sexta-feira, 11 de julho de 2008

IRMANDADE DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DO PORTO

DIOCESE DO PORTO
CASA EPISCOPAL
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RECURSO HIERÁRQUICO CANÓNICO
ACTO ELEITORAL DE 28.11.2004 DA
IRMANDADE DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DO PORTO
DECRETO EPISCOPAL
No dia 22.5.2007, deu entrada na Cúria Diocesana do Porto um recurso
hierárquico canónico interposto para mim, Bispo do Porto, na qualidade de
autoridade eclesiástica de tutela, pelo Irmão da Irmandade da Santa Casa da
Misericórdia do Porto AFONSO CASIMIRO DE BARROS QUEIROZ, residente
na Praça D. João I, 25, 4000-295 Porto, no qual se pediu a anulação do acto
eleitoral em epígrafe, bem como a suspensão da eficácia do mesmo até decisão do
recurso hierárquico.
Do mesmo modo, no dia 25.5.2007, deu entrada outro recurso hierárquico
canónico na Cúria Diocesana do Porto, com o mesmo objecto, mas agora
interposto pelos Irmãos da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do Porto
CARLOS MANUEL DOS SANTOS ALMEIDA e DIOGO DA ROCHA
ANTUNES, o primeiro residente na Rua António Feliciano de Castilho, 261, 3º
Esqº, Pedrouços, 4425-617 Maia, e o segundo na Rua Antero de Quental, 175, 2º,
4050-057 Porto.
O primeiro recorrente passou procuração ao ilustre advogado Dr. LUIS
VASCONCELOS SALGADO, com escritório na Rua da Conceição, 107, 3º, 1100-
153 Lisboa, enquanto os segundos recorrentes passaram procuração ao ilustre
advogado Dr. LUÍS FILIPE SALABERT, com escritório na Rua de Ceuta, 118, 3º
andar, Sala 17, 4050-190 Porto. Ambos os recursos foram subscritos pelos distintos
advogados.
Os contra-interessados passaram procuração ao distinto advogado e
canonista Dr. JOSÉ NUNO PEREIRA PINTO, com escritório na Rua Brito
Capelo, nº 598, 3º, Sala 3, 4450-067 Matosinhos, o qual subscreveu as alegações.
A função de secretário do processo esteve a cargo do Reverendo Chanceler
da Cúria Diocesana do Porto, Dr. JOSÉ MARIA GONÇALVES FABIÃO, por se
tratar de um processo administrativo e não de um processo judicial.
SPECIES FACTI
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Todos os recorrentes fundaram os seus pedidos nos seguintes e resumidos
argumentos:
• As eleições para os corpos gerentes da Misericórdia do Porto tiveram
lugar no dia 28.11.2004, na sede desta instituição da Igreja Católica,
sita na Rua das Flores, nº 5, da cidade do Porto;
• Concorreram duas Listas, A e B, tendo a Lista A obtido 580 votos
para a Assembleia Geral, 579 para a Mesa Administrativa e 582
para o Definitório, enquanto a Lista B obteve 670 votos para a
Assembleia Geral, 666 para a Mesa Administrativa e 665 para o
Definitório. Em face desta votação, foi proclamada vencedora a Lista
B, pelo Presidente da Eleição, conforme consta da acta da mesma
data, que foi afixada no átrio da instituição.
• Porém, como somente existia uma única mesa de voto para 3000
Irmãos votarem, eles não puderam exprimir a sua vontade, tendo-se
formada longas filas de votantes, o que originou protestos, confusões
e abandonos;
• Por outro lado, a iluminação das câmaras de voto era deficiente;
• Os votantes tiveram de esperar entre hora e meia e duas horas para
exercerem o respectivo direito de voto, o que levou alguns a
abandonar as instalações sem terem votado;
• Por estas razões, o acto eleitoral terá de se haver por nulo;
• Durante todo o dia e no decurso do acto eleitoral, vários membros da
Lista B, e com especial persistência os candidatos FILIPE
MACEDO, JOAQUIM MANUEL FARIA DE ALMEIDA e o
mandatário da Lista B, ESTEVÃO ZULMIRO SAMAGAIO,
fizeram campanha eleitoral a favor da Lista B e acusavam os
candidatos da Lista A;
• Com esta campanha, falsearam a realidade dos factos e denegriram
os candidatos da Lista A, imputando a um candidato desta,
GUIMARÃES DOS SANTOS, a prolongada delonga do acto
eleitoral;
• Vários candidatos da Lista B desmotivaram os Irmãos presentes de
participar no acto eleitoral;
• Vários candidatos da Lista B não podiam candidatar-se por terem
relações contratuais com a Misericórdia do Porto;
• Assim, o candidato a suplente da Mesa da Assembleia Geral,
ANTÓNIO JOSE MOREIRA, é Vice-Presidente da Fundação
Minerva, proprietária da Universidade Lusíada, que tem um
contrato de arrendamento com a Misericórdia do Porto;
• O candidato FERNANDO ALMEIDA é Director da Faculdade de
Ciências Económicas e de Empresa da Universidade Lusíada;
• O candidato FILIPE MACEDO é assessor da Direcção da
Universidade Lusíada;
• Todos estes candidatos integram o Conselho Geral da Fundação
Minerva e bem assim o Conselho Instituidor;
