terça-feira, 28 de setembro de 2010

Processo judicial entre a Santa Casa da Misericórdia e a Paróquia de Matosinhos

Arquivo: Edição de 24-10-2001

SECÇÃO: Sociedade

Processo judicial entre a Santa Casa da Misericórdia e a Paróquia de Matosinhos
É preciso que o bispo autorize

O processo de querela judicial entre a Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos e a Paróquia de Matosinhos, com aquela a contestar o registo de propriedade da Igreja do Bom Jesus, por parte da segunda, o que esta fez, em tempo oportuno, sem contestação dos competentes registos oficiais, como o “Matosinhos Hoje” teve a oportunidade de, por diversas vezes, referir, conheceu agora o despacho da Meritíssima Juíza do 5º. Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Matosinhos, conforme documento que publicamos nesta edição e na íntegra, donde se pode concluír que o processo só poderá prosseguir se a Santa Casa conseguir autorização dada pelo Bispo do Porto, ou seja pela Diocese, para poder accionar a Paróquia, dado que, segundo a magistrada, nas conclusões do seu despacho considera que ao abrigo dos estatutos daquela instituição, esta carece de autorização da Diocese para colocar a acção, o que terá de conseguir, segundo aquela “sentença” no prazo de 60 dias, “sob pena de a ré (Paróquia) ser absolvida da instância”.
Trata-se duma decião judicial que, segundo alguns especialistas na matéria consultados pelo “Matosinhos Hoje” não poderia ser outra, uma vez que o nº. 4 do artº. 1º. dos estatutos da Santa Casa dizem “em conformidade com a natureza que lhe provém da sua erecção canónica, a Irmandade está sujeita ao Ordinário Diocesano de modo similar ao das demais associais de fiéis”.
Fica claro que a Diocese é a tutela da Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos, como se pode ler no texto de aprovação dos Estatutos, em 16 de Maio de 1983, por D. Júlio Tavares Rebimbas, no qual é bem explicita a seguinte passagem: “Erigir canonicamente e confirmar em pessoa moral eclesiástica a referida Irmandade da Santa Casa da Misericória do Bom Jesus de Matosinhos”.
Assim não o terá entendido a actual Mesa Administrativa que, desde o início do seu mandato sempre terá procurado furtar-se à referida tutela, uma vez que nem sequer foi solicitado, como parece ser reflectido nos estatutos, a homologação pelo Ordinário Diocesano dos Corpos Sociais então eleitos.
Acresce, ainda, que este comportamento de querela entre as duas instituições contraria os mais elementares preceitos e comportamentos duma ordem religiosa interpretada (e bem) na alínea d) do artº. 7º., quando trata da qualidade dos Irmãos, lendo-se que estes devem “aceitar os princípios da doutrina e da moral cristãs que informam a Instituição e que, consequentemente, não hostilizem, por qualquer meio, designadamente pela sua conduta social, ou pela sua actividade pública, a religião católica e os seus fundamentos”.
Mas as pessoas viraram as costas à “Constituição” e decidiram-se por uma “guerra santa”, atirando a discussão para as salas dos tribunais e para a discussão pública apaixonada, numa demonstração triste de ausência de sentido de tolerãncia que costuma ser o manto que cobre os verdadeiros católicos.
Esta “guerra santa” tem uma finalidade que não se percebe, uma vez que a propriedade da Igreja do Salvador de Matosinhos jamais será propriedade doutrém que não seja do povo de Deus de Matosinhos. Nunca ninguém ali poderá erguer outro imóvel que não seja o templo do Bom Jesus. Por isso...
São muitos os factos que confirmam que a Santa Casa da Misericórdia sempre aceitou que a Paróquia tratasse de dignificar o templo, não o deixando envelhecer e até entrar em agonia, como se pôde em tempos avaliar, culminando com o restauro do mesmo, no qual a Paróquia, dirigida pelo então rev. José Maria Fabião, ali investiu mais de 250 mil contos, pagos com a actividade do mesmo, conseguindo aliciar comparticipações públicas e privadas para o efeito. A Santa Casa, ali mesmo ao lado, paredes meias, jamais levantou qualquer obstáculo, o que seria natural que fizesse se se sentisse proprietária do imóvel do templo. Parece-nos ser um raciocínio natural.
