação, necessidades e prioridades da pessoa idosa;
- Desenvolvido, sempre que possível, com a pessoa idosa, outras pessoas significativas e prestadores de cuidados;
- Registado;
- Interdisciplinar;
- De acordo com os recursos disponíveis da pessoa idosa e do seu ambiente;
- Promover a independência nas competências funcionais e tomada de decisão.

Nesta lógica, deverá conter: as áreas de actuação abrangidas (higiene pessoal, habitacional, alimentação, tratamento de roupas, cuidados de saúde, acompanhamento em saídas ao exterior, fisioterapia, animação, etc.), a periodicidade e a intensidade dessa actuação, o número e o tipo de agentes envolvidos. Deverá também conter o estabelecimento dos momentos de avaliação, e outras observações especiais que se considerem importantes.

Tal implica encarar a pessoa idosa como força motriz do processo, pessoa de valor único, em interacção familiar e comunitária, sujeito de direitos e deveres e com determinado perfil de necessidades e capacidades.
Em várias frentes é preciso lutar, então, no sentido se destruir a imagem de passividade, de menoridade e vulnerabilidade, motivando para a adopção de uma atitude de advocacy com vista à criação, manutenção ou devolução de poder às pessoas idosas. “… o destinatário deve ser entendido como um cliente, ouvido em todas as fases do processo de apoio, valorizado como elemento essencial, sem o qual a própria intervenção não tem qualquer sentido.” (Guimarães, 1999b:23,24). Nesta lógica, é imprescindível que se tenha sempre presente que a pessoa idosa é um adulto capaz de decidir sobre a sua vida, salvo excepções já enunciadas. No entanto, a família e os vizinhos/amigos ou mesmo os técnicos podem proteger abusivamente a pessoa idosa, pressionando-a muitas vezes para decisões por si não desejadas (e.g. ir para um lar). O papel do profissional nesta situação, é encorajar a pessoa idosa (se ela não o fizer espontaneamente), a exprimir as suas dificuldades e os seus reais desejos.
Nesta linha de pensamento, é extremamente importante, que a intervenção gerontológica promova a participação social das pessoas idosas, opondo-se a intervenções paliativas que não favorecem contextos de comunicação, de diálogo, de trocas, enfim, espaços de convivência. “A rotina diária sem objectivos nem estímulos exteriores e sem perspectivas de alteração é, por si só, esmagadora do ser humano. Ela é responsável por muitas situações depressivas que levam a pessoa idosa a «despegar-se da vida».” (Vaz, 2001:213)

PARA CONCLUIR:

- O papel das pessoas idosas tem de ser repensado, pois não é concebível que as pessoas tenham de encarar cerca de um quarto da sua vida com um vazio de perspectivas.


- Reforço da capacidade de os indivíduos escolherem conscientemente o que querem das suas vidas, de (re)criarem a sua existência.

- O trabalho dos profissionais deve permitir colocar em acção toda a energia estagnada, mal direccionada e levar a pessoa idosa a desenvolver o seu potencial de forma criativa, resgatando a essência da vida.

- Atingir a chamada “terceira idade” significa o início de uma nova etapa da vida, que se bem preparada e estimulada pode ser promissora em termos de realizações de projectos, planos e sonhos que foram adiados e que se se considerar o potencial de experiência e sabedoria acumuladas pela pessoa idosa, terá grandes benefícios.

A questão do projecto de vida é intrínseca à natureza humana, está relacionada com a simples existência do Homem, e com a necessidade que este tem de se projectar num futuro (próximo ou a médio/longo prazo), na procura de um sentido para a vida.
O esvaziamento existencial dá-se, precisamente, quando se perde a continuidade da existência no mundo, quando este sentimento de continuidade é perdido, não existe projecto, nem há onde projectar… E não havendo projecto, a existência é vazia e sem sentido.

- O facto de existirem objectivos consubstanciados num projecto, por mais simples que possa parecer, pode conduzir a um bem-estar psicológico, ou seja a uma satisfação vivencial.
Por outro lado, a inexistência de qualquer projecto é extremamente negativo no que diz respeito ao sentimento de continuidade da existência.

- O homem existe na medida em que realiza o seu projecto de vida.

Lamentavelmente, envelhecimento implica, não raras vezes, uma ruptura com a continuidade histórica do sujeito, ou seja, uma ruptura no seu projecto existencial, o que pode dar origem a uma perda de significado da vida, se não se trabalhar no sentido da elaboração de novos projectos, de acordo com a forma como o sujeito experiencia a sua existência, para que a descontinuidade existencial não seja vivenciada.

- A dedicação do tempo a actividades de lazer, de desporto, de criatividade faz também parte do projecto de vida que se pode ter para esta fase da existência, favorecendo novos espaços de socialização e de participação na vida social, política, económica e cultural. Na verdade, trata-se de um apelo à mobilização, ao continuar a fazer, a criar, a descobrir, enfim, a viver.

• Aprender/conhecer coisas novas
• Desenvolver uma nova ocupação
• Passear
• Conviver
• Praticar exercício físico
• Cultivar a espiritualidade – capacidade de ter vida interior - praticar exercício físico
• Estabelecer contactos sociais e afectivos
• Conversar, ouvir música, ler contar histórias, dançar

Não é função do profissional dizer à pessoa idosa o que ela deve fazer, mas sim estar receptivo aos seus interesses, dando-lhe liberdade de se ouvir a si mesma, podendo eventualmente fazer-lhe sugestões e mobilizar os meios que lhe permitam pôr em prática as suas aspirações, dentro das suas capacidades/possibilidades reais.
Se não acreditarmos nas pessoas, nas suas potencialidades e forças, na sua capacidade para determinarem o rumo da sua vida e serem responsáveis por ela, então não seremos capazes de desenvolver uma intervenção capacitadora – empowerment.

É importante ter em atenção que os “olhos” dos profissionais não são os das pessoas idosas, sendo que ninguém se pode substituir a estas para dizer, no seu lugar, aquilo que é ou não importante, aquilo que é ou não desejável.

O que o profissional deve fazer é acompanhar a pessoa idosa no seu caminho, ou seja, um caminho que lhe pareça propício para atingir, ou pelo menos para progredir em direcção a um horizonte desejável para ela.
Mas atenção: sendo certo que o profissional não pode impor caminhos, é certo também que não pode abandonar a pessoa, ou deixá-la avançar por caminhos sem saída. Deve, então, conversar com a pessoa, no sentido de averiguar as diferentes possibilidades existentes que se lhe apresentam, e, por vezes, esclarecê-la para a ajudar a fazer uma escolha pertinente (Hesbeen, 2003:76).

NECESSIDADE DE UMA VISÃO AINDA, E SEMPRE, DE FUTURO E NÃO DE ESPERA PELA MORTE

A VIDA É UM PROJECTO FINITO MAS QUE NUNCA ESTÁ ACABADO…

Projecto de Vida – para que a vida possa continuar a Ter Sentido!