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• Ora, quem tem relações contratuais ou litigiosas com a Misericórdia
do Porto não pode ser candidato, nos termos do artigo 63º, alínea c),
do Compromisso, pois há um conflito de interesses;
• Há um litígio entre a Misericórdia do Porto e a Universidade
Lusíada quanto aos termos e execução do contrato de arrendamento
existente entre ambas;
• As duas instituições têm interesses concorrentes na criação de uma
Escola Superior de Saúde do Porto;
• O candidato ANTÓNIO TAVARES, como sócio e gerente da GIS –
Gestão Integrada de Saúde, Ldª, celebrou com a Misericórdia do
Porto um contrato de prestação de serviços com vista à preparação
de candidaturas ao Programa Saúde XXI, e esses serviços ainda se
encontravam em curso, apesar de esse candidato ter cedido a sua
quota, mas ter mantido a qualidade de gerente;
• Por outro lado, esse candidato está ligado ao chamado grupo
Misericórdias Saúde, que tem interesses concorrentes com a
Misericórdia do Porto;
• A ilegitimidade passiva de qualquer candidato arrasta a de todos os
outros;
• A candidata FLORA MARIA DE MOURA TEIXEIRA DA SILVA e
o candidato ANTÓNIO ERNESTO SILVA BRITO são professores
da Universidade Lusíada e nela têm funções dirigentes;
• O candidato JOSÉ LUIS NOVAIS foi condenado pelo crime de
agressão ao recorrente AFONSO CASIMIRO DE BARROS
QUEIROZ, perpetrado em Assembleia Geral da Misericórdia do
Porto, e agrediu, no ano passado, o Comissário da Misericórdia do
Porto;
Por meu Decreto de 21.6.2007, foram os contra-interessados, identificados
pelos recorrentes, mandados notificar nos termos do cânone 50 do Código de
Direito Canónico para apresentarem as suas alegações e provas. Por esse mesmo
Decreto foi determinada a suspensão da eficácia dos resultados eleitorais, pelo que
não foi conferida posse aos eleitos.
Em 23.7.2007, os contra interessados ANTÓNIO JOSÉ MOREIRA,
FERNANDO MÁRIO TEIXEIRA DE ALMEIDA, FILIPE GONÇALVES DE
SOUSA MACEDO, ANTÓNIO MANUEL LOPES TAVARES, FLORA MARIA
DE MOURA TEIXEIRA DA SILVA, ANTÓNIO ERNESTO SILVA CARVALHO
BRITO, JOSÉ LUIS NOVAES e JOAQUIM MANUEL MACHADO FARIA DE
ALMEIDA apresentaram as suas alegações, nos seguintes e resumidos termos:
• O recurso hierárquico não deve ser aceite pelo facto de os
recorrentes não terem reclamado para o Presidente da Assembleia
Geral da Misericórdia do Porto dentro do prazo legal;
• O recurso hierárquico é intempestivo pelo facto de os recorrentes
terem deixado passar o prazo canónico de 15 dias úteis, o qual é
peremptório nos termos do cânone 1734, pelo que caducou o direito
ao recurso;
• Esse prazo de 15 dias úteis contava-se desde o dia da eleição
(28.11.2004);
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• A reclamação para o Presidente da Mesa da Assembleia Geral
deveria ser feita no prazo de 3 dias, nos termos do artigo 62º, nº 3, do
Compromisso da Misericórdia do Porto;
• Os recursos hierárquicos não têm objecto, por faltar o decreto do
Presidente da Mesa da Assembleia Geral, precisamente pelo facto de
os recorrentes não terem reclamado para ele no prazo legal;
• Sem acto administrativo não pode haver recurso hierárquico para o
Bispo diocesano;
• Como consta da acta de apuramento, a Lista B foi a eleita;
• Todos os Irmãos votaram livre e espontaneamente, tendo sido as
eleições mais concorridas de sempre (1300 votantes);
• Em todas as eleições anteriores houve somente uma mesa;
• É falso terem alguns Irmãos ou candidatos andado a influenciar os
eleitores;
• O candidato ANTÓNIO JOSÉ MOREIRA é apenas suplente a um
órgão não executivo, como é a Mesa da Assembleia Geral;
• Os candidatos FERNANDO ALMEIDA e FILIPE MACEDO não
têm poderes vinculativos ou de decisão na Universidade Lusíada;
• Não existe qualquer litígio entre a Misericórdia do Porto e a
Fundação Minerva, pois nunca foi intentada qualquer acção em
tribunal;
• A Universidade Lusíada não tem interesses na Escola de
Enfermagem;
• O candidato ANTÓNIO TAVARES deixou de ser gerente e sócio da
GIS bem antes da concretização do acto eleitoral impugnado, tal
como resulta de certidão do registo comercial;
• O processo contra o candidato JOSÉ LUIS NOVAIS foi arquivado.
Para além disso, a sua candidatura já foi aceite por Sua Exª
Reverendíssima e Sr. Bispo do Porto de então, Dom ARMINDO
LOPES COELHO;
• Por estas razões, pedem que os recursos sejam julgados
improcedentes e que se ordene a tomada de posse dos eleitos pela
Lista B.
O contra-interessado ESTEVÃO ZULMIRO BRAGA SAMAGAIO alegou
por si e contestou os factos que lhe foram imputados pelos recorrentes (fl. 451).
