segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Encontro com a pobreza escondida

VIVER A PALAVRA: Encontro com a pobreza escondida
Peregrinação Arciprestal à Senhora do Alívio
A vós peregrinos, que das diversas zonas do concelho percorrestes os caminhos da Senhora do Alívio, vos saúdo fraternalmente.
A Peregrinação Arciprestal é sempre um momento providencial para trilharmos caminhos novos ao serviço da Igreja de Jesus Cristo. É, por isso, o momento oportuno para dar a conhecer o Programa Pastoral Arquidiocesano para este ano. Queremos viver animados pela Palavra, é este o grande lema.
Mas será que já conhecemos o Programa Pastoral? Já o demos a conhecer e a trabalhar nos Conselhos Pastorais Paroquiais? Que programa arciprestal foi delineado? Quais os objectivos atingir nos diversos sectores da Pastoral? Como animar toda a pastoral a partir da Palavra que convoca e provoca para a Missão?
Queremos, como objectivo geral, Tomar conta da Palavra. Ao longo deste ano acreditamos que a Palavra irá estruturar a vida das pessoas (sacerdotes e leigos) numa interpelação e interrogação permanentes ao modo como assumimos o Evangelho na vida pessoal e comunitária.
A Palavra de Deus chama-nos à responsabilidade, na Igreja ou no serviço público, de cooperarmos pelo bem comum da humanidade. Na verdade, S. Paulo, incita os cristãos a rezar com alegria por todos os reis e autoridades, para que reconheçam o verdadeiro Deus. Quem tem poder que se faça servo, servindo com alegria e humildade os bens que lhe foram confiados. Quem age despoticamente e por prestígio pessoal facilmente se corrompe. Esta orientação pastoral de S. Paulo faz sentido hoje, porque é servindo no amor e na gratuidade que faremos da justiça e da dignidade humana um ideal concretizado no rosto de cada ser humano.
De acordo com o Evangelho, são dois os desafios que se colocam a todos nós:
- ser fiel na missão que temos a nosso encargo. Uma fidelidade que passa pelas coisas pequenas que alicerçam as condições para um testemunho pessoal e verdadeiro nas coisas grandes;
- não querer servir a dois senhores – Deus e o dinheiro – que são coisas incompatíveis quando pervertemos toda a lógica do dom, da partilha e da fraternidade.
“Viver da Palavra” terá de fazer de nós profetas que denunciam toda e qualquer forma de vida que ponha em causa o justo equilíbrio (económico, social e cultural) da sociedade. Esta luta entre a ânsia do ter poder e a coerência com princípios de honestidade é um caminho de permanente conversão e de maturidade humana e espiritual. Como podemos dizer que somos homens e mulheres livres se gastamos as nossas vidas nas grandes catedrais do consumo, se obedecemos a todos os spots publicitários que nos prometem felicidade gratuita, sem esforço e sem trabalho?
A leitura do profeta Amós é uma denúncia realista, corajosa, eloquente, pormenorizada, objectiva de tantas injustiças sociais que naquele tempo se praticavam, quer em relação às pessoas quer em relação ao direito de propriedade. Uns tinham tudo, outros apenas as sobras e outros nem aos restos tinham direito. É preciso dizer sem medo que neste século XXI, da era do progresso, existem pecados sociais de igual ou maior gravidade que marginalizam os mais pobres. Muitos desses pecados são evidentes; outros continuam escondidos em pessoas habilidosas que usam das suas influências para enriquecer de forma ilícita e sem escrúpulos. Cada pessoa tem a missão de contribuir para a resolução dos problemas, mediante uma cidadania activa e crítica face à corrupção, as injustiças e às manobras ilícitas de favoritismos.
Neste sentido, gostaria de lembrar que a partir de amanhã, até ao dia 22, acontecerá uma cimeira das Nações Unidas para avaliação dos oito objectivos da luta contra a pobreza no mundo, assumidos no ano 2000, como Objectivos do Milénio. Nesta data, reconhecendo teoricamente, os princípios da igualdade e fraternidade e aceitando o princípio elementar da Doutrina Social da Igreja do destino Universal dos bens, as sociedades comprometeram-se a eliminar a pobreza garantindo alimentos, água potável, instrução básica, cuidados de saúde básica para todos os seres humanos.
Passaram-se dez anos. Muitos objectivos foram conseguidos. Mas continuamos com um índice de pobreza mundial altíssimo, que se acentuou com a crise económica, financeira e humana dos tempos actuais.
O Santo Padre, na sua última encíclica Caritas in veritate, recordava a necessidade de se darem respostas adequadas para um desenvolvimento integral da humanidade. Cada um deve assumir a sua responsabilidade. Mas nunca poderemos deixar de testemunhar, perante os poderes civis, a nossa indignação perante tantas situações de miserabilismo que carecem de resposta eficaz e rápida. É tempo de colocar de lado ideologias e interesses pessoais para nos unirmos em torno de acções concertadas que resolvam situações de pobreza material e humana nas nossas comunidades. É de pessoas que falamos e não de números estatísticos.
Actualmente, acontece uma grande preocupação pelas estatísticas e ficamos contentes quando estas mostram algumas alterações positivas. Se isto é importante, a mensagem do amor ao próximo de Cristo leva-nos a olhar para aqueles que não se manifestam nem aparecem nesses dados parciais. Sabemos que são muitos os que recorrem aos Serviços Estatais e às Organizações da Igreja Católica. Muitas vezes são empurrados dum lado para o outro. É necessário conhecer as situações, as pessoas, dialogar com elas e não tratá-las como mais um número a integrar no sistema de beneficiários. Cada pessoa tem uma história própria e ninguém está livre de acabar a sua vida na miséria. Ajudemo-nos fraternalmente uns aos outros! São tantos os gritos e as bocas a clamar quem os escute e atenda!
Pessoalmente e por experiência quase diária, reconheço a existência de pessoas sem coragem para mostrar a sua real situação. Preferem passar mal por vergonha de falar e de não serem atendidos nas suas preocupações. Cresce o número destas pessoas. Só um coração que vê, escuta e atende conseguirá resolver as situações. Viver da Palavra abre o nosso coração aos que não falam por vergonha e faz das nossas comunidades lugares de habitação de Deus, pelo qual o cristão testemunha o seu amor aos irmãos. É tempo de perguntar como vivem, efectivamente, determinadas famílias em Vila Verde? Temos ou não responsabilidade de conhecer as situações com a caridade e discrição que elas exigem?
Rezemos a Maria, para que os governantes sejam bons administradores das coisas públicas. Sirvam, se não for em nome de Deus em nome da humanidade, todos os cidadãos com igual amor e verdade. Que não procurem comprar os necessitados com promessas que nunca encontram uma concretização e que estejam sempre ao serviço duma justa igualdade e duma fraternidade autêntica.
Como Maria, procuremos ir ao encontro de diversas formas de pobreza escondida e ousemos encontrar soluções justas. Os mais pobres terão de ser a nossa opção. Nesse sentido, preparemo-nos para saborear e comer o pão da vida, Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida de todo o homem.
Santuário de Nossa Senhora do Alívio, 19-09-2010
† Jorge Ortiga, A.P.

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