segunda-feira, 29 de setembro de 2008

FISCALIDADE DAS CONFISSÕES RELIGIOSAS EM PORTUGAL

FISCALIDADE DAS CONFISSÕES RELIGIOSAS EM PORTUGAL:

UM PAÍS, DOIS SISTEMAS ( II PARTE )



5.2.3 Benefícios fiscais – artigo 32º da LLR
A LLR contém um elenco de benefícios fiscais, aos quais poderão aceder unicamente as igrejas e demais comunidades religiosas que se encontrem inscritas no registo de pessoas colectivas religiosas (pessoas colectivas religiosas – artigo 33º).
Ou seja, apenas podem aceder aos benefícios fiscais consignados na LLR, as pessoas colectivas religiosas e demais entidades elencadas no artigo 33º, da LLR.
Quanto a este ponto, suscitam-se algumas questões.
Em que momento uma igreja ou comunidade religiosa adquire personalidade jurídica religiosa?
Nos termos do artigo 33º, da LLR, a personalidade jurídica religiosa é adquirida «pela inscrição no registo de pessoas colectivas religiosas».
A inscrição inicia-se com a apresentação de um requerimento de inscrição mas a lei nada refere sobre o que acontece enquanto o registo não se tornar definitivo. Nomeadamente, não é referida a existência de um registo provisório, parecendo, assim, que apenas existe um registo – o registo definitivo.
Ora, constituindo o registo um dos requisitos para aceder aos benefícios fiscais previstos na LLR, segue-se daí que as igrejas e comunidades religiosas apenas poderão aceder àqueles benefícios a partir do momento em que se encontrem definitivamente registadas como pessoas colectivas religiosas. Enquanto tal registo não ocorrer, em especial no período que decorra entre a apresentação do requerimento de inscrição e a inscrição no registo, não poderão aceder aos benefícios fiscais.
Por outro lado, o artigo 63º, da LLR prevê um período transitório, durante o qual as pessoas colectivas com fins religiosos não católicos (recorde-se que todas elas possuem o estatuto de associações civis) a conversão da sua inscrição em pessoa colectiva religiosa.
Independentemente de tal conversão, estão sujeitas à LLR, quanto à sua actividade com fins religiosos – artigos 63º e 44º, ambos da LLR – o que, inclui, como vimos já, o respectivo regime fiscal.
Deste modo, caso queiram aceder aos benefícios fiscais constantes da LLR, estas associações civis de fins religiosos terão necessariamente de requerer a sua conversão em pessoa colectiva religiosa, vindo a adquirir personalidade jurídica religiosa.
Enquanto tal conversão não ocorrer – quer dizer, enquanto não for lavrado o registo definitivo –, tais associações não poderão gozar dos benefícios fiscais previstos na LLR.
Uma vez verificado o preenchimento do requisito de registo definitivo enquanto pessoas colectivas religiosas, estas entidades estão abrangidas pelos benefícios fiscais enumerados no artigo 32º, nrs. 1, 2 e 3.
Estes benefícios fiscais possuem a natureza de benefícios fiscais não dependentes de reconhecimento, ou seja, são benefícios directamente aplicáveis.
Vimos já que, independente de inscrição no registo de pessoas colectivas religiosas, as igrejas e demais comunidades religiosas beneficiam de um mínimo de isenção fiscal – artigo 31º, da LLR.
As pessoas colectivas religiosas gozam ainda dos seguintes benefícios fiscais:
a) Isenção de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou local sobre:
- Os lugares de culto ou outros prédios ou partes deles directamente destinados à realização de fins religiosos;
- As instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos;
- Os seminários ou quaisquer estabelecimentos efectivamente destinados à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião;
- As dependências ou anexos dos lugares de culto, das instalações de apoio e dos seminários ou estabelecimentos destinados à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião;
- Os jardins e logradouros das dependências ou anexos dos lugares de culto, das instalações de apoio e dos seminários ou estabelecimentos destinados à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião.
Esta isenção não explicita qual o seu alcance.
LIMA GUERREIRO[1] entende que o nº 1 do artigo 32º, da LLR, apenas visa a tributação estática do património, ou seja, a que incide directamente sobre os prédios, no caso a contribuição autárquica.