O Presidente da Eleição, Irmão JORGE RUI MOIA PEREIRA
CERNADAS, apresentou as suas alegações (fls. 452 a 475), tendo dito, em resumo,
o seguinte:
• A eleição decorreu sem que um único incidente se tivesse registado;
• Os factos alegados pelos recorrentes não correspondem à verdade;
• O período de votação foi alargado por mais duas horas para permitir
que todos votassem;
• Não é verdade que houvesse falta de iluminação nas cabines de voto;
• A votação foi modelar e o acto eleitoral decorreu com toda a
serenidade (de forma civilizada, educada e legal);
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• O candidato ANTÓNIO JOSÉ MOREIRA é um candidato suplente
e renunciou à sua eleição;
• Os candidatos FERNANDO DE ALMEIDA e FILIPE MACEDO são
trabalhadores subordinados da Universidade Lusíada;
• O candidato ANTÓNIO TAVARES cedeu a sua quota na GIS por
escritura de 27.10.2004 e renunciou à gerência;
• Os recorrentes tinham-lhe apresentado uma reclamação de
impedimentos dos candidatos, mas a mesma foi rejeitada por
extemporaneidade;
• Os candidatos FLORA MARIA DE MOURA TEIXEIRA DA
SILVA e ANTÓNIO ERNESTO SILVA BRITO são meros docentes
da Universidade Lusíada;
• A candidatura de JOSÉ LUIS NOVAIS já foi aceite definitivamente
por decisão de 18.11.2004 de Sua Exª o Senhor Dom ARMINDO
LOPES COELHO, Bispo do Porto, que julgou improcedente um
recurso hierárquico interposto pelo recorrente AFONSO
CASIMIRO DE BARROS QUEIROZ.
Os recorrentes CARLOS MANUEL DOS SANTOS ALMEIDA e DIOGO
DA ROCHA ANTUNES DANTAS fizeram prova de já terem requerido o
levantamento da providência cautelar decretada pelo tribunal civil que veio a ser
declarado incompetente para a decretar (fl. 568).
Descrita a questão de que se trata, fixa-se o seguinte dubio:
“Consta da nulidade das eleições que tiveram lugar na
Misericórdia do Porto no dia 28.11.2004 ?”
I N I U R E
O regime jurídico das eleições, em Direito Canónico, encontra-se estabelecido
nos cânones 164 a 179, bem como nos estatutos das pessoas jurídicas canónicas. In
casu, esses estatutos são o Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora da
Misericórdia do Porto, aprovado pelo Bispo do Porto por Decreto de 15.6.1993
(artigos 60º a 64º). Para Portugal, tem ainda de se tomar em consideração o
estabelecido nos artigos 26º, 52º e 53º das Normas Gerais para Regulamentação
das Associações de Fiéis. Este regime é geral e deve aplicar-se a todas as eleições
canónicas.
Nos termos do cânone 10, apenas se consideram irritantes ou inabilitantes as
leis em que se estabelece expressamente que o acto é nulo ou a pessoa inábil.
Aplicando esta regra às eleições canónicas, resulta que um acto eleitoral no seu
todo, ou um voto em particular, somente serão nulos quando a lei o disser. Umas
eleições podem ter sido efectuadas com várias irregularidades, as leis ou os
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estatutos (compromissos) podem não ter sido cumpridos ou as formalidades podem
ter sido preteridas, que, nem por isso, as eleições ou os votos são nulos. Por razões
de defesa do bem público da Igreja, só existe nulidade quando a lei o disser
expressamente. Deste modo, como escreveu o Padre Prof. JAVIER OTADUY,
“nem toda a irregularidade, desajuste formal, ilegalidade, ilegitimidade ou
anomalia dos actos produz a sua nulidade; pelo que respeita à sua adequação com
o direito positivo, não existindo uma cláusula de nulidade o acto é válido”. Do
mesmo modo, o Prof. PEDRO LOMBARDIA escreveu a este respeito: “em Direito
Canónico, os actos contrários à lei, ainda que em princípio sejam ilícitos, não são
necessariamente nulos. A nulidade dos actos contra legem não é a regra, mas sim a
excepção; para que se produza a nulidade é necessário que a lei a estabeleça
expressamente, quer decretando o efeito invalidante de um defeito do acto (lei
irritante), quer determinando a incapacidade das pessoas (lei inabilitante)”. É a
aplicação do princípio do direito francês “pas de nullité sans texte”.
A lei canónica, umas vezes prevê a nulidade de toda a eleição e outras prevê a
nulidade do voto ou dos votos que estiverem ilegais.
É nula toda a eleição:
• Quando não tiver sido convocada para ela mais do que a terça parte
dos eleitores, a não ser que os não convocados compareçam (cânone
166, § 3);
• Quando se admitir a votar quem não faça parte do colégio eleitoral
(cânone 169);
• Quando a liberdade da eleição, no seu conjunto, tiver sido impedida
de qualquer forma (cânone 170).
• Quando se admita a votar pessoa inábil para o fazer e desse ou
desses votos resulte influência no resultado (cânone 171, § 2).
São nulos os votos individualmente expressos:
• Quando seja admitida a votar pessoa que era inábil para o efeito:
quem for incapaz de actos humanos, quem carecer de voz activa
(estiver legalmente impedido de votar), quem estiver excomungado e
quem notoriamente se afastou da comunhão da Igreja (cânone 171);
• Quando alguém tiver votado com falta de liberdade ou por
constrangimento (cânone 172, § 1, nº 1);
• Quando o voto não tiver sido secreto, certo, absoluto e determinado
(cânone 172, § 1, nº 2º);
• Quando o número de votos contados superar o número de eleitores,
mas só os votos que superarem esse número (cânone 173, § 3).
