domingo, 1 de junho de 2008

REFLECTIR SOBRE AS NORMAS GERAIS

O documento que acaba de ser editado pela Conferência Episcopal Portuguesa necessita de ser, profundamente, estudado e reflectido por todos aqueles que têm responsabilidades enquanto Dirigentes destas seculares Instituições, por todos os que detém a qualidade de Irmãos assim como por todos aqueles que de alguma forma se relacionam com as Santas Casas da Misericórdia.

As Normas que agora foram publicadas entrarão em vigor, aproximadamente, dentro de dois meses.
Constituem um instrumento esencial e fundamental de clarificação no que diz respeito ao enquadramento e natureza jurídica das Santas Casas da Misericórdia de Portugal.

Fica, desde já, claro que as Santas Casas da Misericórdia, as quais têm como dignação correcta e completa: Irmandades das Santas Casas da Misericórdia, que muitas vezes por simplificação se designam tão só por Santas Casas ou até mesmo só por Misericórdias. Em Portugal todas as designações correspondem a uma mesma inconfundível e inigualável Instituição.
As Santas Casas da Misericórdia são Instituições com identidade própria e, por isso mesmo, não podem nem devem ser confundidas com quaisquer outras organizações.
A identidade e especificidade das Irmandades das Santas Casas da Misericórdia ficam salvaguardadas com a entrada em vigor das já referidas Normas Gerais.

Uma clarificação deverá ser conseguida de forma a evitar mais, maiores e continuados equívocos. A organização que dá pelo nome de Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, verdadeiramente, não o é desde a sua nacionalização ocorrida em 1851, data em que ocorreu a dissolução da sua Irmandade.
Existe, assim, uma organização que até foi a primeira Santa Casa da Misericórdia a ser fundada, mas deixou de o ser à data da dissolução da respectiva Irmandade.
A manutenção da designação de Santa Casa da Misericórdia é, por isso mesmo, desadequada, senão mesmo indevida.
A manutenção desta designação gera confusão generalizada entre o comum dos cidadãos.
Foi criada há uns anos a Iramandade da Santa Casa da Misericórdia ede S.Roque, a qual só tem função de promoção do culto na Igreja de S. Roque. Esta Irmandade não é a autêntica nem genuína Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Esta, pura e simplesmente, não existe e não existindo a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, também não o é. Ou seja, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma organização do Estado como designação não corresponde ao seu enquadramento nem à sua natureza jurídica.
Com a publicação das Normas Gerais das Associaoções de Fiéis surge uma oportunidade, que pode vir a ser histórica, e cujo contributo pode vir a por fim, depois de mais de 150 de confusão generalizada. Estamos num momento histórico de clarificação do enquadramento e da natureza jurídica das Santas casas da Misericórdia, pelo que será importante também uma de duas coisas fazer regressar a santa Casa da Misericórdia de Lisboa ao enquadramento e natureza que pela história lhe pertence, ou então e definitivamente, alterar a designação.
A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foi a primeira a ser fundada. Nasceu para fazer frente às dificuldades que o País atravessava e, principalmente, para diminuir o sofrimento de muitos(as) na cidade de Lisboa. Conjugarm-se vontades e disponibilidades. Inspirados na Fé de Cristo, 100 Homens Bons da cidade com o apoio do Reino fundaram no dia 15 de Agosto de 1498 na Capela da Terra Solta, mais conhecida, na actualidade, como Capela de N.ª Sr.ª da Piedade, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
A cidade de Lisboa e Portugal, certamente, poderiam beneficiar ainda mais com a aproximação institucional, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aos seus beneficiários assim como à generalidade dos cidadãos.
A re-fundação da Irmandade, poderá ser encarada como imperativo histórico e permitiria:
1.º- a recuperação da sua natureza fundacional;
2.º- o seu regresso ao universo da solidariedade social;
3.º- consolidar a maturidade da sociedade civil reconhecendo-lhe competência para administrar e gerir a Instituição Irmã mais velha entre quase 4 centenas;
4.º- melhorar a humanização dos seus serviços;
5.º- dotá-la do seu carácter, originário, universal e universalista;
6.º- restituição do património (em sentido lato) aos seus legítimos e históricos proprietários, aos cidadãos da cidade de Lisboa; e,
7.º- dimiuir os custos de administração e gestão e, consequentemente, melhorar a sua eficácia e eficiência.