Posição da Santa Casa
e da Diocese do Porto
Agora, face ao recente despacho judicial, falta saber qual a reacção dos gestores da Santa Casa. O “Matosinhos Hoje” procurou saber a verdade, enviando à Mesa da Santa Casa da Misericórdia um fax, em que se pedia o seguinte:
“Tendo tinho conhecimento, através dos colegas da comunicação social escrita, do despacho do Meritíssimo Juíz que remete o processo de querela entre a Santa Casa e a Paróquia sobre a legitimidade de propriedade da Igreja Paroquial do Bom Jesus de Matosinhos, para a necessidade duma autorização da Diocese do Porto para que a instituição que V. Exªs. dirigem possa accionar a Paróquia, vimos pela presente solicitar o favor da posição da Santa Casa face a tal despacho”.
A resposta, chegou até nós, pela mesma via, dizendo: “A Meritíssima Juiz decidiu suspender por sessenta dias a instância por entender que a Santa Casa da Misericórdia carece de autorização do Senhor Bispo. A Santa Casa, por não concordar, imediatamente instruíu o seu advogado para recorrer desse despacho, interpondo recurso. E, neste momento, o nosso Gabinete Jurídico prepara a repectiva contestação”.
Claro, portanto, que a Santa Casa irá recorrer da decisão que a obriga a pedir autorização ao Ordinário Diocesano.
Querendo o “Matosinhos Hoje” saber o que pensa também a Diocese do Porto desta situação, também enviou um fax para a Secretaria Geral da Diocese, solicitando:
“Tendo tido conhecimento do recente despacho do Meritíssimo juiz da Comarca de Matosinhos, o qual remete o processo de querela entra a Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos e a Paróquia, referente à outorga da legitimidade da propriedade da Igreja Paroquial do Bom Jesus de Matosinhos, para a necessidade da autorização da Diocese do Porto, no prazo de 60 dias, para que aquela Santa Casa possa recorrer aos tribunais, vimos solicitar que nos informem se esse pedido já foi formulado e se foi, ou for, será deferido pela Diocese.
Mais se pretende saber: se os actuais órgãos sociais da Santa Casa foram homologados pela Diocese, tal como nos faz crer os estautos dada “a natureza que lhe provem da sua erecção canónica, a Irmandada está sujeita ao Ordinário Diocesano de modo similar ao das demais associações de fiéis (nº. 4 do artº. 1º.)”.
A Secretaria Geral da Diocese respondeu-nos, declarando que “A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do Bom Jesus de Matosinhos não formulou qualquer pedido de autorização a que se refere.
Acerca da homologação dos actuais orgãos sociais da mesma Instituição a resposta e: “nada consta”.”
E agora?
Face a tudo isto tudo faz adivinhar que a contenda judicial vai continuar perante a estranheza da maioria do povo de Matosinhos que não percebe uma querela desta natureza entre gente católica, respeitadora do Bom Jesus. Bom seria que se pudesse chegar a um ponto de consenso, não inventando uma “guerra santa” passados tantos e tantos anos e durante os quais nunca ninguém se preocupou com a propriedade da igreja, porque sempre se soube que o verdadeiro proprietário era o Bom Jesus de Matosinhos e este distribui os seus bens pelo seu povo – o povo de Deus de Matosinhos.
O que é preciso é que haja quem preserve esse património, quem o dignifique, e tal comportamento, ao longo dos tempos quase só existiu através da Paróquia, culminando com as recentes obras de elevado custo e que só se fizeram porque o Pároco e a Fábrica da Igreja nisso apostaram, mesmo enfrentando dificuldades, tudo isto, segundo parece saber-se, perante o silêncio da Santa Casa.
Que o Bom Jesus de Matosinhos ilumine algumas cabeças e faça sobre elas descer a tolerância e o desejo de terminar uma guerrilha que em nada serve o comportamento cristão e católico e nada prestigia uma terra que faz do Bom Jesus a sua referência de vida.
O recente despacho judicial
“Despacho saneador.
O tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Não há nulidades, sendo o processo o próprio.
As partes têm personalidade judiciária.
Da capacidade judiciária da autora:
Na sua contestação veio a ré invocar a falta de capacidade judiciária da autora, por falta de autorização necessária a conceder pela autoridade eclesiástica competente para a propositura desta acção.
Alega para tal que a autora é, de um ponto de vista jurídico, uma associação diocesana pública de fiéis, constituída e integrada na ordem jurídica canónica, da Instituição da Igreja Católica, artº. 1º., nº. 1 do seu Compromisso e Canones 298, 301, 3º. e 312 do Código do Direito Canónico.