Fora destes casos não há outros de nulidade de toda a eleição ou de cada voto
individualmente considerado. Assim, não gera nulidade da eleição o facto de só
existir uma mesa de voto; o facto de haver longas filas para a votação; o facto de a
iluminação da câmara de voto ser deficiente; o facto de os eleitores demorarem
muito tempo para votar e o facto de alguém ter feito alguma forma de campanha
no decurso da votação.
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Quanto à campanha eleitoral, ela é permitida (qualquer pessoa pode fazer
sugestões, insinuações e propostas aos eleitores, etc.).
Nos termos do artigo 54º, § 3, das Normas Gerais, não é permitida a eleição de
qualquer membro por mais de dois mandatos consecutivos, para qualquer órgão
da Associação, salvo se a assembleia geral reconhecer, expressamente, por votação
secreta, feita segundo o artigo 26º, § 1º, que é impossível ou inconveniente proceder
à sua substituição. Porém, a violação desta regra não está prevista na lei com a
cominação de nulidade da eleição ou com exclusão do assim eleito (cânone 10).
Nos termos do artigo 39º das Normas Gerais, os associados têm o dever de ter
as quotas em dia, mas a falta de pagamento de quotas não torna inválido o voto
(cânone 10).
Descrito o Direito Canónico universal sobre nulidade da eleição ou de algum
voto, vejamos o que nos diz o Direito Canónico particular aplicável à Misericórdia
do Porto.
Nos termos do artigo 61º do Compromisso, as eleições realizam-se de três em
três anos, sendo a convocação feita com a antecedência de, pelo menos, 30 dias.
De acordo com o artigo 62º do Compromisso, as propostas de listas deverão ser
apresentadas ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral até 15 dias antes da data
designada para as eleições. As listas, depois de aceites, deverão ser, imediatamente,
afixadas na sede da Misericórdia e, nesse momento, será entregue o Caderno
Eleitoral ao respectivo mandatário. E diz o nº 4:
“As reclamações deverão ser formuladas no prazo máximo de três
dias após a deliberação do Presidente da Mesa da Assembleia Geral
ou da sua afixação”.
E, logo a seguir, diz o nº 5:
“O Presidente da Mesa da Assembleia Geral deverá decidir das
reclamações no prazo máximo de 48 horas e comunicar a respectiva
decisão, por escrito, ao primeiro signatário da lista”.
O prazo para a reclamação contra qualquer candidato que não tenha
capacidade eleitoral passiva, por se encontrar abrangido por alguma
inelegibilidade, é um prazo peremptório e não pode ser prorrogado. Diz o artigo
62º, nº 4, que o prazo de 3 dias é “o prazo máximo”.
Reza o artigo 63º, alínea c), do Compromisso que não podem ser eleitos ou
exercer cargos na Irmandade os que mantenham relações contratuais ou litigiosas
com a Irmandade.
Se se verificar esta inelegibilidade, qualquer interessado pode reclamar, no
prazo de três dias, para o Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Decorrido esse
prazo sem ter havido reclamação, a lista em causa torna-se definitiva e a
irregularidade fica sanada. Nesse caso, o candidato inelegível pode ser eleito e
tomar posse se constar da lista vencedora das eleições. Uma vez eleito e empossado,
o candidato que padecia de uma inelegibilidade não poderá “exercer” o cargo para
que foi eleito se essa inelegibilidade surgir no decurso do mandato para que foi
eleito.
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Outra interpretação dos artigos 62º e 63º do Compromisso poria em causa a
segurança jurídica e a certeza nos direitos conferidos por uma eleição. Se uma
eleição pudesse ser permanentemente discutida, mesmo depois de passarem os
prazos peremptórios estabelecidos nas leis, estava criada uma situação
insustentável para as instituições da Igreja.
O Compromisso da SCMP estabelece dois tipos de contencioso nas eleições
para os órgãos sociais: contencioso da apresentação de candidaturas e contencioso
eleitoral (de irregularidades ocorridas no decurso das votações e nos
apuramentos).
Quanto ao contencioso da apresentação de candidaturas, o processo legal
eleitoral na Misericórdia do Porto está feito em cascata, pelo que somente é
possível passar à fase seguinte quando a fase anterior estiver definitivamente
consolidada. Não se pode passar à fase da eleição sem que a fase das candidaturas
tenha terminado. Só podem ir a eleição os candidatos julgados legais por decisão
transitada em julgado. A legalidade de uma candidatura tem de passar a caso
decidido ou resolvido quando se chega ao dia da eleição.
O processo eleitoral em cascata é delimitado por uma calendarização
rigorosa e não pode ser subvertido por decisões extemporâneas, que, em muitos
casos, determinariam a impossibilidade de realização das eleições. Assim, as
irregularidades só podem ser supridas até ao momento em que o Presidente da
Eleição decide sobre a admissão ou rejeição das listas.
A reclamação em três dias, no máximo, configura-se como uma reclamação
necessária a um recurso hierárquico posterior. Se se deixar passar esse prazo sem
se fazer a reclamação para o Presidente da Mesa, o subsequente recurso
hierárquico para a autoridade eclesiástica não tem objecto. Por aplicação do
princípio da aquisição progressiva dos actos, qualquer irregularidade de uma
determinada lista, que não tenha sido reclamada no prazo máximo de três dias, já
não pode ser corrigida no momento em que se interpõe o recurso hierárquico.