Apresenta como razão para tal entendimento que o facto de virem mencionados, no artigo 32º, nº 1, alínea e), como ‘prédios’ inculca a ideia de que o legislador não quis visar os rendimentos dos seminários, nem os dos estabelecimentos afectos à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião.
Discordo deste entendimento pelas seguintes razões:
O legislador escusou-se, no nº 1, do artigo 32º, a mencionar quais os impostos visados pela norma. Tal omissão não pode ter-se como acidental e apenas encontra explicação no facto de o legislador ter querido que as cinco realidades ali descritas fossem isentas de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou local.
Por outro lado, verifica-se que, nos números seguintes do artigo 32º - nrs. 2 e 3 – o legislador menciona explicitamente a quais impostos se refere o benefício fiscal.
Ora, isto apenas pode significar que, no nº 1, está consignada uma isenção total – isenção de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou local – no que se refere às cinco realidades ali enumeradas.
E se é certo que, predominantemente, tais realidades respeitam a coisas imóveis, a verdade é que os seminários ou quaisquer estabelecimentos efectivamente destinados à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião não constituem coisas imóveis.
Bem pelo contrário, a própria referência a “estabelecimentos” não deixa margem para dúvidas: não se trata aqui de uma coisa imóvel.
Os seminários ou outros estabelecimentos destinados à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião são susceptíveis de gerar rendimentos. Tais rendimentos – e não apenas a contribuição autárquica – encontram-se, por via do artigo 32º, da LLR, isentos de tributação.
Por outro lado, o uso, por Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), de lugares de culto, das instalações de apoio e dos seminários ou estabelecimentos destinados à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião pode, pelo menos em tese, ser desenvolvido como contrapartida de determinada renda ou aluguer. Também neste caso, as rendas ou alugueres recebidos pela pessoa colectiva religiosa encontram-se isentos de tributação.
De resto, no caso dos jardins e logradouros das dependências ou anexos dos lugares de culto, das instalações de apoio e dos seminários ou estabelecimentos destinados à formação dos ministros do culto ou ao ensino da religião, a isenção não depende sequer da afectação a fins religiosos: a isenção está unicamente condicionada a que o jardim ou logradouro não estejam destinados a fim lucrativo (o que constitui uma derrogação do artigo 21º, da LLR).
b) Isenção de imposto municipal de sisa e de imposto sobre as sucessões e doações ou quaisquer outros com incidência patrimonial substitutivos destes quanto a:
- Aquisições de bens para fins religiosos;
- Actos de instituição de fundações, uma vez inscritas como pessoas colectivas religiosas.
Esta norma isenta as pessoas colectivas religiosas de tributação em sede de imposto municipal de sisa a aquisição de bens imóveis, a título oneroso.
Isenta igualmente as pessoas colectivas religiosas de tributação em sede de imposto sobre as sucessões e doações, a aquisição de bens móveis ou imóveis, a título gratuito, ou seja, quer por via de doação, quer por via testamentária.
Isenta igualmente de ambos os impostos os actos de instituição de fundações, desde que venham a estar inscritas como pessoas colectivas religiosas.
Neste caso – e dado que o acto de instituição da fundação é anterior à sua inscrição como pessoa colectiva religiosa –, tratar-se-á de uma isenção condicionada e com efeitos retroactivos.
Ou seja, caso não seja aproveitável outra norma de não-sujeição ou de isenção, o acto de instituição de uma fundação de fins religiosos poderá estar sujeita a tributação em sede de imposto municipal de sisa ou de imposto sobre as sucessões e doações.
Quando a fundação obtiver a inscrição no registo de pessoas colectivas religiosas, poderá então obter a restituição do imposto suportado.
Prevê-se ainda que esta isenção se mantenha no caso de sobrevirem quaisquer outros impostos com incidência patrimonial, substitutivos dos dois impostos atrás referidos.
Esta parte da norma poderá ter o seu alcance prático no curto prazo, uma vez que se encontra em estudo a substituição do imposto municipal de sisa pelo IVA ou por um imposto do selo sobre transmissões imobiliárias.
Caso a opção tomada venha a ser a substituição do imposto municipal de sisa pelo IVA, parece-nos que tal suscitará uma clara violação do direito comunitário. Desenvolveremos este ponto de vista adiante, a propósito das isenções do IVA.
