sábado, 13 de junho de 2009

"Sendo muitos, formamos um só Corpo..."

Homilia do Corpo de Deus do Bispo do Funchal

"Sendo muitos, formamos um só Corpo..." (Rom12,5)

Funchal, 11 de Junho de 2009

Aqui nos encontramos, ao cair da tarde deste dia, para celebrarmos em união festiva com toda a Igreja, a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, tradicionalmente conhecida, entre nós, por Solenidade do Corpo de Deus.
É a Festa da Eucaristia! Para os crentes, a Eucaristia é o dom por excelência de Cristo à Sua Igreja, memorial da Sua Morte e Ressurreição, revelação do imenso Amor de Deus pela Humanidade, fonte de comunhão e unidade. A Eucaristia é presença real e viva de Jesus Cristo no meio do Seu povo, Pão da Vida, alimento da nossa caminhada de Peregrinos neste mundo. Como já tenho dito, muitas vezes, a Eucaristia é o maior tesouro espiritual da Igreja.
Na intimidade silenciosa do Cenáculo, na Quinta-Feira Santa, a Igreja contempla e participa, cheia de assombro e de gratidão, no misterioso e inesperado gesto de Jesus na Ceia da despedida: a consagração do pão e do vinho da ceia pascal hebraica, transformando-os no Seu Corpo e Sangue (cf. Mc 14,24), entregues pela salvação do mundo. Na solenidade do "Corpo de Deus", a Igreja, o povo da nova Aliança, nascido na Páscoa, manifesta publicamente o seu incontido júbilo, em cânticos de Louvor, Adoração e Gratidão, por tão admirável e Santíssimo Sacramento: "Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor Deus Omnipotente"!
Caminho novo para Deus
O texto do livro do Êxodo, de grande profundidade e densidade teológica, proclamado na primeira leitura, relata-nos o gesto ritual realizado por Moisés, quando aspergiu com sangue de animais o altar do sacrifício e o povo de Deus, congregado no Monte Sinai. Simbolicamente, tal gesto significava a expiação dos pecados e uma aliança de singular intimidade e comunhão de Vida com o Senhor.
Com o sacrifício de Jesus, a antiga aliança foi definitivamente abolida pela nova e eterna Aliança no Sangue de Cristo, oferecido ao Eterno Pai, no altar da Cruz, pela vida do mundo. O caminho novo para o encontro com Deus é o Sangue de Cristo, Sacerdote e Vítima, que assumiu o mistério de iniquidade do homem e purificou-o com o Seu Sangue (cf. Heb 9,14). É o caminho da Eucaristia, que actualiza a graça do Mistério Pascal do Senhor, como sacramento da salvação de cada homem e cada mulher, em todos os tempos e lugares.
Não basta comer e beber o Corpo e o Sangue de Cristo, alimentar-se d'Ele, quando participamos neste Sagrado Banquete da família reunida. É imprescindível aprofundar a beleza e a infinita Ternura deste admirável mistério de Amor, na Adoração contemplativa e, sobretudo, deixar-se contemplar e transfigurar por Jesus Eucaristia. Daí a relação existente entre a celebração da Eucaristia e a Adoração ao Santíssimo Sacramento. É importante que os cristãos encontrem, nesta Fonte de Graça e de Ternura de Deus, o segredo da Nova Evangelização, pois somente quem está apaixonado por Jesus, à semelhança de S. Paulo, pode empenhar-se vivamente na tarefa evangelizadora e contagiar os outros com o seu testemunho profético.
A oferta generosa da vida
Contemplar é Amar! A adoração em espírito e verdade conduz-nos à identificação com o Senhor: "já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gál 2,20). Uma comunidade eclesial autêntica e dinâmica, alimentada pelo Pão da Palavra e da Eucaristia, manifesta e reflecte, na própria experiência existencial, a Beleza do Rosto do Amor. Como escreve o Papa Bento XVI, "a Eucaristia projecta uma Luz intensa sobre a história humana e todo o universo" ("Sacramento da Caridade", 92).
Mas não pode haver dicotomias na vivência eucarística: quem participa no Banquete Pascal e contempla o Rosto Eucarístico de Jesus, entra no dinamismo da oferta generosa da vida. É particularmente convocado e enviado para a missão na seara do Senhor, imensa e sem fronteiras, que é o mundo globalizado de hoje. A Igreja, porque vive da Eucaristia, é chamada a saciar as novas sedes e fomes da humanidade, oferecendo o pão da amizade, da alegria, do perdão, da ternura, do sorriso amigo, da esperança e do serviço gratuito, enfim, a reinventar a solidariedade neste tempo de crise, num mundo em rápida e profunda mutação civilizacional.
A comunidade eclesial, face à moderna dependência económica, social, política e cultural, é convidada a promover e defender a dignidade humana, a despertar a humanidade para o Essencial e a reconhecer, em cada irmão ou irmã, o próprio Corpo do Senhor. O cardeal Van Thuan, preso por causa da sua fé, escreve assim no livro "Cinco pães e dois peixes": "Quando comungo e distribuo a comunhão, entrego-me juntamente ao Senhor para fazer de mim alimento para todos. Isso significa que estou totalmente ao serviço dos outros".