No processo eleitoral, na Misericórdia do Porto, funciona o princípio da
aquisição progressiva dos actos, por forma a que os seus diversos estádios, uma vez
consumados e não contestados no tempo legal, não possam ulteriormente, quando
já se percorre uma etapa diversa do processo eleitoral, vir a ser impugnados.
Nos termos do artigo 64º, nº 1, do Compromisso,
“Finda a eleição, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral
cessante proclamará os eleitos, e de tudo o que se tiver passado será
exarada e assinada a respectiva acta”.
Repete-se: “de tudo o que se tiver passado será exarada e assinada a
respectiva acta”.
O artigo 62º, nº 6, do Compromisso prevê a existência de um Regulamento
Eleitoral. Esse Regulamento Eleitoral foi aprovado na Assembleia Geral de
14.11.1994 e também faz parte do Direito Canónico particular da Misericórdia do
Porto. Nos termos do seu artigo 6º, nº 1, compete ao Presidente da Assembleia
Geral dirigir e fiscalizar o acto eleitoral. De acordo com o seu artigo 8º, existirá um
livro de actas só para efeitos de certificação de eleições. Nesse livro de actas
“devem ser notadas todas as situações” “de modo a reflectir o desenvolvimento e as
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tramitações do acto eleitoral”. Diz o artigo 6º, nº 2, que as listas concorrentes
devem ter mandatários.
Resulta destas normas internas que qualquer ocorrência estranha, que
tenha lugar no decurso do acto eleitoral, deve ser reclamada por qualquer
mandatário das listas concorrentes mediante protesto, que deve constar da acta
respectiva, pois o artigo 64º, nº 1, do Compromisso manda registar na acta “tudo o
que se tiver passado”. Se algo se passou e não ficou a constar da acta, por não ter
havido protesto, é como se esse algo nunca tivesse existido: “quod non est in acta
non est in mundo” – o que não está na acta não está no mundo.
Se algum mandatário se esqueceu de ditar um protesto contra qualquer
ilegalidade, irregularidade, ocorrência anómala, incidente, anormalidade, já não
poderá mais tarde reagir por qualquer outro meio. Assinada a acta sem menção de
qualquer protesto, preclude o direito de mais tarde se reclamar contra o que quer
que seja que se tenha passado no acto eleitoral. De outro modo, a verdade eleitoral
poderia ser defraudada com recurso a prova testemunhal, com toda a falibilidade
anexa a este tipo de prova.
Também aqui funciona o sistema de reclamação em cascata, próprio das
eleições políticas no Estado. E aqui funciona esse sistema pelo facto de ser assim
que o ditam as regras próprias da Misericórdia do Porto. Deste modo, as
irregularidades ocorridas no decurso do acto eleitoral ou do apuramento dos votos
somente podem ser objecto de recurso hierárquico desde que hajam sido objecto
de reclamação ou protesto, apresentados no acto em que se verificaram. A
apreciação do recurso hierárquico pressupõe a apresentação de reclamação ou
protesto apresentados contra as irregularidades verificadas no decurso da votação,
dirigindo-se o recurso à decisão sobre a reclamação ou protesto. Cabe, ainda, aos
recorrentes alegar e provar que as irregularidades invocadas influenciaram o
resultado eleitoral, condição indispensável para se poder decidir da anulação de
um acto eleitoral.
Resulta do exposto que qualquer irregularidade, a ter existido, deixou de
poder ser invocada a partir do momento em que ocorreu o acto eleitoral sem
protestos ou reclamações. Todo o processo eleitoral decorre segundo um sistema
faseado em cascata, ficando sanadas eventuais irregularidades ocorridas numa
fase anterior e que não hajam sido tempestivamente impugnadas (princípio da
aquisição progressiva dos actos do processo eleitoral).
Quanto ao recurso hierárquico, o cânone 1737, § 2, fixa-lhe um prazo
peremptório de 15 dias úteis, mas este prazo não corre para quem ignora que ele
está a correr (cânone 201, § 2). Se, por ignorância legítima, um interessado não
recorrer dentro do prazo de 15 dias a contar do acto, esse prazo somente começa a
correr quando o interessado tiver conhecimento do seu direito. É desta forma que
o Direito Canónico tutela a boa fé dos crentes.
A ignorância do direito e do prazo são legítimos quando, por exemplo,
houver uma divergência jurisprudencial sobre a jurisdição competente.
Em Direito Canónico, os actos administrativos podem ser actos colegiais e,
tratando-se de um acto eleitoral, estaremos em face de um acto administrativo
canónico em matéria eleitoral (cânone 119, nº 1º).
Neste Direito, por regra existe uma reclamação graciosa prévia necessária
para o recurso hierárquico subsequente (cânone 1734, § 1), salvo se este recurso
for interposto para o Bispo contra decretos ou decisões feitos por autoridades que
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lhe estão sujeitas (cânone 1734, § 3, nº 1º). No entanto, em matéria eleitoral, vale,
em primeiro lugar, o que estiver previsto no direito particular (cânone 164).
Assim, as regras constantes do Compromisso, desde que legais, aplicam-se
com primazia.