Caso a opção tomada venha a ser a substituição do imposto municipal de sisa por um imposto do selo sobre transmissões imobiliárias, parece-nos que tal poderá suscitar um problema idêntico ao suscitado pelo IVA.
Com efeito, embora o imposto do selo não esteja previsto na VI Directiva, a verdade é que as operações imobiliárias são operações sujeitas a IVA e apenas delas isentas porque sujeitas a um imposto geral de transmissão. Contudo, porque incidindo sobre operações sujeitas a IVA, o imposto sobre transmissões não poderá, em princípio, contrariar a VI Directiva. Porém, este tema extravasa o âmbito do presente trabalho, pelo que não nos adiantaremos mais.
c) Imposto sobre o Valor Acrescentado
No que se refere ao IVA, a LLR prevê que as pessoas colectivas religiosas optem pelo regime previsto no Decreto-lei nº 20/90, de 13 de Janeiro.
Trata-se de um regime que prevê a restituição do IVA suportado pela igreja católica e suas organizações nas aquisições e importações de um vasto âmbito, desde objectos única e exclusivamente destinados ao culto a bens e serviços de construção civil.
Este regime viola frontalmente a VI Directiva, já que este texto comunitário – que enumera com exaustão quais as isenções permitidas – não prevê a possibilidade de um Estado estabelecer uma isenção subjectiva a favor das igrejas e confissões religiosas.
Por isso, é possível dizer que a manutenção deste regime de IVA constitui o Estado português em responsabilidade.
6. Financiamento das igrejas e confissões religiosas não-católicas
É interessante notar que o legislador configurou a isenção de IVA atrás referida como um modo de financiamento das igrejas e comunidades religiosas não-católicas.
Com efeito, aquela isenção constitui, em termos legais, uma alternativa ao financiamento directo pelos crentes.
Vejamos de que modo:
Nos termos do artigo 32º, da LLR, os donativos efectuados por pessoas singulares às pessoas colectivas religiosas poderão ser deduzida por aquelas, à colecta de IRS, em determinados montantes e percentagens.
E, nos termos do nº 4 do mesmo artigo, os contribuintes podem consignar, na sua declaração de IRS, uma quota equivalente a 0,5% do imposto liquidado, a uma igreja ou comunidade religiosa radicada no país.
Historicamente, estas duas medidas fiscais foram pensadas como medida de compensação pelo facto de a LLR não ter previsto benefícios idênticos aos da igreja católica, em especial no que se refere à isenção do IVA.
Daí que o artigo 65º, nº 1, da LLR tenha colocado em alternativa, escolher a aplicação do artigo 32º, nrs. 3 e 4 ou o regime de isenção de IVA, idêntico ao da igreja católica.
Vejamos agora mais detidamente o artigo 32º, nrs. 3 e 4, da LLR.
Desde logo, sublinhe-se uma diferença: enquanto os donativos relevantes para efeitos de dedução à colecta de IRS são os efectuados a favor das pessoas colectivas religiosas, já a consignação fiscal de 0,5% apenas pode ser feita a favor de uma igreja ou comunidade religiosa radicada no País.
Esta diferença é, contudo, mais teórica do que prática. Com efeito, nos termos do nº 6 do mesmo artigo, a consignação fiscal poderá ser feita a favor de uma pessoa colectiva de utilidade pública ou de uma instituição particular de solidariedade social, facto que acabará por abranger as entidades não incluídas no nº 4.
Parece-me que a consignação fiscal viola o princípio constitucional da igualdade. Com efeito, constituindo as receitas dos impostos o sustento primacial da despesa pública, a verdade é que os contribuintes que procedam à consignação estarão, na realidade, a contribuir para tal sustento em valor menor do que os restantes contribuintes.
De igual modo, parece-me que a consignação fiscal viola o princípio da laicidade.
Por outro lado, e uma vez que em Portugal, no que respeita aos sujeitos passivos de IRS, casados e não-separados de facto, vigora a obrigação de apresentação conjunta da declaração de rendimentos, suscita-se o problema de saber como será (e se será) feita a indicação de consignação nas situações em que os cônjuges não estejam de acordo, seja quanto a fazer qualquer consignação, seja quanto à entidade a favor da qual efectuar a consignação.
