domingo, 4 de março de 2012

Obras faraónicas no apoio social


Obras faraónicas no apoio social

Os portugueses adoram obras faraónicas, com gastos excessivos. Os nossos lideres, sejam políticos nacionais ou locais, dirigentes associativos, desportivos, humanitários ou na solidariedade, caem frequentemente nesta tentação.
Adoram ficar na História como responsáveis por obras milionárias, majestosas, onde se valoriza mais o que se gasta, de preferência sempre mais do que o vizinho, e se despreza o que se poupa.
Todos conhecemos gastos sumptuosos do Estado, desde o Centro Cultural de Belém aos magníficos estádios de futebol, passando por centenas de outros exemplos.
Esta necessidade exibicionista é bem evidente também ao nível particular, na dimensão e custo das moradias, no tamanho dos andares, no número de varandas que ninguém usa, nos modelos dos carros, nos telemóveis e nas marcas de roupa…
Esta característica, que nos faz desperdiçar rios de dinheiro, é mais criticável quando se evidencia na área da solidariedade social.
Custa-me ouvir dirigentes de instituições de solidariedade a inaugurar lares para idosos, ou para outros públicos a necessitar de apoio social, declarando com satisfação que se trata de equipamentos de luxo, verdadeiros hotéis de cinco estrelas.
Os pobres, os idosos, os deficientes, os doentes mentais, todos têm o direito a exigir que a sociedade os trate com bondade, com dignidade, em instalações com qualidade, com segurança e higiene adequadas.
Aproveitar as suas necessidades para fazer projectos caros, desadequados, com custos excessivos, pouco eficientes, revelando evidentes desperdícios, é um insulto à pobreza e ao respeito que as pessoas carenciadas nos devem merecer.

Haja respeito!
 Permito-me referir três exemplos concretos para suscitar a reflexão.
Há dias, li, no Diário de Coimbra, que uma Santa Casa da Misericórdia vai construir um lar para pessoas com deficiência. O lar terá capacidade para 36 utentes e na construção irão ser gastos mais de dois milhões de euros. Teremos ainda de acrescentar terreno, custos com projecto, equipamento, roupas, etc.
Só o investimento na construção aponta para o valor de cerca de 58 000 euros (cinquenta e oito mil) por residente.
Na Voz das Misericórdias li que outra Santa Casa inaugurou um lar para 24 idosos onde gastou um milhão e meio de euros, o que corresponde a 62 500 euros (sessenta e dois mil e quinhentos) por utente.
Num semanário do Algarve, O Postal, de 24 de Fevereiro, li que uma instituição de solidariedade social vai construir um lar para 30 idosos onde tenciona gastar, só nas obras, perto de dois milhões de euros; cada cama para idoso vai custar 65 000 euros (sessenta e cinco mil).
Estes números são escandalosos.
Cada cama, nestes três exemplos, custa mais do que um apartamento T3, de qualidade média, numa das nossas vilas.
Nas orientações técnicas do Instituo do Turismo de Portugal, considera-se que um hotel de quatro estrelas não pode ultrapassar-se um custo de 100 000 euros por quarto para duas pessoas (50 000 por cliente), sob pena de o investimento não ser rentável.
Podemos, num país em crise, a mendigar dinheiro à «troika» (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), gastar muito mais numa cama para deficiente ou idoso do que se gasta num apartamento para uma família de classe média ou num hotel de quatro estrelas, com os seus restaurantes, bares, piscinas, spas, etc?
De quem é a culpa? Dos regulamentos? De exigências da Segurança Social? Do exibicionismo megalómano dos dirigentes? De arquitectos que desenham projectos desajustados? De todos nós que nos calamos perante esta insensatez perdulária, gastadora?
Portugal tem de poupar cada cêntimo.
O dinheiro disponível deve ser bem investido, na produção de riqueza, criação de emprego e satisfação de carências sociais.
É no apoio aos mais necessitados que a exigência de boa gestão se torna mais imperiosa. Perante as necessidades dos pobres, é crime, e em santas Casas pecado, desperdiçar centenas de milhares de euros em gastos sumptuários.
 (*) Médico
Campeão das Provícias

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