I N F A C T O
A Misericórdia do Porto remeteu à Cúria Diocesana todo o processo
eleitoral, do qual resultam os seguintes e resumidos factos:
• Em 21.10.2004, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral convocou,
nos termos dos artigos 60º a 64º do Compromisso e das demais
disposições do Regulamento Eleitoral, uma Assembleia Geral, para
reunir, entre as 9 e as 19 horas, do dia 28 de Novembro d 2004, na
sua sede, sita à Rua das Flores, nº 5, com a seguinte ordem de
trabalhos: ponto único – eleição dos Corpos Gerentes para o triénio
de 2005-2007;
• O anúncio dessa convocatória foi publicado no Jornal de Notícias de
24.10.2004;
• Em 4.11.2004, o Dr. ARTUR SANTOS SILVA, como mandatário,
apresentou na SCMP um processo de candidatura de Lista
concorrente às eleições em referência e indicou, para fiscalização do
acto eleitoral, por parte dessa Lista, os seguintes Irmãos: ANTÓNIO
MARIA PINHEIRO TORRES DE MEIRELLES, GUILHERMINA
MARIA SANTOS LEAL e ANDREA ROCCHI;
• Esta candidatura estava instruída com as subscrições estatutárias e
com declaração de aceitação por parte de todos os candidatos;
• Por despacho de 5.11.2004, o Presidente da Mesa da Assembleia
Geral, nos termos do artigo 62º, nºs 1 e 3 do Compromisso, aceitou
essa Lista “por se mostrar devidamente proposta e instruída e nada
obstar à elegibilidade dos Irmãos que a integram”. Mais determinou
que, em obediência ao disposto no artigo 62º, nº 3, do Compromisso,
se procedesse à sua afixação imediata na sede da Misericórdia, em
local habitual, e que, simultaneamente, fosse feita a entrega do
Caderno Eleitoral, contra recibo, ao respectivo Mandatário;
• A afixação dessa Lista teve lugar às 12 horas do dia 5.11.2004;
• Em 8.11.2004, o Dr. ESTEVÃO ZULMIRO BRAGA SAMAGAIO,
como mandatário, apresentou na SCMP um processo de candidatura
de Lista concorrente às eleições em referência e indicou, para
fiscalização do acto eleitoral, por parte desta Lista, os seguintes
Irmãos: ANTÓNIO MANUEL LOPES TAVARES, NUNO PAULO
FERNANDES OLIVEIRA e MANUEL ÁLVARO SALGADO
RODRIGUES;
• Esta candidatura estava instruída com as subscrições estatutárias e
com declaração de aceitação por parte de todos os candidatos;
• Por despacho de 8.11.2004, o Presidente da Mesa da Assembleia
Geral, nos termos do artigo 62º, nºs 1 e 3 do Compromisso, aceitou a
Lista “por se mostrar devidamente proposta e instruída e nada
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obstar à elegibilidade dos Irmãos que a integram”. Mais determinou
que, em obediência ao disposto no artigo 62º, nº 3, do Compromisso,
se procedesse à sua afixação imediata na sede da Misericórdia, em
local habitual, e que, simultaneamente, fosse feita a entrega do
Caderno Eleitoral, contra recibo, ao respectivo Mandatário;
• Esse despacho identificou a primeira Lista com a letra “A” e a
segunda com a letra “B”.
• A afixação dessa Lista teve lugar às 16 horas do dia 8.11.2004;
• Em 10.11.2004, o Irmão AFONSO CASIMIRO DE BARROS
QUEIROZ, por carta dirigida ao Presidente da Assembleia Geral,
impugnou as capacidades éticas e morais do candidato JOSÉ LUIS
NOVAIS, deixando-lhe à sua apreciação as capacidades jurídicas
desse candidato. Baseou-se numa decisão judicial, transitada em
julgado, que condenou o candidato pelo crime de ofensas à
integridade física simples;
• Por despacho de 12.11.2004, o Presidente da Assembleia Geral
desatendeu a reclamação, por não se verificar qualquer dos casos de
inelegibilidade constantes do artigo 63º do Compromisso;
• Em 17.11.2004, o Irmão AFONSO CASIMIRO DE BARROS
QUEIROZ recorreu hierarquicamente para o Bispo do Porto contra
aquele despacho do Presidente da Assembleia Geral, mas Sua Exª
Revª o Sr. Dom ARMINDO LOPES COELHO negou provimento ao
recurso, por decreto de 18.11.2004 (fl. 498);
• Em 17.11.2004, embora reconhecendo que já tinha passado o prazo
previsto no regulamento eleitoral para as reclamações, reclamou
contra as candidaturas de FERNANDO DE ALMEIDA, ANTÓNIO
JOSÉ MOREIRA e ANTÓNIO TAVARES, pedindo que as mesmas
fossem substituídas;
• Por despacho de 19.11.2004, o Presidente da Assembleia Geral não
admitiu a reclamação, por a mesma ser extemporânea;
• Em 24.11.2004 o Irmão AFONSO CASIMIRO DE BARROS
QUEIROZ apresentou nova reclamação, dirigida ao Presidente da
Mesa da Assembleia Geral, impugnando de novo as três
candidaturas com base no facto de haver uma nulidade e não uma
mera anulabilidade que tivesse sido sanada;
• Por despacho de 26.11.2004, o Presidente da Mesa manteve a sua
anterior decisão;
• A eleição teve lugar no dia 28.11.2004, foi efectuado o escrutínio dos
votos e, finda a eleição, foi elaborada acta e proclamada, pelo
Presidente da Eleição, eleita a Lista B;
• Consta da acta de apuramento que, para a Assembleia Geral, a Lista
A obteve 580 votos e a Lista B 670, para a Mesa Administrativa, a
Lista A obteve 579 votos e a Lista B 666 e para o Definitório, a Lista
A obteve 582 votos e a Lista B 665,
• Em face destes votos, foi proclamada vencedora a Lista B para todos
os corpos gerentes;
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CASA EPISCOPAL
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• Da acta não consta que tivesse havido qualquer reclamação ou
protesto por parte de candidatos ou de membros da fiscalização de
ambas as Listas ou qualquer tipo de incidente digno de menção;
• Em 29.11.2004 foi afixado Edital assinado pelo Presidente da
Eleição, pelo Vice-Presidente, pelos Secretários e pelos
Escrutinadores;
• A posse dos eleitos chegou a ser marcada para o dia 3.1.2005, mas
não chegou a ser tomada por ter sido suspensa a deliberação social
em causa.