A posição da Administração fiscal, nesta matéria, consiste em entender que ambos os cônjuges devem pôr-se de acordo quanto à consignação e ao seu beneficiário, já que apenas existirá um único quadro para a assinalar. Ou seja, a Administração fiscal recusa – e parece que correctamente – a possibilidade de cada um dos cônjuges efectuar ou não a consignação, quanto à parte do imposto que lhe cabe.
Note-se, ainda, que a lei não prevê qualquer prazo para o Estado proceder à entrega das verbas assim consignadas aos respectivos destinatários.
Nos termos do artigo 58º, da LLR, não são aplicáveis à igreja católica as normas da LLR relativas às igrejas ou comunidades religiosas inscritas ou radicadas no país.
Daqui resulta que o financiamento religioso directo, efectuado pelos cidadãos através da consignação fiscal, não é aplicável à igreja católica.
Não deixa de ser interessante que, em Portugal, se tenha chegado a uma situação na qual a igreja católica é a única igreja que não tem prevista na lei um modo de financiamento directo.
É claro que, uma vez mais, esta constatação é mais teórica do que prática, dado que a consignação fiscal pode ser também efectuada a favor de IPSS e a maioria destas são entidades directa ou indirectamente ligadas à igreja católica.
7 – Fiscalidade da igreja católica
7.1 Fontes
A fiscalidade da igreja católica tem como fontes nucleares a Concordata, de 7 de Maio de 1940 e o Estatuto Missionário.
7.2 Regime fiscal
A Concordata tem vindo a ser interpretada pelos tribunais de um modo absolutamente extensivo, podendo até falar-se, em alguns casos, de aplicação analógica da Concordata.
Com efeito, o sentido meramente literal das disposições da Concordata – e que, segundo os cânones da boa hermenêutica jurídica deve ser o ponto de partida de qualquer labor interpretativo – não autoriza a situação de facto de isenção geral de impostos de que goza presentemente a igreja católica.
Os eclesiásticos encontram-se isentos de IRS, quanto aos rendimentos recebidos no exercício do seu múnus espiritual.
Tal isenção parece encontrar a sua fonte na equiparação, feita na Concordata, dos eclesiásticos a autoridades, funcionários públicos ou oficiais do quadro.
Ora, a verdade é que os rendimentos dos funcionários públicos e dos agentes do Estado deixaram de estar isentos de imposto sobre o rendimento em 1987.
E, desde 1989, os rendimentos dos funcionários públicos e dos agentes do estado encontram-se sujeitos a tributação em IRS, nos termos gerais.
Deste modo, verifica-se presentemente uma discriminação positiva a favor dos eclesiásticos, a qual se torna quase (senão) escandalosa, por exemplo, no que respeita aos eclesiásticos que são professores nas escolas públicas.
A manutenção da isenção dos eclesiásticos, presentemente, não encontra suficiente justificação, é materialmente injusta e provavelmente inconstitucional.
A igreja católica e as suas instituições gozam de isenção de IVA nos termos já atrás referidos, a propósito das igrejas e confissões religiosas não-católicas.
Como referimos anteriormente, esta isenção viola a VI Directiva.
Trata-se, afinal, de o Estado financiar directamente a igreja católica, mediante a obrigatoriedade legal de restituir o IVA a esta.
A igreja católica goza da isenção de impostos relativamente a actos ou actividades com fins imediatos não religiosos, levados a efeito pelas fábricas de igreja, pelos seminários, pelos santuários e pelos institutos missionários.
A fonte desta isenção é o artigo VIII da Concordata.
Literalmente, este artigo parece remeter para isenções meramente objectivas.
Contudo, a partir de 1972 – e na sequência de jurisprudência firmada nos tribunais administrativos –, a Administração fiscal passou a entender que esta isenção era subjectiva, ou seja, que se aplicava não aos bens mas sim às entidades administradoras de tais bens, abrangendo, em consequência, os impostos relativos a actividades lucrativas.
Este entendimento veio a determinar que se considerasse um santuário isento de imposto de capitais, relativamente aos juros de depósitos efectuados em instituições de crédito – acórdão do STA, de 18 de Fevereiro de 1988.
O mesmo entendimento foi considerado aplicável aos institutos missionários, com fundamento no artigo 119º do Estatuto Missionário, mas já não às dioceses – acórdão do STA, de 23 de Novembro de 1988.
De acordo com este entendimento, um colégio de um instituto religioso, que tenha missionários, está hoje isento de IRC, mas já não o está um colégio diocesano, quer quanto aos rendimentos derivados do exercício da sua actividade, quer, inclusivé, aos juros de depósitos bancários.