Não sendo, por isso, uma associação de direito privado, maxime do tipo das previstas no artº. 157º. do Código Civil, desde logo porque a sua constituição e aquisição de personalidade jurídica não resultam de escritura pública, consoante o disposto no art. 158º. do mesmo Código, antes resultando o seu reconhecimento, apesar de também normativo (por contraposição ao reconhecimento por concessão), não do disposto nesta norma, mas, sim, da participação da sua erecção canónica feita pelo Ordinário Diocesano aos serviços competentes do Estado Português – cfr. artº. 1º., nº. 3 do seu Compromisso e artº. 45º. do Decreto-Lei 119/83 de 25 de Fevereiro. É assim a autora uma associação diocesana pública de fiéis constituída na ordem jurídica canónica e reconhecida pelo Estado Português, porquanto:
a) possui erecção canónica (Cânone 301, 3º.), outorgada por decreto de Sua Excelência Reverendíssima Dom Júlio Tavares Rebimbas, Arcebispo-Bispo do Porto, datado de 16 de Maio de 1983, ou seja, foi instituída por decreto eclesiástico episcopal;
b) b) decreto pelo qual foram também aprovados os seus actuais Estatutos;
c) tais erecção e aprovação de estatutos foram comunicadas pelo ordinário diocesano competente ao Estado Português.
Do exposto decorre que a autora só tem personalidade jurídica, porquanto o estado Português a reconhece às associações ou organizações da Igreja Católica.
Reconhecimento esse, resultado de simples participação escrita à autoridade competente do estado Português feita pelo Bispo da diocese da sua sede, no caso pelo Arcebispo-Bispo do Porto – art. III da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa e art. 45º. do Decreto-Lei 119/83, de 25 de Fevereiro.
A personalidade jurídica e a respectiva capacidade judiciária da autora – artº. 5º., nº. 2 do C.P. Civil – dimanam assim, em última análise, do art. I da Concordata (que é um tratado ou convenção internacional) pelo qual a República Portuguesa reconheceu personalidade jurídica à Igreja Católica.
Acresce a isso que todos os “bens temporais” que pertençam a pessoas jurídicas públicas na Igreja são havidos como “bens eclesiásticos” e regem-se pelos cânones do Livro V do Código do Direito Canónico e pelos estatutos próprios – Cânone 1257, 1º..
Donde se segue que os bens eclesiásticos são administrados pela associação pública legitimamente erecta, em conformidade com os Estatutos, mas sob a direcção superior da autoridade eclesiástica, isto é, do Ordinário Diocesano – Cânones 319, 1º., nº. 3., e artº. 1º., nº. 4 do Compromisso da autora.
Ora, dispõe a legislação eclesiástica, que os administradores não podem propôr nem contestar nenhuma acção no foro civil em nome da pessoa jurídica pública na Igreja sem licença prévia do Ordinário próprio, dada por escrito – Cânone 1288.
Autorização que a autora nem pediu, nem, por maioria de razão, obteve, e nem sequer alegou tê-la pedido.
Do exposto se concluiu que a autora, enquanto pessoa jurídica pública na Igreja, não podia intentar a presente acção sem para tal possuir licença ou autorização prévias do Ordinário diocesano – Cânone 1288 e artº. 1, nº. 4 do seu Compromisso.
De todo o aqui exposto resulta que a acima articulada falta de autorização necessária a conceder pela autoridade eclesiástica competente (Ordinário Diocesano) para a propositura da acção que ora se contesta constituiu excepção dilatória determinante de suspensão, primeiro e de absolvição da instância, depois, se não for sanada no prazo que for determinado – arts. 25º., 495º., alínea d) e 288º., nº. 1, alíena e), todos do C.P. Civil.”
Conclusão
“Na sua réplica vem a autora dizer que é uma associação privada de fiéis, pelo que tem inteira autonomia para intentar a presente acção, sem carecer, para o efeito, de autorização do Ordinário Diocesano.
Ainda que assim não fôsse, a verdade é que, versando os presentes autos sobre o direito de propriedade de um prédio urbano sito em território português, a nossa Lei Civil considera-se exclusivamente aplicável e competente, com exclusão de qualquer outra, nos termos do disposto no artº. 46º. do C.C.