Resultam desta factualidade, no que mais interessa a este recurso
hierárquico, três factos de relevante interesse, a saber:
1. A elegibilidade do candidato JOSÉ LUIS NOVAIS está
definitivamente resolvida por decisão do meu predecessor
Senhor Dom ARMINDO LOPES COELHO, como autoridade
eclesiástica de tutela, ao tempo. Trata-se de caso decidido ou
resolvido com força de caso julgado, obrigando as pessoas e
afectando as coisas para as quais essa decisão foi dada
(cânone 16, § 3);
2. A Lista vencedora – Lista “B” – foi aceite e afixada na sede da
Misericórdia do Porto no dia 8.11.2004 e qualquer
reclamação contra a mesma ou contra qualquer dos
candidatos que a integravam tinha de dar entrada até ao
encerramento dos serviços da Misericórdia do Porto no prazo
máximo de três dias, isto é, até ao encerramento dos serviços
no dia 11.11.2004;
3. Porém, apesar de reconhecer que já tinha passado o prazo
regulamentar, o Irmão AFONSO CASIMIRO DE BARROS
QUEIROZ somente no dia 17.11.2004 apresentou reclamação
contra a elegibilidade dos candidatos FERNANDO DE
ALMEIDA, ANTÓNIO JOSÉ MOREIRA e ANTÓNIO
TAVARES, e não contra qualquer outro candidato;
4. O Presidente da Mesa, por despacho de 19.11.2004, não
admitiu essa reclamação, por ser extemporânea;
5. Da acta da Assembleia Eleitoral não consta que tivesse sido
lavrado qualquer protesto ou feita qualquer reclamação sobre
o modo como decorreu o acto eleitoral, pelo que não estão
provadas as pretensas anomalias de funcionamento da
assembleia eleitoral;
6. Com efeito, o mandatário da Lista A, em 4.11.2004, indicou
para fiscalização do acto eleitoral os seguintes Irmãos:
ANTÓNIO MARIA PINHEIRO TORRES DE MEIRELLES,
GUILHERMINA MARIA SANTOS LEAL e ANDREA
ROCCHI. Nenhum deles protestou ou reclamou, no decurso
do acto eleitoral, contra qualquer irregularidade ocorrida no
mesmo, pois da acta nada consta;
DIOCESE DO PORTO
CASA EPISCOPAL
13
7. Na sua resposta aos recursos hierárquicos, o Presidente da
Eleição foi claro: a eleição decorreu sem que um único
incidente se tivesse registado.
Há que aplicar a lei a estes factos.
O Presidente da Mesa da Assembleia Geral aceitou a Lista B com todos os
elementos que a integravam. Dentro do prazo de três dias, fixado no artigo 62º, nº
3, do Compromisso, não foi apresentada qualquer reclamação para além da
relativa ao candidato JOSÉ LUIS NOVAIS. A falta de reclamação atempada
implica que qualquer irregularidade de candidatura ficasse sanada.
O prazo de três dias para reclamar era um prazo “máximo”, isto é, um
prazo peremptório. Ora, nos termos do cânone 1465, § 1, “os chamados prazos
peremptórios, isto é, os termos fixados na lei para a extinção dos direitos, não
podem ser prorrogados, nem, a não ser a pedido das partes, validamente
abreviados”.
Logo, o Irmão reclamante, ao fim do terceiro dia, perdeu o direito de
reclamar, e bem andou o Presidente da Mesa ao não admitir a reclamação, feita
em 17.11.2004, por extemporaneidade. O prazo não podia ser prorrogado porque o
direito de reclamar estava extinto. Para o Direito Canónico, é um prazo fatal.
Sendo assim, a decisão do Presidente da Mesa, de 8.11.2004, que aceitou a
Lista B, passou a caso decidido ou resolvido com o efeito de um caso julgado
(cânone 16, § 3). É uma decisão obrigatória que todos temos de acatar.
Por outro lado, o sistema de eleição em cascata e o princípio da aquisição
dos actos processuais eleitorais levam à mesma consequência.
É certo que, para tornear esta dificuldade, foi alegado que havia nulidade e
não mera anulabilidade.
Porém, o Direito Canónico não conhece essa distinção, que é própria do
Direito Civil. Para o Direito Canónico, só há nulidade quando a lei a estabelecer
expressamente, nos termos do cânone 10. Ora, já vimos que a lei apenas estabelece
os seguintes casos de nulidade de toda a eleição:
• Quando não tiver sido convocada para ela mais do que a terça parte
dos eleitores, a não ser que os não convocados compareçam (cânone
166, § 3);
• Quando se admitir a votar quem não faça parte do colégio eleitoral
(cânone 169);
• Quando a liberdade da eleição, no seu conjunto, tiver sido impedida
de qualquer forma (cânone 170).
