quarta-feira, 22 de abril de 2009

A História d’ OS CORTEJOS DE OFERENDAS

A História
d’ OS CORTEJOS DE OFERENDAS
e de quem teve a iniciativa desta cruzada





Recentemente, [1950] O Século, em artigo de fundo, louvando os Cortejos de Oferendas, a favor de misericórdias e hospitais, declarava considerar difícil averiguar quem teve a iniciativa destes simpáticos peditórios. Anteontem, no nosso prezado colega «Jornal de Notícias» do Porto, o sr. P.e Marcelino da Conceição esclarecia o caso num artigo que, com a devida vénia, transcrevemos.

Um dia a História pode falar desta cruzada - Os Cortejos de Oferendas em favor das nossas Misericórdias - e, bem é que a tempo se prove quem foi a alma que teve tão bela e feliz ideia. Os Cortejos provam a beleza da alma cristã do povo português que muito bem quer às Santas Casas.

Ora como a Misericórdia de Lisboa nasceu no coração generosíssimo da rainha D. Leonor, bisneta da mãe da ínclita geração de príncipes, a ideia dos Cortejos nasceu na alma bondosíssima da srª D. Silva Cardoso, da Casa do Rêgo, de Paços de Ferreira.

O País conhece a obra religiosa e social desta grande Mulher, que se fez pobre, dando a sua fortuna à causa do Bem. Chamou-a Deus à sua presença há poucos dias quando era milionária de boas obras. Se os Santos no Céu conservarem as mesmas tendências, muito há-de a alma da srª D. Silva Cardoso cansar (passe a expressão) Deus, a pedir sempre por mil coisas e mil pessoas.

A 18 de Novembro, ao apelarmos para a generosidade do povo das 24 freguesias do concelho de Paredes, a fim de mais uma vez concorrer para o Cortejo Anual da sua Misericórdia que sustenta um hospital e um asilo de inválidos, focámos a acção da srª D. Silva Cardoso lembrando-a como iniciador em Portugal destes Cortejos.

No dia 19 O Século dizia, e com muita razão, que era difícil averiguar o autor da lembrança destes peditórios locais.

O articulista do grande diário escreveu esta nota sem ter lido o meu artigo e, portanto as suas palavras são de carácter geral e manifestam o desejo louvável de se descobrir a verdade. O sr. José Coimbra Pacheco escreveu ao jornal e apelou para o meu artigo. O sr. José Coimbra Pacheco recebeu amável resposta do ilustre director do Século, dizendo que tomava nota do caso, mas que já havia recebido várias cartas respeitantes ao assunto e entre elas uma do sr. provedor da Santa Casa de Santarém, segundo a qual foi uma senhora, que vive naquela cidade, quem teve pela primeira vez a ideia de organizar um cortejo de oferendas que se realizou em 1932 em Paços de Ferreira, sua terra natal, e por esse motivo foi-lhe concedido, este ano, a 25 de Outubro, o oficialato da Ordem de Benemerência, sendo-lhe impostas as insígnias pelo Exmº Sr. Governador-civil de Santarém.

O sr. José Coimbra Pacheco pediu que desvendássemos o caso. E nós, no intuito de bem servir e por gratidão à memória santa da srª D. Silva Cardoso resolvemos tratar do assunto. E que provedor, embora humilde de uma Misericórdia cujo hospital e asilo vimos nascer desde a primeira pedra, eu e os mesários imitamos a srª D. Silva, nos cortejos, para se ocorrer às despesas da sustentação dos doentes e dos inválidos. Só quem está à frente destas instituições pobrezinhas é que sabe o que custa a cruzada do Bem. É pequeno e pobre, muito pobre, o hospital de Paredes, mas, já internou 4.712 doentes e já, este ano, recebeu 3.441 e se fizeram nele 126 operações. No seu Banco fazem-se uns dois mil curativos por mês. É por milagre que estas casas tanto bem fazem.