Se se pudesse entender que a A., para propor a presente acção – que, note-se, é movida contra a Fábrica da Igreja de Matosinhos, que é uma instituição pública da Igreja -, carecia de prévia autorização do Ordinário Diocesano, estar-se-ia a legitimar uma violação do disposto no supra referido artº. 46º. do CC, porquanto bastava que o Ordinário Diocesano não conferisse a dita autorização, para a questão de saber se a A. é ou não proprietária da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, deixar de poder ser resolvida em conformidade com a Lei Portuguesa.
Acresce que, como ensina o Cónego Doutor José António Gomes da Silva Marques, o Código de Direito Canónico de 1983, no seu cânone 1401, prescindiu por completo da chamada jurisdicional baseada no privilégio do foro, sendo certo que nem nele, nem nos seguintes, se faz referência alguma às causas de foro misto, a saber; o canónico e o civil.
Com efeito, tendo em conta a Cons. Ap. de João Paulo II, Sacrae disciplinae leges e a Const. Pastoral do Vaticano II, na parte que se referem a esta matéria, pode dizer-se que se explica que no novo cânone 1401, o legislador tenha prescindido de toda a referência ao privilégio do foro, do que resulta uma renúncia implícita pela Igreja deste secular privilégio, podendo mesmo dizer-se que a Igreja prescindiu de regular as questões em que há uma situação de conflito entre duas jurisdições, que se consideram igualmente competentes para conhecer de uma determinada questão que se torna conflituosa.
Esta nova posição da Igreja expressa no actual Código de Direito Canónico, justifica-se por várias ordens de razão, sendo a primeira a que ela espera que estas questões não se dêem no futuro, já que, seguindo o espírito do Concílio Vaticano II – no que toca à distinção de esferas de autonomia do temporal e do sobrenatural -, a nova disciplina legislativa da Igreja haveria de ficar liberta de aderências temporalistas, originantes, em tantas ocasiões, destes conflitos.
Outra justificação, é a que decorre do facto de estes conflitos interjurisdicionais da Igreja com uma comunidade política, ainda que tenham a sua raíz num fenómeno de atribuição de competências de carácter interno, não deixam de pertencer, na sua proposição e regulação, à esfera do Direito público externo, que não foi incluído no novo Código de Direito Canónico.
Por último, tendo em conta que o Código de Direito Canónico dirige-se à Igreja Latina, e é portanto chamado a regular a vida da igreja no meio de uma sociedade intensamente secularizada, as novas condições de vidas reconhecidas pelo Concílio Vaticano II puderam influir para renunciar pelo menos a legislar sobre um tema relativamente ao qual, se surge questão, esta será rara e excepcional, bem como praticamente de difícil proposição processual, quer se a Igreja e a comunidade política desenvolvem as suas relações num sistema pleno de separação, quer se, pelo contrário, existe entre elas um sistema de relações concordadas, porque, nesse caso, será o Pacto Internacional que estabelece o espaço legislativo em que há-de residir a solução dos hipotéticos conflitos de foro misto. Sendo certo que, a Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português, data de 1940, não se refere às questões de foro misto, talvez por praticamente não se proporem entre nós essas questões interjurisdicionais.
Quer isto dizer que, mesmo aceitando que a Irmandade A. é uma Associação Pública de Fiéis, a verdade é que, dado não prosseguir fins meramente religiosos, está sujeita a uma dupla jurisdição, a saber:
- À dos Tribunais Eclesiásticos, no que respeita a questões relacionadas com a esfera do sobrenatural, de, com a integridade da fé e dos costumes, bem como com os abusos de disciplina eclesiástica (cânone 305).
- À dos Tribunais Comuns, no que toca a todas as restantes questões temporais, sendo que a que está em discussão nos presentes autos é um dos exemplos, posto que nela não está em causa a integridade da fé e dos costumes, nem tão pouco eventuais abusos da disciplina eclesiástica.
Ainda que assim não fosse, de, ainda que houvéssemos que entrar em conta com o regime do Código do Direito Canónico para resolver esta questão, e segundo o douto Parecer do Ilustre Canonista supra citado, a verdade é que a ausência da autorização prescrita no cânone 1218, implicaria, tão somente a obrigação do seu autor, in casu, a Autora, de reparar eventuais danos que daí adviessem para o património eclesiástico, obrigação esta que, nada tem a ver com a alegação da R. no que toca à suposta (in)capacidade judiciária da Autora, e que o mesmo Ilustre Cónego entende, in casu, nem sequer existir, dado o comportamento da A., junto do Ordinário próprio – concretamente o Sr. Bispo do Porto -, anterior à propositura da questão, no foro judicial civil, do seu direito de propriedade sobre a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos.