• Quando se admita a votar pessoa inábil para o fazer e desse ou
desses votos resulte influência no resultado (cânone 171, § 2).
Nenhuma destas causas de nulidade se verifica no caso e nenhuma delas foi
alegada pelos recorrentes.
Em conclusão: ainda que, porventura, existisse alguma irregularidade nas
candidaturas impugnadas, o certo é que a mesma ficou sanada por falta de
reclamação atempada.
Uma única situação merece uma consideração especial. Trata-se do caso do
candidato ANTÓNIO JOSÉ MOREIRA, pois ele pertence ao Conselho de
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Administração da Fundação Minerva, que é proprietária da Universidade
Lusíada, com a qual a Misericórdia do Porto tem uma relação contratual. Como
vice-presidente da Fundação Minerva, não podia ser eleito para os corpos gerentes
da Misericórdia do Porto. A falta de reclamação atempada sanou a irregularidade
da sua candidatura. Porém, repare-se que ele aparece como mero suplente à Mesa
da Assembleia Geral, o que implica que, como suplente, não vai exercer o cargo. Se
acontecer de ser chamado ao exercício do cargo no decurso do mandato, a partir
desse momento tem de optar por exercer ou o cargo de vice-presidente da
Fundação Minerva ou o cargo de secretário da Mesa da Assembleia Geral da
Misericórdia do Porto.
De facto, o artigo 63º do Compromisso diz que não podem ser eleitos ou
“exercer” cargos na Irmandade os que tiverem relações contratuais com a
Misericórdia do Porto. O candidato ANTÓNIO JOSÉ MOREIRA foi bem eleito,
pois não houve reclamação atempada contra a sua candidatura. O que ele não
pode é exercer, simultaneamente, os dois cargos. Para já, não há interesse jurídico
relevante em declarar inválida a sua eleição, pois é um mero suplente.
Os restantes candidatos não fazem parte do Conselho de Administração da
Fundação Minerva, que é o órgão que representa e gere essa pessoa colectiva
(artigo 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 117/2003, de 14 de Junho).
Vejamos a questão das pretensas irregularidades ocorridas no decurso da
votação.
Já vimos que, da acta, não consta que tivesse havido qualquer protesto ou
reclamação. Ora, a acta é um documento autêntico ou um documento público
eclesiástico, pois dimana de uma pessoa jurídica canónica pública no exercício do
seu múnus na Igreja e com observância das solenidades prescritas pelo direito
(cânone 1540, § 1), pelo que faz fé acerca de tudo o que nela directa e
principalmente se afirma (cânone 1541). A autenticidade dessa acta não foi
impugnada.
Se alguma irregularidade se tivesse passado na eleição, ela deveria ser
objecto de protesto ou de reclamação no acto, e isso teria de ser exarado em acta.
Como da acta nada consta, os recursos hierárquicos, nesta parte, não têm objecto.
Nos termos do artigo 64º, nº 1, do Compromisso, de tudo o que se tiver passado
será exarada e assinada a respectiva acta. Se nada se passou nada ficou exarado
em acta. O que não consta da acta, juridicamente não existiu.
Aproveita-se a oportunidade para declarar que a Misericórdia do Porto,
como associação pública de fiéis que é, está sujeita às limitações canónicas
previstas no artigo 11º, nº 2, da Concordata de 2004, no artigo 82º das Normas
Gerais para Regulamentação das Associações de Fiéis, da Conferência Episcopal
Portuguesa, nos cânones 1291 a 1298 do Código de Direito Canónico e no Decreto
da Conferência Episcopal Portuguesa de 7.5.2002. Deste modo, os actos relativos e
os contratos celebrados com a Fundação Minerva ou com a Universidade Lusíada
têm de respeitar essas regras legais, sob pena de nulidade.
A partir da notificação deste Decreto, caduca a suspensão da eficácia
decretada por mim em 21.6.2007, pelo que o Presidente da Mesa da Assembleia
Geral cessante poderá conferir imediatamente posse aos eleitos nos termos do
Compromisso.
Tendo em conta as vicissitudes por que passou este processo eleitoral, o
mandato da Lista eleita termina em 31.12.2010, pois os efeitos da eleição estiveram
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suspensos e os eleitos têm direito a, pelo menos, um triénio, nos termos do artigo
61º, nº 1, do Compromisso.
A Comissão Administrativa cessará as suas funções com a tomada de posse
dos corpos gerentes eleitos, devendo ser intimada por escrito, nos termos do
cânone 186.
D I S P O S I T I V O
Nestes termos, tendo diante dos olhos somente a Deus, rezando a Nossa
Senhora da Misericórdia e querendo fazer inteira justiça, decido responder
NEGATIVAMENTE à fórmula da dúvida, pelo que não consta da nulidade da
eleição para os corpos gerentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do
Porto, que teve lugar em 28.11.2004, negando provimento aos recursos
hierárquicos interpostos, confirmando os eleitos, levantando a suspensão da
eficácia da eleição e autorizando a tomada imediata de posse de todos os eleitos.
Notifique-se este Decreto aos mandatários dos recorrentes e dos contrainteressados,
ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, bem como ao Reverendo
Comissário.
Paço Episcopal do Porto, 24 de Setembro de 2007.
O BISPO DO PORTO

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