Escrevemos ao provedor da Misericórdia de Paços de Ferreira, sr. dr. António Umbelino Cardoso. Fomos à fonte e tanto mais que a senhora condecorada declara que foi ali, em Paços de Ferreira, que se realizou, por sua iniciativa o primeiro cortejo em 1932.



Diz-nos o sr. Provedor de Paços de Ferreira:

«Notas fornecidas pela Secretaria da Direcção da Santa Casa da Misericórdia de Paços de Ferreira:

1º - O hospital de Paços de Ferreira abriu, a 14 de Março de 1919, primeiro aniversário da morte do sr. dr. Joaquim Leão de Meireles, iniciador do mesmo, datando a Associação de Beneficência Hospitalar de 1912.

2º - A srª D. Silva Cardoso sustentou, só à sua custa, seis meses o hospital e os outros seis meses (1919-1920) sustentou-o sua mãe, a srª D. Joaquina Cardoso Silva.

3º - Findo o 1º ano, a srª D. Silva começou a pedir de porta em porta, pelas freguesias do concelho, que são 16.

4º - Era acompanhada nestes peditórios pelo rev. António Ferreira Pombo, pároco da vila, e pela srª D. Palmira Chaves. Esta senhora nunca deixou de ir aos peditórios e ainda tomou parte, apesar de doente, no deste ano.

5º - A srª D. Silva formou, depois, comissões por freguesias, em 1923. As comissões paroquiais eram quase sempre acompanhadas pela srª D. Silva ou pela Srª D. Palmira Chaves.

6º - Estas comissões transportavam ao hospital, em carros, os géneros recolhidos.

7º - Em 1928, a Mesa da Misericórdia de Paços de Ferreira de acordo com as srªs D. Silva e D. Palmira, atendendo ao entusiasmo do povo, oficiou a todos os párocos do concelho para eles formarem comissões nas suas freguesias, exortando o povo nas missas, para todos darem esmola para a Misericórdia e que no dia 13 de Novembro todos deviam juntar-se com os géneros e ofertas em carros, num grande cortejo de carácter concelhio, o que se fez com entusiasmo geral.

8º - «O Comércio do Porto» de 15 de Novembro de 1928 diz que «D. Silva alma de eleição, agrega a si outras pessoas amigas do Bem e com elas pede pelas freguesias, e eis que se organiza em 1928 o primeiro cortejo de oferendas de carácter concelhio que, desde então, sempre se tem feito por bairrismo e cheio de beleza».

9º - O sr. dr. António Augusto Pires de Lima, assistindo a um destes cortejos disse: «Não deixem perder esta santa cruzada».

Estas notas, confirmadas pela assinatura do provedor, trazem o selo branco da Santa casa de Paços de Ferreira.

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Em face disto, que dizer?

Mas, Paços tem umas dezenas de pessoas formadas, tem mais de 20.000 almas; tem 14 párocos; 16 Juntas; 16 Regedores, e todas estas pessoas podem afirmar isto mesmo. E até os Concelhos vizinhos o dizem!

Casimiro Santos, que deve a educação à srª D. Silva, diz-nos: «Eu tinha 7 anos e a srª D. Silva ia comigo e com outras crianças da Creche pedir pelas freguesias para a Misericórdia. Isto há vinte e três anos. E até me lembro de alguns lavradores nos darem pão e ela e nós sentávamo-nos e comíamos. A fidalga a comer com as crianças o pão da caridade! São assim as almas grandes. Mas, ela que tudo deu pelos pobres, não merece que lhe tirem esta glória...».

Não a queiramos forçar a tanto porque as obras gozam de imputabilidade.

Ela sorria-se do que se passou com a condecoração. Não protestou. Para quê, dizia ela, se Deus tudo sabe e só ele sabe pagar! Grande alma aquela!

P.e Marcelino da Conceição

in “O SÉCULO” de 19 de Dezembro de 1950

1 comentário:

António Monteiro disse...

in http://www.scms.pt/Cortejos.mht