Cumpre decidir.
Por força da Concordata celebrada entre Portugal e a Santa Sé, em 7 de Maio de 1940, a Igreja Católica pode organizar-se livremente, de harmonia com as normas de direito canónico, e constituir por essa forma associações, corporações ou institutos religiosos, canonicamente erectos, a que o estado Português reconhece personalidade jurídica.
As Irmandades da Misericórdia constituem associações da Igreja Católica, no expresso reconhecimento do artigo 49º. do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo DL nº. 119/83 de 25 de Fevereiro.
Nos termos do disposto pelo artigo 45º. desse diploma legal, a personalidade jurídica das instituições canonicamente erectas resulta da simples participação escrita da erecção canónica feita pelo bispo da diocese onde tiverem a sua sede, ou por seu legítimo representante, aos serviços competentes para a tutela das mesmas instituições.
O mesmo se depreende do artigo 1º. nº. 3 dos compromissos (estatutos) da autora.
Resulta dos autos que a autora possui erecção canónica, outorgada por decreto eclesiástico episcopal, decreto pelo qual foram também aprovados os estatutos actuais, sendo que a sua erecção canónica e a aprovação dos estatutos foram comunicados pelo ordinário diocesano competente ao Estado Português.
Assim podemos concluir estar perante uma pessoa jurídica canónica, e não uma entidade privada, que teria a sua origem na vontade dos fiéis que a pretendem criar, e que de per si não têm personalidade jurídica, podendo adquiri-la se a competente autoridade eclesiástica aprova os seus estatutos e, a seu pedido, lhes concede a personalidade.
Face a tal, podemos concluir que a autora é uma associação diocesana pública de fiéis ou uma pessoa jurídica pública canónica.
Chegados a esta conclusão cabe agora saber se, é de facto necessária a autorização do Ordinário Diocesano competente para a propositura da presente acção.
Nos termos do disposto no artigo 1º. nº. 4 dos compromissos (estatutos) da autora, em conformidade com a natureza que lhe provem da sua erecção canónica a Irmandade está sujeita ao Ordinário Diocesano de modo similar ao das demais associações de fiéis.
Por outro lado, o Cânone 1288 do Código de Direito Canónico, dispõe o seguinte: “Os administradores não proponham nem contestem nenhuma acção no foro civil, em nome da pessoa jurídica pública, sem licença prévia do ordinário próprio, dada por escrito”.
Finalmente prevê o art. 69º. nº. 1 do DL nº. 119/83 de 25/02 que às irmandades da misericórdia se aplica directamente o regime jurídico previsto no presente diploma, sem prejuízo das sujeições canónicas que lhes são próprias.
Atento o que fica preceituado nestes artigos, parece-nos não haver dúvidas que é aplicável ao caso dos autos, o previsto pela cânone 1218 do Código do Direito Canónico.
Mas qual a consequência resultante de tal falta de autorização?
Nos termos do disposto no artigo 9 do CPC, a capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo, e tem por base e por medida a capacidade do exercício do direito.
Num sentido amplo, a incapacidade judiciária abrange, além da incapacidade em sentido restrito, a irregularidade de representação e a falta de autorização, outorga da deliberação exigida por lei, e do seu suprimento judicial quando possível. Um e outro destes vícios são sanáveis nos termos dos artigos 23º., 24º. e 25º. do CPC, de contrário, conduzem à absolvição da instância, nos termos do disposto no artigo 288º. do CPC.
Assim, para aferir da capacidade da autora para intentar a presente acção, necessário se torna verificar se a legislação canónica a que está sujeita, exige ou não alguma autorização, e decorre do cânone 1288 que sim.
Ora, nos termos do disposto no artigo 25º. nº. 1 do CPC, se a parte estiver devidamente representada, mas faltar alguma autorização ou deliberação exigida por lei, designar-se-á o prazo dentro do qual o representante deve obter a respectiva autorização ou deliberação, suspendendo-se entretanto os termos da causa, nos termos do nº. 2 do mesmo artigo, não sendo a falta sanada dentro do prazo, o réu é absolvido da instância, quando a autorização ou deliberação, devesse ser obtida pelo representante do autor.
Pelo exposto decide-se:
Suspender a presente instância pelo prazo de 60 dias, para que a autora nesse prazo obtenha a autorização supre referida, sob pema de a ré ser absolvido da instância.
Notifique.”

Matosinhos Hoje

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