As Normas Gerais agora tornadas públicas vão permitir ainda contribuir para a clarificação da natureza das Misericórdias Portuguesas.
Definitivamente, as Irmandades das Santas Casas da Misericórdia não são IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social). A confusão está generalizada. É frequente encontrarem-se escritos e referências afirmando-se, sem a mínima dúvida: "As Santas Casas da Misericóredia são IPSS".
Ora, as Normas Gerais das Associações de Fiéis vão, certamente, contribuir para desfazer este equívoco.
É que:
AS SANTAS CASAS DA MISERICÓRDIA NÃO SÃO IPSS.
As Misericórdias são, em primeira instância, Associações de Fiéis. E assim permanancem sem a mínima alteração do seu enquadramento e natureza jurídica enquanto existirem.
As Misericórdias foram fundadas e mantêm-se activas para cumprimento das Obras de Misericórdia. E porque assim é quer a sua organização quer o enquadramento da sua acção deverá obedecer, exclusivamente, às referidas Normas Gerais.
Fica agora claro que não qualquer necessidade de outras normas, para o mesmo fim, quer no âmbito do Direito Civil quer no âmbito do Direito Administrativo.
As Normas Gerais das Associações de Fiéis resultam da legítima intervenção e poder legislativo da Hierarquia da Igreja ao abrigo da Concordata. Porque assim é e porque as Misericórdias obtêm personalidade jurídica no âmbito da aplicação, em Portugal, do Código do Direito Canónico de onde resulta a obrigatoriedade de respeitar e cumprir essas mesmas Normas Gerais, torna-se, absolutamente, desnecessário, e existência de normas legais, de inicatiativa governamental, que imponha formas de organização interna das Misericórdias, com a a agravante de serem iguais para organizações de natureza e fins tão diversas como as que são referidas no Decreto-Lein.º 119/83, de 25 de Fevereiro.
Conclui-se, assim, que as Misericórdias nascem e permanecem, sem perca de natureza e identidade, Associações de Fiéis, não sendo, portanto, IPSS.
A publicação destas Normas Gerais pode e deve constituir, também, uma oportunidade histórica, enquanto instrumento clarificador.
Para tal deverão as Irmandades das Santas Casas da Misericórdia tomar a iniciativa de propor, de imediato, a abertura do processo conducente à revisão do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, o qual aprova o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social.
Com a entrada em vigor, proximamente, as Normas Gerais das Associações de Fiéis, torna-se, absolutamente, imprescindível retirar a obrigatoriedade de as Irmandades da Misericórdia cumprirem as determinações comtidas no Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro no que à sua organização interna, pelo menos, diz respeito.
As Santas Casas da Misericórdia estão confrontadas, agora, com uma oportunidade histórica que lhes possibilita uma, há muito reclamada, clarificação do seu enquadramento e natureza.
Competirá, assim também, às Irmandades das Santas Casas da Misericórdia tomarem a iniciativa de promoverem, propondo, a criação de um mecanismo de consulta mútua, de análise das implicações futuras da entrada em vigor das referidas Normas Gerais e propor as alterações legislativas que as circunstâncias impuserem.
Devem intervir neste processo, as Misericórdias, a Conferência Episcopal Portuguesa e o Governo.
Fica claro a partir de agora que não competência do Governo legislar sobre a organização interna das Misericórdias.
Mas é competência do Governo legislar e regulamentar a intervenção das Misericórdias nas actividades desenvolvidas por estas Instituições e financiadas por dinheiros públicos.
Por tudo isto é necessário e urgente que as Misericórdias tomem a inicativa de proporem a abertura de canal de diálogo tripartido com a Igreja e o Estado com vista a clarificar a natureza, o enquadramento e a intervenção dstas seculares instituições de bem fazer.

É agora também chegado o momento de as Irmandades das Santas Casas da Misericórdia chamarem a si a iniciativa, por que há muito anseiam, e que terá como objectivo a reorganização da sua União (a das Misericórdias Portuguesas), procedendo à reforma dos respectivos Estatutos ao abrigo das Normas Gerais das Associações de Fiéis.
A União das Misericórdias Portuguesas tem que ser o reflexo do desejo colectivo e partilhado pelo universo das suas filiadas.
Competirá a esta União ser o reflexo dessa mesma vontade colectiva e, simultaneamente, constituir-se como porta-voz, para o exterior, das Irmandades das Santas Casas da Misericórdia.
Há muito que as Misericórdias esperam pela reforma dos estatutos da sua União.
Há muito que as Misericórdias reclamam por uma estrutura orgânica da sua União que as apoie, pela qual se sintam apoiadas e que seja uma autêntica porta voz das suas vontades colectivas.
Por tudo isto é necessário e urgente que em união, as Misericórdias chamem a si e tomem a iniciativa de reformar os Estatutos assim como de dotar da, há muito desejada, orgânica interna da União das Misericórdias Portuguesas.
Porque a capacidade de acção e intervenção das Misericórdias junto da sociedade Portuguesa tem que ter igual correspondência na capacidade de representação da União das Misericórdias Portuguesas, esta tem que ser o reflexo da vontade colectiva expressa nos Órgãos próprios.
Porque assim não é, as Misericórdias não tiveram qualquer participação e muito menos qualquer intervenção na elaboração das Normas Gerais das Associações de Fiéis.
Por esta, entre outras razões, as Misericórdias devem dotar a sua União de capacidade de acção, intervenção e influência em tudo o que seja matéria orientadora, enquadradora e legislativa que diga respeito ao cumprimento, objectivo, da sua missão.
As Misericórdias perderam uma oportunidade histórica de poder intervir e influenciar a elaboração das Normas Gerais. Se as Misericórdias tivessem tido capacidade e vontade de intervir, certamente, as Normas Gerais seriam o reflexo dessa mesma intervenção.
As Misericórdias estão confrontadas com um novo imperativo histórico, ou tomam a iniciativa de reformar e reorganizar a sua União ou "alguém", com o poder e dever necessários, será obrigado a intervir de forma a repor normalidade organizacional e funcional.
A partir de agora não há mais razões para que as Misericórdias não concretizem o que há muito desejam com ou menos insistência.

Muito mais será necessário reflectir sobre as Normas Gerais das Associações de Fiéis sobre a sua aplicabilidade assim como as respectivas consequências.
Mas é essencial que muita dessa reflexão seja feita em espírito de partilha entre todas as Instituições Irmãs.
Compete às Misericórdias encontrar o caminho, percorrê-lo a atingir os objectivos.

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