Como tem sido sublinhado, no âmbito da concordata e do Acordo Missionário, a jurisprudência fiscal e a prática administrativa têm acentuado a discriminação relativa às igrejas e confissões não-católicas.
E este fenómeno tem, de resto, impedido a reestruturação da igreja católica, à luz do novo Código de Direito Canónico.
Com efeito, a comunidade territorial de base da igreja católica – a paróquia – não tem existência jurídica civil em Portugal.
Em vez dela, mantém-se a instituição, de origem medieval, das denominadas fábricas das igrejas paroquiais, enquanto fundações patrimoniais de sustentação do culto.
Mantêm-se igualmente os benefícios paroquiais como fundação patrimonial de sustentação dos párocos.
A manutenção desta estrutura ancestral tem, aparentemente, a finalidade de garantir os benefícios fiscais que a interpretação jurisprudencial da Concordata ligou às fábricas das igrejas.
A posição da igreja católica portuguesa tem sido a de defesa cerrada deste conjunto de privilégios fiscais.
«Os contestatários fundamentalistas – pois são eles que merecem o epíteto e não a Igreja, inteiramente aberta à compreensão e tolerância, bem como o ecumenismo, lamentando sinceramente desvios e abusos que pertencem à História e devem ser julgados à luz da época em que decorreram – atulham os meios de comunicação social com o que designam como privilégios da Igreja. Quais?
As parcas isenções fiscais, estabelecidas pela própria natureza dos bens isentos – templos e anexos, seminários e objectos de culto, bem como actividades culturais – ou como magra compensação pelos valores roubados descaradamente pelo Estado com a equívoca Lei de Separação? Apetece dizer: fique o governo com as isenções, mas restitua, com juros e actualização monetária, o que roubou em 1919/11 [...] [2]
8. Financiamento da igreja católica
Ao contrário das demais igrejas e confissões religiosas, a igreja católica, enquanto tal, não goza de financiamento directo pelo Estado.
Contudo, as actividades – com ou sem fins religiosos – das suas organizações são habitualmente financiadas pelo Estado e pelas autarquias locais e regionais.
9. Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)
Vem a propósito referir as IPSS, as quais podem ser organizações meramente civis ou ligadas, directa ou indirectamente, a igrejas e confissões religiosas.
As IPSS têm um regime fiscal próprio o qual, contudo, apenas é aplicável a actividades com fins não-religiosos, como tal definidos no artigo 21º, da LLR
A Constituição da República – artigo 63º, nº 5 – prescreve que «o Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social» nos seguintes domínios:
a) Segurança social;
b) Solidariedade na doença, velhice, invalidez, viuvez, orfandade, desemprego e todas as outras situações de falta ou diminuição de subsistência ou de capacidade para o trabalho;
2c) Ensino pré-escolar;
d) Equipamentos sociais de apoio à família;
e) Política de terceira idade;
f) Protecção às crianças;
g) Aproveitamento dos tempos livres da juventude,
h) Prevenção, tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e apoio às suas famílias.
O que caracteriza as IPSS:
- São constituídas por iniciativa de particulares;[3]
- A administração não é exercida nem pelo Estado nem por uma autarquia local;[4]
- Ausência de fins lucrativos (não é admitida a existência de finalidade lucrativa, nem mesmo a título acessório ou secundário e é proibida a distribuição de lucros);
- Propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos;
- Prossecução do objecto mediante a concessão de bens e a prestação de serviços;
- Objecto da actividade (meramente exemplificativa – “entre outros”):
o Apoio a crianças e jovens;
o Apoio à família;
o Apoio à integração social e comunitária;
o Protecção dos cidadãos na velhice e invalidez;
o Protecção dos cidadãos em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho;
o Promoção e protecção da saúde;
o Educação e formação profissional dos cidadãos;
o Resolução dos problemas habitacionais das populações.
As IPSS podem ainda desenvolver outros fins, desde que estes sejam, cumulativamente:
- Não-lucrativos e
- Compatíveis com os fins anteriormente enunciados.