O amor-caridade, alma das Misericórdias
É neste contexto de forte interpelação para o serviço do amor-caridade, em formas novas de solidariedade e fraternidade cristã, que tenho o gosto de saudar o IX Congresso Nacional das Misericórdias Portuguesas, que hoje teve início e decorre até ao próximo sábado, dia 13 de Junho, nesta cidade do Funchal. São perto de quinhentos os seus participantes, a quem dou as boas vindas, com muita alegria, e agradeço, como Bispo da Diocese, o testemunho de comunhão eclesial que, por iniciativa própria, quiseram manifestar, participando com as respectivas insígnias, nesta Solene Eucaristia e, após ela, na Procissão do Corpo de Deus.
"Sendo muitos, formamos um só corpo" - escreveu São Paulo aos Romanos (12,5). É, sem dúvida, motivo de profunda alegria, acolhermos aqui irmãos provenientes de tantas Misericórdias e Dioceses do nosso País, Continente e Ilhas, fazendo-nos sentir, de forma bem significativa, membros vivos e activos da mesma e única Igreja de Cristo.
Em Dia do Corpo de Deus ressalta, como já disse, o mistério do Amor de Deus na dádiva do Seu Filho ao Mundo e da entrega que Jesus fez de Si mesmo pela Humanidade. D'Ele aprendemos nós, também, a generosidade da nossa entrega, para sermos bons samaritanos de quem mais precisa de ajuda. Disse Jesus: "Nisto conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros como Eu vos amei" (Jo 13,35).
É neste amor-caridade que as Misericórdias encontram o seu princípio, a sua alma, a sua identidade própria. Uma caridade atenta e activa, que procura, em cada tempo e lugar, promover e assegurar as respostas mais adequadas às respectivas necessidades, formas inovadoras e actualizadas da prática das tradicionais obras de misericórdia (cf. Mt 25), tendo em atenção os princípios e valores da Doutrina Social da Igreja.
Como recordou a Conferência Episcopal Portuguesa, em Nota Pastoral de 31 de Maio de 1998, as Misericórdias não são meras instituições filantrópicas, por muito beneméritas que se afigurem, nem simples instituições particulares de solidariedade social. "Elas devem considerar-se - escrevem os Bispos - expressões organizadas do exercício da Caridade do Povo de Deus em favor dos irmãos necessitados" (nº 5). Com eles se identifica Jesus: "Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25,40).
Em louvor e acção de graças
Amanhã, celebraremos o aniversário da criação da nossa Diocese, pelo Papa Leão X, a 12 de Junho de 1514. Elevamos, por isso, à Trindade Santíssima o nosso Cântico de Louvor e Acção de Graças por todas as bênçãos e dons recebidos, nesta caminhada histórica e eclesial, desde há quase 500 anos.
Pensando já na preparação da efeméride de 12 de Junho de 2014, teremos na nossa Diocese, desde 12 de Outubro deste ano de 2009 a 13 de Maio de 2010, a presença da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima. "Na escola de Maria" aprenderemos a escutar Jesus, a viver os valores evangélicos e humanos, procurando fazer tudo o que Ele nos disser, como recomendava a Mãe de Jesus nas Bodas de Caná (cf. Jo 2 1,5).
Recordo, com satisfação, que se chamou à Madeira e ao Porto Santo "Ilhas do Santíssimo Sacramento". É a memória e a profecia de um povo que, através dos séculos, participou com fé na Eucaristia, celebrando com grande entusiasmo e alegria as festas do "Domingo do Senhor". A tradição madeirense de contemplar e adorar o Santíssimo Sacramento, solenemente exposto nas igrejas e capelas, mantém-se bem viva e é uma fonte de graças para a nossa terra.
Cristo vivo nas ruas da cidade
Após esta celebração eucarística teremos a tradicional procissão do "Corpo de Deus", pelas ruas da nossa cidade, ornamentadas com belos tapetes de flores. É Cristo vivo que vai passar! Esta bela tradição eucarística, vivida com fé e amor na presença real de Jesus na Eucaristia, bem nos faz recordar as caminhadas de Jesus, quando, outrora, percorria as estradas da Palestina, acolhendo todos os que O procuravam, privilegiando as crianças, os pobres e os doentes, "porque saía d'Ele uma força que a todos curava" (Lc 6,19).
Que Jesus, ao percorrer as nossas ruas e colocar o Seu olhar sobre aqueles que encontra nestes caminhos ou Lhe dirigem uma prece do silêncio das suas casas ou do sofrimento dos seus corações, a todos conforte na coragem da fé e na alegria da esperança!
E que a Virgem Maria, Senhora do Santíssimo Sacramento, nos ensine a viver, em cada dia, as exigências de uma verdadeira cultura eucarística, que promove o diálogo, o respeito, a amizade sincera e a partilha do pão da fraternidade. É que, na verdade, "sendo muitos, formamos um só Corpo" (Rom 12,5).
Documentos D. António José Cavaco Carrilho 2009-06-12 09:52:56 11659 Caracteres Diocese do Funchal

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