As IPSS podem revestir as seguintes formas jurídicas:
a) Associações
b) Fundações
c) Irmandades das misericórdias
Além destas formas organizacionais típicas, ficam ainda sujeitas ao regime jurídico das IPSS:
- Organizações e instituições religiosas – apenas quanto ao exercício das actividades enquadráveis no que atrás se disse. A sujeição ao regime das IPSS é meramente objectivo, não passando estas organizações a ser IPSS por tal facto;
- Institutos que se proponham fins de solidariedade social fundados, dirigidos ou sustentados por organizações ou instituições religiosas, os quais ficam sujeitos ao regime das fundações de solidariedade social, sem prejuízo do espírito e disciplina religiosos.
Deste modo, é possível a uma igreja ou comunidade religiosa não se encontrar inscrita como pessoa colectiva religiosa mas, contudo, vir a beneficiar de isenções tão favoráveis como se estivesse inscrita.
Neste casos de não-inscrição, a entidade em causa poderá beneficiar do mínimo de isenção fiscal prevista no artigo 31º, da LLR, no que respeita à sua actividade com fins religiosos e do regime fiscal bastante favorável das IPSS, no que respeita à sua actividade com fins não-religiosos.
10. - Conclusões
Os regimes fiscais nucleares da igreja católica e das igrejas e confissões religiosas não-católicas são substancialmente diversos, sendo a igreja católica claramente privilegiada.
A manutenção dos privilégios fiscais da igreja católica, ou a não-equiparação do regime fiscal das igrejas e confissões religiosas não-católicas ao regime fiscal da igreja católica gera diferenças materiais de regimes fiscais que ofendem o princípio constitucional da igualdade.
A diferença de regimes fiscais é, na prática, atenuada pela sujeição das entidades e organizações ligadas, quer à igreja católica, quer às igrejas e confissões religiosas não-católicas, ao regime fiscal das IPSS.
Assim:
a) A diferença de regimes é relevante quanto às actividades com fins religiosos;
b) Já nas actividades com fins não-religiosos, o regime é potencialmente igual para todas.
Referências bibliográficas
ANTÓNIO LIMA GUERREIRO
A Nova Lei de Liberdade Religiosa, in “Semanário Económico”, Lisboa, 2001
EURICO DIAS NOGUEIRA (D.)
A Igreja no Pelourinho, Braga, 2000
FÉLIX DE LUIZ DÍAS DE MONASTERIO-GUREN E IGNACIO DE LUIS VILLOTA
Régimen Fiscal de la Iglesia Católica, Navarra, 1999
IMPOSTOS.NET
http://www.impostos.net
JÓNATAS EDUARDO MENDES MACHADO
O Regime Concordatário: Entre a Libertas Ecclesiae e a Liberdade Religiosa, Coimbra, 1993
JÓNATAS EDUARDO MENDES MACHADO
Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva – Dos Direitos da Verdade aos Direitos dos Cidadãos, in “Stvdia Ivridica” nº 18, Coimbra, 1996
JOSÉ CAMARASA CARRILLO
Régimen Tributario de Entidades Religiosas y de Entidades Sin Fines Lucrativos, Madrid, 1998
JOSÉ DE SOUSA E BRITO
Apresentação do Anteprojecto de Lei da Liberdade Religiosa, Lisboa, 1998
MARCELO REBELO DE SOUSA E JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO
Constituição Portuguesa Comentada, Lisboa, 2000
VITAL MOREIRA E GOMES CANOTILHO
Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, 1999
ANOTAÇÕES DO TEXTO
[1] A Nova Lei de Liberdade Religiosa, in Semanário Económico, 12 de Outubro de 2001
[2] D. EURICO DIAS NOGUEIRA, Arcebispo Primaz Emérito, A Igreja no Pelourinho, Braga, 2000, p.21
[3] Com isto se afastando a natureza pública das IPSS
[4] Note-se que a lei não refere a Administração regional (presentemente, as administrações das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e, futuramente, das regiões de Portugal continental)

1 comentário:

Jesus disse...

Que sejam revogadas as isenções das taxas e impostos patrimoniais e de rendimentos às confissões religiosas e que sejam os crentes a sustentá-las.
As taxas e impostos que as confissões religiosas não pagam são repercutidos por todos os contribuintes incluindo os que não confessam as religiões e os que não confessam nenhuma.
Que todas as confissões religiosas e suas instituições sejam obrigadas a contabilidade organizada e auditada.
Que seja tornado público o património das confissões religiosas!